Proc. nº 188/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 31 de Julho de 2014
Descritores:
-Revisão de sentença do exterior de Macau
-Princípio do contraditório
-Princípio da igualdade das partes
-Citação para a acção
SUMÁRIO:
I - Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença do exterior satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
II - Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º do CPC, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.
III - Não se pode dizer que haja violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, por falta de citação da requerida para os termos da acção onde foi proferida a sentença revidenda, se o tribunal de origem da Republica Popular da China procedeu à tentativa de citação pessoal e, na impossibilidade de o fazer, realizou a citação edital de acordo com os mecanismos legais previstos no respectivo ordenamento jurídico-processual (cfr. art. 1200º, nº1, al. e), do CPC e 11º, al. 4), do Aviso do Chefe do Executivo nº 12/2006).
Proc. Nº 188/2013
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, de sexo masculino, de nacionalidade chinesa, casado, titular do bilhete de identidade de residente n.º XXX emitido por autoridade competente da China, residente no XXX da Cidade de Zhong Shan da Província de Guangdong da China, veio pedir a revisão e confirmação da decisão proferida por tribunal do exterior de Macau
contra:
B (de sexo feminino, de nacionalidade chinesa, adulta, residente da RAEM, titular do BIRHK n.º XXX emitido por autoridade competente da RAEHK, com última residência conhecida nos XXX, Taipa, Macau, em diante designada pela requerida.
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Citada, a requerida veio contestar alegando não ter sido citada pessoalmente na República Popular da China para o processo que ali contra si correu termos.
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O digno Magistrado do MP opinou no sentido da não revisão, com base no art. 1200º, al. e), do CPC.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
1 – No Tribunal Popular de Segunda Instância da Cidade de Zhong Shan da Província de Guangdong da República Popular da China foi proposta acção pelo ora requerente contra a requerida.
2 – O tribunal tentou a citação por via postal em correio expresso para a morada fornecida pelo autor, mas a carta foi devolvida.
3 – Então, o tribunal fez a citação edital (fls. 64 dos autos e 37 do apenso “traduções”).
4 – Foi realizado o julgamento e a ele compareceu a requerida, embora dele, a certa altura, se tivesse ausentado.
5 - Proferida sentença, foi a requerida notificada editalmente (loc. cit.).
6 – Nos termos da notificação edital da sentença foi referido que, decorrido o prazo de 3 meses, a notificação se considerava efectuada e que, após o prazo de 30 dias contados daquele termo, a sentença produziria o efeito legal (fls. 69 dos autos e fls. 46 do apenso “traduções”).
