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Processo n.º 368/2006 Data do acórdão: 2011-5-19
(Autos de recurso civil)
  Assuntos:
  – interrupção da prescrição
– pedido de citação
– art.o 315.o, n.o 2, do Código Civil de Macau
– impugnação pauliana
– prova
– má fé
– dolo
S U M Á R I O
1. Mesmo que não se saiba ao certo a data de recepção efectiva da citação, sempre se tem por interrompido, por comando expresso do n.o 2 do art.o 315.o do Código Civil (que, tal como o n.o 2 do art.o 323.o do texto então vigente em Macau do Código Civil Português de 1966, tutela indubitavelmente a posição de toda a parte credora), o prazo de prescrição, logo que decorreram os cinco dias contados do pedido de realização da citação, e se a citação não tiver sido feita, por causa não imputável à pessoa requerente, dentro de cinco dias depois de requerida.
2. À falta da prova – onerada nos ombros das duas rés ora recorrentes contra quem foi deduzido o pedido de impugnação pauliana do acto de compra e venda, entre si, das seis fracções autónomas da 2.a ré – de que esta ré possui bens penhoráveis de igual ou maior valor, e enquanto os elementos constantes dos documentos anteriormente juntos aos autos pela parte pretendente da impugnação já fornecem alicerce razoavelmente segura para se responder judicialmente à matéria fáctica então quesitada no sentido da efectiva constatação da consciência, por parte das duas rés, do prejuízo que o dito acto de compra e venda causa à parte pretendente da impugnação, não podem as duas rés imputar ao tribunal a quo o erro na apreciação da prova.
3. Sendo in casu todos os créditos em questão sobre a 2.a ré anteriores ao dito acto de venda, este acto está efectivamente sujeito à impugnação pauliana, porquanto as duas rés agiram de má fé na prática desse acto oneroso, ou seja, agiram com “consciência do prejuízo que o acto causa” à parte pretendente da impugnação.
4. Portanto, para o provimento do pedido de impugnação, não se exige à parte pretendente, por logicamente descabida, a feitura da prova de “ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor”, por esta prova só ser legalmente necessária, quando os créditos em questão forem posteriores ao acto objecto de impugnação.
O relator por vencimento,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 368/2006
(Autos de recurso civil)
Autora: C
Interveniente (Recorrente): F
1.a Ré (Recorrente): A
2.a Ré (Recorrente): B




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
Nos presentes autos de recurso civil n.o 368/2006 deste Tribunal de Segunda Instância, e na sequência do determinado no douto Acórdão de 23 de Maio de 2007 do Processo (de recurso civil) n.o 24/2007 do Venerando Tribunal de Última Instância, foi apresentado pelo M.mo Juiz Relator à discussão e deliberação do presente Tribunal Colectivo ad quem o seguinte douto Projecto de Acórdão:
– <<[…]
Relatório

1. C propôs, no T.J.B., acção ordinária de condenação contra (1ª) A e (2ª) B.
  
  Alegou nos termos seguintes:
“ 1º A tem por objecto o comércio de importação e exportação, bem como a venda de automóveis e acessórios para automóveis (doc. n° 1, que se junta e dá por inteiramente reproduzido ).
2º B tem por objecto a compra e venda de automóveis e acessórios para automóveis, bem como a sua importação e exportação (doc. n° 2 que se junta e dá por inteiramente reproduzido).
3º Por douta sentença transitada em julgado aos 09/10/1998 e proferida nos autos da acção declarativa com processo ordinário registado neste Tribunal sob o n° 167/95 que correu os seus termos no 5º juízo, 5ª Secção, foi decidido:
- Julgar improcedente e não provada a acção interposta pela Autora "B", ora Segunda Ré e, em consequência, absolver a Ré C do pedido.
- Julgar procedente e provada a reconvenção e, em consequência, condenar a referida sociedade a restituir à C, ora Autora a quantia de HK$211,208.00 (duzentos e onze mil, duzentos e oito dólares de Hong Kong) (doc. n° 3 que protesta juntar).
4º Sucede que a Segunda Ré não obstante diversos avisos e solicitações feitos pela ora Autora, nunca devolveu ou pagou aquele montante.
5º Assim, por apenso à Acção Declarativa com processo comum ordinário, a ora Autora interpôs no dia 14/05/1999, Execução de Sentença, que sob o n° 167/95-A corre os seus termos pelo 5º Juízo deste douto Tribunal, na qual é Exequente a ora Autora, C, e Executada, a Segunda Ré (doc. n° 4 que protesta juntar-se).
6º Nessa Execução de Sentença e no uso da faculdade prevista no n° 3 do art° 811º do CPC de 1961, foram logo indicados no requerimento inicial os seguintes imóveis a penhorar;
Fracções autónomas "A YR/C", "AZR/C", "BAR/C", "BBR/C", "BCR/C" e "BDR/C" todas do Rés do Chão, para comércio, do prédio com os números 161 a 327 da Rua do padre Eugénio Taverna e nºs XX a XX da Avenida Venceslau de Morais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n° 21559, a fls. 133 do livro B-51, inscrito na matriz predial da freguesia de Nossa Senhora de Fátima sob o n° 71752 (cfr. o referido doc. n° 4).
7º No dia 26/05/1999 e por douto despacho do Meritíssimo juiz foi ordenada a penhora das fracções autónomas acima referidas (cfr. o referido doc. n° 4).
8º O respectivo termo de penhora foi lavrado no dia 31/05 do mesmo ano (cfr. o mesmo doc. n° 4).
9º Tendo sido registada a penhora sobre as referidas fracções junto da Conservatória do Registo Predial de Macau, em 25/06/1999 (doc. n° 5 que ora se junta e dá por inteiramente reproduzido).
10º Acontece que no dia 25/05/1999, (um dia antes de do despacho que ordenou a penhora), no Escritório do Notário Privado Ricardo Sá Carneiro, compareceram os Srs. D na qualidade de Gerente e em representação da Segunda Ré, B, e E na qualidade e em representação da Primeira Ré, A e outorgaram a fls. 86 e ss. do livro 10, a escritura de compra e venda precisamente daquelas seis fracções acima identificadas (doc. n° 6 que se junta e dá por inteiramente reproduzido ).
11º Na referida escritura, e pelo preço global de MOP$618,000.00 (seiscentas e dezoito mil patacas), a Segunda Ré vendeu à Primeira Ré todas as seis (6) fracções autónomas em questão (cfr. o referido doc. n° 6), que eram únicos bens daquela sociedade.
12º O preço de venda é irrisório, porquanto o valor matricial total dessas mesmas fracções, à data da referida transação era de MOP$2,420,240.00 (dois milhões, quatrocentas e vinte mil, duzentas e quarenta patacas) (docs. nos 7 a 12 que se juntam e dão por reproduzidos).
13º O registo da compra e venda das referidas fracções autónomas foi efectuado a 28/05/1999, junto da Conservatória do Registo Predial a favor da Primeira Ré, A (cfr. o referido doc. n° 5).
14º O D, era, à data da escritura de compra e venda das fracções acima indicadas, sócio-gerente da Segunda Ré, B (cfr. o dcos. n° 2).
15º Ao mesmo tempo era e é, também, gerente da Primeira Ré, A (cfr. o doc. n° 1).
16º Podendo a sua assinatura, à data da celebração da referida escritura de compra e venda, obrigar qualquer uma das duas sociedades em questão (cfr. os docs. nos 1 e 2).
17º O E, por seu lado, era sócio-gerente da segunda Ré, B (cfr. o doc. n° 2).
18º Ao mesmo tempo que era e é, também, gerente da A (cfr. o doc. n° 1), com iguais poderes referidos no artigo 16°.
19º Para além disso D e E são irmãos.
20º D e E enquanto sócio-gerentes daquelas sociedades estavam a par dos negócios, créditos e débitos que ambas as sociedades têm no mercado, nomeadamente do crédito da ora Autora.
21º Bem sabiam que desde 9/10/98, data do trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal Superior de Justiça de Macau, a Segunda Ré, B, tinha sido condenada a pagar à Autora o valor de HKD$211,208.00, acrescido de juros de mora, á taxa legal, calculados desde a data do trânsito em julgado do Acórdão (cfr. docs. nºs 3 e 4).
22º Mesmo assim, constituíram a A (primeira Ré e actual proprietária dos imóveis), um mês e nove dias depois do trânsito em julgado do Acórdão ou seja, dia 18/11/98 no escritório do Notário Privado António Baguinho (Doc. n° 13 que protesta juntar).
23º A segunda Ré, B, através dos seus representantes, ao vender todas as fracções autónomas acima referidas, sabia, conscientemente, que estava a afastar da sua esfera patrimonial património que permitia a Autora satisfazer o seu crédito.
24º A Primeira Ré, A, através dos seus representantes, ao comprar todas as fracções autónomas acima referidas, sabia, conscientemente, que estava a afastar da esfera patrimonial da Segunda Ré, património que permitia a Autora satisfazer o seu crédito.
25º Fazendo-o dolosamente, pois bem sabiam que era o único meio da Autora obter o pagamento do seu crédito.
26º Em conluio e, com manifesta má fé, pois o D quando na qualidade de gerente e em representação da B outorgou a venda das fracções em questão a favor de uma sociedade em que também é gerente (A) e, que por coincidência têm nome semelhante!!!
27º O mesmo se afirma em relação ao E, pois sendo sócio-gerente e actuando em representação da outorgante compradora (A) sabia que ao outorgar a referida escritura de compra e venda estava a comprometer a possibilidade da credora, ora Autora, em obter o pagamento do seu crédito.
28º Aliás, após a venda extinguiram-se todas as possibilidades de ressarcimento da Autora, uma vez que desapareceram os únicos bens que constituíam a garantia patrimonial do seu crédito.
29º O crédito da Autora é anterior à compra e venda dos bens por parte das Rés.
30º O acto de compra e venda foi realizado dolosamente, pois com o único e exclusivo intuito das Rés, como acima se demonstrou, era impedir a Autora de satisfazer o seu crédito.
31º Neste momento, dada a conduta das Rés, a impossibilidade de satisfação do crédito da Autora é total.
32º Ambas as Rés agiram com manifesta má-fé, em combinação e conjugação de esforços e tinham absoluta consciência do prejuízo que iriam causar à Autora com a sua conduta.
33º Houve um acto das Rés que originou o desaparecimento total da garantia patrimonial do Autora.
34º Acresce ainda que, Primeira Ré, A, após a compra das referidas fracções veio embargar a execução invocando que as mesmas lhe pertencia (cfr. doc. n° 4).
35º Razões porque se entende reunidos todos os requisitos previstos no art° 605º do CC, para que seja deferida a presente impugnação pauliana.”

