Processo nº 539/2013
(Recurso Contencioso)
Relator: João Gil de Oliveira
Data: 3/Julho/2014
Assuntos:
- Residência; não renovação da autorização de residência
- Discricionariedade; exercício de poderes discricionários
- Erro nos pressupostos de facto e de direito
- Proporcionalidade e adequação
- Venire contra factum proprium
- Ne bis in idem
SUMÁRIO:
1. Se a entidade recorrida invoca uma norma que refere os antecedentes criminais e a violação das leis da RAEM como um pressuposto possível para considerar a denegação de permanência na RAEM e se essa mesma entidade alude à violação das leis da RAEM e a razões de segurança, perante uma condenação por um ilícito criminal, por crime de condução sob o efeito do álcool, ainda que em pena de multa substitutiva da prisão, estamos perante o exercício de poderes discricionários que não cabe aos tribunais sindicar, se esses poderes foram exercidos dentro dos limites da discricionariedade administrativa.
2. Não se pode enveredar por uma linha argumentativa que sustente a pequena gravidade da conduta em presença, pois se ela é pouco grave em relação a uma criminalidade muito mais séria, também não deixa de ser muito mais grave em relação a outras condutas igualmente desrespeitadoras das leis da RAEM.
3. Não há violação do princípio do ne bis in idem por o interessado ter sido punido criminalmente e por essa condenação vir a ser um pressuposto de interdição de indeferimento de permanência, actuando tais efeitos da condenação a níveis diferentes.
4. Também não há violação do venire contra factum proprium se em momento anterior nunca a Administração desvalorizou tais antecedentes criminais, por deles não ter conhecimento ou por não se mostrar transitada a decisão em momento em que autorizou o interessado a residir na RAEM.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 539/2013
(Recurso Contencioso)
Data : 3 de Julho de 2014
Recorrente: B
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. B, mais bem identificado nos autos, vem interpor RECURSO CONTENCIOSO do despacho do Exm.° Senhor Secretário para a Economia e Finanças, n.º 06818/GJFR/2013, de 4 de Junho de 2013, notificado ao Recorrente em 15 de Julho de 2013,que lhe indeferiu o pedido de renovação da fixação de residência temporária.
Para tanto, alega em sede conclusiva:
A. O douto despacho recorrido negou ao Recorrente a renovação de fixação de residência temporária na R.A.E.M., por considerar não estarem preenchidos os requisitos para tanto necessários e que estão e1encados na alínea 1) do n.º 2 do art. 9.º da Lei n.º 4/2003, que considerou aplicável ex vi do art. 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005,
B. por, no registo criminal do Recorrente à altura constar uma condenação numa pena de 3 (três) meses de prisão, substituída por multa e inibição de condução pelo período de 1 (um) ano, pela violação do disposto no n.º 1 do art. 90.º da Lei n.º 3/2007.
C. Acontece que, o facto ilícito praticado pelo Recorrente foi anterior ao pedido de autorização de fixação de residência temporária (cuja renovação ora lhe foi negada).
D. De destacar que, nem antes, nem depois dessa data, incorreu o Recorrente em qualquer falta, de natureza criminal, contravencional ou sequer civil.
E. Como, aliás, pode ser confirmado através do actual certificado do Registo Criminal do Recorrente que, volvidos 2 (dois) anos sobre a sua condenação em juízo, nada faz constar.
F. Por outro lado, não se concebe, também, que o indeferimento da renovação da autorização da fixação de residência temporária, seja utilizado como um mecanismo de voltar a exercer um qualquer poder punitivo sobre o Recorrente, por ferir o princípio non bis in idem.
G. Nestes termos, a decisão recorrida configura-se como uma decisão surpresa, a todos os títulos não expectável para o Recorrente, e, portanto,
H. surge como autêntico venire contra factum proprium, em flagrante violação dos princípios da tutela da confiança e da boa fé (art. 8.º do Código do Procedimento Administrativo).
I. Efectivamente, no exercício da actividade administrativa, a Administração está obrigada a ponderar, «em especial», a «confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa» (vide n.º 2, al. a) da disposição citada).
J. A decisão recorrida louvou-se na aplicação da norma constante da al. 1) do n.º 2 do art. 9.º da Lei 4/2003, ex vi art. 23.º da Lei 3/2005.
L. É verdade que da literal idade do preceito resulta claramente que a Administração está habilitada ao exercício do seu poder discricionário para o efeito da concessão da autorização de residência.
M. Contudo, o que na prática se tem verificado, e o presente caso é disso exemplo, é que, lamentavelmente, a Administração tem usado as prerrogativas que o citado artigo lhe atribui de forma rígida e no sentido da negação da autorização de residência.
N. A interpretação e aplicação que a entidade recorrida fez do citado preceito, é ilegal porque inflexível, indo muito além da teleologia da norma, a qual dispõe que «deve atender-se» a determinados aspectos, que elenca.
O. Em lugar algum diz a lei que verificado qualquer desses «aspectos» elencados deve ser recusada a pretensão do interessado!
