Reclamação nº 5/2014
No âmbito dos autos de processo contravencional do trabalho registado sob o nº LB1-14-0024-LCT, por sentença ditada na acta de audiência de julgamento realizada em 13MAIO2014, foi condenado A, proprietário de Engenharia B, pela prática de uma contravenção p. p. pelos artºs 62º/3 e 85º/1-6) da Lei nº 7/2008, na pena de multa de MOP$20.000,00, e a pagar ao trabalhador a quantia de MOP$11.200,00.
O Ministério Público, inconformado com o assim decidido na sentença, veio recorrer da mesma sentença mediante o requerimento motivado que deu entrada no Tribunal a quo em 23MAIO2014, imputando à sentença recorrida o vício da contradição insanável da fundamentação e a violação do artº 74º do CPP.
Por despacho datado de 20JUN2014, o Tribunal a quo não admitiu o recurso com fundamento na ilegitimidade do Ministério Público.
E porque o recurso lhe não foi admitido, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:
A Magistrada do Ministério Público, recorrente dos autos à margem indicado, notificado do douto despacho de fls, 95 que não lhe admitiu o recurso interposto em 23 de Maio de 2014, vem nos termos do disposto no art°. 595° e s.s. do C.P.C. aplicável por força do art°. 1° nº. 1 do Código de Processo de Trabalho apresentar a presente reclamação.
No cumprimento do disposto no nº. 2 do art°. 596° do C.P.C., a reclamante apresenta desde já, as razões que justificam a admissão do recurso.
1°
Por sentença de 13 de Maio de 2014, o Tribunal a quo decidiu condenar a transgressora pela contravenção por falta de pagamento de remuneração p. e p. pelo art°. 62° n°. 3 e art°. 85° n°. 1 (6) da Lei de Relações Laborais n°. 7/2008, na pena de multa de MOP$20,000.00 (vinte mil patacas) e ao pagamento do trabalhador a quantia de $11,200.00 (onze mil e duzentas patacas).
2°
Por não se conformar com a douta decisão final proferido pelo tribunal a quo, veio o Ministério Público, ora a reclamante, em 23 de Maio de 2014, apresentou a motivação de recurso.
3°
O recurso interposto pelo Ministério Público, ora a reclamante é circunscrito por duas partes: a 1ª parte relativa ao vício da contradição insanável da fundamentação por entender a recorrente, a sentença proferido pelo tribunal a quo padecer vícios prevista no art°. 400° nº. 2° b) do Código de Processo Penal e a 2ª parte respeitante à violação de direito previsto.no art°. 74° do Código do Processo Penal.
4°
Por despacho de 20 de Junho de 2014, decidiu o Tribunal a quo não admitir o recurso interposto por entender a falta de legitimidade do Ministério Público, e segundo o Tribunal a quo, o Ministério Público não invoca a sua qualidade de patrocinado do trabalhador nem esta resulta dos autos.
5°
O recurso ora posto em crise é contra uma decisão final proferida no processo contravencional, é pois sempre admissível nos termos do art°. 110° n°. 2 da Lei nº. 9/2003 do Código de Processo de Trabalho.
6°
Tem toda a legitimidade para recorrer o Ministério Público, de quaisquer decisões ainda que no exclusivo interesse do arguido nos termos do art°. 391° nº. 1 a) do Código Processo Penal ex vi art°. 1° nº. 1 do Código de Processo de Trabalho.
7°
Como tem sido entendido doutrinalmente “Ao falar-se em quaisquer decisões, quer-se englobar todas as espécies de decisões: finais, interlocutórias, decisões proferidas na causa principal, decisões proferidas nos incidentes, etc. Sustentava a propósito Luís Osório que o Mº.Pº não é propriamente um acusador, mas um representante da sociedade que tem interesse em que justiça seja feita. Assim, o recurso pode ser interposto a favor do réu (hoje, do arguido), o Mº Pº deve recorrer de certas decisões em que é preciso um exame mais cuidadoso do processo; o ter-se conformado com a decisão não o impede de recorrer.” ( Código de Processo Penal de Macau anotado Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas-Santos pag. 800 e 801)
8°
A eventual invocação ou não da qualidade de patrocinado do trabalhador por parte do Ministério Público não é uma condição essencial para efeitos de adquirir a legitimidade para a interposição do presente recurso numa acção contravencional.
9°
Ao decidir desse modo, incorreu o Mm. Juíz a quo em erro de direito, por errada interpretação do art°110° n°. 2 do Código de Processo do Trabalho e art°.391° n°. 1 a) do Código do Processo Penal ex vi art°. 1° n°. 1 da Lei nº. 9/2003 do Código de Processo de Trabalho.
10°
Pelo exposto, deve o Tribunal a quo admite o recurso com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo, conforme inicialmente requerido pela recorrente.
