Proc. nº 226/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 17 de Julho de 2014
Descritores:
-Marcas
-Cartas de jogar
-Imitação
-Concorrência desleal
SUMÁRIO:
I - Para haver imitação, a marca deve ter semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra registada que induza em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame ou confronto, face àquilo que a marca representa no mercado: a função de garantia de qualidade não enganosa, visando associar um produto ou serviço a determinado produtor ou prestador de serviço e evitar no consumidor o erro e a confundibilidade de origem e proveniência. Ou seja, o que releva é a semelhança que resulte do conjunto de elementos das marcas em causa e não as dissemelhanças entre elementos de cada uma, vistos isoladamente ou em separado.
II - O que fica na retina do potencial consumidor - que não tem as duas cartas à sua frente e que, portanto, não as pode comparar - é uma identidade (que até pode vir também a ser de cores) na disposição diagonal das linhas que se entrecruzam.
III - O acto de concorrência desleal é aquele que se mostra contrário às normas e usos honestos da actividade económica, designadamente o que seja idóneo a criar confusão entre produtos ou serviços de diferentes agentes económicos e o que configure aproveitamento da reputação empresarial de outrem.
Proc. nº 226/2014
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
“A., Ltd”, com os demais sinais dos autos, recorreu judicialmente da recusa do registo da marca N/6XXX4 para a classe 28 (distribuidores electrónicos e cartas de jogar) decidida por despacho da Ex.ma Chefe do Departamento de Propriedade Industrial da Direcção dos Serviços de Economia de 28/02/2013.
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Após a contestação da entidade recorrida e da contra-interessada, “B Company” foi na oportunidade proferida sentença que julgou improcedente o recurso e manteve a decisão administrativa recorrida.
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É contra tal sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional interposto pela “A1” (assim nos referiremos doravante a esta recorrente), em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«A. A Recorrente A1 é detentora, em Macau, das Marcas N/1XXX3, N/1XXX0 e N/1XXX4 na classe 16.ª e N/3XXX2, N/3XXX3, N/5XXX3 e N/5XXX7 na classe 28.ª;
B. Não há, ao contrário do que o Tribunal a quo julgou, nenhuma semelhança entre a Marca N/6XXX4 e a Marca da B N/5XXX7.
C. A marca N/5XXX7 da B inclui um rebordo branco a toda a volta.
D. Já na Marca N/6XXX4 da A1, pelo contrário, não existe qualquer rebordo seja em branco ou em qualquer outra cor.
E. A presença, ou não, deste rebordo é muito importante para distinguir ambas as Marcas, particularmente quando usado em cartas de jogar, o produto cuja protecção é reclamada e onde as Marcas podem ser incorporadas.
F. Na Marca da A1 N/6XXX4 as linhas brancas cruzam-se, perpendicularmente, formando ângulos de 90º, formando quadrados, enquanto na Marca da B N/5XXX7 o desenho formado por pequenos traços cruza-se em diagonal ao formato da carta, sendo os ângulos formados pelas linhas muito mais agudos, formando losangos, criando uma geometria completamente diferente,
G. Os detalhes do desenho também são diferentes, enquanto a Marca da B, N/5XXX7, no seu desenho usa o mesmo tipo de pequenos traços descontinuados, na Marca N/6XXX4 o desenho é alternado por diferente tipo de linhas que atravessam todo o desenho.
H. Enquanto na Marca da B N/5XXX7 os losangos de cor preta encontram-se separados por pequenos traços que sugerem linhas brancas, da mesma espessura, que vão na direcção de cada canto até ao seu oposto do rectângulo formado, criando a aparência de losangos de cor preta.
I. Na Marca da A1 N/6XXX4 um conjunto de quatro quadrados pequenos de cor são separados por duas linhas brancas fininhas, sendo cada conjunto de quatro quadrados (não losangos) separados dos restantes por uma linha grossa de cor branca.
J. O critério para apurar se há ou não imitação ou distinção tem que ser mais restrito do que aquele que poderia ser usado para marcas que identifiquem outros produtos.
K. Sob pena de se considerar que os versos de todas as centenas de baralhos de cartas de jogar tradicionais dos diferentes fabricantes são confundíveis, não podendo haver mais nenhum novo desenho para o verso das cartas de jogar.
