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Proc. nº 291/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Julho de 2014
Descritores:
-Contrato a favor de terceiro
-Contratação de mão-de-obra não residente
-Subsídio de alimentação
-Subsídio de efectividade

SUMÁRIO:

I - A celebração de um “contrato de prestação de serviços” entre uma empresa fornecedora de mão-de-obra não residente em Macau e outra empregadora dessa mão-de-obra, no qual esta assume desde logo um conteúdo substantivo mínimo das relações laborais a estabelecer com os trabalhadores que vier a contratar, tal como imposto por despacho governativo, representa para estes (beneficiários) um contrato a favor de terceiro, cuja violação por parte da promitente empregadora gera um correspondente direito de indemnização a favor daqueles.

II - O subsídio de alimentação visa compensar uma despesa diariamente suportada pelos trabalhadores quando realiza a sua actividade, visa compensar uma despesa na qual o trabalhador incorre diariamente, sempre que vai trabalhar, e portanto, deve ser considerado como compensação pela prestação de serviço efectivo.

III - O subsídio de efectividade é um subsídio que carece de uma prestação de serviço regular e sem faltas injustificadas.














Proc. nº 291/2014

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A, de nacionalidade filipina, intentou no TJB acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação de “Guardforce (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança – Limitada”, com sede na Av. XXX, s/n, Edif. Industrial XXX, fase XXX, Xº andar, X, em Macau, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de Mop$135.966,00 a título de indemnização por dias de trabalho prestado em dias de descanso semanal, subsídio de efectividade, subsídio de alimentação, trabalho extraordinário e diferenças salariais.
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Contestou a ré, pugnando pela improcedência da acção em termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Foi a seu tempo proferida sentença nos autos, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar ao autor a título de créditos laborais a quantia global de Mop$ 121.068,40 e juros de mora respectivos.
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A ré “Guardforce”, inconformada, recorreu jurisdicionalmente da referida sentença e, nas alegações respectivas, formulou as seguintes conclusões:
«a) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
b) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
c) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
d) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
e) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
f) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3º e 9º;
g) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
h) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
i) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como “contratos de prestação de serviços”;
j) Deles é possível extrair que a Sociedade “contratou” trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.;
k) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
l) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
m) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações;
n) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
o) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
p) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
q) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
r) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A, que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
s) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400º/2 do Código Civil (princípio res inter alias acta, aliis neque nocet neque prodest);
t) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
u) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
v) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A, sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
w) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A, de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
x) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400º/2 e 437º do Código Civil;
y) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A para reclamar quaisquer “condições mais favoráveis” emergentes destes contratos;
z) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
aa) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário;
bb) Por outro lado, quanto ao regime previsto nos Contratos para o cálculo da remuneração do trabalho extraordinário, deverá entender-se que o mesmo remete para o art. 11º/2 do Decreto-Lei nº 24/89/M, em cujo art. 11º/2, o qual deixa ao critério das partes o ajuste, em sede de contrato individual de trabalho, dos termos dessa remuneração;
cc) Cabia pois ao A alegar os termos desse ajuste contratual, o que não fez;
dd) Como tal, conclui-se que o A não demonstrou ser-lhe devida qualquer quantia adicional às que, como ficou provado nos pontos 19) e 21), lhe foram oportunamente pagas pela R. como remuneração do trabalho extraordinário prestado;
ee) Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal recorrido violou o art. 228º/1 do Código Civil;
ff) Do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
gg) Por outro lado, o A não logrou demonstrar o número de dias de trabalho efectivo que prestou, sendo certo que estava onerada com tal prova;
hh) Ao decidir em sentido inverso, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 335º/1 do Código Civil;
ii) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade.
Nestes termos, e nos mais de Direito, revogando a decisão recorrida nos termos e com as consequências expostas supra, farão V. Exas a costumada JUSTIÇA.».
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O autor da acção respondeu ao recurso, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:
«1. É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência de Macau que o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, era um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, destinado a definir um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à contratação de trabalhadores não residentes;
2. A Recorrente tão-só poderia celebrar contratos com trabalhadores não residentes desde que o fizesse ao abrigo do respectivo «despacho de autorização governamental», tendo por base as condições tidas por mínimas constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, as quais, por seu turno, se deveriam incorporar no clausulado do «contrato de prestação de serviços» a celebrar entre a entidade interessada (in casu a Recorrente) e uma entidade fornecedora de mão de obra não residente (in casu, a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.);
3. O Recorrido nunca poderia ter sido admitido como trabalhador da Recorrente (ou de qualquer outro empregador na RAEM) por via de um contrato que não tivesse obedecido ao disposto nos números 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, maxime por via de um «contrato individual de trabalho», porquanto a contratação de trabalhadores não residentes estava sujeita a um regime especial e imperativo que em caso algum poderia ser derrogado pelas partes, excepto para consagrar condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador.