Em conclusão:
1 - Decidiu o Mm Juíz no seu douto despacho ora reclamado a não admissão do recurso por entender a falta de legitimidade do Ministério Público
2 - O recurso ora posto em crise é contra uma decisão final proferida no processo contravencional, é pois sempre admissível nos termos do art°. 110° n°. 2 da Lei nº. 9/2003.
3 - Tem toda a legitimidade para recorrer o Ministério Público, de quaisquer decisões ainda que no exclusivo interesse do arguido nos termos do art°. 391 ° n°. 1 a) do Código Processo Penal ex vi art°. 1° n°. 1 do Código de Processo de Trabalho.
4 - Nada impede o Ministério Público a interposição de recurso mesmo sem invocação da qualidade de patrocinado do trabalhador num recurso contra a decisão final nos autos de processo contravencional.
5 - Ao decidir desse modo, incorreu o Mm. Juíz a quo em erro de direito, por errada interpretação do art° 110° n°. 2 do Código de Processo do Trabalho e art°.391º n°. 1 a) do Código do Processo Penal ex vi artº. 1 ° n°. 1 da Lei n°. 9/2003.
Nestes termos, requer V. Exª que seja revogada a decisão reclamada de fls. 95, se digne admitir o recurso interposto pelo Ministério Público com as legais consequências.
Respeitosamente, pede deferimento.
Devidamente autuada a reclamação, a Exmª Juiz a quo proferiu o despacho mantendo a não admissão do recurso por razões já expostas no despacho ora reclamado.
II - Fundamentação
Passemos pois a apreciar a reclamação.
O despacho reclamado tem a seguinte redacção:
“Dado que o M. P. não invoca a sua qualidade de “patrocinador” do trabalhador (nem este resulta dos autos), entendemos que não tem legitimidade para o recurso que interpõe, pois actua nos presentes autos como titular da acção contravencional e, quanto a este, a decisão foi condenatória.
Termos em que se não admite o recurso interposto, por falta de legitimidade do M. P.”.
Ora, a única questão levantada pela reclamante é saber se o Ministério Público tem legitimidade para recorrer.
Está em causa um processo contravencional de trabalho, regulado nos artºs 89º e s.s. do CPT (Código de Processo do Trabalho).
Por norma remissiva do artº 89º do CPT, à acção contravencional do trabalho são subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições do processo contravencional comum e, no que nelas não esteja previsto, o regime do processo por crime.
Por sua vez o CPP reza no seu artº 380º que “ao processo contravencional aplicam-se as disposições relativas ao processo por crime em tudo o que os artigos seguintes não dispuserem diferentemente.”.
Tanto no CPT como na parte do CPP dedicada ao processo contravencional comum, não há normas especiais sobre a legitimidade do Ministério Público para a interposição do recurso ordinário.
Assim, aplica-se in casu, supletivamente, o artº 391º do CPP, que estatui:
1. Têm legitimidade para recorrer:
a) O Ministério Público, de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido;
b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas;
c) A parte civil, da parte das decisões contra ela proferidas;
d) Aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão.
2. Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir
Para o Exmº Juiz a quo, “dado que o M. P. não invoca a sua qualidade de “patrocinador” do trabalhador (nem este resulta dos autos), portanto entende que o Ministério Público “não tem legitimidade para o recurso que interpõe, pois actua nos presentes autos como titular da acção contravencional e, quanto a este, a decisão foi condenatória.”.
Ora, a propósito da legitimidade do Ministério Público para a interposição do recurso em processo penal, Germano Marques da Silva ensina que “atenta a natureza de órgão de justiça do Ministério Público, importa-lhe é a correcta aplicação da lei no caso concreto. O MP não defende interesse de parte, busca decisões justas, ainda que pro reo.” – in Curso de Processo Penal III, pág. 314.
Ora, na esteira desse douto ensinamento, é-nos irrelevante em que veste e no interesse de quem age, o Ministério Público tem sempre legitimidade para recorrer de uma decisão judicial que, na sua óptica, não aplicou correctamente a lei no caso concreto e portanto deve ser corrigida por via do recurso.
Assim, a simples circunstância de o Ministério Público não ter invocado a sua “veste” nem a de esta “veste” não ter resultado dos autos, de per si, não lhe retira a legitimidade para a interposição do recurso ordinário.
E da simples leitura da motivação do recurso, sabemos que o que pretende o Ministério Público com a interposição do recurso é justamente a intervenção do Tribunal ad quem para corrigir a sentença que, na sua óptica, padece da ilegalidades.
Tudo visto, resta decidir.
Nestes termos expostos e sem necessidade de mais considerações, ordeno que, se outro motivo não impedir, seja admitido o recurso interposto pelo Ministério Público mediante o requerimento motivado que deu entrada no Tribunal a quo em 23MAIO2014.
Sem custas.
Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC, ex vi do artº 4º do CPP.
RAEM, 02SET2014
O presidente do TSI
Lai Kin Hong
Recl. 5/2014-1