  A final, pediu a condenação das RR. “à restituição do vendido na medida do interesse da Autora, para satisfação dos seus créditos”; (cfr. fls. 2 a 9).

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Contestou a (1ª) R. “A”, pedindo a total “improcedência da acção com a consequente absolvição das RR. do pedido”; (cfr., fls. 205 a 212-v).

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Por sua vez, e depois de citado, veio também o administrador da massa falida no processo de falência da (2ª) R. “B” apresentar contestação, pedindo, a final, a nulidade da citação da falida feita na pessoa do administrador ou, subsidiariamente, a procedência da excepção dilatória da falta de interesse processual do administrador da falência, com a sua consequente absolvição da instância; (cfr. fls. 286 a 287-v).

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Seguidamente, veio a “F” deduzir incidente de intervenção principal espontânea, pedindo a notificação da A. e RR. assim como a “procedência da impugnação da venda de fracções entre as RR., passando as fracções em causa a responder pela totalidade da dívida da 2ª R. para com a Interveniente”; (cfr., fls. 294 a 305).

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Notificada da supra referida pretensão, (intervenção principal espontânea), deduziu a (1ª) R. “A” oposição, alegando a prescrição do crédito da interveniente, e, a título subsidiário, a improcedência do pela mesma peticionado; (cfr., fls. 469 a 477).

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Conclusos os autos ao Mmº Juiz, julgou o mesmo procedente a excepção dilatória da falta de interesse processual arguida pelo administrador da massa falida da (2ª) R. “B”; (cfr. fls. 492 a 493).

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Na sequência do assim decidido, e procedentes que entretanto foram julgados os embargos à declaração de falência da (2ª) R. “B”; a mesma contestou e deduziu oposição ao pedido de intervenção principal expontânea da “F”; (cfr. fls., 605 a 612).

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Oportunamente, após réplica da interveniente (“F”), proferiu-se despacho saneador admitindo-se a sua intervenção, julgando-se improcedente um pedido pela (1ª) R. “A” entretanto deduzido no sentido de ser extemporânea a réplica pela referida interveniente apresentada, seleccionando-se e elencando-se a matéria de facto provada e a que constituía a base instrutória; (cfr., fls. 626 a 627 e 709 a 715).

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Inconformada com a improcedência do seu pedido no sentido de ser extemporânea a réplica da interveniente, a (1ª) R. “A” recorreu; (cfr. fls. 725).

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Admitido o recurso (com subida diferida), seguiram os autos os seus termos, e, após julgamento, proferiu-se sentença decidindo-se “condenar a (2ª) R. “B” a restituir à (1ª) R. “A” o vendido na medida do interesse da A. C para satisfação do seu crédito, com os efeitos do artº 606º do Código Civil”; (cfr., fls. 1161 a 1189).

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Notificada do assim decidido, requereu a interveniente “F” a aclaração da sentença “de modo a esclarecer se o pedido da interveniente e respectiva matéria de facto provada foram considerados na sentença ...”; (cfr. fls. 1195).

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Por sua vez, e porque inconformadas com o decidido na sentença, as (1ª e 2ª) RR. recorreram; (cfr., fls. 1199 a 1200).

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Em relação ao pedido de aclaração, proferiu-se o despacho seguinte:
“Fls. 1195
Efectivamente existe um lapso, ou até uma omissão, na medida em que foi tirada do computador a primeira versão (e não a actualizada) da sentença e como tal foi omissa a menção da interveniente, cujo pedido obviamente, procede em face do raciocínio da argumentação expendido na sentença. Mas existe dúvida, neste momento, quanto à a legitimidade ou até a legalidade de se proceder à inclusão da parte omissa na sentença anteriormente proferida.
Por outro lado, considerando que contra a decisão já foi interposto o competente recurso, o Tribunal decide manter tal qual a sentença, deixando ao venerado Tribunal de recurso pronunciar-se sobre este ponto omisso, o que, parece-nos, é mais razoável e legítimo.
Fica, assim, ainda que de modo formal, atendido o pedido da interveniente.
Sem custas”; (cfr. fls. 1206).

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Notificada do assim decidido, a “F” recorreu; (cfr., fls. 1212).

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Admitidos os recursos, vieram os autos a esta Instância.

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Em sede de apreciação dos recursos interpostos, decidiu-se julgar improcedente o recurso (interlocutório) pela (1ª) R. “A” interposto do despacho que indeferiu o seu pedido no sentido de considerar extemporânea a réplica da interveniente “F”, declarando-se nula a sentença recorrida (por omissão de pronúncia quanto ao pedido deduzido pela interveniente), e, considerando-se que os autos não forneciam os necessários elementos para se proferir decisão, determinou-se a devolução dos autos ao T.J.B. para, após se apurar se ocorreu a notificação pela interveniente alegada se decidir sobre os pedidos deduzidos nos mesmos autos; (cfr., Ac, deste T.S.I., a fls. 1360 a 1390-v).

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Inconformada com o segmento decisório que determinou a devolução dos autos ao T.J.B., a interveniente “F” recorreu; (cfr., fls. 1395 a 1404).

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Remetidos os autos ao Vdo T.U.I., e por douto Acordão, decidiu-se revogar, na parte em questão, o aresto por este T.S.I. proferido, determinado-se que se “conheça do pedido deduzido pela mesma interveniente, incluindo, se por caso disso, da excepção de prescrição, com base nos factos provados na sentença da primeira instância e de quaisquer factos alegados que devam ser provados por documentos, procedendo às diligências instrutórias que entender adequadas, devendo ainda conhecer dos recursos interpostos pelas rés”; (cfr., a fls. 1454 a 1461).

*

Devolvidos os autos a este T.S.I., proferiu o relator o despacho com o qual se determinou a notificação da Interveniente para, querendo, vir juntar o original de documentos que antes tinha junto em fotocópia; (cfr., fls. 1478 a 1478-v).

*

Após prorrogação do prazo para tal efeito, veio a Interveniente juntar os documentos que ora constam a fls. 1486 a 1508 e 1511 a 1515.

*

Seguidamente, a 1ª R. e recorrente “A”, alegando, (em síntese), que a Interveniente e também recorrente, “F”, encontrava-se em liquidação, veio requerer a notificação dos seus liquidatários para ratificarem todo o processado, suspendendo-se entretanto a instância; (cfr., fls. 1541 a 1545).

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Após oposição da “F”, decidiu-se indeferir o requerido; (cfr., fls. 1584).

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Do assim decidido, veio a 1.ª R. e recorrente “A”, reclamar para a conferência; (cfr., fls. 1586 a 1591).

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Respondendo, considera a “F” que se deve indeferir a reclamação apresentada; (cfr., fls. 1595 a 1598).

*

Cumpre decidir.