7- Chegou a ser intentada execução contra a requerida.
8- A sentença tem o seguinte teor:
中华人民共和国
广东省中山市中级人民法院
民事判决书
(2008)中中法民四初字第83号
原告A,男,1947年4月7日出生,汉族,住中山市大涌镇XXX。居民身份证号码: XXX。
诉讼代理人C,系广东广中律师事务所律师。
被告B,女,1957年11月18日出生,澳门特别行政区居民,住澳门氹仔XXX。身份证号码: XXX。
原告A诉被告B承揽合同纠纷一案,本院于2008年6月2日立案受理后,依法组成合议庭,于2008年12月11日进行庭前证据交换,后于2008年12月18日公开开庭审理本案。原告A的诉讼代理人C到庭参加诉讼,被告B经本院合法传唤无正当理由不到庭应诉。本院缺席审理,现已审理终结。
原告A起诉称:原告为被告加工服装,被告提供样板,原告包工包料组织加工生产,加工好的服装成品在中山市交付给被告2007年4月27日,经双方对账,被告尚欠原告加工款人民币1361180.63元。因被告拖欠加工款,原被告双方同意加收利息68059元,合计1429239.63元。被告承诺从2007年5月起每月还款 80000元,但被告仅向原告支付了2007年5月至2007年12月8期还款,每期80000元,共640000元,从2008年1月至今被告再未付款,尚欠原告加工款789239.63元。为维护自身利益,原告诉至法院,请求判令: 1、被告向原告支付加款人民币789239.63元及该款从法院立案之日起至清还之日止按中国人民银行同期贷款利率标准计付的逾期付款违约金; 2、被告负担本案的诉讼费用。
原告A为其所主张的事实在举证期间提供了如下证据:
1、被告B的澳门居民身份证复印件,拟证明被告的身份资料。
2、《B女士欠货款凭据》复印件,拟证明:至2007年4月27日被告欠原告加工款1429239.63元,被告承诺从2007年5月起每月还款80000元。
原告A的诉讼代理人在庭审时提供了《B女士欠货款凭据》的原件。
被告B既未作出答辩,也没有提供证据。
本院查明:据原告A称, 2006年下半年开始,原被告双方存在加工服装合同关系,由被告B提供加工服装的样板,包括童装和牛仔裤,部分原材料由被告自行提供,也有部分是由原告包工包料进行生产,均在原告位于中山的厂房进行加工,包括裁剪包装等原告加工好的服装由被告到原告处提取。2007年4月27日,原被告双方在中山市进行对帐,由原告自行打印《B女士欠货款凭据》,被告在该凭据的“欠款人”栏签名并按手指模,且附上被告B的身份证号码,内容为:B欠A“货款”人民币1361180.63元,按5%加收欠款利息68059元,欠款总金额为人民币1429239.63元。在该凭据的落款日期下方手写注明“由二00七年五月份开始每月还人民币捌萬元正,直接(至)清完为止”,并再次按手指模。原告确认此后被告以现金方式支付了从2007年5月至2007年12月共8期合计640000元给原告。双方对账后,被告没有再委托原告 加工服装。从2008年1月起至今被告再未按上述凭据支付加工款给原告,遂成本案纠纷。
本院认为:原告A是基于双方之间的加工合同关系而提起本案诉讼,故本案应识别为涉澳加工合同纠纷。由于合同履行地在中山市,原告A向本院提起诉讼,符合《中华人民共和国民事诉讼法》第二百四十一条的规定,本院作为合同履行地法院,且有涉外民商事案件的管辖权,故对本案具有管辖权。同时,根据《中华人民共和国民法通则》第一百四十五条第二款关于“涉外合同的当事人没有选择处理合同争议所适用的法律,适用与合同有最密切联系的国家的法律”的规定?对于没有选择解决纠纷所适用法律的本案当事人而言,合同的履行地的法律与本案有最密切联系,故应适用中华人民共和国内地法律作为解决本案争议的准据法。
原告为主张加工款债权,提供了一份《B女士欠货款凭据》的原件作为主要证据。该凭据反映被告B尚欠原告A加工款本金及利息合计人民币1429239.63元。该凭据的“欠款人”栏上有被告B签名并按手指模,且打印了B的身份证号码。被告B没有正当理由不到庭参加诉讼,既未提供证据予以反驳,也不行使质证和抗辩的权利。本院依法对原告所举的证据进行审核,确认《B女士欠货款凭据》的真实性,且双方的加工合同关系也是合法有效的。根据该凭据的内容可以认定截至2007年4月27日B欠A加工款总额人民币1429239.63元。由于原告A自认曾收到被告B支付的8期合计640000元的加工款,因此被告应向原告清偿欠款人民币789239.63元,并支付逾期付款的利息。既然原告主张逾期付款的利息一律从立案之日即2008年6月2日起开始计算至清还之日止,则本院予以支持。
综上所述,原告的诉讼请求合法有据,应予支持。依照《中华人民共和国民事诉讼法》第一百三十条、《中华人民共和国合同法》第一百零七条、第一百零九条之规定,缺席判决如下:
被告B应于本判决发生法律效力之日起十日内偿还欠款人民币789239 .63元及逾期付款的利息给原告(逾期付款的利息从2008年6月2日起至全部欠款清还之日止,以实欠款项数额按中国人民银行规定的同期同类贷款利率计算)。
案件受理费11692元,由被告B负担。
本案被告B如果未按本判决指定的期间履行给付金钱的义务,应当依照《中华人民共和国民事诉讼法》第二百二十九条之规定,加倍支付迟延履行期间的债务利息。
如不服本判决,原告A可在判决书送达之日起十五日内被告B可在判决书送达之日起三十日内向本院递交上诉 !状并按对方当事人的人数提出副本,上诉于广东省高级人民法院。
审判长 XXX
审判员 XXX
审判员 XXX
本件与原本核对无异
书记员 XXX
9 – Em língua portuguesa, a sentença apresenta o seguinte texto:
Tribunal Popular de Segunda Instância da Cidade de Zhong Shan da Província de Guangdong da República Popular da China
Sentença
(2008) Zhong Zhong Fa Min Si Chu Zi n.º 83
O Autor A, de sexo masculino, nascido a 7 de Abril de 1947, de etnia Han, residente no XXX da Cidade de Zhong Shan, titular do bilhete de identidade de residente n. o XXX.