P. Com efeito, atender-se a determinados aspectos significa que a Administração deve ponderá-los, na sua justa medida e proporção, para o efeito da tomada de uma decisão adequada e justa - («as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar», art. 5°, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo).
Q. Não pode é significar que, na presença de qualquer dos aludidos «aspectos» esteja a Administração obrigada (vinculada) a negar o pedido que lhe é dirigido.
R. Como exposto, a conduta do Recorrente - que, sublinhe-se, foi anterior ao pedido de concessão da autorização de residência, - não se reveste de gravidade que justifique a revogação (in casu, a não renovação) do seu estatuto de residente temporário.
S. O recorrente não colocou em perigo a ordem pública e ou a paz social da RAEM.
T. A decisão recorrida violou um direito adquirido, já consolidado na esfera jurídica do Recorrente.
U. Crê-se, portanto, salvo o devido respeito, ter a decisão recorrida errado nos pressupostos de facto e de direito em que se fundamenta, interpretando e aplicando erradamente as disposições legais citadas, o que a fere de ilegalidade por vício de lei.
Nestes termos entende que deve proceder o presente recurso e, por conseguinte, ser anulado ou declarado nulo o acto administrativo recorrido, com as legais consequências.
2. O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças contesta, em síntese:
a) O acto administrativo exerceu o poder discricionário previsto no art. 9°, n° 2, al. 1), da Lei 4/2003, e fundamentou-se precisa e expressamente nessa norma, pelo que não houve erro de direito;
b) O acto administrativo recorrido fundamentou-se no facto de o recorrente ter cometido um acto ilícito, facto esse que se prova ser verdadeiro e reconhecido pelo próprio, pelo que não houve igualmente erro de facto;
c) O órgão recorrido não tinha conhecimento do acto ilícito praticado pelo particular na altura em que o autorizou a residir em Macau, pelo que não se contradisse quando, posteriormente, indeferiu o pedido de renovação daquela autorização com fundamento no referido ilícito;
d) O exercício de poderes discricionários só é judicialmente sindicável em caso de total desrazoabilidade;
e) Ponderados os interesses em presença, conclui-se que o acto recorrido não ofendeu de forma intolerável o princípio da proporcionalidade ou qualquer dos outros limites internos da discricionariedade;
f) O indeferimento de um requerimento não é, juridicamente, uma sanção;
g) A pena criminal sofrida anteriormente pelo recorrente não privou o órgão recorrido dos poderes discricionários conferidos pelo art. 9°, n.º 2, al. 1), da Lei 4/2003;
h) As decisões administrativas são tomadas como base nos documentos coligidos durante a instrução, não com base em documentos apresentados posteriormente à decisão;
i) O facto de uma pena não constar do registo criminal não significa que a Administração, ao apreciar pedidos de autorização de residência, seja obrigada a ignorar os factos ilícitos cometidos no passado pelo requerente.
Pela razões apontadas, entende que terá de ser negado provimento ao recurso.
3. B ofereceu ainda ALEGAÇÕES FACULTATIVAS, dizendo, em suma:
O que faz nos termos e fundamentos seguintes:
A.
Apesar do alegado cumprimento das disposições legais aplicáveis, ao abrigo do exercício de um poder discricionário, a Entidade Recorrida aplicou um preceito legal com base numa mera interpretação do elemento literal da norma em causa.
B.
O exercício de poderes discricionários está sempre vinculado ao principio da legalidade, encontrando-se tais poderes balizados por critérios de proporcionalidade, imparcialidade, razoabilidade e de justiça, sob pena de se tornarem em autênticos poderes arbitrários.
C.
A aplicação de uma qualquer norma jurídica a um caso concreto carece de um cuidado trabalho de interpretação da norma em causa, não bastando olhar ao elemento literal, sob pena de daí se chegar a resultados absolutamente indesejáveis e contrários à vontade do legislador e ao objectivos pretendidos com a inclusão na norma no ordenamento jurídico.
D.
A decisão ora posta em crise, revela-se manifestamente desproporcional, desrazoável e injusta, porquanto a conduta do Recorrente, quer anterior quer posterior ao facto delituoso porque foi condenado (i.e. um crime de perigo comum), não pode ser subsumida à norma em causa sob pena de o equiparar a um delinquente que tenha cometido um crime de reconhecida danosidade social ou, até mesmo, de um delinquente por tendência.
E.
A conduta pela qual foi o Recorrente condenado, não causou qualquer alarme social, como também a sua presença na R.A.E.M. não causou ou causa quaisquer perturbações na ordem pública ou na paz e tranquilidade sociais, não havendo qualquer razão, portanto, para o seu afastamento da sociedade de Macau.
Nestes termos, conclui como na p.i.