4. Por outro lado, constitui igualmente jurisprudência assente ao nível do Tribunal de Segunda Instância que os Contratos de Prestação de Serviços concluídos entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, e ao abrigo dos quais os trabalhadores não residentes (e, in casu, o ora Recorrido) eram autorizados a prestar trabalho, juridicamente se configuram como contratos a favor de terceiros;
5. Basta ver que do próprio conteúdo literal dos referidos contratos resulta que os mesmos - na sua grande totalidade - não se destinavam a regular as relações jurídicas dos outorgantes mas antes de terceiros, maxime dos trabalhadores que seriam recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e que posteriormente eram cedidos à Recorrente (de entre os quais se inclui o ora Recorrido);
6. Assim, tratando-se de um «contrato a favor de terceiro» e repercutindo-se o mesmo na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, mais do que líquido que o beneficiário da promessa (in casu, o Recorrido) adquire o(s) direito(s) - ou parte dele(s) - constantes do mesmo contrato independentemente de aceitação (art. 438.º, n.º 1 do CCivil de Macau) e, em consequência, pode exigir o seu cumprimento directamente do obrigado (in casu, da Recorrente), tal qual acertadamente concluiu o Tribunal a quo.
7. De onde, concluído que o Contrato de Prestação de Serviço celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio Limitada juridicamente se qualifica como sendo um Contrato a favor de terceiros e, deste modo, repercutindo-se na relação jurídico laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, forçoso concluir que o Recorrido terá direito a reclamar todas as condições que se mostrem mais favoráveis dos mesmos emergentes e, em concreto, reclamar e receber os montantes devidos a título de diferenças salariais, tal qual, aliás, acertadamente concluiu o Tribunal a quo.
8. Do mesmo modo, resulta do senso comum não ser de admitir que o valor da remuneração de cada hora de trabalho extraordinário prestado pudesse ser inferior ao valor da remuneração de cada hora do trabalho normal.
9. Não tendo a Recorrente em momento anterior alegado as condições exigíveis para o recebimento do subsídio de alimentação e do subsídio de efectividade por parte do ora Recorrido, precludido está o direito de o praticar neste momento, por extemporâneo e não consentido pelas regras do Processo.
Nestes termos e nos de mais de Direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., devem as presentes Alegações de Resposta serem aceites e o Recurso apresentado pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!».
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
«1) A R. é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (A)
2) A R. tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de “guarda de segurança”, “supervisor de guarda de segurança”, “guarda sénior, entre outros. (B)
3) A R. celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., entre outros, os “contratos de prestação de serviços”: n.º 02/94, de 03/01/1994; n.º 29/94, de 11/05/1994; n.º 45/94, de 27/12/1994. (C)
4) Os contratos supra identificados dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de recrutamento e cedência de trabalhadores; de despesas relativas à admissão dos trabalhadores; à remuneração dos trabalhadores; ao horário de trabalho e alojamento; aos deveres de assistência; aos deveres dos trabalhadores; às causas de cessação do contrato e repatriamento; às outras obrigações da R.; à provisoriedade; ao repatriamento; ao prazo do contrato e às disposições finais, dos trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente cedidos à R.. (D)
5) O A. foi admitido ao serviço da R. na sequência de Contrato de prestação de serviços n.º 2/94, celebrado com a dita Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. (cfr. doc. 2 junto com p.i., lista nominativa anexa ao contrato de prestação de serviços n.º 2/94, celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.) (E)
6) Do Contrato de prestação de serviços n.º 2/94, resulta que o A., e os demais trabalhadores não residentes ao serviço da R., teria o direito a auferir, no mínimo, Mop$90,00 diárias (cfr. doc.2 junto com p.i.) (F)
7) Acrescidas de Mop$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação. (G)
8) Que teria direito a auferir um subsídio mensal de efectividade “igual ao salário de quatro dias”, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (H)
9) Sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, e o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (I)
