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Processo nº 307/2014

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº LB1-12-0060-LAC, do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, proposta por A, devidamente id. nos autos, contra a B (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, foi proferida a seguinte sentença julgando parcialmente procedente a acção:

I. Relatório:
  A, de nacionalidade filipina, com residência na Rua de Chiu Chau, n.º 185, Edifício “Happy Valley”, Bloco XX, XX.º andar, XX, Taipa, Macau, instaurou contra B (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$178.342,00, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
- MOP$10.120,00 a título de diferença no vencimento base;
- MOP$22.050,00 a título de subsídio de alimentação;
- MOP$19.440,00 a título de subsídio de efectividade;
- MOP$126.732,00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
  Para fundamentar a sua pretensão alega, muito resumidamente, que entre 22.04.2005 e 30.04.2009 prestou a sua actividade de guarda de segurança sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, mediante uma contrapartida salarial, acrescentando que, por ser um trabalhador não residente na RAEM, a sua contratação só foi autorizada porque a Ré celebrou previamente um contrato de prestação de serviços com uma terceira entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, contrato esse que foi sujeito à apreciação, fiscalização e aprovação da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, para obedecer aos requisitos mínimos previstos na alínea d) do n.º 9 do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro (diploma que regula a contratação de trabalhadores não residentes).
  Conclui assim que, de acordo com o definido nesses contratos de prestação de serviços aprovados pela DSTE, ao longo da sua relação laboral, teria direito a auferir um salário superior ao que lhe foi pago pela Ré, teria direito ao pagamento de trabalho extraordinário, a uma remuneração horária superior ao que a Ré lhe liquidou, deveria ter recebido subsídio de alimentação e subsídio de efectividade que nunca lhe foram pagos, reclamando tais diferenças retributivas por via desta acção.
  Por outro lado, alega ainda o Autor que a Ré não lhe pagou a compensação legal pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, durante todo o período da relação laboral, quantia de que pretende ser indemnizado nos termos supra expostos.
  A Ré contestou defendendo, no essencial, que os contratos de prestação de serviço que servem de causa de pedir à pretensão do Autor não são aptos a criarem quaisquer direitos na sua esfera jurídica e que o Autor não tem direito às quantias que reclama.
  Foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, e onde se seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
  A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal, a final, respondido à matéria controvertida por despacho que não foi objecto de qualquer reclamação pelas partes.
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  Questões a decidir:
  - se o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual a Ré foi autorizada a contratar o Autor, define os requisitos/condições mínimas da relação laboral estabelecida entre as partes e se permite sustentar ter o Autor direito aos montantes peticionados.
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  II. Fundamentação de facto:
  1) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (A)
  2) Desde 1994, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)
  3) Desde 1994, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviço»; n.º 02/94, em 03/01/1994; n.º 29/94, em 11/05/1994; n.º 45/94, em 27/12/1994. (C)
  4) Os «contratos de prestação de serviço» referidas na alínea C) dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de «recrutamento e cedência de trabalhadores»; de «despesas relativas à admissão dos trabalhadores»; à «remuneração dos trabalhadores»; ao «horário de trabalho e alojamento»; aos deveres de «assistência»; aos «deveres dos trabalhadores»; às «causas de cessação do contrato e repatriamento»; a «outras obrigações da Ré»; à «provisoriedade»; ao «repatriamento»; ao «prazo do contrato» e às «disposições finais», dos trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente cedidos à Ré. (D)
  5) Entre 22/04/2005 e 30/04/2009, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de "guarda de segurança". (E)