4. O Exmo Senhor Procurador-Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
O acto em causa - despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 4/6/13, que indeferiu pedido de renovação de autorização de residência na RAEM do recorrente - fundou-se no disposto na ali) do n.º 2 do art. 9° da Lei 4/2003, subsidiariamente aplicável por força do art. 23° do R.A. 3/2005, que, para efeitos da almejada concessão, manda atender, além do mais, à existência de antecedentes criminais do peticionante.
Quanto aos pressupostos factuais da decisão e respeito da boa-fé a partir dos mesmos, matéria em que o recorrente gasta boa parte da sua argumentação, dir-se-à, telegraficamente, ser inequívoca (até por ser o próprio a reconhecê-la) a existência de sentença condenatória criminal, transitada em julgado, trânsito ocorrido apenas a 11/7/11, pelo que se revela perfeitamente compreensível que, aquando da concessão da autorização inicial (31/3/10), se não tenha levado em conta o ilícito em questão, pese embora o mesmo ter ocorrido a 18/3/09.
A lisura e legalidade do processo são, a tal propósito, evidentes, já que, como é óbvio, aquando da apreciação do inicial requerimento de autorização de residência, não constava ainda o antecedente criminal em questão no C.R.C. do visado, pelo que o não reporte do mesmo naquela decisão não é susceptível de envolver qualquer contradição, designadamente a que o recorrente pretende assacar, sendo que, nestes parâmetros, o poder discricionário foi exercido com reporte expresso à norma jurídica competente, inexistindo, consequentemente, qualquer erro de direito.
No que tange à proporcionalidade da medida, esgrime o recorrente essencialmente com o facto de, no seu critério, na ponderação efectuada, a Administração ter actuado com rigidez e inflexibilidade despropositadas, já que a sua conduta, pela prática de crime comum, sem especial alarme, e não colocando em perigo a ordem pública ou a paz social da RAEM, não reveste gravidade que justifique o indeferimento registado.
Quanto a este específico, sempre se dirá que a existência do perigo a que se alude, detendo relevância para outros efeitos em que a norma atinente se encarrega de o realçar (cfr. a título de exemplo, a al. 3) do n.º 1 do art. 11º da Lei 6/2004, atinente à revogação de autorização de permanência), a mesma não alcança consagração no caso vertente, onde a lei se basta com a ponderação pura e simples da existência de "antecedentes criminais", independentemente, quer da existência daquele perigo, quer da natureza de tais antecedentes.
De todo o modo, a verdade é que as diversas alíneas do n° 2 do art. 9° da Lei 4/2003 não constituem, qualquer listagem dos requisitos de cujo preenchimento dependa a concessão de autorização de residência, que haja que escrutinar "pari passu'', tratando-se, antes, de mera referência a aspectos relevantes a levar em conta nessa concessão, alguns com carácter de denegação, como é o caso presente, relativo à existência de antecedentes criminais por parte do interessado, sendo que na apreciação do requerimento do recorrente, os normativos aplicáveis deixam, como é evidente, ao órgão decisor certa liberdade de apreciação acerca da conveniência e da oportunidade sobre o respectivo deferimento, encontrando-nos, pois, face a acto produzido no exercício de poderes discricionários que, constituindo embora uma peculiar maneira de aplicar as normas jurídicas se encontram, todavia, sempre vinculados a regras de competência, ao fim do poder concedido, a alguns princípios jurídicos como a igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, a regras processuais e ao dever de fundamentação, não existindo, como é óbvio, qualquer excepção ao princípio da legalidade, mesmo na vertente da reserva de lei, sendo certo, porém, que, por norma, nesta área, a intervenção do julgador ficará reservada apenas para casos de erro grosseiro ou injustiça manifesta.
Posto isto, é um facto que as decisões da Administração que, como é o caso, colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, só podem afectar essas posições em termos necessários, adequados e equilibrados, o mesmo é dizer proporcionais aos objectivos a alcançar, proibindo-se, assim, o excesso, devendo existir uma relação de adequação entre o fim a alcançar e o meio utilizado para o efeito, impondo-se, pois, que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão, que entre todos os meios alternativos deva ser escolhido o que implique lesão menos grave para os interesses sacrificados, devendo existir justa medida entre os interesses presentes na ponderação, não se podendo impor aos particulares um sacrifício de direitos infundado ou desnecessário, sob pena de a decisão administrativa se revelar injusta.
Ora, no caso, encontrando-nos face a simples decisão de não renovação de autorização de residência na RAEM, não se vê que outra ou outras medidas pudessem ser tomadas : ou era a denegação do pretendido, ou o seu oposto, pelo que mal se compreende a "esgrima" relativamente à proporcionalidade da medida, não se descortinando também a ocorrência de erro manifesto ou injustiça gritante: os interesses pessoais, familiares e profissionais que o recorrente, porventura detenha na renovação almejada, sendo estimáveis, hão-de, inelutavelmente, ceder perante o interesse público na salvaguarda da segurança de pessoas e bens da Região.