10) O contrato de prestação de serviços n.º 2/94 foi objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE). (J)
11) O A. esteve ao serviço da R., para sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização, exercer funções de guarda de segurança, mediante o pagamento de salário. (K)
12) Era a R. quem fixava o local e horário de trabalho do A., de acordo com as suas exclusivas necessidades. (L)
13) A prestação de trabalho pelo A. nos dias de descanso semanal, foi remunerado com o valor de um salário diário, em singelo. (M)
14) O A. exerceu funções para a R. entre 02/05/1994 e 28/02/1998. (N)
15) Entre Maio de 1994 e Setembro de 1995, a R. pagou ao A. a título de salário, quantia de MOP$1,500.00, mensais. (4º)
16) Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, a R. pagou ao A. o título de salário, a quantia de MOP$1,700.00, mensais. (5º)
17) Entre Julho de 1997 e 28 de Fevereiro de 1998, a R. pagou ao A. o título de salário, a quantia de MOP$1,800.00, mensais. (6º)
18) Entre 2 de Maio de 1994 e 30 de Junho de 1997, o A. trabalhou 12 horas de trabalho por dia. (7º)
19) Tendo a R. remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP8.00, por hora. (8º)
20) Entre Julho de 1997 e 28 de Fevereiro de 1998, o A. trabalhou 12 horas de trabalho por dia. (9º)
21) Tendo a R. remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$9.30, por hora. (10º)
22) Durante todo o período da relação laboral entre a R. e o A., nunca a R. pagou ao A. qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (11º)
23) Durante todo o período da relação laboral entre a R. e o A., nunca o A. - sem conhecimento e autorização prévia pela R. - deu qualquer falta ao trabalho. (12º)
24) Durante todo o período da relação laboral entre a R. e o A., a R. nunca pagou ao A. qualquer quantia a título de “subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias”. (13º)
25) Durante todo o período da relação laboral entre a R. e o A., nunca o A. gozou de qualquer dia a título de descanso semanal. (14º)
26) Pelo trabalho que prestou em dias de descanso semanal, além de receber a remuneração descrita em M), já não lhe tenha sido concedido um dia de descanso compensatório. (15º)
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III – O Direito
1 - A recorrente insurge-se, em primeiro lugar contra a opinião manifestada na sentença em crise a propósito da força que possa emanar do Despacho nº 12/GM/88 e da natureza dos contratos posteriormente celebrados entre a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada” e a “Guardforce”.
Essa questão, porém, está definitivamente estudada por este TSI.
Por comodidade e economia de meios, limitar-nos-emos a transcrever um acórdão em que a questão foi tratada pelo mesmo colectivo julgador neste Tribunal (Ac. TSI, de 28/11/2013, Proc. nº 824/2010):
“1ª questão
Que tipo de relação administrativa se estabeleceu entre Guardforce e a Administração?
Quando a ora recorrida se dirigiu à Administração pedindo admissão, nos termos do Despacho nº 12/GM/88 (leia-se autorização) para contratar não residentes, fê-lo como mero interessado particular que, para ver proferido o acto permissivo, deveria observar certos requisitos.
Superados os primeiros obstáculos através dos pareceres pertinentes favoráveis (cfr. nº9, a, b, do referido Despacho), a entidade competente proferiu despacho de admissão, condicionando-a, porém, à apresentação do contrato a celebrar entre requerente (Guardforce) e entidade fornecedora de mão-de-obra não residente (Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda).
Aquele despacho disse, ainda, que a autorização implicava a sujeição da requerente a determinadas obrigações específicas: a) - manter um número de trabalhadores residentes igual à média dos que lhe prestaram serviço nos últimos três meses; b) - garantir a ocupação diária dos trabalhadores residentes ao seu serviço e manter-lhes os respectivos salários a um nível igual à média verificada nos três meses anteriores; c)- observar uma conduta compatível com as legítimas expectativas dos trabalhadores residentes).
Estamos, portanto, perante um acto administrativo cuja eficácia foi diferida para momento posterior, em virtude de os seus efeitos dependerem da verificação do requisito ulterior (arts. 117º, nº1 e 119º, al.c), do CPA): apresentação do contrato de prestação de serviço com a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente.
Ora, este contrato é, para este efeito, um contrato-norma com estipulações vinculantes para ambas as partes.