L. Há ainda a sublinhar que lendo a sentença do Tribunal a quo, comparando as imagens das marcas em confronto, nessa sentença, reduzidas a 21mm X 30mm, todos os desenhos são iguais.
M. Mas ao compararmos as cartas que incorporam as respectivas Marcas, vemos que não há qualquer semelhança entre a Marca N/6XXX4 e a Marca N/5XXX7.
N. Razão, certamente, que não obstou ao registo da Marca N/6XXX4, tanto no Japão, como na R. P. da China.
O. Em termos genéricos, o verso de qualquer carta de jogar não tem as mesmas características de distinção comparativamente com as figuras das marcas, pelo que quando verificamos a distintividade do desenho do verso da carta, temos que considerar os detalhes como o comprimento e largura das linhas e ainda a amplitude dos ângulos.
P. Assim, havendo diferentes comprimentos, larguras e ângulos entre os dois desenhos, a Marca N/5XXX7 não pode proteger outro desenho geométrico diferente, o da Marca da A1 N/6XXX4.
Q. Uma vez que há variadíssimos Marcas registadas anteriores à N/5XXX7, isto quer dizer que esta Marca da B não se confunde com aquelas sendo o seu escopo de protecção, obrigatoriamente, mais restrito.
R. In casu a cobertura da protecção pela Marca N/5XXX7, tem que ser limitada à sua cópia fiel, e quando muito ao seu negativo, sendo claro que esta Marca não se pode confundir com a Marca N/6XXX4.
S. As que as Marcas N/6XXX4 e N/5XXX7 são distintas por três razões:
- As duas marcas são diferentes em cada e em todos os elementos individuais que compõem o desenho;
- As duas marcas são diferentes nos ângulos e nas “linhas”, sendo que os ângulos fazem toda a diferença na apreciação do desenho como um todo;
- A N/6XXX4 consiste em dois tipos de linhas, nomeadamente linhas individuais e linhas finas duplas que se cruzam umas nas outras, enquanto a N/5XXX7 consiste num único tipo de linha. Esta é uma distinção adicional em relação à Marca registada da A1, a N/5XXX3, que consiste num único tipo de linha.
T. Sendo que as Marcas N/5XXX3, da A1 e N/5XXX7 da B têm coexistido há vários anos sem qualquer risco de confusão, não só em Macau, como noutros países, como os E.U.A, o que nos faz concluir que o risco de confusão entre a N/6XXX4 e a N/5XXX7 é inexistente, não havendo qualquer concorrência desleal.
U. A A1, como supra se referiu, é titular de Marcas semelhantes tanto na classe 16.ª (N/1XXX4), como na classe 28.ª (N/5XXX3), mas para produtos idênticos: “cartas”, na realidade, no passado todos os pedidos de registo para cartas de jogar eram registados na classe 16.ª.
V. Mais, a A1 requereu o registo da Marca N/1XXX4 em 28/07/2003, sendo o direito registado em 07/07/2004, e da Marca N/5XXX3 requereu o registo em 17/1/2011, sendo o seu direito registado em 24/04/2011, muitos antes da B.
W. Pelo que a Marca que agora se pretende registar não é mais do que uma evolução do desenho da A1 já registado em 2004, não havendo qualquer lugar a concorrência desleal.
X. A Marca destina-se a cartas de jogar, mais precisamente, a serem usadas em equipamentos para jogos nos casinos, nomeadamente, distribuidores electrónicos e de segurança para cartas de jogar.
Y. Uma vez que a A1 possui em Macau uma quota de mercado superior a 90% do consumo de cartas de jogar nos casinos locais, não há qualquer possibilidade de algum consumidor confundir a N/6XXX4 e a N/5XXX7.
Z. O pedido de registo não é causa de nenhuma concorrência desleal porque esta Marca não é associada pelos consumidores a nenhuma das cartas de jogar dos concorrentes da A1.
AA. Mesmo que se considere que a B seja detentora do registo válido da Marca N/5XXX7, este registo por si só não basta, é necessário provar que a B usa esta Marca em Macau e que a mesma é confundível com a N/6XXX4.
BB. Sendo a B uma distribuidora residual de cartas de jogar, desconhecemos a comercialização de cartas de jogar que incorporem a Marca N/5XXX7 pela B.
CC. Não havendo, também por isso, qualquer susceptibilidade de erro ou confusão no mercado bem como a possibilidade de ocorrência de actos de concorrência desleal por parte da A1.