2. Fundamentação

2.1 Da reclamação

Tem o despacho ora reclamado o teor seguinte:
“Fls. 1541 e segs – Atento o disposto nos artºs 255º e 258º do C.C.M., e afigurando-se-nos que a procuração pela Interveniente outorgada a favor dos Exmºs Advogados que a representam nos p. autos mantem a sua validade, indefere-se o requerido.
Notifique.
(...)”; (cfr., fls. 1584).

Reflectindo sobre o assim decidido, e ponderando no alegado pela ora reclamante, cremos porém que motivos não há para se alterar o despacho ora reclamado.

Diz a reclamante que a decisão em causa não ponderou na existência de (eventuais) normas especiais, invocando, se bem ajuizamos, o art. 1095º, nº 3 e 1115º, nº 1 do C.P.C.M..

Ora, preceitua o art. 1095º do dito código que:
“1. A declaração da falência produz a inibição do falido para administrar e dispor dos seus bens presentes ou futuros, os quais passam a integrar a massa falida.
2. Ao falido é lícito, em qualquer caso, adquirir pelo seu trabalho meios de subsistência.
3. O administrador da falência assume a representação do falido para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à falência.”

Por sua vez, estatui o art. 1115º, nº 1 do mesmo diploma legal que:
“O mandato conferido também no interesse do mandatário e a comissão não se extinguem necessariamente com a declaração da falência do mandante ou do comitente, podendo o administrador da falência, com a autorização do Ministério Público, optar pela manutenção ou pela revogação do contrato; a revogação não depende do acordo do mandatário ou do comissário nem confere direito a indemnização.”

E sem prejuízo do muito respeito por entendimento diverso, afigura-se-nos que dos normativos transcritos não se retira o que pretende a ora reclamante, ou seja, a “caducidade do mandado”.

Com efeito, e tal como considera a Interveniente (reclamada), cremos pois que o contrato de mandato (celebrado também no interesse do mandatário) não caduca necessariamente com a declaração de falência do mandante, antes competindo ao liquidatário judicial optar entre a sua continuação ou a sua revogação unilateral, o mesmo entendimento sendo de adoptar se tal contrato tiver sido celebrado apenas no interesse do mandante – cfr., neste sentido, Oliveira Ascensão in “Efeitos da Falência Sobre a Pessoa e Negócios do Falido”, in ROA, ano 55/1995, pág. 667; Carvalho Fernandes e João Labareda in “CPEREF Anotado”, Maria do Rosário Epifânia in “Efeitos Substantivos da Falência”, págs. 314 a 316 e Catarina Serra, in Scientia Ivridica, ano de 1998, págs. 307 e 308.

Assim, e porque nunca existiu pronúncia de quem quer que seja no sentido de que caduco está o mandato em questão, motivos não há para se julgar procedente a presente reclamação.

Continuemos, passando agora para a apreciação dos recursos.

2.2. Dos recursos

Dos factos

Estão provados os factos seguintes:
“Da Matéria de Facto Assente:
- A sociedade A tem por objecto o comércio de importação e exportação, bem como a venda de automóveis e acessórios para automóveis (alínea A da Especificação).
- A B, tem por objecto a compra e venda e automóveis e acessórios para automóveis, bem como a sua importação e exportação (alínea B da Especificação).
- Por decisão judicial transitada em julgado em 9 de Outubro de 1998, proferida nos autos que correram termos no 5° JuÍzo deste Tribunal sob o n° 167/95, foi a ora Ré B, condenada a restituir à ora Autora, C, a quantia de HKD$211,208.00 (alínea C da Especificação).
- Por apenso à acção referida na alínea anterior, a ora Autora instaurou execução para pagamento de quantia certa contra a ora Ré B (alínea D da Especificação).
- No âmbito desse processo executivo, foi proferido, no dia 26 de Maio de 1999, despacho a ordenar a penhora das fracções autónomas "A YR/C", "AZR/C", "BAR/C", "BBR/C", "BCR/C" e "BDR/C", todas do Rés-do-chão, para comércio, do prédio com os números XX a XX da Rua do Parde Eugenio Tavema e nos 190 a 216 da Avenida Venceslau de Morais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n° 21559, a fls. 133 do livro B51, inscrito na matriz predial da freguesia de Nossa Senhora da Fátima sob o n° 71752 (alínea E da Especificação).
- A penhora foi efectivada através de termo lavrado no dia 31 de Maio de 1999, tendo sido registada na Conservatória do Registo Predial de Macau em 25 de Junho de 1999 (alínea F da Especificação).
- No dia 26 de Maio de 1999, através de escritura exarada no Cartório do Notário Privado, Ricardo Sá Carneiro, D, na qualidade de gerente e em representação da B, declarou vender à sociedade A, que declarou aceitar tal venda, pelo preço global de seiscentas e dezoito mil patacas (MOP$618,000.00), as fracções autónomas referidas supra na alínea e) desta matéria de facto assente (alínea G da Especificação).
- O valor matricial total dessas fracções era, em 26 de Maio de 1999, de MOP$2,420,240.00 (alínea H da Especificação).
- Em 28 de Maio de 1999, foi inscrita, na Conservatória do Registo Predial de Macau, a aquisição das ditas fracções autónomas a favor da ora Ré A (alínea I da Especificação).
- Em 26 de Maio de 1999, D era sócio-gerente da B e gerente da sociedade A, ora segunda e primeira Rés, respectivamente (alínea J da Especificação).
- Na mesma data, E era sócio da ora segunda Ré e gerente da 1ª Ré (alínea L da Especificação).
- A Ré B é, desde 17 de Novembro de 1993, detentora de uma quota com o valor nominal de MOP$5,200.00, que representa 52% do capital social da G (alínea M da Especificação).
- Entre a Autora e as Rés foi celebrado, através de escrito particular, o "Acordo" cujo teor consta de fls. 635 dos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea N da Especificação).
- A Interveniente dedica-se ao fabrico e comercialização de veículos automóveis da marca “Rover” (alínea O da Especificação).

Da base Instrutória:
- A primeira Ré sabia que desde 9 de Outubro de 1998, a segunda Ré estava condenada a pagar à Autora a quantia referida na alínea c) da matéria de facto assente (resposta ao quesito 1º).
- Quando outorgou na escritura referida na alínea g) da matéria de facto assente, a segunda Ré sabia que estava a afastar da sua esfera patrimonial bens que permitiam à Autora obter o pagamento da quantia referida na alínea c) da matéria de facto assente (resposta ao quesito 2º).
- Quando outorgou na escritura referida na alínea g) da matéria de facto assente, a primeira Ré sabia que estava a afastar da esfera patrimonial da segunda Ré bens que permitiam à Autora obter o pagamento da quantia referida na alínea c) da matéria de facto assente (resposta ao quesito 3º).
- Ambas as Rés sabia que tais bens eram um dos meios essenciais de a Autora obter o pagamento do montante referido na alínea c) da matéria de facto assente (resposta ao quesito 4º).
- Entre 28 de Agosto de 1997 e 9 de Janeiro de 1998, a Interveniente F, efectuou fornecimentos de veículos de marca "Rover" à 2ª Ré, no montante global de MOP$13,782,899.89 (resposta ao quesito 7º).
- Esse montante ainda não foi pago pela 2ª Ré (resposta ao quesito 8º).
- A 2ª Ré, ao declarar vender as suas fracções autónomas nos termos referidos na alínea c) da matéria de facto assente sabia que estava a afastar da sua esfera patrimonial, bens que permitiam à Interveniente obter o pagamento da quantia referida no quesito anterior (resposta ao quesito 9º).
- A 1ª Ré, ao declarar aceitar a venda das ditas fracções autónomas, nos termos referidos na alínea c) da matéria de facto assente sabia que estava a afastar da esfera patrimonial da 2ª Ré, bens que permitiam à Interveniente obter o pagamento da quantia referida no quesito 7º (resposta ao quesito 10º).
- Ambas as Rés sabiam que tais bens eram um dos meios essenciais de a Interveniente obter o pagamento de tal quantia (resposta ao quesito 11º).
- Em 25 de Maio de 1999, a 2ª Ré tinha dívidas fiscais no montante de MOP$999,035.00 (cfr. fls. 808) (resposta ao quesito 11º-A).
- A quantia de MOP$110,000.00 referida na cláusula 1ª do "Acordo" referido na alínea n) da matéria de facto assente foi paga à Autora (resposta ao quesito 13º)”; (cfr. fls. 1180 a 1183).