Ou seja, a Administração, satisfez-se com a celebração daquele instrumento negocial em que o futuro empregador (contratante Guardforce) declarava contratar futuros trabalhadores não residentes e prometia conceder-lhes as condições e regalias a que ali mesmo, livremente, se deixou subjugar. Claro está que, em nossa opinião, deveria ser mais natural e lógico que a condição fosse mais longe ao ponto de se exigir de todo e qualquer interessado na aquisição de mão-de-obra não residente em Macau a demonstração da efectiva contratação nos moldes em que o compromisso foi assumido perante a entidade fornecedora. Faria mais sentido, realmente, que a condição do acto não se ficasse pela realização de uma mera “declaração de intenções” ou de uma simples “promessa de facere”, que podia não ser, como não foi, cumprida. Na verdade, a vinculação entre as partes contratantes iniciais (Guardforce e Sociedade de Apoio) podia bem ser quebrada sem conhecimento do Governo, o qual assim nada podia fazer para repor as condições de trabalho que estiveram na base da autorização, ou até mesmo para a cancelar. Isto é, parece absurdo que se estabeleçam requisitos de contratação, que as partes iniciais acolheram no contrato-norma para que o despacho autorizativo adquirisse eficácia, e depois o autor do acto se desligue completamente da sorte dos contratos de aplicação dando azo a toda a sorte de incumprimentos e abusos eventuais. Não se deveria esquecer que os contratos de aplicação devem obediência não só ao contrato-norma, como ao acto autorizativo. E, por isso mesmo, é de questionar quais as consequências derivadas da violação dos contratos celebrados com o trabalhadores e quais os efeitos para estes (futuros e incertos) decorrentes desse contrato-norma. À primeira questão – sem sermos muito categóricos – somos de parecer que nem o Despacho 12/GM/88, nem o contrato firmado na sequência do despacho autorizativo estabelecem sanções. À segunda questão já somos obrigados a responder, e essa é tarefa que nos ocupará já de seguida.
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2ª Questão
Quais os direitos para os trabalhadores contratados na sequência daquele contrato de prestação de serviços celebrado entre Guardforce e Sociedade de Apoio?
Tal como a sentença o afirma, ao caso não pode ser aplicável o DL nº 24/89/M, de 3/04, uma vez que este diploma se aplica aos trabalhadores residentes.
E também é certa, em parte, a ideia que emana da mesma decisão, segundo a qual o Despacho nº 12/GM/88 não visa estatuir sobre os contratos a celebrar entre empregadores e trabalhadores não residentes. Visa sim, e nessa medida reflecte-se sobre eles, determinar um conjunto de conteúdos mínimos que o empregador deve respeitar nos contratos a celebrar. Contudo, não desce ao pormenor dos direitos e regalias concretas, embora se refira no art. 9, d.2 ao dever de ser averiguado no contrato de prestação de serviços se se encontra satisfeita a garantia do pagamento do salário acordado com a empresa empregadora. Ora, como pode ser prestada esta garantia se depois do contrato com o trabalhador ninguém mais controla o cumprimento do clausulado! E como garantir no contrato-norma algo que só no contrato de aplicação pode ser constatado! Por conseguinte, só indirectamente se pode dizer que os contratos celebrados com os trabalhadores têm no referido despacho a sua regulação normativa.
A Lei nº 4/98/M, de 29/97, por seu turno, também não passa de um conjunto de normas programáticas inseridas naquilo que é uma Lei de Bases (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais), não preenchendo as necessidades de regulação as normas que constam do art. 9º, uma vez que aí igualmente nada é estabelecido sobre o conteúdo das relações laborais entre aqueles.
Só a Lei nº 21/2009/M de 27/10, sim, define um conjunto de regras a que deve obedecer a contratação de trabalhadores não residentes, mas escapa ao nosso raio de alcance, atendendo ao momento em que surge a lume.
De qualquer modo, assentem os contratos celebrados com os trabalhadores não residentes indirectamente no Despacho nº 12/GM/88, ou derivem eles directamente do contrato firmado entre Guardforce e Sociedade de Apoio, a verdade é que ninguém se atreve a dizer que aquele instrumento contratual e o Despacho em causa são de todo inertes e indiferentes ao clausulado que viesse a integrar o contrato entre empregador e trabalhadores. A questão só se complica na medida em que se trata de pessoas que não intervieram no referido instrumento. Daí que se pergunte a que título dele nasceram direitos para a sua esfera.
Não se pode dizer com total tranquilidade que há lacuna de regulamentação, se for de pensar que a vinculação do instrumento entre Guardforce e Sociedade de Apoio é suficiente, isto é, se for de considerar que, mesmo que por causa do despacho autorizativo e do Despacho 12/GM/88, os direitos nascem com aquele instrumento. Faltaria apurar somente a que título.