DD. A A1 não se quer ver confundida com a B, nem dela precisa, para nada.
EE.A A1 não tem qualquer interesse em se apropriar nem do sucesso nem da fama que a concorrente alega ter.
FF. Embora a B tivesse ensaiado o que parece ser a existência de Marca notória em Macau, não tem razão, quanto às alegadas marcas confundíveis
GG. Acabando por nem sequer alegar o uso da Marca N/5XXX7, em Macau, pela B, caindo, assim, pela base a sua alegação.
HH. Não se encontram assim verificados os requisitos legais a que se refere o Regime Jurídico da Propriedade Industrial (DL 97/99/M) ou a Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial, isto é, ainda que se alegue a existência de marca notória, não há qualquer uso da marca da oponente em Macau aplicado a serviço idêntico ou semelhante que com a marca registanda possam confundir-se.
U. É a A1, ora recorrente, que goza de prioridade na apresentação do seu pedido de registo para a marca registanda.
JJ. A A1, ora Recorrente é titular da Marca N/1XXX4 desde 07/07/2004, na classe 16.ª e da Marca N/5XXX3 desde 24/04/2011, na classe 28.ª, muito anterior a 06/12/2011, data em que a Reclamante terá, alegadamente requerido o pedido da Marca N/5XXX7.
KK. Pelo que a Marca N/5XXX7 não goza de nenhuma prioridade, ao contrário do decidido.
LL. O Tribunal a quo violou os arts. 9.º n.º 1, 15.º n.º 1, 213.º, 214.º n.º 1 al. a), n.º 2 al. b) and 215º, todos do R.J.P.I.».
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A entidade recorrida respondeu ao recurso, sintetizando as suas alegações do seguinte modo:
«Considera que a marca da Recorrente preenche os requisitos de reprodução ou imitação com a marca registada N/5XXX7 da B, o mesmo vai ser induzido o consumidor em erro ou confusão, por isso, se encontra um desvio de clientela, existindo, em consequência, um acto de concorrência desleal, mesmo não intencional.
Pelo exposto, não deverá ser dado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença do Tribunal a quo, que confirmou o despacho de recusa que a Entidade Recorrente proferiu ao considerar que a marca da Recorrente preencheu o requisito de imitação ou reprodução com a marca registada N/5XXX7, verificando um desvio de clientela, existindo, assim, um acto de concorrência desleal, ao abrigo da al. c) do n.º 1 do artigo 9.º e da alínea b) do n.º 2 do art.º 214, conjugado com o art.º 215, n.º 1, todos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 93/99/M, de 13 de Dezembro».
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A contra-interessada “TB” (assim nos referiremos a esta entidade doravante) respondeu também ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
«a) A Recorrida é mundialmente conhecida pela produção e comercialização de baralhos de cartas e outros produtos no ramo do jogo, incluindo em Macau.
b) A Recorrida é titular de várias marca em Macau, interessando para o caso em apreço focar a atenção na marca número N/5XXX7 que se encontra registada seu favor desde o dia 9 de Fevereiro de 2011, na classe 28, e não de 6 de Dezembro de 2011 como a Recorrente menciona.
c) Não há dúvida de que é a marca da Recorrida que goza de prioridade registal em relação ao pedido de registo de marca da Recorrente.
d) Todas as marcas da Recorrida são anteriores às marcas da Recorrente.
e) Por outro lado, as marcas anteriores da Recorrente, como já se referiu não apresentam o mesmo grau de semelhança com essas marcas, o que aliás nos parece unânime, mas que nem releva para o presente caso.
f) Não é verosímil que a marca registanda vá ser usada apenas para assinalar equipamentos para jogos de casino, nomeadamente distribuidores electrónicos e de segurança para cartas de jogar, o que só por si constitui um fundamento de recusa de concessão de marca, pois estamos perante produtos afins.
g) A imagem correspondente à marca registanda serve unicamente para assinalar cartas de jogar (aliás, é uma carta de jogar) e não se vislumbra que vá ser usada para equipamentos ou distribuidores electrónicos.
h) A Recorrente quer registar a marca para assinalar cartas de jogar uma vez que a sua imagem adapta-se perfeitamente ao verso de uma carta de jogar.
i) A Reclamante discorda por completo com a Recorrente e impugna expressamente a sua posição ora por esta defendida.
j) Ambas as marcas são figurativas e estão registadas sem reivindicação de cores, a preto e branco, portanto.
k) Discorda-se em absoluto com a descrição que a Recorrente faz da imagem de cada uma das imagens das marcas em causa.