Depois, como é bom de ver, o despacho em crise, limitando-se a denegar pedido de renovação de autorização de residência do visado, não corresponde a qualquer nova sanção a "acumular" com a decisão criminal, não podendo esta privar a Administração de, com base nos mesmos factos, exercitar o poder discricionário concedido pela norma motivadora do acto, pelo que a invocação do atropelo do princípio "ne bis in idem" não obtém qualquer sustento.
Finalmente, o facto de o C.R.C. do recorrente não apresentar, no presente momento, o registo de qualquer infracção criminal, em nada releva, já que a decisão ora sob escrutínio se teria que fundar, e fundou, obviamente, no registo das infracções há altura da tomada de decisão, sendo, aliás, certo, como bem sustenta a recorrida, não estar a Administração impedida, na matéria que agora nos ocupa, de levar em conta factos ilícitos ocorridos no passado dos peticionantes, mesmo que eles não constem, ou já não constem dos respectivos C.R.C.
Donde, não vermos, pois, que possa merecer provimento o presente recurso.
5. Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Com pertinência, respiga-se da PA a factualidade seguinte
1. “Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
Macao Trade and Investmente Promotion Institute
Nossa Ref. n.º 06818/GJFR/2013
Data : 04/07/2013
Assunto : Notificação de Despacho de Indeferimento de Renovação do Pedido de Fixação de Residência Temporária (P0628/2009/01R)
Exmo(a) Senhor(a) :
Nos termos do artigo 68º a) do Código do Procedimento Administrativo, fica V. Ex.ª notificado(a) do despacho de S. Ex.ª o Secretário Para a Economia e Finanças, a que S. Ex.ª o Chefe do Executivo tem delegado a respectiva competência, de 04/06/2013, que indeferiu o pedido de autorização de renovação de residência temporária, formulado pelo(a) a(s) seguinte(s) interessado(s)/a(s) e o fundamento do despacho é o que consta das 3 fotocópias certificadas de folhas do processo arquivado neste Instituto, anexas ao presente ofício.
N.º
Nome
Documento de Identificação
Validade do Autorização de Residência Temporária
1
B
Passaporte de Bélgica, n.º E13XXXXX
2012/10/09
Mais se informa que , nos termos do Código do Procedimento Administrativo, o acto ora notificado é susceptível de impugnação mediante reclamação para S. Ex.ª o Secretário Para a Economia e Finanças, no prazo de quinze dias a contar da notificação do acto, e de recurso contencioso nos termos legais para Tribunal de 2ª instância, no prazo de trinta dias a contar da mesma notificação.
Com os melhores cumprimentos.
YYYYY
O Presidente do IPIM”
2. “INSTITUTO DE PROMOÇÃO DO COMÉRCIO E DO INVESTIMENTO DE MACAU
Parecer n.º 0628/Fixação de residência/2009/01R
Requerente - B
Pedido de fixação de residência relativo a quadros técnicos especializados - Renovação
Aplicável: Regulamento Administrativo n.º 3/2005
Despacho do Exm.º Sr. Secretário para a Economia e Finanças
Autorizo a proposta.
(Ass.: vide o original)
Aos 4/6/13
Parecer do Presidente da Comissão Executiva do IPIM
Exm.º Sr. Secretário para a Economia e Finanças,
Concordo com o teor do presente parecer. Dado que o requerente, durante o período de manutenção e renovação do direito de residência temporária, foi condenado, por conduzir sob a influência do álcool e violar as disposições da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de 3 meses de prisão, substituível por multa, emitiu-se uma opinião desfavorável ao pedido de renovação de residência temporária do requerente. Proponho, agora, que seja indeferido o respectivo pedido.
Ordem
Nome
Relação
1
B
Requerente
Submete-se o assunto à consideração de V. Exª.
O Presidente: ZZZZZ (ZZZZZ)
Aos 16 de Abril de 2013
(Ass.: vide o original)
(Carimbo: vide o original)
Parecer do Chefe do Gabinete Jurídico e de Fixação Residência
Concordo com a proposta.
AAAAA (AAAAA)
Director-Adjunto
Aos 16 de Abril de 2013
(Ass.: vide o original)
Assunto: Apreciação do pedido de autorização de residência temporária
Comissão Executiva:
1. Seguem-se os dados de identidade do interessado e o prazo proposto para a sua autorização de residência temporária (sic):
Ordem
Nome
Relação
Documento /Número
Prazo de validade do documento
Prazo de validade da autorização de residência temporária até
1
B
Requerente
Passaporte belga
EI3XXXXX
09/11/2015
09/10/2012
2. O requerente foi autorizado a fixar residência temporária em Macau, pela primeira vez, em 31 de Maio de 2010.
3. Para efeitos de renovação, o requerente apresentou os documentos comprovativos da relação contratual e outros relacionados, no sentido de provar que ele continua a desempenhar o mesmo cargo na mesma entidade, e que já procedeu, nos termos legais, à declaração/pagamento do imposto profissional:
Entidade empregadora: ...... COMPANY LIMITED
Cargo exercido: CAPTAIN
Vencimento: MOP$62.608,00
Prazo de contratação: Não indicado.