Do direito

Com base na transcrita factualidade dada como assente, proferiu o T.J.B. sentença, onde, como atrás já se referiu, decidiu: “condenar a (2ª) R. B a restituir à (1ª) R. A o vendido na medida do interesse da A. C para satisfação do seu crédito, com os efeitos do artº 606º do Código Civil”; (cfr., fls. 1161 a 1189, sendo que perante o pedido de aclaração da interveniente F, se veio a reconhecer que se omitiu pronúncia quanto ao pedido pela mesma deduzido; cfr., fls. 1195 a 1206).

Ora, (e como também já se deixou consignado), desta sentença (e aclaração), recorreram, a interveniente F assim como as (1ª e 2ª) RR., A e B.

Nas suas alegações, concluía a interveniente F que:
“I. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida nos presentes autos, após a aclaração proferida por douto despacho de fls. 1205 e 1206, por ser obscura e dúbia quanto à condenação da 2ª Ré em restituir o vendido à interveniente F.
II. A ora Recorrente, nos presentes autos, requereu a aclaração da sentença após ter verificado que da mesma não consta a condenação da 2ª Ré a restituir à 1ª Ré o vendido na medida do interesse da A. Interveniente.
III. Por despacho proferido a fls. 1206 dos autos, esclareceu o Meritíssimo Juiz que efectivamente existe uma omissão na sentença por um lapso reconhece.
IV. Nos termos do nº 2 do artigo 569º do CPCM, «2. O juiz pode rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas provocadas pela sentença e reformá-la quanto a custas e multa.»
V. Como sabido, o nº 2 do artigo 569º do CPC constitui uma excepção ao nº 1 do mesmo artigo, pelo que o juiz pode ainda praticar aqueles actos desde que se verifiquem alguma das circunstâncias nele mencionadas: os erros materiais, nulidades, dúvidas provocadas pela sentença, ou necessidade de reforma da sentença quanto a custas e multa.
VI. No despacho de aclaração, é o próprio Juiz quem reconhece a existência de um erro material: a omissão quando à parte dispositiva da decisão quanto ao pedido formulado pela ora Recorrente.
VII. Essa não inclusão, ainda que por mero lapso, constitui uma grave omissão porquanto a Recorrente fica impossibilitada de executar a sentença de forma cabal.
VIII. Caso se entenda não se tratar de erro material, a omissão constitui verdadeira nulidade - a omissão de pronúncia -, porquanto dessa forma o juiz deixou de tomar conhecimento do pedido formulado pela ora Recorrente.
IX. Omissão de pronúncia prevista nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 571º do CPCM, primeira parte.
X. Ainda assim competia e compete ainda ao Juiz a quo o suprimento de tal nulidade.
XI. O suprimento de tal nulidade não constitui nenhuma modificação da decisão, constituindo apenas um suprimento de um lapso, que constitui, in casu, uma nulidade de sentença

A final, pedia que fosse “convidado o Meritíssimo Juiz a quo a proceder à rectificação do erro material aliás, reconhecido pelo próprio”, e, “se assim não se entender, deverá ser declarada nula a sentença em crise, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 571º do CPCM, e consequentemente, desde já se requer que seja convidado o Meritíssimo Juiz a quo a proceder ao suprimento da nulidade”; (cfr. fls. 1220 a 1226).

Por sua vez, nas suas conclusões, afirma a (1ª) R. A que:
“1. Para que proceda a impugnação pauliana é necessário desde logo a existência de um crédito e foi por se ter considerado que existia in casu um crédito da Autora C sobre a 2ª Ré que se determinou na decisão recorrida a procedência da impugnação pauliana "na medida do interesse da Autora C, para satisfação do seu crédito";
2. Porém, como está provado nos autos, não existe desde 15 de Janeiro de 2001 qualquer crédito da Autora C sobre a 2ª Ré;
3. Provou-se nos autos - alínea n) da Especificação - que entre a Autora e as Rés foi celebrado em Macau, em 15 de Janeiro de 2001, um acordo, que além do mais visou resolver um litígio que as opunha;
4. Nos termos desse acordo de transacção, que se encontra a fls. 635 dos autos, ficou acordado que a ora 2ª Ré pagaria à Autora MOP$110.000,00 - vide cláusula 1ª do acordo de fls. 635 dos autos e que esta deveria desistir do pedido formulado na presente acção - vide cláusula 3ª do acordo de fls. 635 dos autos;
5. Mais, nos termos da cláusula 4ª do mesmo acordo, a C comprometia-se a renunciar a um eventual crédito que lhe pudesse vir a ser reconhecido contra a ora 2ª Ré no âmbito de outra peleja judicial e nos termos da cláusula 6ª desse acordo de fls. 635 dos autos a dita C comprometia-se mais uma vez a desistir do presente processo;
6. Está provado nos autos - resposta ao quesito 13 - que a quantia de MOP$110.000,00 referida na cláusula 1ª do "Acordo" referido na al. n) da matéria de facto assente foi paga à Autora", razão pela qual inexiste qualquer crédito desde essa data, que se extinguiu por transacção e subsequente pagamento, como está provado nos autos;
7. Ao arrepio desta prova fixada nos autos decidiu-se - salvo o devido respeito, erroneamente - que existe um crédito da C sobre a 2ª Ré, com que se violou o disposto no nº 3 do artigo 562.° do CPC;
8. A sentença recorrida é mesmo omissa quanto a esta matéria de excepção que a ora Recorrente invocou na sua defesa, apresentada no processo, com o que a decisão recorrida enferma do vício de nulidade por omissão de pronúncia, previsto na 1ª aparte da alínea d) do nº 1 do artigo 571º do CPC;
9. Mais, a decisão objecto de recurso violou o disposto no artº 752º do CC ao ter considerado - contra a prova produzida - que a 2ª Ré não cumpriu ainda a sua obrigação de pagar à C uma dívida que de facto já foi cumprida e satisfeita no âmbito de um acordo entre devedor e credor;
10. Um outro requisito legalmente estabelecido para a procedência da impugnação pauliana é a verificação da má-fé tanto da parte do devedor como do terceiro, no caso de se tratar de acto oneroso, má-fé essa que tem de ser intensa, sob a forma de dolo;
11. Não oferecendo contestação que o negócio impugnado foi oneroso, como está plenamente provado nos autos, considerou-se - salvo devido respeito, mal - no Acórdão que julgou a matéria de facto e depois na decisão posta em crise provado o requisito na má-fé das 1ª e 2ª Rés, com apoio na resposta que foi dada pelo Tribunal Colectivo aos quesitos 1°, 2°, 3°, 4°, 9º, 10º e 11º;
12. Ora, ao invés de ter dado resposta positiva a esses quesitos antes devia o Tribunal Colectivo ter respondido provado a todos eles pois a Autora e a Interveniente - a quem cabia o ónus de fazer essa prova - não provaram nos autos a má-fé das Rés, pelo menos a da ora Recorrente;
13. A prova da má-fé e a prova destes 7 quesitos em particular não foi feita por documentos, pois os documentos juntos aos autos nada respondem ou esclarecem a este respeito dos alegados maus intentos das Rés, e da sua cognoscibilidade e intencionalidade em prejudicar a Autora e interveniente;
14. Tão pouco essa prova foi feita por testemunhas, porquanto nem a Autora nem a Interveniente apresentaram qualquer testemunha para ser ouvida em Tribunal: NEM UMA SÓ TESTEMUNHA compareceu e nem uma só testemunha foi ouvida em julgamento aos quesitos 1°, 2°, 3°, 4°, 9º, 10º e 11º: ZERO testemunhas indicadas ou ouvidas sobre essa matéria;
15. Já noutra sessão de julgamento, o tribunal escutou o depoimento de parte dos legais representantes das Rés aos quesitos que integram factos relativos à alegada má-fé, mas nem do depoimento de H gerente da 1ª Ré e ora Recorrente - nem o de I - gerente 2ª Ré - resulta uma confissão da má-fé, bastando escutar as passagens dos mesmos transcritas no corpo desta alegação para assim se concluir;
16. Ambos os gerentes não o eram (gerentes) à altura dos factos, nos quais não intervieram e dos quais revelaram não ter qualquer conhecimento, muito menos das supostas (más) intenções que terão motivados esse acto;
17. Está provado nos autos e o gerente H disse-o que começou a trabalhar como gerente em Outubro de 2002, sendo que o facto impugnado e o seu circunstancialismo relevante ocorreu em 1999;
18. Sempre que questionado sobre os contornos psicológicos do negócio, o senhor H respondeu, com sinceridade, que não sabia nem poderia jamais o que quer seja sobre isso e Escutado de fio a pavio o seu depoimento, nada do que ele diz pode ser considerado a base suficiente para se concluir pelo dolo e má-fé na compra e venda realizada, designadamente da sociedade que ele representou em juízo, a ora Recorrente;
19. O mesmo se diga do depoimento do gerente I: este apenas começou a trabalhar na companhia em Julho de 1999 JÁ DEPOIS da ocorrência da factualidade sub judice, designadamente da compra e venda em questão nos autos que ocorreu em Maio desse ano de 1999;
20. Demonstrou nos autos um sincero e absoluto desconhecimento dos concretos desígnios que terão presidido ao negócio sub judice no qual não interveio;
21. Em toda a sua longuíssima instância produzida nos autos o aliás ilustre mandatário da F não se cansou de imputar a má-fé das Rés ao comportamento dos chamados por si "irmão Lo", os supostos responsáveis pela alegada má-fé das Rés e as pessoas intervenientes nos negócios: teria sido de primordial importância para a boa decisão do caso serem ouvidas, designadamente para eventualmente se fazer prova da má fé, mas nem a autora nem a interveniente requereram o seu depoimento como testemunhas e estes não foram ouvidos com o que ficou por fazer a prova da má fé;
22. Não se provou nos autos a má-fé, como devia ter sido considerado no Acórdão que julgou a matéria de facto, onde se verificou, salvo o devido e incondicional respeito, clamoroso erro de julgamento da prova na resposta dada aos quesitos 1° a 4º e 9º a 11º, vício que alastra à sentença recorrida.
23. Essa decisão de facto tem de ser alterada em sede de recurso, julgando-se em consequência improcedente a impugnação pauliana por falta de verificação do requisito da má-fé”; (cfr. fls. 1264 a 1274-v).