  6) Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (F)
  7) Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (G)
  8) Durante todo o período de tempo referido em E), foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (H)
  9) Ao abrigo do Contrato de prestação de serviços referidos na alínea C) dos Factos Assentes, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, teria o direito a auferir, no mínimo, Mop$90,00 diárias, acrescidas de Mop$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade "igual ao salário de quatro dias", sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (I)
  10) Pela prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo. (J)
  11) Durante a relação mantida com a Ré, o Autor auferiu da Ré a título de salário as quantias que abaixo se descrimina: (K)
  - MOP$36,068.00 em 2005;
  - MOP$51,085.00 em 2006;
  - MOP$76,365.00 em 2007;
  - MOP$81,969.00 em 2008;
  - MOP$53,894.00 em 2009.
  12) Ao abrigo de um dos contratos de prestação de serviços referido na alínea C) dos Factos Assentes, o Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré. (1º)
  13) A relação de trabalho entre a Ré e o Autor cessou em 30 de Abril de 2009, por iniciativa da Ré. (2º)
  14) Entre Maio de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia mensal de MOP$2.100,00. (3º)
  15) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia mensal de Mop$2.288,00. (4º)
  16) Durante toda a relação entre a Ré e o Autor, nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho. (6º)
  17) Durante toda a relação entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio de alimentação». (7º)
  18) Durante toda a relação entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor, qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade». (8º)
  19) Até Janeiro de 2008, o autor nunca gozou qualquer dia de descanso semanal. (9º)
  20) A Ré nunca concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório. (10º)
  III. Fundamentação jurídica
  Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe é aplicável, cumpre dar resposta às questões a decidir que supra se deixaram enunciadas.
  A pretensão do Autor assenta no regime legal de contratação de trabalhadores não residentes regulado no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, cujas condições mínimas de contratação estarão, segundo defende, incorporadas no contrato de prestação de serviços que a Ré celebrou tal como exigido pela alínea c) do n.º 9 desse diploma legal e na qualificação jurídica deste contrato como sendo a favor de terceiro.
  Ficou provado que a Ré foi autorizada a contratar o Autor, enquanto trabalhador não residente, através da celebração de um contrato de prestação de serviços com uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, contrato esse que posteriormente era apresentado junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego para aprovação dessas condições de contratação (tal como ficou assente nos factos 3) e 4), pelo que nesta acção importa analisar o regime legal a que está sujeita a contratação de trabalhadores não residentes, dado que não restarão dúvidas quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica, que nenhuma das partes põe em causa e, aliás, resulta da matéria de facto provada (cf., nomeadamente, factos provados 5 a 8).
Relativamente à questão jurídica fundamental, ao enquadramento da relação estabelecida entre as partes outorgantes dos mencionados contratos de prestação de serviços e à sua repercussão na esférica jurídica do Autor, o Tribunal de Segunda Instância já firmou jurisprudência unânime no sentido de que estamos na presença de um contrato a favor de terceiro que tem como beneficiário o ora Autor, citando-se como exemplo, o mais recente Acórdão datado de 25.07.2013 (1), cujo sumário parcial aqui nos permitimos reproduzir:
3. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
4. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
5. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
6. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
7. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
8. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
9. Será o que acontece quando um dado empregador assume o compromisso perante outrem de celebrar um contrato com um trabalhador, terceiro em relação a esse primitivo contrato, vinculando-se a determinadas estipulações e condições laborais.