A sentença em crise entende, porém, que não, por não sentir emergir daquele contrato de prestação de serviços nenhuma das figuras contratuais que costumam associar terceiros não intervenientes, como foi o caso.
Por outras palavras, a questão é a do apuramento da natureza jurídica desse contrato no que a estes terceiros concerne.
E considerando não se estar perante um contrato de trabalho, um contrato de trabalho para pessoa a nomear, ou um contrato de cedência de trabalhadores – por razões que explicita e com as quais concordamos, mas que, por comodidade e desnecessidade ao desfecho decisório do recurso nos dispensamos de reproduzir – acabou por concluir que, do mesmo modo, não se estaria em presença do contrato a favor de terceiros, mas eventualmente ante um contrato de promessa de celebrar um contrato de trabalho com pessoa a nomear (sem qualquer efeito na relação laboral contratada entre empregador e trabalhador) e que apenas permitiria à beneficiária (Sociedade de Apoio) reclamar prejuízos resultantes do incumprimento.
E para assim concluir, arrancando da leitura do art. 437º do Código Civil, foi peremptório em afirmar que no conceito da figura do contrato a favor de terceiro avulta o requisito da “prestação”, que aqui julga não ser possível, uma vez que essa prestação apenas equivaleria à “celebração de outro contrato” (ver fls. 20 vº a 22 da sentença). Argumento a que ainda adita o de que de um contrato a favor de terceiro não podem nascer obrigações para este. Dois obstáculos, portanto, que, em sua óptica, o impediam de preencher os elementos-tipo desta espécie contratual.
A solução a dar a ambos estes impedimentos invocados pelo Ex.mo juiz “a quo” merece um tratamento em bloco.
Vejamos.
Segundo o art. 437º do CC:
“1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais”.
No contrato a favor de terceiro, como se vê, existem três elementos pessoais a considerar: dois contraentes e um beneficiário; de um lado, o promitente, a pessoa que promete realizar a prestação e o promissário, a pessoa a quem é feita a promessa; do outro, o terceiro beneficiário, estranho à relação contratual, mas que adquire direito à prestação. Eis aqui um bom exemplo de desvio à relatividade dos contratos ou ao princípio do efeito relativo (inter-partes) dos contratos1.
Claro que se poderia alvitrar que, para valer perante um qualquer terceiro, este deveria ser designado no contrato como beneficiário, o que implicava desde logo a sua identificação. Todavia, este eventual obstáculo tomba sob o peso da norma criada pelo art. 439º, ao permitir que a prestação pode ser estipulada a favor de terceiro indeterminado, bastando que o beneficiário seja determinável no momento em que o contrato vai produzir efeitos a seu favor.
Regra geral, portanto, do contrato nasce um direito a uma prestação2, a uma vantagem3, não uma obrigação4. Por isso se diz que o efeito para a esfera do “beneficiário” deva ser positivo5.
A questão está, agora, em saber duas coisas:
Uma, se esse efeito positivo ou de vantagem é incompatível com a atribuição de deveres; outra, como deve esse efeito ser conferido, isto é, qual a forma de manifestação da prestação.
A primeira questão, é respondida com relativa facilidade. É certo que através de um contrato entre duas partes não pode impor-se apenas uma obrigação a outra pessoa que nele não tenha figurado, enquanto objecto único dos efeitos pretendidos em relação a ela. Isso contraria o espírito da relatividade contratual na sua essência mais pura e escapa, pela letra do preceito transcrito, à sua mais estrita previsão. Não é disso, porém que aqui se trata.
Por outro lado, a imposição de deveres, num quadro mais alargado de uma posição jurídica que também envolva vantagens, não tem qualquer eficácia se o terceiro não os aceitar dentro da sua livre determinação e no quadro do exercício da sua vontade. De resto, é hoje pacífico que podem ser fixados ónus e deveres ao terceiro, sem que com isso resulte afectada a sua margem de liberdade. As partes atribuem-lhe vantagens, se de benefícios o negócio unicamente tratar. Mas, se a atribuição do efeito positivo carecer de uma atitude posterior do beneficiário da qual resulte a assunção de deveres, através da sua adesão por qualquer facto6, não se vê em que isso contrarie o objectivo do contrato. A vantagem é, para este efeito, cindível ou autonomizável. Por conseguinte, tudo ficará cometido ao seu livre arbítrio e alto critério pessoal: o terceiro é livre de acatar ou não os deveres, sendo certo que se a sua resposta for negativa, perderá o direito à vantagem e ao efeito positivo7 resultante daquele contrato.