E, em sede das suas alegações, assim conclui a (2ª) R. B:
“1. A douta sentença proferida não reflecte a realidade subjacente à fase dos articulados nem tem em consideração o que se passou em Audiência de Discussão e Julgamento, ignorando quase completamente a existência da Interveniente, a sociedade F.
2. De facto, a sociedade F, não é identificada na sentença como parte admitida a intervir no processo, não é referida a sua pretensão processual, não é considerada quanto às motivações da decisão e não beneficia do resultado da acção.
3. A douta sentença é, por isso, e nessa medida, nula, porque contêm fundamentos em oposição com a decisão e porque deixou de se pronunciar sobre questões que devia conhecer, como se prevê no Art. 571°, nº 1, als. c) e d), do CPC.
4. Não foram juntos documentos ou feitas declarações em Audiência de Discussão e Julgamento susceptíveis de dar como provados os quesitos 2° 3°, 4°, 7,° 8°, 9°, 10º e 11º.
5. Ao dar como provados os Quesitos 1° a 4° o Tribunal entra em contradição lógica com o facto de ter aceite a matéria da Alínea N) da Especificação (ou seja, a existência de um Acordo celebrado entre a Autora e a ora Recorrente), e com a prova feita ao Quesito 13° (ou seja, que o valor estabelecido foi integralmente pago à Autora, não tendo ela cumprido a sua parte no Acordo).
6. Sendo certo que, nos termos do Art. 558° do CPC "o Tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto", a verdade é que a prova tem de ser motivada e a convicção não pode ser formado de modo discricionário.
7. O Tribunal incorreu em erro de apreciação da matéria de facto ao dar como provado os Quesitos 2°, 3°, 4°, 7°, 8°, 9°, 10° e 11°.
8. As respostas dadas aos referidos Quesitos, como consta da decisão proferida sobre a matéria de facto, violaram o princípio da livre apreciação da prova, contido no art. 558° do C.P.C., já que não tomaram em conta o concreto sentido das declarações proferidas em juízo pelas testemunhas e pelos representantes das Rés.
9. Reavaliada a prova, devem as respectivas respostas serem reformuladas, nos termos do Art. 629º do CPC, no sentido desses Quesitos serem dados como "Não Provados" e, em consequência determinar-se a absolvição da ora Recorrente.
Se assim se não entender, e por mera cautela de patrocínio,
10. Ainda que a matéria de facto se pudesse dar como provada nos termos constantes da decisão ora recorrida, ainda assim o Tribunal fez uma má aplicação do Direito.
11. Não se verificam os requisitos que justifiquem a procedência da acção pauliana, pelos motivos expostos neste articulado.
12. Pelo que, também por essa razão, deve a ora Recorrente ser absolvida”; (cfr. fls. 1240 a 1262).

*

Em contra-alegações, pugnam a F e a A. pela improcedência dos recursos apresentados pela A e B; (cfr., fls. 1290 a 1310 e 1311 a 1329).

*

Vejamos.

— Antes de mais, e como se observa no referido douto Acordão do Vdo T.U.I., verifica-se um lapso no segmento decisório da sentença do T.J.B., já que, como aí se consignou “quem tem de restituir o vendido, não é a segunda ré – que vendeu os imóveis – mas a compradora, a primeira ré”.

Esclarecido este aspecto, continuemos.

— No “âmbito do seu recurso, assaca a interveniente F à sentença recorrida o vício de nulidade por omissão de pronúncia, invocando o art. 571°, n° 1, al. d) do C.P.C.M..

Por sua vez, a (1ª) R. A, entende que se incorreu em erro na apreciação da prova ao se dar como provado que a A., C, tinha um crédito sobre a (2ª) R. B, (que esta (2ª) R. não tinha ainda cumprido a sua obrigação de pagar a A.), e que houve “má-fé” do devedor assim como do terceiro, considerando assim que verificados não estavam os pressupostos para se julgar procedente a impugnação pauliana deduzida pela A..

É também de opinião que a sentença recorrida enferma do vício de omissão de pronúncia quanto à referida matéria do crédito da A.

Quanto ao recurso da (2ª) R. B verifica-se que considera esta recorrente que a sentença recorrida é nula por omitir pronúncia quanto à interveniente F, e que a matéria de facto apresenta-se com contradições, padecendo igualmente de erro na apreciação da prova, e concluindo também que verificados não estavam os requisitos para a procedência do pedido deduzido pela A..

Identificadas que assim nos parecem ficar as questões nos recursos trazidas à apreciação deste T.S.I., comecemos pela “nulidade por omissão de pronúncia” invocada pela interveniente F.

Pois bem, esta questão, já foi objecto de apreciação no atrás mencionado veredicto proferido por este T.S.I.; (cfr., pág. 38 do acórdão a fls. 1360 a 1390-v).

Com efeito, consignou-se então que “na sentença recorrida nada se disse quanto à pretensão da interveniente” (...), e que, “assim, impõe-se concluir que se incorreu em nulidade por omissão de pronúncia como previsto está no art. 571°, n° 1, al. d) do C.P.C.M.”.

Assim, sem necessidade de mais alongadas considerações, e atento o determinado no Acordão do Vdo T.U.I., vejamos.

Constatando-se que idêntica questão coloca também a 2ª R. B, idêntica é também a solução a adoptar em relação à mesma, e, atento o preceituado no art. 630° do C.P.C.M., importa, pois, proferir decisão em conformidade.

— Vejamos então se prescritos estão os créditos reclamados pela interveniente F.

Como fundamento da aludida prescrição de créditos invocava a 1ª R. A o artº 310º al. b), 2a parte, do C.C.M. (cfr., artºs 11º a 19, a fls. 470 a 471-v), onde se preceitua que:
“Prescreve no prazo de 2 anos:
a) (...)
b) Os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor;
c) (...)”

Respondendo ao assim alegado, afirmava a interveniente F que:
“ 1º Ao contrário do que afirma a 1ª R. o crédito da Interveniente não se encontra prescrito.
2º De facto, ainda antes de decorridos os dois anos respeitantes ao período de prescrição, foi a 2ª R. B, citada (por duas vezes) pelo Supremo Tribunal de Justiça de Birmingham, para os termos de uma acção judicial pelo não pagamento das facturas pelos serviços prestados e entrega de mercadorias (viaturas neste caso) (vide Doc. n° 1 e 2 que se junta e dá por reproduzido).
3º Citações essas que obedeceram às regras legais em vigor no Reino Unido e que foram efectuadas nas datas de 17/12/1999 e 16/02/2000 (vide Doc. nºs 1 e 2 supra juntos).
4º Portanto, se tivermos em conta a data da última factura em dívida, 19/01/1998, verifica-se que o prazo de prescrição de dois anos foi interrompido, nos termos do artº 315° do CCM.
5º Como pode verificar-se pelo prescrito no nº 1 desse artº 315° do CCM "A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente".
6º Por essa razão, não se verifica a excepção peremptória da prescrição do crédito, alegada pela 1ª R. no seu requerimento de oposição à Intervenção”; (cfr. 626 a 627).

Face ao assim alegado, e mostrando-se de confirmar os circunstâncialismos da invocada alínea b), que dizer?

Cremos que se devem considerar prescritos os ditos créditos.