10. O facto de a empregadora ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere.
11. Nada obsta que da relação entre o promitente e o terceiro (agência prestadora de serviços e mão de obra), para além do assumido nesse contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).
  Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, como parte beneficiária de um dos contratos de prestação de serviços dados como assentes o Autor tem direito a prevalecer-se do clausulado mínimo deles constantes para reclamar eventuais diferenças remuneratórias e complementos salariais a que tinha direito e que não lhe foram pagos.
  Debrucemo-nos, pois, sobre os pedidos do Autor.
  Das diferenças remuneratórias.
  Vejamos, pois, se os montantes peticionados pelo Autor lhe são efectivamente devidos.
  O Autor reclama MOP 10.120,00 a título de diferenças remuneratórias entre o salário pago efectivamente pela Ré durante todo o período de execução do contrato e os valores a que estava obrigada através das condições definidas para tal contratação.
  Resulta provado em 9) que a Ré estava obrigada a pagar ao Autor 90 patacas diárias (ou seja 2700 patacas mensais) e que lhe pagou as quantias que resultam provadas de 14) e 15), pelo que se pode concluir que o Autor é credor da diferença entre os valores que lhe foram pagos e os que deveria ter recebido:
  - entre Maio de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$ 2.100,00, quando deveria ter pago MOP$2.700,00 mensais, pelo que se regista uma diferença de MOP$600,00 mensais, num total de MOP 6.000,00 (10 meses x 600 patacas);
  - entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.288.00 mensais, quando deveria ter pago MOP$2.700,00 mensais, pelo que se regista uma diferença de MOP$412,00 mensais, num total de MOP$ 4.120,00 (10 meses x 412 patacas);
  O que perfaz a quantia de MOP 10.120,00, valor que é peticionado pelo Autor.
  Quanto ao subsídio de alimentação resulta provado em 9) que a Ré se comprometeu a pagar 15 patacas diárias a tal título. Resulta ainda provado que a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (cf. facto 17), sendo que o Autor não deu qualquer falta ao serviço, sem conhecimento e autorização prévia da Ré (cf. facto 16), pelo que tem o Autor a receber a tal título a quantia de MOP 22.050,00 (1470 dias x MOP 15), tal como é por si peticionado.
  Quanto ao subsídio de efectividade resulta igualmente não ter sido pago pela Ré ao Autor (cf. factos 9 e 18), pelo que lhe é devida a quantia de MOP90 x 4 dias x 48 meses, isto é, MOP 17.280,00.
  Por fim, o Autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal que não gozou, o que aconteceu até Dezembro de 2007 - facto demonstrado em 19).
  Está igualmente provado que pela prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo, cf. facto 10.
  O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril dispõe, no seu n.º 1, que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
  O n.º 6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
  Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados) x 2.
  Significa então que a Ré devia ter pago os pedidos 144 dias de descanso semanal não gozados atendendo ao salário diário de 90 MOP, a multiplicar por 2, o que dá o montante total de MOP 25.920,00, tendo, no entanto, pago o valor em singelo (e resultando da presente sentença, conforme vimos supra a sua condenação no pagamento da diferença salarial). Significa isto que aos valores supra apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pela Ré2, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário devido, o que a lei manifestamente não prevê3, o que perfaz a quantia de MOP 12.960,00.
*
  À quantias supra mencionada acrescerão juros a contar da data do trânsito em julgado desta sentença (4), atento o que dispõe o artigo 794.º, n.º 4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
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  IV. Decisão:
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia global de MOP62.410,00 (a titulo de diferenças salariais, MOP10.120,00; a título de subsídio de alimentação, MOP22.050,00; a título de subsídio de efectividade, MOP17.280,00 e a título de descansos semanais, MOP12.960,00), acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
  As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga o primeiro.
  Registe e notifique.