O mandatário judicial do Autor é C, advogado do escritório de advocacia Guang Zhong de Guangdong (廣東廣中律師事務所).
A Ré B, de sexo feminino, nascida a 18 de Novembro de 1957, residente da RAEM, residente nos XXX, Taipa, Macau, titular do BIR n.º XXX.
Em relação ao caso de litígio de contrato de empreitada em que é Autor A e Ré B, o Tribunal admitiu a acção em 2 de Junho de 2008 e foi logo formado o Tribunal Colectivo. Realizou-se em 11 de Dezembro de 2008 a troca de provas antes da sessão, que se realizou em dia 18 do mesmo mês.
C, mandatário judicial do Autor, interveio na acção. Em relação à Ré B, apesar de ela ter sida legalmente citada, ausentou-se injustificadamente da sessão, pelo que se realizou o julgamento à revelia, que já terminou.
Segundo o Autor, ele transformava vestuário para a Ré, que ofereceu o modelo, e o Autor responsabilizava-se pela transformação, matérias-primas e produção, sendo as roupas feitas entregues à Ré na cidade de Zhong Shan. Em 27 de Abril de 2007, conferidas as contas, as partes descobriram que a Ré ainda deveu ao Autor uma verba de transformação no valor de RMB¥1.361.180,63. Dado ao atraso do pagamento, as partes chegaram a um consenso de a Ré pagar mais RMB¥68.059,00 como juros, perfazendo em total RMB¥1.429.239,63. A Ré prometeu reembolsar mensalmente RMB¥80.000,00 desde Maio de 2007, mas só efectuou os pagamentos de Maio a Dezembro de 2007, em total S vezes, perfazendo RMB¥640.000,00. A Ré deixou de pagar o reembolso desde Janeiro de 2008, devendo assim ao Autor ainda RMB¥789.239,63. A fim de defender o próprio interesse, veio o Autor instaurar acção junto do Tribunal, pedindo que condene a Ré: 1. no pagamento ao Autor de RMB¥789.239,63, valor esse acrescido de penal convencional contada desde a data de admissão da acção no Tribunal até integral pagamento, à taxa fixada pelo Banco Popular da China para empréstimos concorrenciais e congéneres; 2. no pagamento das custas processuais.
Para suportar os pretensos factos, o Autor prestou as seguintes provas:
1. A fotocópia do BIRM de B, para comprovar a identificação da Ré.
2. A fotocópia do “título da dívida da senhora B”, a fim de comprovar: a Ré deveu ao Autor RMB¥1.429.239,63 desde 27 de Abril de 2007, e prometeu reembolsar-lhe RMB¥80.000,00 por mês desde Maio de 2007.
O mandatário judicial do Autor A mostrou o original do “título da dívida da senhora B” na sessão.
A Ré B não contestou nem prestou prova.
Este Tribunal apurou que: segundo o Autor A, desde a segunda metade do ano 2006, estabeleceu-se entre o Autor e a Ré uma relação contratual de transformação de vestuário, em que a Ré B oferecia modelos das roupas, incluindo vestuário para crianças e calças de ganga, bem como parte das matérias-primas. Outras matérias-primas eram responsabilizadas pelo Autor, que procedia à produção do vestuário. Todos os processos da produção, incluindo a costura e as embalagens, eram feitos na fábrica do Autor em Zhong Shan, sendo as roupas feitas levantadas pela Ré na fábrica do Autor. Em 27 de Abril de 2007, as partes conferiram as contas na Cidade de Zhong Shan, altura em que o Autor redigiu o “título da dívida da senhora B”, em que a Ré apôs a assinatura no espaço de “Devedora” bem como a impressão digital, a qual também se juntou o número de BIR da Ré. O conteúdo do título é: B deve a A a verba no valor de RMB¥1.361.180,63, acrescida de juros no valor de RMB¥68.059,00 correspondentes ao 5% do valor devido, perfazendo em total RMB¥1.429.239,63. Abaixo da assinatura e data encontra-se uma nota manuscrita: reembolso desde Maio de 2007 RMB¥80.000,00 por mês, até integral pagamento, onde também se vê mais uma impressão digital da Ré. O Autor confirmou que a Ré tinha efectuado, em numerário, os pagamentos de Maio a Dezembro de 2007, em total 8 vezes e perfazendo RMB¥640.000,00. Conferidas as contas, a Ré deixou de confiar a transformação de vestuário ao Autor. Desde Janeiro de 2008 a Ré deixou de efectuar o pagamento ao Autor de acordo com o título acima referido, do qual resultou esta causa de litígio.