De facto, em nossa opinião, os documentos pela interveniente juntos não provam que a 2ª R. B tenha sido citada, como a mesma alega, em 17.12.1999 e 16.02.2000, assim se interrompendo o prazo de prescrição de dois anos.

Na verdade, dos mesmos documentos não resulta que a 2ª R. B tenha efectivamente recebido os documentos em questão, possível sendo daí extrair apenas que a interveniente instaurou uma acção judicial no Tribunal de Justiça de Birmingham contra a 2ª. R.

Assim, e em conformidade com o preceituado no art. 315°, n° 1 do C.C.M. – onde se prescreve que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente” – há pois que concluir que prescritos estão os créditos pela interveniente reclamados.

— Vejamos agora da questão colocada pela (1ª) R A quanto ao crédito da A. sobre a (2ª) R. B;.

Pois bem, está provado que:
“Entre a Autora e as Rés foi celebrado, através de escrito particular, o "Acordo" cujo teor consta de fls. 635 dos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea N da Especificação)”.

O referido acordo tem o teor seguinte:
“ACORDO
Entre:
B, representada por António Ribeiro Baguinho; .
A, representada por Filipe Moreira;
e
C, representada por Luís Oliveira,
É acordado e reduzido a escrito o presente acordo, que se regerá pelas cláusulas seguintes:
1.°
B compromete-se a pagar à C o montante de MOP$110.000,00 (cento e dez mil patacas) como contrapartida pela desistência por parte da C do processo de falência.
2.°
Para efeitos de concretização do estabelecido na cláusula anterior, os advogados constituídos pela C renunciarão ao mandato antes da realização da audiência de julgamento dos embargos à falência marcada para o dia 17 de Janeiro de 2001, comprometendo-se igualmente a C a não inviabilizar a sua notificação nos termos e para efeitos do disposto no artigo 81.° n° 4 do Código de Processo Civil e a não constituir qualquer outro mandatário no processo.
3.°
Ainda para os efeitos previstos na cláusula 1.ª C compromete-se a, respectivamente, desistir do pedido na acção de impugnação pauliana ou a ceder informalmente a respectiva posição processual, por substabelecimento forense sem reserva, em colega a indicar pelos mesmos, em função da revogação ou da manutenção da declaração de falência.
Primeiro: Na hipótese de o julgamento dos embargos à falência se protelar no tempo e for entretanto apresentada a contestação na acção de impugnação pauliana e esta tiver que prosseguir os seus termos, a C, desde que se tenha verificado condição, prevista na cláusula sétima, compromete-se igualmente a viabilizar, desde logo a estratégia processual que vier a ser definida pelos advogados da A, nomeadamente no imediato substabelecimento forense sem reserva em colega a indicar pelos mesmos.
4.°
A C compromete-se, ainda, a renunciar ao crédito que lhe vier a ser reconhecido no processo de falência, caso esta não venha a ser revogada.
5.°
Todas as custas que vierem a ser devidas em qualquer dos dois processos em questão, i.e., o processo de falência e todos os seus apensos e acção pauliana, serão da exclusiva responsabilidade da B e da A.
6.°
Todas as partes no presente acordo renunciam aos respectivos direitos emergentes do contrato de locação – venda celebrado em 24/05/1993 sobre a viatura automóvel de matricula ME-32-XX da marca Rover, modelo Sterling e, em conformidade, comprometem-se reciprocamente a desistir de todos os processos que corram termos no Tribunal Judicial de Base, relacionados com o litígio que opõe a C à B.
7.°
O pagamento do montante referido na cláusula 1.ª será pago na data em que der entrada no Tribunal Judicial de Base o requerimento de renúncia do mandato no processo de falência, por cheque emitido a favor de C & C escritório de advogados, mas só poderá ser movimentado após o decurso do prazo atribuído pelo tribunal à C para constituição de novo mandatário no processo de falência.
Macau, 15 de Janeiro de 2001.”; (cfr., fls. 535 a 536, e não 635, como por lapso se fez constar).

Por sua vez, provou-se também que:
“A quantia de MOP$110,000.00 referida na cláusula 1ª do "Acordo" referido na alínea n) da matéria de facto assente foi paga à Autora (resposta ao quesito 13º)”.

Todavia, afigura-se-nos que adequado não é dizer-se que o “crédito da A. não existe”.

Com efeito, a mesma tão só “comprometeu-se a desistir na acção de impugnação pauliana”, e, como bem se vê, tal ainda não sucedeu.

Nesta conformidade, a questão que se poderá colocar será do eventual “incumprimento” do supra transcrito acordo, (matéria alheia aos presentes autos), mas não quanto à existência do crédito que lhe foi reconhecido por decisão transitada em julgado.

Porém, mesmo assim, cremos que se terá de julgar improcedente o pedido que deduz nos presentes autos.

De facto, da (nova) análise que se efectuou aos presentes autos, mostra-se-nos de concluir que se verifica efectivamente o imputado “erro na apreciação da prova” por parte do Colectivo do T.J.B., pois que aquela não permite dar como provados os factos que constituem os pressupostos do pedido deduzido.

Passa-se a especificar.

Cinco foram os depoimentos prestados em audiência de julgamento.

O primeiro, prestado pela testemunha da Interveniente, teve como objecto os quesitos 9.° e 10.°; (cfr., fls. 1081).

Porém, do depoimento prestado, (e que tivemos oportunidade de ouvir através da gravação solicitada), nada foi dito que pudesse levar a responder da forma que se respondeu aos referidos quesitos.

O mesmo depoimento refere-se apenas à intervenção da testemunha na outorga da escritura de compra e venda das fracções autónomas referidas na alínea e) da matéria de facto.

O segundo e terceiro depoimentos foram prestados pelas 1.ª e 2.ª testemunhas arroladas pelo 1.° R., e tinham como objecto os quesitos 6.° e 13.°; (cfr., fls. 1081).

Em resultado dos mesmos resultou “não provado” o quesito 6.°, e “provado” o 13.°, (respondendo-se que “a quantia de MOP$110.000,00 referida na cláusula 1.ª do Acordo referido na alínea n) da matéria de facto foi paga à Autora”).

Certo sendo que daí, também nada se extrai para a decisão proferida, continuemos.

O quarto e o quinto depoimentos – que igualmente tivemos oportunidade de ouvir – foram prestados pelos legais representantes da 1.ª e 2.ª RR., e tiveram como objecto os quesitos 1°, 2°, 3°, 4°, 7°, 8°, 9°, 10° e 11°; (cfr., fls. 1093).

Todavia, e sem prejuízo do muito respeito devido, cremos que os mesmos depoimentos não permitem as respostas dadas aos mesmos quesitos.

Ora, nos termos do art. 610° do C.C. de 1966 (aqui aplicável):
“Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) Ser o crédito ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.”

E, por sua vez, estatui o art. 612° do mesmo código que:
“1. O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé.
2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.”

Não se provando a matéria dos quesitos atrás referidos, verificados não estão os pressupostos enunciados nos citados comandos legais, ou seja, que a compra e venda das fracções entre as 1.ª e 2.ª RR. tinham sido dolosamente realizadas com o fim de impedir a satisfação dos créditos da A. e Interveniente, e que, daquela compra e venda, efectuada de má-fé, resultou para estas a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.

Não se olvida que provado está que “em 25.05.1999, a 2.ª R. tinha dívidas fiscais no montante de MOP$999,035.00”; (resp. ao quesito 11°-A).

Todavia, e mesmo assim, não nos parece que a mesma matéria altere o que até aqui se expôs, pois que a mesma não implica a necessidade de se dar como provados os atrás referidos quesitos.

Dir-se-à ainda que poderia o Tribunal a quo recorrer a “presunções judiciais” para daí formar a sua convicção e responder aos quesitos da forma que fez.

Também não se acolhe esta posição.

Como no Ac. da S.T.J. de 03.05.2007 se decidiu: “A presunção judicial não respeita aos factos da base instrutória nem à fundamentação da matéria de facto a demonstrar, mas antes a factos com interesse para a decisão da causa que se inferem daqueles que se encontram provados”; (cfr., Proc. nº 06034660, in “www.dgsi.pt/jstj”).