Não se conformando com essa sentença, veio a Ré recorrer dela concluindo e pedindo que:

a) O julgamento que incidiu sobre o ponto 16) da matéria de facto escorou-se no depoimento da testemunha C, gravado sob os ficheiros denominados "Recorded on 11-Feb-2014 at 10.20.21 (1$7SJ))W05811270).WAV" e seguintes;
b) No respeitante à matéria do ponto 16) da matéria de facto, a instâncias do Ilustre Mandatário do A, a testemunha (a 22m15s da gravação acima referida) limitou-se a fazer uma descrição do procedimento geral implementado na R para a autorização de faltas dos seus funcionários, sem que no entanto tenha logrado demonstrar qualquer conhecimento directo e específico quanto a tal facto;
c) Quando questionada pelo mandatário da R acerca da origem do seu invocado conhecimento sobre a inexistência de quaisquer faltas dadas pelo A. à margem daquele procedimento geral, a testemunha limitou-se uma vez mais a repetir os termos daquele procedimento (a 1m30s do ficheiro "Recorded on 11-Feb-2014 at 10.46.59 (1$7TBZ8G05811270).WAV"), sem nada mais acrescentar de relevante à sua razão de ciência;
d) Assim, não obstante a existência daquele procedimento para autorização de faltas, a testemunha não tem conhecimento directo sobre se o A. sempre o observou, o que se afigura insuficiente para firmar a conclusão, retirada pelo Tribunal recorrido, de que o A nunca faltou ao trabalho sem para tal estar autorizado pela R.;
e) Levando a que se considere errado o julgamento que o Tribunal a quo proferiu sobre o ponto 16) da matéria de facto;
f) Face a todo o exposto, pela reapreciação da prova constante dos autos, nomeadamente do depoimento prestado pela testemunha C, gravado nos ficheiros acima identificados, deverá ser alterada a resposta ao facto contido no ponto 16) da matéria de facto provada, julgando-se aquele não provado, com as devidas consequências quanto aos pedidos formulados pelo A.;
g) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
h) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
i) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
j) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
k) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
I) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3° e 9°;
m) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
n) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
o) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como "contratos de prestação de serviços";
p) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R;
q) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
r) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
s) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações;
t) A obrigação da ora R é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
u) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
v) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
w) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
x) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
y) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400°/2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest);
z) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
aa) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
bb) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
cc) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
dd) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400º/2 e 437º do Código Civil;
ee) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
ff) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
gg) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
hh) Por outro lado, como se viu supra, considera a R. que o A. não provou jamais ter faltado ao trabalho sem justificação ou autorização;
ii) E ainda que o tivesse feito, tal prova não seria de molde a demonstrar o número de dias de trabalho efectivo que prestou;
jj) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade;
kk) Assim sucederá também pela procedência da reapreciação requerida quanto ao ponto 16) da matéria de facto, por falta de suporte factual susceptível de integrar o direito do A. a perceber tal subsídio;
  Nestes termos, e nos mais de Direito, revogando a decisão recorrida nos termos e com as consequências expostas supra, farão V. Exas a costumada
JUSTIÇA


Notificado o Autor ora recorrido, contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso (vide as fls. 345 a 355 dos p. autos).

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões tecidas na petição do recurso e reiteradas nas alegações facultativas, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:

1. Do erro do julgamento da matéria de facto;

2. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada;

3. Diferenças salariais;

4. Do subsídio de alimentação; e

5. Do subsídio de efectividade;

E antes de entrar na apreciação dessas questões, convém relembrar que foi a seguinte matéria de facto julgada assente na primeira instância:

1) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (A)

2) Desde 1994, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)

3) Desde 1994, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviço»; n.º 02/94, em 03/01/1994; n.º 29/94, em 11/05/1994; n.º 45/94, em 27/12/1994. (C)

4) Os «contratos de prestação de serviço» referidas na alínea C) dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de «recrutamento e cedência de trabalhadores»; de «despesas relativas à admissão dos trabalhadores»; à «remuneração dos trabalhadores»; ao «horário de trabalho e alojamento»; aos deveres de «assistência»; aos «deveres dos trabalhadores»; às «causas de cessação do contrato e repatriamento»; a «outras obrigações da Ré»; à «provisoriedade»; ao «repatriamento»; ao «prazo do contrato» e às «disposições finais», dos trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente cedidos à Ré. (D)

5) Entre 22/04/2005 e 30/04/2009, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de "guarda de segurança". (E)

6) Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (F)

7) Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (G)

8) Durante todo o período de tempo referido em E), foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (H)

9) Ao abrigo do Contrato de prestação de serviços referidos na alínea C) dos Factos Assentes, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, teria o direito a auferir, no mínimo, Mop$90,00 diárias, acrescidas de Mop$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade "igual ao salário de quatro dias", sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (I)

10) Pela prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo. (J)

11) Durante a relação mantida com a Ré, o Autor auferiu da Ré a título de salário as quantias que abaixo se descrimina: (K)
- MOP$36,068.00 em 2005;
- MOP$51,085.00 em 2006;
- MOP$76,365.00 em 2007;
- MOP$81,969.00 em 2008;
- MOP$53,894.00 em 2009.