Em 19 de Junho de 2012, o requerente apresentou o pedido de renovação da autorização de residência temporária. Conforme o respectivo Certificado de Registo Criminal, verificou-se que o requerente desrespeitou as leis de Macau e que foi condenado, por conduzir sob a influência do álcool e violar as disposições da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de 3 meses de prisão, pena essa substituível por multa, à taxa diária de MOP$200,00, o que perfaz a multa global de MOP$18.000,00, sendo, aliás, obrigatório cumprir a pena de prisão aplicada no caso de não ser paga a multa nem esta substituída por trabalho. Além disso, pela referida conduta, o requerente foi ainda condenado na inibição de condução por 1 ano (vide o documento de fls. 8).
Ao abrigo do disposto no art.º 9.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003, aplicável ex vi o art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, para efeitos de concessão da autorização de residência deve atender-se, nomeadamente: “Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei”.
Dos factos constantes do documento acima referido já resultou comprovado o incumprimento pelo requerente das leis da RAEM. Com base nisso, foi realizada audiência escrita junto do requerente.
O interessado apresentou contestação escrita (cfr. fls. 24 a 27), apontando que os factos ilícitos supracitados ocorreram em 2009. Nessa altura, tendo consumido bebidas alcoólicas, ele não tinha consciência da gravidade do acontecimento, mas agora, está muito arrependido dos respectivos factos ilícitos, e já foi devidamente punido nos termos legais. Além disso, também se indicou que o requerente tem trabalhado na empresa onde presta funções actualmente a partir de 2008, exercendo, neste momento, funções relativamente importantes, a que se associa grande responsabilidade, além de que o requerente trabalha com zelo, sendo avaliado sempre como “bom” pela empresa onde trabalha. Ao mesmo tempo, o requerente alegou que os referidos factos ocorreram há muitos anos atrás, esperando, assim, que, desta vez, também fosse deferido o seu pedido de autorização de residência temporária.
Apesar de o interessado ter afirmado que o requerente assume o cargo de CAPTAIN na ...... COMPANY LIMITED com bom desempenho no trabalho, trata-se apenas de um perfil profissional. É que devido exactamente às exigências inerentes à sua profissão, o mesmo trabalhador deve ser sujeito a exigências mais elevadas.
Embora, conforme o requerente declarou, ele já esteja arrependido dos aludidos factos ilícitos, é inegável o seu incumprimento das leis da RAEM no período de manutenção e renovação do direito de residência temporária. O requerente, efectivamente, violou as leis de Macau, tendo a sua conduta ameaçado à segurança pública de Macau, daí que seja impossível emitir parecer favorável ao seu pedido de renovação da autorização de residência temporária.
Face ao exposto, o requerente, durante o período de manutenção e renovação do direito de residência temporária, violou as disposições da Lei do Trânsito Rodoviário por conduzir sob a influência do álcool. Apesar de ter sido condenado apenas em 3 meses de prisão, que era substituível por multa, nos termos do art.º 9.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003, aplicável ex vi o art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, não se deu parecer favorável relativo ao pedido do requerente. Assim sendo, proponho que seja indeferido o pedido de renovação da autorização de residência temporária do requerente.
Submete-se o assunto à apreciação superior.
A Técnica Auxiliar
CCCCC (CCCCC)
Aos 28/03/2013”
IV - FUNDAMENTOS
1. Objecto
O despacho recorrido negou ao recorrente a renovação de fixação de residência temporária na R.A.E.M., por considerar não estarem preenchidos os requisitos para tanto necessários e que estão elencados na alínea 1) do n.º 2 do art. 9º da Lei n.º 4/2003, que considerou aplicável ex vi do art. 23º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
Designadamente por, no registo criminal do Recorrente constar uma condenação numa pena de 3 (três) meses de prisão, substituída por multa e inibição de condução pelo período de 1 (um) ano, pela violação do disposto no n.º 1 do art. 90º da Lei n.º 3/2007 Lei do Trânsito Rodoviário.
O recorrente afirma que o acto impugnado incorreu em erro nos pressupostos de direito e nos pressupostos de facto, constitui venire contra factum proprium e viola o princípio da boa fé, o princípio da proporcionalidade e o princípio ne bis in idem, falando ainda de desrazoabilidade e injustiça em sede de alegações facultativas.
Não lhe assiste razão, como veremos.
2. Pressupostos de direito
O acto administrativo fundamentou-se, de direito, no art. 9°, n.º 2, al. 1), da Lei 4/2003,
- 1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
(…)
aplicável subsidiariamente por força do art. 23° do RA 3/2005, que manda atender para efeitos de concessão da autorização de residência, aos antecedentes criminais e comprovado incumprimento das leis da RAEM
- É subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau..
Sustenta o recorrente que a norma invocada no despacho em causa concede à Administração poderes para proceder à avaliação discricionária, deferindo ou indeferindo o requerimento, resultando claramente da literalidade do preceito que a Administração está habilitada ao exercício do seu poder discricionário para o efeito da concessão da autorização de residência.