Este Tribunal entende que o Autor A intentou esta acção com base na relação contratual entre as partes, pelo que este caso trata-se dum litígio contratual que se relaciona com Macau. Dado que o local de cumprimento do contrato é a Cidade de Zhong Shan, a acção intentada pelo Autor junto deste Tribunal preenche o disposto no artigo 241 da Lei de Processo Civil da República Popular da China. Sendo o Tribunal no local de cumprimento do contrato com jurisdição civil e comercial sobre casos com elemento estrangeiro, este Tribunal é competente para este caso. Nos termos do artigo 145, n.º 2 da Lei Geral do Direito Civil da RPC, se não houver designação feita pelas partes, aplica-se a lei do país com o qual o contrato com elemento estrangeiro se ache mais estreitamente conexo. Em relação às partes que não designaram a lei aplicável, é a lei do local de cumprimento contratual que se acha mais estreitamente conexa com o caso, pelo que deve ser aplicada a lei do interior da China para resolver o litígio.
A fim da pretensão do crédito, o Autor apresentou o original do “título da dívida da senhora B” como prova principal, o qual mostra que a Ré B ainda deveu ao Autor A o valor (capital e juros) de RMB¥ 1.429.239,63. No espaço de “Devedora” vê-se a assinatura e a impressão digital da Ré B bem como o seu número de BIR. A Ré ausentou-se injustificadamente da sessão, sem ter apresentado prova para a contestação nem ter exercido o direito de produção de prova ou o de excepção. O Tribunal apreciou as provas apresentadas pelo Autor, confirmando a autenticidade do “título da dívida da senhora B” e a legalidade e validade da relação contratual entre as partes. Segundo o teor do título, pode-se reconhecer que até 27 de Abril de 2007 B deveu a A o valor total de RMB¥1.429.239,63. Dado que o Autor reconheceu que tinha recebido por 8 vezes pagamentos efectuados pela Ré no valor total de RMB¥640.000,00, deve a Ré pagar-lhe mais RMB¥789.239,63, acrescido de juros de mora. Segundo a pretensão do Autor, os juros são contados desde a data da admissão da acção, isto é, 2 de Junho de 2008, pretensão essa que é suportada pelo Tribunal.
Face ao exposto, o pedido do Autor deve ser suportado por ser legal e bem fundamentado. Nos termos do artigo 130 da Lei de Processo Civil da RPC e artigos 107 e 109 da Lei Contratual da RPC, vem este Tribunal decidir, que:
Condena a Ré B a efectuar ao Autor, no prazo de dez dias contados desde a data da entrada em vigência desta decisão, o pagamento no valor de RMB¥789.239,63, acrescido de juros de mora (contados desde 2 de Junho de 2008 até integral pagamento, à taxa fixada pelo Banco Popular da China para empréstimos concorrenciais e congéneres)
Condena a Ré B no pagamento das custas processuais no valor de RMB¥11.692,00.
Se a Ré B não cumprir a obrigação de pagamento dentro do prazo fixado nesta decisão, são elevados ao dobro os juros durante a mora.
Sendo o Autor A e a Ré B para, querendo, recorrer do acórdão para o Tribunal Popular de Nível Superior da Província de Guangdong, respectivamente no prazo de quinze dias e trinta dias, contados desde a data de recebimento desta decisão.
Juiz presidente XXX
Juiz XXX
Juiz XXX
Feito o confronto deste documento com o original, não se verifica diferença.
Escrivão XXX
10 – Foi instaurada execução de sentença no tribunal da RPC, que, porém, foi extinta por inexistir informação sobre bens da executada, ora requerida, na República Popular da China (fls. 13 do apenso “traduções”).
11 – A requerida, em 16/01/2004, junto dos Serviços de Identificação, apresentou um pedido de substituição do BIR da RAEM, fornecendo a morada como sendo no Edifício XXX, Taipa (fls. 42 dos autos).
12 – No dia 27/08/2013 apresentou um pedido de alteração de identificação, fornecendo a indicação do óbito do marido, mas não a alteração da sua própria morada (fls. 41).
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III - Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento.
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IV - O Direito
Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Como é sabido, neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira revidenda satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Ora, na contestação, a requerida veio defender-se dizendo que não chegou a ser citada no âmbito da acção que contra si foi proposta na RPC, lembrando, por isso, não ter sido garantido o princípio do contraditório, nem o da igualdade das partes. Circunstância que, alegadamente, preencheria a previsão do art. 1200º, nº1, al. e), do CPC e que, portanto, impediria a confirmação da sentença revidenda.