12) Ao abrigo de um dos contratos de prestação de serviços referido na alínea C) dos Factos Assentes, o Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré. (1º)

13) A relação de trabalho entre a Ré e o Autor cessou em 30 de Abril de 2009, por iniciativa da Ré. (2º)

14) Entre Maio de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia mensal de MOP$2.100,00. (3º)

15) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia mensal de Mop$2.288,00. (4º)

16) Durante toda a relação entre a Ré e o Autor, nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho. (6º)

17) Durante toda a relação entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio de alimentação». (7º)

18) Durante toda a relação entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor, qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade». (8º)

19) Até Janeiro de 2008, o autor nunca gozou qualquer dia de descanso semanal. (9º)

20) A Ré nunca concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório. (10º)

Passemos então a apreciá-las.

1. Do erro do julgamento da matéria de facto

A recorrente entende que o ponto 16 da matéria de facto provada no texto da sentença ora recorrida foi erradamente julgado e dado por provado pelo Tribunal a quo.

Ora, se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.

Reza, por sua vez, o artº 599º, para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:

1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º

No caso dos autos, houve gravação dos depoimentos.

O meio probatório que, na óptica da recorrente, impunha decisão diversa é o depoimento testemunhal.

E foram indicadas as passagens da gravação do depoimento.

Satisfeitas assim as exigências processuais para a viabilização da reapreciação da matéria de facto com vista à eventual modificação por este Tribunal de Segunda Instância da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, passemos então a apreciar se se verifica o alegado erro na apreciação da prova pelo tribunal a quo.

Está em causa o ponto 16 da matéria de facto provada na sentença recorrida, que corresponde ao quesito 6º da base instrutória, tem o seguinte teor:

Durante toda a relaçãol entre a Ré e o Autor, nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho (quesito 6º da base instrutória).

Em relação à prova testemunhal que tem por objecto este facto, a ora recorrente diz que a testemunha se limitou a fazer uma descrição do procedimento geral implementado na Ré para a autorização de faltas dos seus funcionários, sem que no entanto tenha logrado demonstrar qualquer conhecimento directo e específico quanto a tal facto e que quando questionada pelo mandatário da Ré acerca da origem do seu invocado conhecimento sobre a inexistência de quaisquer faltas dadas pelo Autor, à margem daquele procedimento geral, a testemunha limitou-se uma vez a repetir os termos daquele procedimento, sem nada ascresentar à sua razão de ciência, para além da constatação de que o A nunca foi despedido pela Ré.

Auscultadas e analisadas as passagens da gravação identificadas pela recorrente do testemunho referente à matéria quesitada sob o nº 6º da base instrutória (correspondente ao ponto 16 da matéria de facto provada no texto da sentença), verificamos que a recorrente não tem razão.

Pois à pergunta feita pelo Ilustre Mandatário do Autor de que se o Autor algumas vez faltou ao trabalho sem que a B tivesse autorizado previamente”, a testemunha respondeu dizendo peremptoriamente que “No! Because, if Villamor, me or us we want to take holiday, we must apply three days before……”.

É verdade que a testemunha descreveu perante o Tribunal o procedimento a seguir para pedir autorização para faltar ao serviço e salientou ao Tribunal que o despedimento (may be fired) e a carta de advertência (warning letter) seriam consequências possíveis se o Autor, a própria testemunha e todos os outros trabalhadores faltassem ao serviço sem autorização prévia.

Mas antes de descrever o tal procedimento, já respondeu directamente dizendo não à pergunta que lhe foi feita sobre se o Autor faltou alguma vez sem autorização prévia.