I) Porquanto é evidente que as marcas em conflito não sendo idênticas, são muito semelhantes, por serem constituídas pelos mesmos desenhos e linhas rectas.
m) O facto de a marca da Recorrente não conter um rebordo branco, não tem qualquer relevância, na medida em que a parte principal da marca da Recorrida é precisamente a que está dentro desse rebordo, a qual coincide com a imagem para a qual a Recorrente solicita registo.
n) O rebordo branco ou moldura branca que faz parte da marca da Recorrida é apenas a zona delimitadora da parte principal da marca e não constitui um elemento diferenciador entre as duas marcas.
o) À semelhança da marca da Recorrida, o padrão da marca registanda é composto por um quadrado, no qual se encontram inseridos outros quadrados, sendo o quadrado ao centro de cor branca.
p) A marca da Recorrida é também composta por vários quadrados de cor preta dispostos na diagonal.
q) Tais quadrados, que compõem toda a parte superior de uma carta encontram-se em todos os seus lados separados por uma fina linha branca.
r) Os quadrados que constituem o padrão da marca registanda e da marca registada são ambos de tamanho muito pequeno.
s) A semelhança entre a marca da Recorrida e a marca registanda é flagrante (adjectivo aliás utilizado pela DSE no seu despacho de recusa), pois aos olhos do consumidor médio (e não do consumidor especializado) os quadrados de cor muito pequena separados pela linha branca parecem exactamente os mesmos.
t) As imagens de ambas as cartas de jogar são infalivelmente muito semelhantes: os quadrados de cor preta que compõem a imagem são iguais, bem como a disposição entre si, isto é, a sua posição (apoiados no seu vértice) é sempre igual e estão separados por uma linha branca que corre na diagonal.
u) A Recorrente refere que a marca da Recorrida é constituída por losangos e que, ao contrário, a marca registanda é composta por quadrados e que se cruzam perpendicularmente.
v) No entanto e de acordo com o explanado no ponto 45 do despacho de recusa da DSE, para o qual expressamente se remete, entende-se que as ambas as marcas “são cruzadas em forma diagonal, formando também losangos, apenas os losangos da carta de jogar da Reclamante são de cor preta e a Requerente são de cor branca, por isso, ambas as marcas são consideradas que sejam compostas por vários quadrados, uma de cor preta e outra de cor branca e dispostos de uma forma diagonal, encontram-se em todos os seus lados separados por uma linha, uma mais fina de cor branca e outra mais grossa de cor preta.” (destaque e sublinhado nossos)
w) Ora, as figuras geométricas/desenhos de ambas as marcas tanto podem ser classificados de losangos ou quadrados, indiferenciadamente e sem qualquer relevância para o caso, não sendo defensável a posição da Recorrente que entende que cada uma das marcas utiliza desenhos completamente distintos.
x) Não obstante a existência de diferenças entre ambas as marcas, elas não são suficientes para argumentar a dissemelhança entre as mesmas e, mais importante que tudo, a marca não cumprirá com a sua função primordial que e a distinguir a origem empresarial dos produtos.
y) O douto Tribunal o quo não podia ser mais claro quando afirmou que “A figura memorizável no contacto corrente e separado com as marcas é a mesma, um padrão de linhas semelhantes que se cruzam entre si fazendo figuras geométricas também semelhantes.”
z) As diferenças apontadas pela Recorrente não constituem, definitivamente, um elemento de diferenciação relativamente à marca da Recorrida.
aa) Contrariamente ao que alega a Recorrente é, pois, através dos olhos de um consumidor médio, medianamente atento, que se deve proceder à comparação das marcas.
bb) A mais elevada doutrina e jurisprudência entendem que a imitação deve ser apreciada sob uma perspectiva geral e visão de conjunto.
cc) Afirmar que não existe nenhuma semelhança entre a marca registanda e a marca registada da Reclamante é completamente ilusório e vai contra os princípios básicos que regem a protecção legal da propriedade industrial.
dd) A Recorrente alega que o critério para apurar se existe ou não imitação tem de ser mais restrito no caso das cartas de jogar, com o que não se pode concordar.