A segunda pode ser mais problemática, mas a solução acaba por ser pacífica, segundo se crê, se for de entender que “dar trabalho”, isto é, conceder um posto de trabalho, proporcionar emprego a alguém nas condições estipuladas no contrato-norma é uma prestação de facere ou uma prestação de facto8, mesmo que incluída numa relação jurídica a constituir. O contrato a celebrar com o terceiro não seria o fim último da situação de vantagem reconhecida e prometida pelo contrato entre Guardforce e Sociedade de Apoio, mas sim e apenas o instrumento jurídico através do qual se realizaria o benefício, a vantagem, o direito.
De resto, também se não deve negar que, para além do efeito positivo traduzido no próprio emprego prometido oferecer, qualquer cláusula que ali o promitente assumiu em benefício do trabalhador a contratar (v.g, valor remuneratório, garantia de assistência, etc.) ainda representa uma prestação positiva a que Guardforce se obrigou.
Por conseguinte, os obstáculos erigidos na sentença a este respeito, salvo melhor opinião, não têm consistência. O que equivale a dizer que(…), o contrato a favor de terceiro9 será aquele que melhor se adequa à situação em apreço e é nesse pressuposto que avançaremos para as consequências daí emergentes”.
É esta a solução que este TSI tem vindo a seguir de forma unânime e não há nenhuma nova razão para dela divergir.
Assim sendo, quanto a esta parte improcede o recurso.
*
2.2.3 – Das diferenças salariais
A título de diferenças salariais, o autor da acção reclamava a quantia de Mop$ 49.800,00; a sentença reconheceu-lhe o valor de Mop$ 48.600,00. A recorrente, no entanto, sustenta que nenhum direito assiste àquele.
No entanto, face à posição acima assumida, não vemos que haja qualquer motivo para divergir da sentença no que a este capítulo concerne.
A sentença disse o seguinte:
«O Autor reclama MOP$49.800 a título de diferenças remuneratórias entre o salário pago efectivamente pela Ré durante todo o período de execução do contrato e os valores a que estava obrigada através das condições definidas para tal contratação.
Resulta provado em 6) que a Ré estava obrigada a pagar ao Autor 90 patacas diárias (ou seja 2700 patacas mensais) e que lhe pagou as quantias que resultam provadas de 15) a 17), pelo que se pode concluir que o Autor é credor da diferença entre os valores que lhe foram pagos e os que deveria ter recebido:
- entre Maio de 1994 e Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1.500,00, quando deveria ter pago MOP$2.700,00 mensais, pelo que se regista uma diferença de MOP$1.200,00 mensais, num total de MOP$ 20.400 (17 meses x 1200 patacas);
- entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1.700,00 mensais, quando deveria ter pago MOP$2.700,00 mensais, pelo que se regista uma diferença de MOP$1000,00 mensais, num total de MOP$ 21.000 (21 meses x 1000 patacas);
- entre Julho de 1997 e 28 de Fevereiro de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1.800,00 mensais, quando deveria ter pago MOP$2.700,00 mensais, pelo que se regista uma diferença de MOP$900,00 mensais, num total de MOP$ 7.200 (8 meses x 900 patacas); o que perfaz a quantia de MOP 48.600,00, quase nos precisos termos peticionados pelo Autor».
Estamos de acordo com o teor do segmento transcrito. Nada mais há a acrescentar-lhe.
Será aquele valor a considerar: Mop$ 48.600,00.
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2.2.4 – Do trabalho extraordinário
No que a este capítulo respeita, o autor da acção pedia o pagamento da quantia de Mop$ 15.501,00. A sentença atribuiu-lhe o valor de Mop$ 16.923,40.
O autor, já se sabe, tinha direito a um acréscimo de remuneração pelo trabalho prestado para além do horário normal de trabalho (cfr. art. 11º, nº2, DL 24/89/M). Certo é que a lei não estabelece o modo de remunerar esse acréscimo de trabalho, conforme foi já expressado por este TSI (Ac. de 16/06/2011, Proc. nº 737/2010). Todavia, a fixação desse valor não pode ser livre, nem deixada ao arbítrio da entidade patronal. Ora, se o valor a considerar era de 90 patacas diárias, dificilmente se aceitaria que o valor da remuneração horária a título de serviço extraordinário fosse pago por valores inferiores ao da prestação do serviço normal de oito horas de trabalho.