Nesta conformidade, e sendo de concluir que verificados não estão os pressupostos para se julgar procedente o pedido deduzido pela A., (o que igualmente sucederia em relação à interveniente, ainda que se entendesse não estar prescrito o crédito pela mesma reclamado), há pois que se revogar, também na parte em questão, a sentença recorrida.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam:
– negar provimento à reclamação apresentada, pagando a reclamante A as respectivas custas;
– negar provimento ao recurso da interveniente F, com custas pela mesma;
– conceder provimentos aos recursos das 1ª e 2ª RR. (A e B), decidindo-se revogar a sentença recorrida, absolvendo-se as RR. dos pedidos deduzidos pela A. e Interveniente.
[...]>>.
Entretanto, como o Mm.o Juiz Relator acabou por sair vencido da votação então feita sobre a solução dos recursos finais da Interveniente F, da 1.a Ré A e da 2.a Ré B, cabe decidir desses três recursos nos termos constantes do presente acórdão definitivo, lavrado pelo primeiro dos Juízes-Adjuntos.
Para o efeito, há que, desde já, converter em definitivo todo o teor do douto Projecto de Acórdão acabado de ser transcrito, com excepção das passagens acima sublinhadas e pertencentes aos pontos “Do direito” e “Decisão” dessa douta Minuta de Acórdão.
Com isso, resta decidir ainda da questão de prescrição dos créditos da Interveniente, e do erro, alegado pelas duas Rés nos seus recursos, na apreciação da prova, por parte do Tribunal a quo, atinente ao mérito da impugnação pauliana.
Da prescrição, ou não, dos créditos da Interveniente F sobre a 2.a Ré B, já provados na resposta ao quesito 7 no valor total de MOP13.782.899,89, por causa de fornecimento de veículos de marca “Rover” a esta Ré no período de 28 de Agosto de 1997 a 9 de Janeiro de 1998:
Invocou a 1.a Ré A o prazo de prescrição de dois anos previsto na alínea b) do art.o 310.o do Código Civil de Macau, para preconizar a já prescrição dos créditos da Interveniente sobre a 2.a Ré.
Contudo, e correspondentemente, é de atender ao seguinte disposto nos n.os 1 e 2 do art.o 315.o do mesmo Código:
– <<1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
  2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de 5 dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os 5 dias.>> (com sublinhado só agora colocado).
Pois bem, atento o teor dos documentos (redigidos originalmente em inglês) apresentados pela Interveniente F a fls. 628 a 651 dos presentes autos (e referidos no ponto 2 da sua resposta de fls. 626 a 627 à questão de prescrição de créditos), com tradução portuguesa a fls. 813 a 836, considera este Colectivo ad quem, sobretudo depois de examinado o conteúdo de fls. 631 e 628, traduzidas a fls. 816 (apesar de esta folha conter um lapso manifesto da tradução da data de “28th October 1999”) e 813, provado que:
– no âmbito da acção cível n.o “BM9 40010” movida no “High Court of Justice” do “Birmingham District” contra a ora 2.a Ré para pedir a condenação desta no pagamento das facturas relativas a serviços/bens prestados, datadas de 28 de Agosto de 1997 a 18 de Março de 1998, com datas de vencimento de 8 de Março de 1998 a 16 de Agosto de 1998, no montante total, em dívida, de USD1.329.546,00, a ora Interveniente pediu, em 28 de Outubro de 1999, a citação desta Ré, citação essa que veio a ser autorizada, por despacho judicial de 16 de Novembro de 1999.
Assim sendo, mesmo que in casu não se saiba ao certo a data de recepção efectiva, pela citanda ora 2.a Ré, dessa citação, sempre se tem por interrompido, por comando expresso do acima transcrito n.o 2 do art.o 315.o do Código Civil de Macau (que, tal como o homólogo n.o 2 do art.o 323.o do texto então vigente em Macau do Código Civil Português de 1966, tutela indubitavelmente a posição de toda a parte credora), o prazo de prescrição de dois anos a que alude a alínea b) do art.o 310.o do Código Civil de Macau (homólogo à alínea b) do art.o 317.o do referido anterior Código), logo que decorreram os cinco dias contados de 28 de Outubro de 1999, isto precisamente porque em face da factualidade acima tida por provada, é óbvio que a citação requerida em 28 de Outubro de 1999 não chegou a ser feita, por causa não imputável à própria ora Interveniente, dentro de cinco dias depois de requerida.
Daí que os créditos da Interveniente sobre a 2.a Ré vencidos em primeiro lugar em 8 de Março de 1998 (e constantes da primeira factura datada de 28 de Agosto de 1997) não podem ficar já prescritos, e todos os créditos ulteriores, incluindo os constantes da factura de 19 de Janeiro de 1998, invocada pela Interveniente como sendo a “última factura” no âmbito dos presentes autos, também, pela mesma razão, não estão prescritos.
E agora do alegado erro, cometido pelo Tribunal a quo, na apreciação da prova atinente ao mérito da impugnação pauliana:
Conforme explicou o Tribunal Colectivo da Primeira Instância no seu acórdão de resposta aos quesitos (e concretamente, a fl. 1109v), a sua livre convicção sobre a matéria de facto quesitada foi formada depois de analisada a prova documental e testemunhal.
É de verificar agora, na presente lide recursória, e a pedido das duas Rés, se errou o Colectivo a quo na apreciação da prova.
Desde já, observa-se que foram então juntos aos autos pela Autora C e pela Interveniente F diversos documentos, de cujo teor decorrem nitidamente os seguintes dados:
– o preço global (de MOP618.000,00) por que foram vendidas pela 2.a Ré B à 1.a Ré A as seis fracções autónomas para comércio em questão, preço esse que foi, para já, muito inferior à soma (em MOP2.420.240,00) dos valores matriciais das mesmas fracções nessa altura;
– a data (de 26 de Maio de 1999) da outorga da respectiva escritura de compra e venda (com registo feito em 28 de Maio de 1999 a favor da 1.a Ré), que é posterior à data do trânsito em julgado (em 9 de Outubro de 1998) da decisão judicial então condenatória da ora 2.a Ré em restituir o montante de HKD211.208,00 à ora Autora C, e também posterior à data de vencimento das facturas então dirigidas pela Interveniente à 2.a Ré (por causa dos fornecimentos de veículos a esta Ré no período de 28 de Agosto de 1997 a 9 de Janeiro de 1998), mas já é anterior à data de efectivação (em 31 de Maio de 1999) da penhora das ditas fracções, ordenada no próprio dia 26 de Maio de 1999, na acção executiva movida pela Autora contra a ora 2.a Ré;
– o montante global (em MOP13.782.899,89) dos créditos da Interveniente sobre a 2.a Ré (por causa dos fornecimentos de veículos no dito período de 28 de Agosto de 1997 a 9 de Janeiro de 1998);
– a data em que foi constituída a sociedade comercial da própria 1.a Ré, que o foi em 18 de Novembro de 1998 (cfr. o teor de fl. 12), i.e., um mês e tal depois do trânsito em julgado da referida decisão condenatória da 2.a Ré, e cerca de dez meses depois da data da acima referida “última factura” (de 19 de Janeiro de 1998) emitida pela Interveniente à 1.a Ré;
– e a concreta composição societária e do corpo gerente com poderes de representação e/ou obrigação das duas Rés desde a data da respectiva constituição societária até antes e aquando da outorga da escritura acima referida, sendo, desde o início até, pelo menos, à data dessa escritura, o Senhor D o sócio-gerente da 2.a Ré (constituída em 13 de Dezembro de 1991) e gerente da 1.a Ré, e o Senhor E o sócio da 2.a Ré e o gerente da 1.a Ré, sendo certo que desde o início até pelo menos à data de outorga da mesma escritura, só o Senhor D é que podia obrigar, com a sua assinatura, a 2.a Ré, e que para obrigar a 1.a Ré, bastava a assinatura deste Senhor D ou do Senhor E (isto tudo segundo o teor da certidão dos registos comerciais das Rés, a fls. 10 a 20).
Outrossim, chegaram a ser ouvidas cinco testemunhas na audiência de julgamento em primeira instância:
– a primeira, que é um Exm.o Adovogado, foi inquirida sobre a matéria dos quesitos 9 e 10 (cfr. o registado na acta de audiência de julgamento a fl. 1081), ou seja, sobre o conhecimento, ou não, por parte das duas Rés, aquando da declaração de vontade na celebração da dita escritura, do afastamento dos bens da esfera patrimonial da 2.a Ré que permitiam à Interveniente obter o pagamento dos seus créditos sobre a 2.a Ré;
– a segunda e a terceira, que declararam ser ex-empregado e amigo, respectivamente, da 1.a Ré, foram inquiridas sobre a matéria dos quesitos 6.o e 13.o (cfr. o teor da mesma acta a fl. 1081);
– por fim, a quarta e a quinta, como gerentes, respectivamente, das 1.a e 2.a Rés, foram inquiridas sobre os quesitos 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10 e 11 (cfr. o teor de outra acta de audiência a fl. 1093v).