ee) Ao contrário do que a Recorrente faz crer, não existe risco de se esgotar a criação de versos de cartas de jogar.
ff) Porquanto os versos das cartas de jogar novos sejam suficientemente diferentes dos já registados.
gg) No caso concreto, as diferenças são tão pobres que não são suficientes para argumentar a dissemelhança entre as marcas.
hh) Como bem decidiu o Meritíssimo Juiz “Só a minúcia dos pormenores, como sejam ângulos formados pelas intersecções das linhas podem ajudar a distinguir tal imagem global memorizável pelo normal contacto não simultâneo do consumidor medianamente atento com as marcas.”
ii) O facto de existirem vários padrões, em todo o mundo, para cartas de jogar que seguem a mesma linha de representação figurativa no verso, não significa que a possam coexistir no mercado marcas de cartas de jogar confundíveis entre si, pois o objectivo do direito da propriedade industrial é, precisamente, o de combater a confundibilidade entre marcas e consequentemente promover a diferenciação da origem empresarial de um determinado produto.
jj) Restringir o critério pelo qual se afere se existe ou não imitação entre marcas no que diz respeito a cartas de jogar conduziria ao estrangulamento do âmbito de protecção dos direitos que são conferidos pelo registo de uma marca, mesmo no caso das cartas de jogar.
kk) Enquanto marcas, os desenhos dos versos de cartas de jogar apenas podem ser registados na medida em que respeitem as regras de direito da propriedade industrial.
ll) Os versos de todas as centenas de baralhos de cartas de jogar tradicionais podem ser parecidos, mas não podem ser ao ponto de serem confundíveis de forma a perverter o sistema de protecção da propriedade industrial em violação dos direitos de exclusivo.
mm) Para decidir, o douto Tribunal a quo teve oportunidade de aceder à análise detalhada das marcas levada a cabo pela DSE e, obviamente teve acesso às imagens das marcas facultadas pela Recorrente nas suas peças.
nn) O tamanho utilizado nas imagens das marcas constantes do relatório da DSE se justifica apenas por uma questão prática e de estilo.
oo) O douto Tribunal a quo procedeu ao exame comparativo entre as marcas de forma correcta, confrontando-as e tendo em vista a posição do consumidor médio.
pp) Em Macau vigora o princípio da territorialidade do registo da marca - pelo que o registo de marca noutras jurisdições não conferem quaisquer direitos em Macau.
qq) A Recorrente alega que a marca registanda guarda mais semelhanças com as marcas já registadas da Recorrente do que com a marca da Recorrida.
rr) Não se concorda esta constatação, pois o desenho que compõe a marca registanda é diferente do das marcas anteriormente registadas pela Recorrente (N/1XXX3, N/1XXX6 N/1XXX4, N/3XXX2, N/3XXX3, N/5XXX3 e N/5XXX7), que até ao momento utilizava linhas e desenhos curvos, e não rectos, na separação dos quadrados que compõem as cartas de jogar, como acontece com a marca que apresenta agora a registo.
ss) A comparação das marcas que a Recorrente faz nos autos (referência a “longe”e a “perto”) além de não ser perceptível, não nos parece ser a visão a adoptar nesta sede: como já se mencionou, o juízo comparativo da semelhança entre marcas deve recair sob o conjunto e a globalidade das marcas e não numa análise pormenorizada.
tt) Até se pode reconhecer que a marca registanda vem no seguimento de marcas anteriores da Recorrente, contudo trata-se de uma marca mais semelhante com a marca da Recorrida e não apenas uma “evolução”das suas marcas anteriores.
uu) Ao imitar uma marca anteriormente registada a Recorrente aproveita-se da reputação da Recorrida que foi construída com grande esforço e dedicação ao longo de vários anos.
vv) A reacção da Recorrida ao pedido de registo da marca da Recorrente não é um capricho como a Recorrente deixa transparecer, mas sim do exercício do direito ao exclusivo sob marcas de que é titular em Macau.
ww) A Recorrida desconhece que a Recorrente possua uma quota de mercado de mais de 90% das cartas de jogar e nem esta logrou provar tal facto.
xx) A Recorrida é uma das empresas mais conhecidas, a nível mundial, pelas suas cartas de jogar, incluindo no território de Macau, cujo registo mais antigo remonta a 1993.
yy) Existe um risco claro de confusão entre as marcas em conflito.