Contudo, o que na prática se tem verificado, e o presente caso é disso exemplo, é que a Administração tem usado as prerrogativas que o citado artigo lhe atribui de forma rígida e no sentido da negação da autorização de residência, indo muito além da teleologia da norma.
Com efeito, a norma citada dispõe que «deve atender-se» a determinados aspectos, que elenca, em lugar algum diz a lei que verificado qualquer desses «aspectos» elencados deve ser recusada a pretensão do interessado. Atender-se a determinados aspectos significa que a Administração deve ponderá-los, na sua justa medida e proporção, não podendo significar que, na presença de qualquer dos aludidos «aspectos» esteja a Administração obrigada (vinculada) a negar o pedido que lhe é dirigido.
Sobre esta alegação, como bem diz a entidade recorrida “Não houve aplicação de norma que não fosse aplicável, nem falta de aplicação de norma que fosse de aplicação obrigatória - que o mesmo é dizer que não houve erro de direito. Gostaria o recorrente que os referidos poderes discricionários tivessem sido exercidos de forma que lhe fosse favorável, mas essa não é uma questão de erro de direito.”
Quanto à outra linha argumentativa motivadora da ilegalidade assacada, o que podemos dizer é que talvez fosse preferível, que a entidade recorrida para além da invocação desse fundamento fosse mais explícita, explicasse mais detalhadamente em que medida esse pressuposto - a referida condenação – abala os valores que devem presidir à autorização de residências e de permanâncias na RAEM.
Mas nada que não resulte do acto, que não seja ínsito a tal invocação, para além de ter sido expresso o acto na referência à violação das leis de Macau, à preservação dos superiores interesses - exigências mais elevadas -, às razões de segurança pública.
3. Pressupostos de facto
Também não ocorre erro nos pressupostos de facto, vindo manifestamente comprovada a previsão típica habilitante de forma a que a Administração tomasse a decisão que tomou, ou seja, a prática de crime, pelo qual foi condenado em pena de multa, em substituição da pena de prisão, apanágio da punição criminal.
Tal condenação está devidamente comprovada nos autos, mostra-se transitada e não nos coibimos até de transcrever excerto do douto parecer do MP, enquanto diz:
“Quanto aos pressupostos factuais da decisão e respeito da boa-fé a partir dos mesmos, matéria em que o recorrente gasta boa parte da sua argumentação, dir-se-á, telegraficamente, ser inequívoca (até por ser o próprio a reconhecê-la) a existência de sentença condenatória criminal, transitada em julgado, trânsito ocorrido apenas a 11/7/11, pelo que se revela perfeitamente compreensível que, aquando da concessão da autorização inicial (31/3/10), se não tenha levado em conta o ilícito em questão, pese embora o mesmo ter ocorrido a 18/3/09.
A lisura e legalidade do processo são, a tal propósito, evidentes, já que, como é óbvio, aquando da apreciação do inicial requerimento de autorização de residência, não constava ainda o antecedente criminal em questão no C.R.C. do visado, pelo que o não reporte do mesmo naquela decisão não é susceptível de envolver qualquer contradição, designadamente a que o recorrente pretende assacar, sendo que, nestes parâmetros, o poder discricionário foi exercido com reporte expresso à norma jurídica competente, inexistindo, consequentemente, qualquer erro de direito.”
4. Da pretensa violação do princípio de venire contra factum proprium e princípio da boa-fé
Entende o interessado que a Administração entrou em contradição e actuou de má-fé ao valorar em 4/6/2013, para efeitos de renovação da autorização de residência, um facto ilícito ocorrido em 18/3/2009, facto este que tinha ignorado aquando da concessão da autorização inicial, em 31/3/2010.
A esta questão já se mostra dada resposta em boa parte na transcrição acima efectuada.
Como se observa, quando o recorrente requereu pela primeira vez autorização de residência junto do IPIM o seu registo criminal estava ainda limpo, pelo que, não tendo, nessa altura, o órgão recorrido conhecimento do ilícito, não o poderia, logicamente, ter levado em conta. Não houve, portanto, qualquer contradição e nunca seria uma situação de venire contra factum proprium .
O abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.
Como refere Baptista Machado, 1o ponto de partida do venire é “uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também, no futuro, se comportará, coerentemente, de determinada maneira”, podendo “tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico”.
Ora, pode o recorrente afirmar seriamente que a Administração, em momento anterior, perante aquela conduta, a desprezou, para agora a valorar em termos excludentes do deferimento de autorização?
Seguramente que não.
5. Proporcionalidade, adequação e razoabilidade
Não pode deixar o recorrente de considerar que a Administração actuou dentro de poderes discricionários, tal como o afirma. Até porque se assim não fosse, se o referido pressuposto fosse condição sine qua non da decisão de indeferimento, isto é, se verificado tal pressuposto fáctico a Administração estivesse vinculada a indeferir o seu pedido de renovação de fixação de residência, então pouca margem lhe restaria para discutir a bondade do acto praticado.