Cremos que, se colocados perante essa resposta tão peremptória “No!”, nós formaríamos a mesma convicção que formou o Julgador a quo, portanto, não se vê em que termos o Tribunal a quo andou mal na apreciação da prova.

A nosso ver, a testemunha explicou tanto sobre o procedimento é para reforçar a credibilidade do seu testemunho e para convencer o Tribunal de que pedir autorização para faltar ao serviço não é nada simples e o não fazer de acordo com o procedimento implementado pela Ré, as consequências seriam gravíssimas, portanto, ninguém, incluindo o Autor queria correr o risco de faltar ao serviço sem autorização.

E afinal quando disse ao Tribunal que o Autor não foi despedido nem recebeu carta de advertência, estava a dizer de forma indirecta que o Autor nunca faltou sem autorização prévia.

Globalmente interpretado testemunho, cremos que bem andou o Tribunal ao dar como provado o quesito “Durante toda a relação entre a Ré e o Autor, nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho.

Assim, improcede a impugnação da matéria de facto.

2. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada

Em primeiro lugar, é de frisar que não foi impugnada a qualificação jurídica, feita pelo Tribunal a quo, do celebrado entre o Autor e a Ré como contrato individual de trabalho.

Sobre a questão da qualificação jurídica do contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, este Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou de forma unânime em vários acórdãos, concluindo que se trata de um contrato a favor de terceiro – Cfr. nomeadamente os Acórdãos do TSI tirados em 12MAIO2011, 19MAIO2011, 02JUN2011 e 16JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010, 876/2010 e 838/2011.

Não se vê portanto razão para não manter a posição já por este Tribunal assumida de forma unânime.

Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada.

Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, foram acordadas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada e a serem afectados ao serviço da Ré.

E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.

Segundando a nossa jurisprudência unânime, o Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437º e s.s. do Código Civil.

Ora, reza o artº 437º do Código Civil que:
1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como “aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)” – Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s..
In casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.

Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada (promissária) o mínimo das condições remuneratórios a favor do trabalhador (beneficiário) estranho ao contrato, que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”.

Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no artº 437º/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.

3. Das diferenças salariais

Apoiando-se a recorrente na sua tese de que o contrato de prestação de serviço não é um contrato a favor de terceiro, defende que é forçoso concluir que nenhum direito assiste ab initio ao Autor ara reclamar quaisquer condições mais favoráveis emergentes daquele contrato.

Todavia, tendo em conta o decidido supra na questão nº 2, isto é, o Autor, enquanto terceiro beneficiário, adquiriu o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”, por efeito imediato do contrato a favor de terceiro celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, cai por terra toda a tese defendida pela Ré para não reconhecer as peticionadas diferenças salariais entre aquilo que recebeu e aquilo que deveria ter recebido.

4. Do subsídio de alimentação

Antes de mais, importa saber se o subsídio de alimentação só é devido nos dias em que o Autor efectivamente trabalhou ou é sempre devido em todos os dias enquanto durou a relação de trabalho.

Então vejamos.

Nota-se que, in casu, o “quando” deve ser pago o subsídio de alimentação não foi objecto de estipulação quer no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, quer no contrato individual celebrado entre o Autor e a Ré, nem na lei vigente na constância de relação de trabalho em causa, para a qual o próprio contrato individual de trabalho remete.

Ou seja, na falta de disposições legais que impõem à entidade patronal a obrigação de pagar ao trabalhador o subsídio de alimentação, a sua regulação quer quanto à sua existência quer quanto aos termos em que é pago deve ser objecto da negociação entre as partes.

In casu, foi apenas estipulada no contrato de prestação de serviço a obrigação de pagar ao trabalhador um subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.

Para resolver esta questão, temos de averiguar a natureza do tal subsídio.

Ora, inquestionavelmente o subsídio de alimentação não é a retribuição do trabalho nem parte integrante dessa retribuição, dado que não é o preço do trabalho prestado pelo trabalhador.