zz) Note-se que não é necessário que a marca da Recorrida seja considerada notória, pois no caso sub judice trata-se da imitação de uma marca anteriormente registada e com forte presença em Macau.
aaa) Pelo que, se a Recorrente iniciar a sua actividade comercial em Macau usando a marca para assinalar cartas de jogar, os consumidores confundirão ambas as marcas, ou, no mínimo, serão levados a pensar que existe um qualquer vínculo comercial entre as empresas, o que é falso.
bbb) Embora se possa admitir que não haja intenção por parte da Recorrente em praticar actos de concorrência desleal, existe sem dúvida, a forte possibilidade de a mesma se verificar;
ccc) Se a Recorrente iniciar a sua actividade comercial em Macau usando a marca para assinalar cartas de jogar, os consumidores poderão confundir ambas as marcas, ou, no mínimo, ser levados a fazer uma associação entre as marcas.
ddd) Aceitar a convivência no mercado de duas marcas tão semelhantes é negar a estrutura base do regime jurídico da propriedade industrial, assente na defesa da inovação, produtividade e concorrência saudável.
eee) As marcas constituem sinais distintivos usados para assinalar, identificar e distinguir, de forma única, determinados produtos e serviços de outros afins, semelhantes ou idênticos, de origem diversa - conceder registo a uma marca como a da Recorrente é atentar contra as funções essenciais da marca.
fff) A decisão do douto Tribunal a quo objecto do presente recurso, como se demonstrou ex abundanti, faz uma correcta interpretação e aplicação dos artigos 9º n.º 1 c) e 214º n. º 2 b), conjugado com o art. 215º n.º1, todos do RJPI.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado improcedente, devendo o despacho de recusa da marca N/6XXX4 ser mantido nos termos em que foi pelo Tribunal a quo».
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Cumpre decidir.
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II – Os factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«a) Por despacho de 28/02/20131, publicado no BORAEM nº 18/2012 - II série, de 2/5, foi recusado à recorrente o seu pedido de registo de marca para a classe 28ª relativamente ao sinal, por se considerar que o mesmo imita ou reproduz a marca registadacom o nº N/5XXX7, a qual é da titularidade de B COMPANY;
b) O pedido de registo da recorrente foi apresentado em 06/12/2011.
c) O pedido de registo da marca nº N/5XXX7 foi formulado na Direcção dos Serviços de Economia em 27/09/2010 e o registo foi concedido por despacho de 09/02/2011 e publicado no BORAEM de 02/03/2011.
d) A data de validade do registo da marca nº N/5XXX7 é 09/02/2018».
Acrescentam-se ainda os seguintes factos:
- O pedido de registo da marca N/6XXX4, sem reivindicação de cores, foi publicado no BO nº 18/2012, II série, de 2/05 (fls. 44 dos autos) e a sua recusa (despacho de 28/02/2013) foi publicada no BO de 29/03/2013, II série (fls. 46 dos autos).
- As referidas cartas, com as dimensões (altura x largura) em centímetros nelas assinaladas, têm a exacta configuração que segue (excluída a faixa negra que as envolve, por nós colocada para fazer sobressair a faixa branca que contorna uma delas):
N/6XXX4 (8.9 x 6.3) N/5XXX7 (8.8 x 5.7)
***
III – O Direito
1 - Tanto quanto nos parece, num argumento não decisivo, convém dizer, mais do que uma marca, o que se haveria de estar a discutir era um problema de registo de desenho (cfr. art. 150º e sgs. do RJPI). Mas, passemos adiante.
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2 - A recorrente, “A1” pretendeu o registo da marca N/6XXX4.
Publicitada esta pretensão através do Boletim Oficial da RAEM, nº 18, II série, de 02/05/2012, veio a “TB” apresentar reclamação, seguindo-se-lhe contestação da interessada requerente. Na oportunidade, a D.S.E. recusou o registo por reconhecer razão à reclamante, com a seguinte fundamentação:
a) – A marca da reclamante, aqui contra-interessada “TB”, apresenta prioridade de registo (foi apresentado o seu pedido em 27/09/2010, enquanto o da recorrente foi apresentado em 6/12/2011);
b) – A marca da reclamante, aqui contra-interessada “TB”, também se destina à mesma classe de bens (28ª);
c) – Destinando-se ao jogo de cartas, existe identidade ou afinidade figurativa entre elas ao ponto de induzir o consumidor em erro ou confusão;
d) – Os consumidores poderão atribuir a carta da marca registanda à titularidade da carta da marca registada, existindo assim um acto de “manifesta concorrência desleal” (fls. 114 do p.a.).