Ora, desde logo, como estas duas últimas testemunhas não eram gerentes das duas Rés ao tempo da outorga da escritura de venda das seis fracções da 2.a Ré (cfr. o teor da certidão dos registos comerciais das duas Rés já acima referenciada), com a agravante de que estiveram a depor como gerentes “actuais” respectivamente das 1.a e 2.a Rés, não é de estranhar, das experiências da vida humana falando, que dos seus depoimentos não se possa retirar algo que seja favorável à versão fáctica então julgada por provada pelo Colectivo a quo. Não obstante isto, os seus depoimentos também não podem afastar os dados documentais acima referidos.
E agora quanto às segunda e terceira testemunhas ouvidas, então arroladas pela 1.a Ré, os seus depoimentos também não podem relevar para a pretendida alteração da versão fáctica finalmente julgada como provada pelo Colectivo a quo e respeitante à má fé das duas Rés na outorga daquela escritura, uma vez que esses depoimentos também não podem afastar os dados documentais acima referenciados.
Finalmente, no respeitante àquele Exm.o Advogado que foi ouvido como a primeira testemunha, é compreensível que o seu depoimento, por si só, não pode ter sido decisivo para o modo pelo qual o Colectivo a quo veio responder aos quesitos 9 e 10, visto que não sendo esse Advogado o representante legal da 1.a Ré ou da 2.a Ré na outorga da escritura de transmissão das seis fracções, é natural que não se pode ter baseado no conteúdo do depoimento dessa testemunha para afirmar judicialmente que as duas Rés, na outorga da dita escritura, sabiam que estavam a afastar os bens da esfera patrimonial da 2.a Ré que permitiam à Interveniente obter o pagamento dos seus créditos sobre a 2.a Ré. Entretanto, os abundantes elementos documentais supra referidos já dão para sustentar a justeza da livre convicção do Colectivo a quo.
Assim analisados global e criticamente todos os elementos probatórios (documentais e testemunhais) então carreados aos autos, à luz das regras da experiência da vida humana em normalidade de situações e das legis artis vigentes na tarefa jurisdicional de julgamento da matéria de facto, entende este Tribunal ad quem que não houve, por parte do Colectivo a quo, erro na apreciação da prova.
Na verdade, à falta da prova, onerada nos ombros ou da 1.a ou da 2.a Rés (por determinação expressa do art.o 611.o, segunda parte, do texto então vigente em Macau do Código Civil Português de 1966, aplicável à data da outorga da escritura de transmissão, entre as duas Rés, das seis fracções autónomas da 2.a Ré, preceito esse que é idêntico ao art.o 606.o do Código Civil de Macau), de que a 2.a Ré possui bens penhoráveis de igual ou maior valor (sendo, aliás, sintomático da falta dessa prova a resposta negativa ao quesito 6, formulado a fl. 714v nos seguintes termos: “A 2a Ré é titular de créditos sobre clientes seus em valor superior a um milhão de patacas?”), os elementos documentais acima referidos, e constantes dos documentos juntos aos autos pela Autora e pela Interveniente, já fornecem alicerce razoavelmente segura para se responder judicialmente à matéria fáctica então quesitada no sentido da efectiva constatação da consciência, por parte das duas Rés, do prejuízo que o acto de compra e venda, entre si, das referidas seis fracções autónomas causa à Autora e à Interveniente.
É ainda de notar que:
– sendo in casu todos os créditos da Autora e da Interveniente sobre a 2.a Ré anteriores ao acto de venda das seis fracções dos autos pela 2.a Ré a favor da 1.a Ré, este acto está efectivamente sujeito à impugnação pauliana, porquanto as duas Rés agiram de má fé na prática desse acto oneroso, ou seja, agiram com “consciência do prejuízo que o acto causa” àqueles dois credores da própria 2.a Ré;
– portanto, para o provimento do pedido de impugnação da Autora e da Interveniente, não se lhes exige, por logicamente descabida, a feitura da prova de “ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor”, por esta prova só ser legalmente necessária, quando o crédito em questão for posterior ao acto objecto de impugnação (cfr. o art.o 610.o, alínea a), segunda parte, do texto outrora vigente em Macau do Código Civil Português de 1966, aplicável à data da outorga da escritura de venda das fracções da 2.a Ré, disposição legal essa que é homóloga ao art.o 605.o, alínea a), segunda parte, do Código Civil de Macau).
Em suma, não se pode imputar ao Tribunal a quo o cometimento de qualquer erro na apreciação da prova respeitante à má fé das duas Rés no acto de transmissão das seis fracções autónomas, não se mostrando, com efeito, desrazoável, para qualquer homem médio colocado na situação concreta dos autos, com olhos postos nas regras da experiência da vida humana, a resposta concretamente dada pelo Tribunal recorrido aos quesitos nomeadamente sob os n.os 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10 e 11, respostas essas (com pertinência à aferição da má fé das duas Rés na transmissão onerosa, entre si, das seis fracções) que, aliás, são logicamente compatíveis com os factos especificados no saneador, por representarem também o desenvolvimento lógico e congruente dos mesmos factos especificados. Não podem, pois, as duas Rés desprezar, sem mais, o teor dos diversos documentos juntos pela Autora e pela Interveniente aos presentes autos civis, o qual, se devidamente analisado na sua globalidade, dá perfeitamente para contrariar cabalmente a tese, sustentada pelas Rés na presente lide recursória, de existência do erro na apreciação da prova.
Perante o acima expendido, improcedem não só o entendimento vertido pela 1.a Ré nas conclusões 11 a 23 da sua alegação do recurso, como também o veiculado pela 2.a Ré nas conclusões 1 (primeira parte), 4, 6, 7, 8 e 9 da respectiva motivação do recurso.
Igualmente, também naufraga a tese sumariada nas conclusões 10 a 12 da alegação do recurso da 2.a Ré, por a matéria fática especificada no saneador e a dada por provada através da resposta aos quesitos ali formulados darem perfeitamente para se considerarem reunidos in casu todos os requisitos exigidos no art.o 610.o, alínea a), primeira parte, e alínea b), e no art.o 612.o, n.o 1, primeira parte, e n.o 2, do texto então vigente em Macau do Código Civil Português de 1966, aplicáveis à data da outorga da escritura de transmissão onerosa, entre as duas Rés, das seis fracções autónomas da 2.a Ré (preceitos esses, por sua vez, homólogos ao art.o 605.o, alínea a), primeira parte, e alínea b), e ao art.o 607.o, n.o 1, primeira parte, e n.o 2, do Código Civil de Macau), para ser julgada procedente a impugnação pauliana com efeitos mormente do n.o 1 do art.o 616.o desse Código anterior (idêntico ao n.o 1 do art.o 612.o do Código actual).
Do acima concluído resulta natural, efectiva e simultaneamente procedente a impugnação pauliana deduzida pela Autora (na petição inicial de fls. 2 a 9) e pela Interveniente (a fls. 298 a 305), sendo, pois, provido o recurso final da Interveniente e improcedentes os recursos finais das Rés.
Analisadas todas as questões de que cumpre conhecer, é de decidir.
Em sintonia com o exposto, acordam em:
– 1) julgar improcedente a reclamação deduzida pela 1.a Ré A contra o despacho do Relator de fl. 1584;
– 2) julgar provido o recurso interposto pela Interveniente F da sentença da Primeira Instância;
– 3) julgar improcedentes os recursos interpostos da mesma sentença pela 1.a Ré e pela 2.a Ré B;
– e 4), por conseguinte, passar a julgar procedente o pedido de impugnação, formulado pela Autora C e pela Interveniente, da venda, pela 2.a Ré à 1.a Ré, por escritura de 26 de Maio de 1999, das seis fracções autónomas, para comércio, designadas por “AYR/C”, “AZR/C”, “BAR/C”, “BBR/C”, “BCR/C” e “BDR/C”, do rés-do-chão do prédio inscrito na matriz predial sob o art.o 71752, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.o 21559, ficando, pois, a 1.a Ré condenada a restituir o vendido pela 2.a Ré na medida do interesse da Autora para satisfação do crédito desta sobre a 2.a Ré no valor de HKD211.208,00 e juros (rectificando assim, por comando do douto Acórdão de 23 de Maio de 2007 do Venerando Tribunal de Última Instância, o lapso contido no dispositivo da sentença recorrida), e também na medida do interesse da Interveniente para satisfação integral dos créditos desta sobre a 2.a Ré no valor global de MOP13.782.899,89.
Custas dos pedidos de impugnação pauliana da Autora e da Interveniente nas Primeira e Segunda Instâncias tudo a cargo das duas Rés, suportando ainda a 1.a Ré as custas da reclamação do despacho do Relator, e sem prejuízo da decisão de custas tomada pelo Venerando Tribunal de Última Instância no referido douto Acórdão do Processo n.o 24/2007.
Macau, 19 de Maio de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
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José Maria Dias Azedo
(Relator do processo) (Vencido nos termos do projecto de acórdão que apresentei à conferência – em 16.12.2010- e que foi incorporado no presente veredicto)
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