Portanto, não tendo sido fixado especificamente entre as partes esse acréscimo, então o valor a considerar deverá ser a diferença entre o valor mínimo de Mop$ 11,25 (resultado da divisão por 8 horas do valor da remuneração diária de 90 patacas a que a ré se comprometeu, conforme factos 4 e 5) e o valor pago efectivamente (neste sentido, entre outros, tb. Ac. do TSI, de 28/11/2013, Proc. nº 824/2010).
É essa diferença, variável consoante o valor realmente pago (factos 18 a 21 da sentença), que deverá ser considerada no cálculo da indemnização, sem que se possa acolher, sequer, a ideia da imputada violação do art. 228º, nº1, do CC.
Como se disse, a sentença calculou o valor de Mop$ 16.923,00. Como, porém, o pedido formulado relativamente a esta rubrica era inferior a esta cifra (Mop$ 15.501,00), a ela haverá que ser reduzida, face ao disposto no art. 564º, nº1, do CPC.
A indemnização será arbitrada em Mop$ 15.501,00.
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2.2.5 – Do subsídio de alimentação
A ré da acção nunca pagou o valor de 15 patacas diárias a que se comprometeu (facto 22 da sentença).
Sobre esta prestação, foi dito no Ac. do TSI, de 14/06/2012, Proc. nº 376/2012:
“Ora, este subsídio tem uma função social radicada numa despesa alimentar efectuada por causa da prestação de trabalho efectiva10. E embora tenha havido por parte da jurisprudência alguma tendência para o considerar prestação retributiva, a verdade é que nem por isso outra a associava, mesmo assim, à noção de trabalho efectivo, tal como, por exemplo, foi asseverado no Ac. da Relação de Lisboa de 29/06/1994, Proc. nº 092324 “ Quer a Jurisprudência, quer a Doutrina têm vindo a entender que o subsídio de alimentação, sendo pago regularmente, integra o conceito de retribuição .... Porém, estando ligada essa componente salarial à prestação de facto do trabalho, só será devida quando o trabalhador presta serviço efectivo à entidade patronal…”.11.
Com o art. 260º do Código do Trabalho Português, o panorama mudou de figura, pois o nº2, do art. 260º deixou claro que esse subsídio não devia ser considerado remuneração, salvo nos casos em que o seu valor excede o montante da despesa alimentar. E assim, terá ficado mais claro que ele só é assumido pelo empregador por causa da prestação efectiva de trabalho. Ele “visa compensar uma despesa diariamente suportada pelos trabalhadores quando realiza a sua actividade”12. Ou “…visa compensar uma despesa na qual o trabalhador incorre diariamente, sempre que vai trabalhar…” (destaque nosso)13.
Em Macau, não está regulada a atribuição destes subsídios, mas não cremos que o sentido da sua natureza que melhor se adequa à geografia local é aquele que atrás descrevemos. Por conseguinte, por não estar regulada na lei (DL nº 24/89/M), nem no referido contrato de prestação de serviços nº 45/94 (fls. 137 e sgs. dos autos), deveremos considerá-lo como compensação pela prestação de serviço efectivo.
Logo, da mesma maneira que deverá descontar-se o subsídio nos períodos de férias ou naqueles em que a pessoa está de licença de maternidade, também ele deve ser subtraído quando o trabalhador não prestou serviço por outra qualquer razão14.”
A ré/recorrente, contudo, insurge-se contra este pagamento por considerar que o autor não fez prova do número de dias de trabalho efectivamente prestado ao longo de toda a relação laboral.
Tem razão. A questão faz sentido face ao teor do ponto 23º da factualidade assente na sentença (resposta ao ponto 12º da BI), de onde resulta que o autor, durante o período da relação laboral entre R e A, sem o conhecimento e autorização prévia pela R, não deu faltas ao trabalho. Implicitamente, ou por outras palavras, pode ver-se naquela resposta o reconhecimento de que o A. algumas faltas ao trabalho teria dado, o que faria alterar o suporte para o pagamento da quantia reclamada a esse título15.
Consequentemente, a sentença não pode manter-se nesta parte. Simplesmente, à falta de melhores e concretos elementos sobre quais os dias de falta efectivamente verificados, a solução será relegar a liquidação da indemnização a este propósito para execução de sentença, como noutras vezes se tem decidido.16
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2.2.6 - Do subsídio de efectividade
Como se sublinhou, por exemplo, nos Acs. deste TSI de 14/06/2012, Proc. nº 376/2012 e 25/07/2013, Proc. nº 322/2013, trata-se de um subsídio que carece de uma prestação de serviço regular e sem faltas, pois assim o dizem os contratos nº 2/94 (ver facto da alínea H) ou nº 8 dos factos assentes na sentença). Com efeito, o trabalhador teria direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta.