Vejamos.
Quanto ao primeiro fundamento, ele corresponde à verdade. Com efeito, a “TUSC” pediu o registo em 27/9/2010 (N/5XX8), que lhe foi deferido em 9/02/2011 com validade até 9/02/2018 (fls. 178-XXX).
Também é verdade que ele se refere a produtos da classe 28.
Falta ver se, destacando-se dentre esses produtos as cartas de jogar, estas apresentam afinidade ou identidade com as cartas de jogar da recorrente “A1” (N/6XXX4) a ponto de poderem confundir o consumidor e de, assim, haver a possibilidade de se estar perante “concorrência desleal”.
A DSE considerou que sim; A recorrente “A1” entendeu que não; A sentença também decidiu que sim; No presente recurso, a recorrente insiste na tónica inicial.
Tudo gira à volta desses dois pontos.
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3 – Vejamos, então.
«Artigo 214.º
(Fundamentos de recusa do registo de marca)
1. O registo de marca é recusado quando:
a)Se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa da concessão de direitos de propriedade industrial previstos no n.º 1 do artigo 9.º;
b) A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória;
c) A marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, constitua reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, e sempre que a utilização da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los.
2. O pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha:
a) Sinais que sejam susceptíveis de induzir em erro o público, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina;
b) Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
c ) Medalhas de fantasia ou desenhos susceptíveis de confusão com as condecorações oficiais ou com as medalhas e recompensas concedidas em concursos e exposições oficiais;
d) Brasões ou insígnias heráldicas, medalhas, condecorações, apelidos, títulos e distinções honoríficas a que o requerente não tenha direito, ou, quando o tenha, se daí resultar o desrespeito e o desprestígio de semelhante sinal;
e) A firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente ou que o mesmo não esteja autorizado a utilizar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão;
f) Sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial.
3….4….5….».
Estaremos perante identidade de produtos?
Sim, claro. Ambas são cartas de jogar!
Tendo ambas essa função, poderão as cartas em causa ser consideradas parecidas? Poderá a marca registanda da “A1” (N/6XXX4) prestar-se a confusão com a marca registada (N/5XXX7) da contra-interessada “TB”? Uma poderá estar a imitar a outra?
Como se sabe, para haver imitação, a marca deve ter semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra registada que induza em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame ou confronto2. Isto é assim, face àquilo que a marca representa no mercado: a função de garantia de qualidade não enganosa, visando associar um produto ou serviço a determinado produtor ou prestador de serviço e evitar no consumidor o erro e a confundibilidade de origem e proveniência. Ou seja, o que releva é a semelhança que resulte do conjunto de elementos das marcas em causa e não as dissemelhanças entre elementos de cada uma vistos isoladamente ou em separado. O valor da marca deve ser analisado, em suma, no seu todo holístico, na reunião das suas partes, e não isoladamente e dissecada elemento a elemento, até porque nesse grupo pode haver partes que necessariamente não são apropriáveis pela marca registada relativamente a um registo posterior3.
É certo que existem algumas diferenças: as medidas são um pouco diferentes; a registada tem uma faixa branca em redor de toda a mancha gráfica, a outra não; os losangos não são exactamente iguais. Ou seja, numa análise comparativa dos pormenores, realmente não podemos dizer que haja flagrante parecença; há pontos de contacto, mas não igualdade ou semelhança evidente e ostensiva.
Mas, como se disse, o que conta é a marca na sua unidade, é a forma como ela se apresenta ao público-alvo, que não faz naturalmente essa análise minuciosa, antes é levado a olhar para ela e dela colher a sua impressão primeira e geral. Ora, como se disse noutra ocasião: “O que acaba de dizer-se entronca numa questão nem sempre presente na discussão em torno da marca. Tem que ver com evicção do erro, com a confundibilidade no espírito do destinatário da marca, o homem médio, o cidadão comum eventualmente interessado no bem ou no serviço. Claro está que há cidadãos que são minuciosos, que por natureza perscrutam em detalhe, mais do que é regra geral, o sentido e a função das coisas e que, por isso, dificilmente se deixam enganar. Não é bem para esse tipo de pessoas que a marca exerce o seu papel primordial, mas sim para o conjunto de pessoas que se inscrevem no universo da regra”.
