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Processo n.º 421/2014 Data do acórdão: 2014-7-31
Assuntos:
– usura para jogo
– art.º 13.º da Lei n.º 8/96/M
– pena acessória
– art.º 15.º da Lei n.º 8/96/M
– proibição de entrada nas salas de jogos
– art.o 60.o, n.º 2, do Código Penal
– art.o 40.o, segundo parágrafo, da Lei Básica
S U M Á R I O

1. Dita o art.o 15.o da Lei n.º 8/96/M, de 22 de Julho, que quem for condenado pelo crime de usura para jogo previsto no seu art.o 13.o, é punido com a pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogos.
2. É o art.o 60.o do Código Penal, no seu n.o 2, que permite, expressamente, que a lei pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos, sendo, pois, um dos casos vivos, a norma jurídica do art.o 15.o da Lei n.o 8/96/M.
3. Portanto, ainda que o arguido recorrente, um residente de Macau, com a execução da pena acessória em causa, não possa vir a trabalhar dentro de qualquer estabelecimento de casino em Macau, há que manter a decisão de imposição da mesma sanção acessória, já que dura lex sed lex.
4. O art.º 40.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau determina, no seu segundo parágrafo, e designadamente, que os direitos e as liberdades de que gozam os residentes de Macau não podem ser restringidos excepto nos casos previstos na lei. E a norma do art.º 15.º da Lei n.º 8/96/M constitui precisamente um desses casos previstos na lei.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 421/2014
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A (XX)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 149 a 154v dos autos de Processo Comum Singular n.° CR3-14-0097-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A (XX), aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material de um crime consumado de usura para jogo, previsto pelo art.o 13.o, n.º 1, da Lei n.o 8/96/M, de 22 de Julho (e punível com a pena correspondente à do crime de usura do art.o 219.o, n.o 1, do Código Penal (CP)), na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano e seis meses, com pena acessória, imposta nos termos do art.o 15.o da referida Lei, de proibição de entrada, por dois anos, em estabelecimentos de casino.
Inconformado, veio este arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir que passasse a ser condenado em três meses de prisão, a ser suspensa na sua execução por um ano, e com almejada suspensão também da execução da pena acessória, tendo alegado, para o efeito, em suma e na sua essência, que a decisão recorrida, para além de padecer do excesso na medida concreta da pena de prisão (por desconsideração da circunstância de ser o recorrente um delinquente primário), violou sobretudo o disposto no art.º 35.º da Lei Básica e no art.º 60.º, n.º 1, do CP (cfr. o teor da motivação de recurso, apresentada a fls. 161 a 162v dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador (a fls. 164 a 166 dos autos), no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 174 a 175v), pugnando até pela evidente improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto descrita como provada no texto da sentença recorrida, é de tomá-la como fundamentação fáctica do presente aresto recurso, sob aval do art.o 631.o, n.o 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do Código de Processo Penal.
Segundo essa factualidade provada: o arguido A emprestou, sob cobrança convencionada de juros, cinquenta mil dólares de Hong Kong em fichas de jogo a um indivíduo para jogar numa sala de jogos; este arguido é delinquente primário, trabalha como motorista, tem por habilitações académicas o 2.º ano do curso secundário, e tem os pais a seu cargo.
O mesmo arguido é titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau (cfr. a identificação dele referida na parte inicial do texto da sentença recorrida). E conforme a fundamentação da sentença, ele negou na audiência de julgamento a existência de convenção de cobrança de juros no empréstimo em questão.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, vê-se que o recorrente colocou, como objecto do seu recurso, a medida da pena de prisão e a questão de suspensão da execução da pena acessória de proibição de entrada em estabelecimentos de casino.
No caso, o Tribunal recorrido condenou o recorrente pela autoria material de um crime consumado de usura para jogo, previsto pelo art.o 13.o da Lei n.o 8/96/M, na pena de sete meses de prisão, dentro da respectiva moldura de um mês a três anos de prisão (cfr. o disposto nos art.os 41.º, n.º 1, e 219.º, n.º 1, do CP).
Vistas todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal recorrido, realiza o presente Tribunal ad quem que aos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do CP, tal pena de prisão achada na sentença não pode admitir mais margem para a redução, ainda que o recorrente seja delinquente primário.
Atendendo mormente à circunstância de o recorrente ter negado na audiência de julgamento a existência da convenção de juros no empréstimo então feito, ao que acrescem as mui prementes exigências da prevenção geral do delito em questão, não se vislumbra plausível a redução do período da suspensão da execução da pena de prisão.
Finalmente, no tangente ao pedido de suspensão da execução da pena acessória de proibição de entrada em estabelecimentos de casino, há que chamar a atenção do recorrente para o facto de inexistir qualquer norma legal expressa a permitir a suspensão da execução desta pena acessória.
Ao invés, dita o art.o 15.o da Lei n.º 8/96/M que quem for condenado pelo crime previsto no art.o 13.o deste diploma legal, é punido com a pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogos.
Cai, pois, por terra a pretensão do recorrente formulada sob alegado escudo do princípio do n.o 1 do art.o 60.o do CP, porque é esse próprio art.o 60.o, no seu n.o 2, que permite, expressamente, que a lei pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos, sendo, pois, um dos casos vivos, a norma jurídica do art.o 15.o da acima referida Lei n.o 8/96/M.
Portanto, ainda que o recorrente, um residente de Macau, com a execução da pena acessória em causa, não possa vir a trabalhar dentro de qualquer estabelecimento de casino em Macau, há que manter a decisão de imposição da mesma sanção acessória, já que dura lex sed lex.
Em sentido convergente, pode referir-se ao acórdão deste TSI, de 17 de Julho de 2014, no Processo n.º 336/2014.
É assim, inclusivamente, de repudiar a tese defendida pelo recorrente segundo a qual como o art.º 35.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau prevê que os residentes de Macau gozam da liberdade de escolha de profissão e de emprego, a execução imediata daquela pena acessória de proibição de entrada nos casinos irá pôr em causa esse preceito legal da Lei Básica.
A razão da improcedência deste tipo de tese pode ser encontrada, aliás, no segundo parágrafo do art.º 40.º da própria Lei Básica, que determina, designadamente, que os direitos e as liberdades de que gozam os residentes de Macau não podem ser restringidos excepto nos casos previstos na lei. E a norma do art.º 15.º da Lei n.º 8/96/M constitui precisamente um desses casos previstos na lei, sendo certo que à luz do art.º 29.º da Lei Básica, o ora recorrente pode ser punido criminalmente, de modo legal.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com cinco UC de taxa de justiça.
Macau, 31 de Julho de 2014.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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