Assim, pela mesma ordem de razões, não tendo a ré apresentado prova dos dias de falta dados pelo seu empregado, não se pode reprovar a sentença recorrida quanto a este aspecto.
Assim sendo, a indemnização a atribuir é a que vem fixada na 1ª instância Mop$ 16.560,00.
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2.2.7 - Tudo visto, a indemnização a arbitrar ascende a Mop$ 98.661,00 (48.600,00+15.501,00+16.560,00), a que acrescerá o valor da indemnização a título de compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, que a sentença computou em Mop$18.000,00, e que não faz parte do objecto do recurso.
***
IV – Decidindo
Face a todo o exposto, acordam em:
1 – Conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença pela “Guardforce”;
Em consequência, revogando na parte correspondente a sentença recorrida:
- Reduzimos a Mop$ 15.501,00 o valor fixado pela sentença no que respeita à indemnização pelo trabalho extraordinário prestado pelo autor, nos termos do art. 564º, nº1, do CPC; e
- Condenamos a ré “Guardforce” a pagar ao autor a quantia de MOP$ Mop$ 98.661,00 nos termos acima descritos.
- Condenamos ainda a “Guardforce” a pagar ao autor a indemnização que vier a liquidar-se em sede de execução de sentença quanto ao subsídio de alimentação.
- Quanto ao mais, mantém-se a parte restante da sentença, nomeadamente quanto à condenação da ré no pagamento ao autor da quantia de Mop$ 18.000,00, a título de indemnização pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal.
- Vai por fim a “Guardforce” condenada nos juros de mora, contados pela forma referida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo nº 69/2010.
Custas em ambas as instâncias em razão do decaimento.
TSI, 24 de Julho de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

1 Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudos de Direito Civil, pag. 492.
2 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, pag. 410.
3 Digo Leite de Campos, Contrato a favor de terceiro, 1991, pag. 13.
4 Ob. cit, pag. 417.
5 Margarida Lima Rego, ob. cit, pag. 493. Também, E. Santos Junior, Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito, Almedina, pag. 165.
6 Inclusive pela forma que as partes contraentes entendam indicar: Autor e ob. cit, pag. 519. Nós entendemos que isso pode ser feito pela via do contrato a celebrar.
7 Neste sentido, por outras palavras, ver Margarida Lima Rego, ob. cit, pag. 494.
8 Neste sentido, ver Ac. do TSI no Proc. nº 574/2010, de 19/05/2011 e referências ali feitas à noção de prestar por Pessoa Jorge, in Obrigações, 1966, pag. 55, e Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, 1º, pag. 336 e 338.
9 O TSI assim tem considerado de forma insistente (v.g., Ac. TSI, de 23/06/2011, Proc. nº 69/2011; 25/07/2013, 25/04/2013, Proc. nº 372/2012, 13/09/2012, Proc. nº 396/2012).
10 Neste ponto, corrige-se a posição anteriormente tomada no proc. nº 781/2011.
11 No sentido de que só deve ser pago nos períodos de prestação efectiva de serviço, ainda Ac. R.P. de 6/05/1995, Proc. nº 9411201; É por isso que ele não deve ser pago nos subsídios de férias e de Natal (Ac. R.E., de 21/09/2004, Proc. nº 1535/04-2).
12 Luis M. Telles de Meneses Leitão, in Direito de Trabalho, Almedina, 2008, pag. 349. No mesmo sentido, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pag. 547 e Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho anotado, Coimbra Editora e Wolters Kluver, pag. 662-663.
13 Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho anotado, 5ª edição, 2007, pag. 498.
14 A não ser nas situações em que a não prestação se fica a dever a causa imputável ao empregador e em que, apesar disso, o trabalhador teve que efectuar a despesa alimentar.
15 Neste ponto, numa melhor reflexão sobre o tema, pensamos não ser de seguir a posição do Ac. do TSi, de 29/05/2014 (Proc. nº 627/2013), de que o aqui relator foi adjunto.
16 Desta mesma data (21/07/2014) podem ler-se, por exemplo, os Acs. deste TSI nos Procs. Nºs 128/2014 e 168/2014. Neste mesmo sentido, v.g., os Acs. do TSI, de 24/04/2014, Proc. nº 687/2013, de 20/03/2014, Proc. nº 78/2012.
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291/2014