É para este somatório alargado de consumidores que o princípio da singularidade ganha relevância quando a norma fala em sinais adequados a distinguir os produtos.
Nesta óptica, o que fica na retina do potencial consumidor - que não tem as duas cartas à sua frente e que, portanto, não as pode comparar - é uma identidade (que até pode vir também a ser de cores) na disposição diagonal de linhas que se entrecruzam. Como dissemos noutro aresto: “Como se sabe, para haver imitação, a marca deve ter semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra registada que induza em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame ou confronto4. Isto é assim, face àquilo que a marca representa no mercado: a função de garantia de qualidade não enganosa, visando associar um produto ou serviço a determinado produtor ou prestador de serviço e evitar no consumidor o erro e a confundibilidade de origem e proveniência. Ou seja, o que releva é a semelhança que resulte do conjunto de elementos das marcas em causa e não as dissemelhanças entre elementos de cada uma vistos isoladamente ou em separado. O valor da marca deve ser analisado, em suma, no seu tudo holístico, na reunião das suas partes, e não isoladamente e dissecada elemento a elemento, até porque nesse grupo pode haver partes que necessariamente não são apropriáveis pela marca registada relativamente a um registo posterior5”6.
Podemos, pois, aceitar a tese da D.S.E., no sentido de que há o perigo de confundibilidade e de imitação de marcas, face ao disposto no art. 214º, nº 1, al. b) e nº2, al. b) e 215º do RJPI, uma vez que os elementos da fattispecie se verificam aqui.
Podemos, até dizer, que a forma parecida como os elementos gráficos são dispostos na carta induzem a pensar não haver numa capacidade distintiva da outra para ser merecedora de protecção (cfr. art. 197º do RJPI).
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4 - No que respeita ao acto de concorrência desleal, definimo-lo como sendo aquele que é contrário às normas e usos honestos da actividade económica, designadamente o que seja idóneo a criar confusão entre produtos ou serviços de diferentes agentes económicos e o que configure aproveitamento da reputação empresarial de outrem (cfr. arts. 158º, 159º e 165º do Código Comercial).
A concorrência desleal visa, precisamente, levar o consumidor a optar por um bem ou serviço produzido por alguém por pensar que está a optar por um bem ou serviço produzido ou prestado por outrem.
Pode não ter sido essa a intenção no caso presente. Porém, a semelhança detectada pode perfeitamente fazer inferir uma concorrência desleal, o que o art. 9º, nº1, al. c), igualmente não consente.
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Tudo visto, não achamos que a sentença recorrida seja susceptível de reparo.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida e mantendo a decisão de recusa do registo da marca N/6XXX4.
Custas pela recorrente.
TSI, 17 de Julho de 2014
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José Cândido de Pinho
(Relator)
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Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
(Votei apenas a decisão nos termos
declaração de voto que se segue)
Declaração de voto
Votei apenas a decisão, mas não com fundamento na verificação de qualquer das situações previstas no artº 214°/1-b) do RJPI.
Mas por a “marca registanda” se tratar em si de um aspecto ornamental e estético do produto, e como tal não pode ser considerada independente do próprio produto e extrínseca à própria estrutura do produto, dado que sem ela o produto não se mostra completo pelo menos sob ponto de vista estético.
Talvez tais desenhos sejam capazes de desempenhar a função distintiva do produto na actividade económica da recorrente, contudo as mesmas são apenas elementos que, com um escopo estético, entram na composição do produto, o que impossibilita a sua protecção através do instituto de marca.
Portanto deve ser recusado o pedido de registo.
RAEM, 17JUL2014
1 Consigna-se aqui que no BO nº 18/2012 – II, de 2/05 foi publicado o pedido de registo, não a decisão de recusa do registo.
2 Ac. TSI, de 15/03/2012, Proc. nº 436/2011.
3 Ac. TSI, de 27/10/2011, Proc. nº 1022/2009; Também, Ac. TSI, de 25/034/2013, Proc. nº 842/2012.
4Ac. TSI, de 15/03/2012, Proc. nº 436/2011.
5 Ac. TSI, de 27/10/2011, Proc. nº 1022/2009
6 Ac. do TSI, de 16/06/2011, Proc. nº 619/2008
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226/2014