Como foi dito supra, na falta de disposições expressas na lei, só há lugar ao pagamento do subsídio de alimentação se assim for estipulado entre o trabalhador e a entidade patronal.

Ficou provado que in casu foi estipulado no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. que o trabalhador tinha direito ao subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.

Mas ficamos sem saber se era devido enquanto a relação de trabalho se mantinha ou apenas nos dias em que houve prestação efectiva de trabalho.

Não obstante o D. L. nº 24/89/M, vigente no momento dos factos dos presentes autos, não ser aplicável à contratação dos trabalhadores não residentes, por força do disposto no próprio artº 3º/3-d), por o Autor não ser trabalhador residente, o certo é que, por conhecimento que temos por virtude do exercício de funções, por remissão expressa do contrato individual de trabalho celebrado entre a Ré e os seus trabalhadores, o mesmo diploma é aplicável ao caso sub judice.

Assim, vamos tentar procurar a solução para a questão em apreço na mens legislatoris subjacente ao regime jurídico definido no citado D. L. nº 24/89/M.

Como se sabe, no âmbito desse diploma, existem prestações por parte da entidade patronal a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.

É o que se estabelece nos artº 17º, 19º e 21º do decreto-lei, nos termos dos quais é devido o salário nos dias de descansos semanal e anual e de feriados obrigatórios remunerados.

Isto é, é devido o salário a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.

Então urge saber se é também devido o subsídio de alimentação independentemente da prestação efectiva de trabalho.

E assim é preciso saber qual é a razão que levou ao legislador a obrigar a entidade patronal a pagar salário ao trabalhador mesmo nos dias de folga e averiguar se existe uma razão paralela justificativa da atribuição ao trabalhador do subsídio de alimentação nos dias em que não trabalha.

Face ao regime de descansos e feriados definido no decreto-lei, sabemos que a razão de ser de assegurar ao trabalhador o direito ao salário nesses dias de descanso é porque a legislador quis estabelecer, como o mínimo das condições de trabalho, o direito ao descanso sem perda de vencimento.

Ou seja, é o direito ao descanso que justifica o pagamento de salário nos dias de descanso e feriados.

Mas já nenhum direito, como mínimo das condições de trabalho ou a qualquer outro título, estabelecido na lei, a favor do trabalhador, tem a virtualidade de obrigar a entidade patronal a pagar o subsídio de alimentação quer nos dias em que trabalha quer nos dias em que não trabalha.

Assim, parece que nos não é possível resolver a questão no âmbito do D. L. nº 24/89/M e temos de virar a cabeça tentando encontrar a solução para o presente caso concreto tendo em conta as características do serviço que o Autor prestava.

Da matéria de facto provada resulta que o Autor exercia as funções de guarda de segurança, trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré e era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades.

As tais condições de trabalho, nomeadamente a mobilidade do local e horário de trabalho, a total disponibilidade do trabalhador, mostram-se evidentemente pouco compatíveis com a possibilidade de o Autor, nos dias em que efectivamente trabalhava, preparar e tomar as refeições em casa, que lhe normalmente acarretariam menores dispêndios.

Assim, compreende-se que nos dias em que efectivamente trabalhava, por ter de comer fora, o Autor viu-se obrigado a suportar maiores despesas nas refeições do que nos dias de folga.

Com esse raciocínio, cremos que o subsídio de alimentação, acordado no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, de que é beneficiário, visa justamente para compensar ou aliviar o Autor das despesas para custear as refeições nos dias em que se tendo obrigado a colocar a sua força laboral ao dispor da Ré, lhe não era possível preparar e tomar refeições em casa.

Assim sendo, é de concluir que o subsídio de alimentação só é devido nos dias em que o trabalhador efectivamente trabalha.

Então temos de ver agora o que ficou provado e para depois aplicar essa conclusão ao caso em apreço.

Ora, ficou provado que durante toda a relação entre a Ré e o Autor, nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho.