Não cremos que tenha razão.
Na verdade, os princípios do contraditório e da igualdade das partes não foram violados no processo que se desenrolou no tribunal chinês. Na verdade, aqueles princípios têm especial sentido perante um verdadeiro processo de, e entre, partes, isto é, um processo em que demandante e demandado (autor e réu, exequente e executado, requerente e requerido, etc.) estejam, efectivamente, já a esgrimir regularmente as suas posições jurídicas. Falar em igualdade processual e em contraditório implica, assim, que impetrante e impetrado sejam sujeitos reais de uma relação jurídica processual, de modo a que ambas tenham os mesmos direitos e deveres processuais (em pé de igualdade) e que cada uma delas tenha acesso ao que afirma a outra, de maneira a poder defender-se.
Verdade que, por vezes, se pode ainda falar em violação do princípio do contraditório se o réu não tiver sido citado. Mas isso só ocorrerá se a formalidade de citação tiver sido absolutamente omitida, caso em que o processo prosseguiu sem nunca aquele tenha tido oportunidade de se defender. Isso, porém, aqui não se verificou.
No caso em apreço, a requerida, apesar de ter sido citada editalmente, acabou por comparecer à audiência, embora dela se tivesse posteriormente ausentado, tal como resulta da sentença proferida pelo tribunal da RPC.
Tentada a citação da ali ré, ela gorou-se em virtude de a carta ter sido devolvida. Sucede, porém, que o tribunal da RPC nos termos do ordenamento jurídico chinês, procedeu à citação edital, como se comprova nos autos. Ou seja, o tribunal da RPC tomou as providências que lhe cumpria observar segundo o direito processual interno chinês. Fazer citação edital segundo o ritualismo processual do país onde se realiza o julgamento é uma forma de cumprir as exigências processuais de chamar alguém ao processo, pois que a citação não tem que ser pessoal. E por outro lado, da sentença proferida foi também feita publicidade pelos meios legais previstos no ordenamento do tribunal de origem.
Isto significa que, segundo o disposto nos arts. 130º, 140º e 245º, 7) do CPC chinês, cuja tradução se encontra a págs. 52 a 54 do apenso “Traduções”, as formalidades de citação e notificação foram observadas no processo em causa, segundo a lei chinesa.
Ou seja, a parte vencida naquele processo foi legalmente citada de acordo com a lei da R.P.C. (cfr art. 11º, 4), do Aviso do Chefe do Executivo nº 12/2006) e foram observados os trâmites e formalidades processuais com vista a assegurarem a presença da requerida no tribunal e o conhecimento da sentença condenatória contra si proferida.
Restará à parte vencida, a aqui requerida, se não se conformar com a decisão de confirmação, pedir no Interior da China a sua revisão ao tribunal popular da instância imediatamente superior, ou interpôr recurso na RAEM (art. 12º do Aviso do Chefe do Executivo nº 12/2006).
E assim sendo, não se pode dizer terem sido violados os aludidos princípios, pelo que a alínea e), do nº1, do art. 1200º do CPC não constitui obstáculo à revisão e confirmação.
Em suma, o fundamento de defesa invocado pela requerida deve ser improcedente.
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Como é sabido, neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos.
Ora, os documentos constantes dos autos revelam e certificam a situação invocada pelo requerente, mostrando, para além da sua autenticidade, a sua inteligibilidade (al. a), do nº1, do art. 1200º do CPC).
Por outro lado, a decisão transitou (al. b) do nº1, do art. 1200º do CPC), pois conforme resulta do documento de fls. 69 e 70 dos autos (fls. 46 a 50 do apenso “traduções”) a sentença produziria o seu efeito legal.
Também não está em causa a falta de competência do tribunal onde foi proferida a sentença revidenda e o assunto tratado não versa sobre matéria que seja da exclusiva competência dos tribunais de Macau (art. 20º e al. c), do nº1, do art. 1200º, do CPC).
Também não se vê que tenha havido violação das regras de litispendência ou que tivessem sido violadas as regras de citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Por tudo isto, nada obsta à procedência do pedido (art. 1204º do CPC).
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V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Popular da Segunda Instância da Cidade de Zhongshan da Província de Guangdong, da República Popular da China, que condenou B a pagar ao autor A a quantia de RMB $ 789.239,63 e juros legais, nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pela requerida, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
TSI, 31 de Julho de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
188/2013