A entidade recorrida actuou, no exercício .de poderes discricionários, sendo que tal exercício só fica sujeito a escrutínio judicial, em sede de recurso contencioso, nos casos extremos em que haja "total desrazoabilidade" (CPAC, art. 21º, n.º 1, d).
Convirá rememorar, a propósito da discricionariedade, alguns conceitos, acolhendo a lição de Freitas do Amaral2:
“Em rigor, não há actos totalmente vinculados, nem actos totalmente discricionários. Todos os actos administrativos são em parte vinculados e em parte discricionários. Assim, quando na linguagem corrente se fala em actos vinculados, está-se no fundo a pensar em actos predominantemente vinculados (ou então está-se a pensar nos aspectos em que tais actos são vinculados); e quando se fala em actos discricionários, está-se no fundo a pensar em actos predominantemente discricionários (ou então está-se a pensar nos aspectos em que tais actos são discricionários)
(...)
Para haver discricionariedade é necessário que a lei atribua à Administração o poder de escolha entre várias alternativas diferentes de decisão, quer o espaço de escolha esteja apenas entre duas decisões contraditoriamente opostas (v.g., conceder ou não uma autorização), quer entre várias decisões à escolha numa relação disjuntiva (v. g., nomeação de um funcionário para um determinado posto de uma lista nominativa de cinco).”
E tal escolha será livre?
Responde aquele Autor da seguinte forma:
“Porém, hoje, reponderando a questão, entendemos que se deve responder negativamente à questão posta.
Efectivamente, o processo de escolha a cargo do órgão administrativo não está apenas condicionado pelo fim legal – em termos de se poder afirmar serem indiferenciadamente admissíveis à face da lei todas as soluções que o respeitem. A realidade dos nossos dias demonstra, antes, que tal processo é ainda e sobretudo condicionado e orientado por ditames que fluem dos princípios e regras gerais que vinculam a Administração Pública (designadamente, igualdade, proporcionalidade e imparcialidade), estando assim o órgão administrativo obrigado a encontrar a melhor solução para o interesse público – demonstra, noutros termos, que o poder discricionário não é um poder livre, dentro dos limites da lei, mas um poder jurídico.
Em sentido próximo, diz Vieira de Andrade, na esteira de Rogério Soares, que «a discricionariedade não é uma liberdade (...), mas sim uma competência, uma tarefa, corresponde a uma função jurídica. A Administração não é remetida para um arbítrio, ainda que prudente, não pode fundar na sua vontade as decisões que toma. A decisão administrativa tem de ser racional, porque não pode ser fruto de emoção ou capricho, mas, mais que isso, tem de corresponder à solução que melhor sirva o interesse público que a lei determinou. A discricionariedade não dispensa, pois, o agente de procurar uma só solução para o caso: aquela que considere, fundadamente, a melhor do ponto de vista do interesse público».
Em suma, na discricionariedade, a lei não dá ao órgão administrativo competente liberdade para escolher qualquer solução que respeite o fim da norma, antes o obriga a procurar a melhor solução para a satisfação do interesse público de acordo com princípios jurídicos de actuação.”
Para salientar ainda que certas situações que antes considerava ser de discricionariedade imprópria (tais situações eram três: a liberdade probatória, a discricionariedade técnica e a justiça burocrática) – em geral, aquelas em que um poder jurídico conferido por lei à Administração houvesse de ser exercido em termos tais que o seu titular não se devia considerar autorizado a escolher livremente entre várias soluções possíveis, mas antes era obrigado a procurar a única solução adequada que o caso comportava – representavam exemplos de verdadeira autonomia por parte da Administração, entende agora que a Administração pode exorbitar dos seus poderes e sair abertamente do campo da discricionariedade para entrar no da pura e simples ilegalidade, motivo por que o tribunal administrativo pode anular a decisão tomada pela Administração – embora não possa nunca substituí-la por outra que repute mais adequada. Pelo que as hipóteses de erro manifesto de apreciação correspondem, dogmaticamente, a situações de desrespeito do princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação.
Face a isto, que dizer? No caso sub judice estamos perante uma situação em que cabia à Administração escolher uma conduta condicionada ao preenchimento de um pressuposto aferidor da possibilidade de permanência que se mostra verificado – condenação criminal –, dele resultando claramente a finalidade de salvaguarda dos interesses imanentes a um condicionamento de tal índole.
Pode-se dizer – o recorrente não deixa de o afirmar, pelo menos implicitamente – que esse fundamento se mostra desproporcionado aos fins em vista, ou seja, que uma condenação numa pena de multa, para mais decorrido tanto tempo, não põe em causa os valores que urge preservar na admissão de não residentes ao convívio com a sociedade da RAEM.
Pode ser matéria discutível, mas não em termos afrontosos, manifestos, de desproporcionalidade gritante.