Bom, este facto, de per si, não afirme nem infirme que, enquanto durou a relação laboral entre o Autor e a Ré, o Autor já chegou a faltar ao serviço, com ou sem motivos justificativos.

E é verdade que está provado na primeira instância que entre 22ABR2005 e 30ABR2009 o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de guarda de segurança, e até JAN2008, e nunca gozou qualquer dia de descanso semanal.

Todavia, ante a matéria de facto assim provada, entendemos que
o Autor não logrou demonstrar o número exacto dos dias em que efectivamente trabalhou.

Assim sendo, não nos resta outra alternativa que não seja a revogação da sentença recorrida nesta parte, reconhecer ao Autor o direito de receber o subsídio de alimentação em todos os dias em que trabalhou no período compreendido entre 22ABR2005 e 30ABR2009 e condenar a Ré a pagar a compensação a título de subsídio de alimentação no valor a liquidar em execução de sentença – artº 564º/2 do CPC.

5. Do subsídio de efectividade

E tal como vimos supra, não tendo sido demonstrados pela Ré a existência e o número dos dias que o Autor faltou ao serviço, não vejamos razão para não atribuir a favor do Autor o subsídio de efectividade e consequentemente para não manter o decidido na primeira instância a este propósito.


Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Ré B (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, revogando a sentença recorrida na parte que diz respeito à compensação a título de subsídio de alimentação, passando a condenar a Ré a pagar a compensação a título de subsídio de alimentação no valor a liquidar em execução de sentença e mantendo na íntegra todas as restantes condenações feitas pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.

Custas pela Ré recorrente e pelo Autor recorrido, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido ao Autor.

Notifique.

RAEM, 24JUL2014

Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng

(1) http://www.court.gov.mo/p/pdefault.htm . A qualificação do contrato em causa é, sob o ponto de vista das suas consequências jurídicas, salvo o devido respeito, de relevo menor quando comparado com as exigências que do mesmo decorrem para a Ré contratante; com efeito, o que resulta claro é a necessidade de a Ré cumprir com o acordado com a entidade administrativa, desde logo, para que fique garantido o sustento, neste pequeno território de Macau, dos profissionais contratados ao exterior (ainda para mais numa área tão sensível socialmente como a segurança), para além do equilíbrio noutras áreas, como a concorrência, o lucro justo da entidade contratante, etc. Saber se o beneficiário é a entidade pública contratante ou a sociedade que aquela visa salvaguardar com as condições impostas à Ré é uma questão menor: o que fica claro é um comportamento lamentável da Ré ao ter assumido um compromisso para com uma entidade pública e, para benefício próprio, tê-lo incumprido sistematicamente, revelando um intuito lucrativo que, noutras sociedades desenvolvidas, poderia justificar a perda por exemplo da sua licença para poder explorar o seu ramo de actividade, dado que, apesar de se ter comprometido a cumprir os requisitos que lhe permitiram a importação de mão de obra para poder desenvolver a sua actividade societária, o não fez, pondo em causa assim o cumprimento dos objectivos de natureza pública subjacentes a tais condições.
2 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 27 de Fevereiro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: «…tem razão a Ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não ao dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. É que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.» Temos conhecimento do sentido adoptado a este respeito pelo Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente, no Acórdão tirado nos autos de Processo 138/2011, com o qual, no entanto, sempre salvaguardando o seu douto entendimento, não concordamos.
3 Cremos, sempre salvaguardando opinião contrária, que a previsão constante do art. 43.º, n.º 2, 1) da Lei 7/2008, de 18/8/2008, traduz uma clarificação muito relevante a este respeito, tornando mais clara ainda a orientação legislativa, no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base; não seria muito compreensível, num território que se aproxima paulatinamente de novos padrões normativos, que, nesta matéria, sinalizasse um retrocesso tão drástico relativamente ao diploma anterior.
4 Com pertinência também para este caso, a jurisprudência do Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 69/2010 de 02.03.2011.

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Ac. 307/2014-32