Uma ideia de desproporcionalidade prende-se com a falta de conformidade e adequação da medida em função de uma gradação de opções possíveis, em função de diferentes graus de grandeza, opções que aqui apenas seriam a de deferir ou indeferir, pelo que não se vê como em bom rigor se possa falar em desproporcionalidade. A outra opção possível seria então o deferimento da permanência, mas a querer-se ponderar aquele factor, também não seria possível nessa óptica graduar fosse o que fosse.
A questão transpor-se-á então mais para a adequação daquele pressuposto em preencher a previsão ínsita aos valores que devem ser prosseguidos com os actos de autorização de permanências na RAEM.
Insurge-se o recorrente, porquanto há um desvirtuamento na invocação dessa condenação que não teria a virtualidade de pôr em causa os fins que devem presidir à tomada de decisão na matéria em causa – permanência de não residentes na RAEM
Diz até que a considerar-se como válida essa motivação, então, qualquer violação das leis da RAEM serviria de fundamento á denegação de tais pretensões.
Mais, uma condenação em multa, por um ilícito estradal não teria a virtualidade de poder valer como obstáculo a tal permanência, por falta de gravidade inerente ao acto praticado.
Bom, sobre isto diremos apenas que é o legislador que erige a não observância das leis de Macau como fundamento para a denegação de tais pedidos.
Depois, o próprio exemplo dado pelo recorrente contra ele se vira, já que admite que uma condução sob o efeito do álcool, para mais quando tipificada até como conduta criminal, não deixa de ser manifestamente mais gravosa do que uma violação de uma lei de estacionamento de veículos. Este tipo de raciocínio levar-nos-ia longe, sempre sendo possível configurar violações de leis da RAEM muito menos e muito mais graves. Pensemos em condutas como a da travessia fora de uma passadeira de peões, ou a de deitar um papel fora do caixote do lixo, contrapostas à autoria de pertença a uma associação de malfeitores com prática de raptos e homicídios.
Somos nós, Tribunal, que vamos dar conteúdo e expressão à gravidade da conduta aferidora da violação dos bens e valores que à Administração cabe promover e tutelar, flutuantes até de acordo com as diferentes necessidades sociais que em cada momento se façam sentir, cometendo-lhe o legislador os necessários poderes para o efeito?
Entra-se assim num domínio em que não cabe mais aos Tribunais sindicar a actuação da Administração, competindo a esta fazer um juízo baseado na sua experiência e nas suas convicções, que não é determinado, mas apenas enquadrado por critérios jurídicos, em que o espaço de conformação da Administração não se cinge à fixação dos efeitos da decisão, antes se alarga igualmente à determinação das próprias condições da decisão considerados na perspectiva do interesse público.3
De todo o modo, no caso em apreço, não se deixa de descortinar a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.4
Na verdade, a jurisprudência dos tribunais superiores da RAEM tem sido unânime, no entendimento de que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade só deve ter lugar quando as decisões administrativas, de modo intolerável, o violem.5
6. Da pretensa violação do princípio ne bis in idem
Ainda aqui não lhe assiste razão.
Como se viu, em termos de decisão administrativa, a entidade recorrida ou outra nunca anteriormente valorou negativamente, contra os interesses do recorrente, tal facto.
Em termos criminais, trata-se de uma valoração que deve jogar a níveis diferentes, nada obstando que esses factos possam ser valorados em instâncias diferentes, se diferentes são os fins prosseguidos por órgãos diferentes.
Para além de que em bom rigor um indeferimento de permanência não pode ser nunca concebido como uma sanção: aquela é uma medida desfavorável aplicada, por iniciativa de um poder público, pela prática de um ilícito criminal; esta é uma situação desfavorável a uma pretensão, ainda que se traduza no sacrifício de um interesse enquanto frustração de uma dada expectativa.
Aliás, quanto à relevância dos antecedentes criminais na conformação do pressuposto integrante da previsão típica de decisões administrativas, pode ver-se a jurisprudência dominante deste Tribunal.6
Acresce ainda que o recorrente invoca o facto de o respectivo registo criminal não apresentar actualmente qualquer registo de infracção, mas tal é irrelevante para o caso, pois o que releva aqui é a ponderação de um facto que ocorreu e se mostra incontornável na avaliação que dele a Administração possa fazer.7
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
Custas pelo recorrente, com 6 UC de taxa de justiça
Macau, 3 de Julho de 2014
Presente (Relator) Vítor Manuel Carvalho Coelho João A. G. Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
1 - Obra Dispersa, I, 415 e ss.
2 - Curso de Dto Administrativo, 2002, 78 e segs
3 - Freitas do Amaral, ob. cit., 111 e 112
4 - João Caupers, in Int. ao Dto. Administ., 2001, 80
5 - Acs do TUI, Proc. n.º 32/2013 de 31/7/2013; Proc. n.º 38/2012, de 1/7/.2012
6 - Ac. TSI de 24/4/2003, proc. 107/2001 e de 7/5/2003, proc. 167/2002
7 - Ac. do TUI, Proc. n.º 76/2012, de 14/12/2012.
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539/2013 1/30