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Processo nº 775/2010-A


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

Notificado do Acórdão deste TSI proferido em 29MAIO2014, o Autor A, mediante o requerimento datado de 11JUN2014, veio arguir a nulidade desse Acórdão por omissão de pronúncia sobre a matéria que este TSI deveria ter apreciado, pedindo a declaração da nulidade do Acórdão nessa parte e o conhecimento dos pedidos referentes às diferenças salariais e horas extraordinárias peticionadas por ele na petição inicial, nos termos seguintes:

A, Recorrente nos autos à margem identificados, notificado do Acórdão n.º 755/2010, de 29 de Maio de 2014, nos termos do disposto nos artigos 633.º e 571.°, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil de Macau, ex vi artigo 1.° do Código de Processo de Trabalho, vem arguir a nulidade do mesmo, na parte em que não se pronunciou sobre as diferenças salariais e horas extraordinárias reclamadas pelo Recorrente, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
I. Do vício e da nulidade do Acórdão
  Salvo o devido respeito por diferente opinião, o Acórdão de 29 de Maio de 2014, notificado ao Recorrente em 5 de Junho de 2014, na parte em que não se pronunciou sobre as diferenças salariais e horas extraordinárias reclamadas pelo Recorrente é nulo, porquanto se tratam de créditos peticionados pelo Recorrente que não foram objecto de conhecimento por parte do Tribunal de Primeira Instância, porque prejudicados pela solução dada à acção intentada pelo Autor, mas cujo conhecimento se "impunha" (leia-se, se "justificava") pelo Tribunal de Segunda Instância, nos termos da regra de substituição constante do artigo n.º 630.°, n.º 2 do Código de Processo Civil, tal qual tem vindo a ser decidido por este mesmo Tribunal, em processos similares ao presente e relativamente a ex-colegas de trabalho do Recorrente1.
  Mais detalhadamente.
  Resulta "provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a C Limitada, foram acordadas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidas pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela C Limitada e a serem afectados ao serviço da Re2" .
  Mais. se provou que "o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela C Limitada e afectados ao serviço da Ré3" e que "in casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a C Limitada., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré (...) e reunidos assim todos os requisitos legais previstos no artº437°/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor4".
  Mais entendeu o douto Acórdão que "(...) face ao disposto no artº 630°/2 do CPC, "se o Tribunal recorrido não tiver conhecido de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o Tribunal de Segunda Instância, se entender que o recurso procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.
  A situação hipotética prevista na norma é precisamente o que sucede neste caso”5.
  Não obstante, a douta decisão acabou por não conhecer, nem se pronunciar, sobre todos os pedidos formulados pelo Recorrente, porquanto terá entendido que "para além do descanso semanal as demais quantias peticionadas" cuja análise ficou prejudicada pelo Tribunal a quo se referiam tão-só aos subsídios de alimentação e de efectividade reclamados pelo Autor, ora Recorrente.
  Não pode, porém, o ora Recorrente estar de acordo com tal entendimento, porquanto as "demais quantias peticionadas" não se referem apenas e tão-só ao subsídio de alimentação e ao subsídio de efectividade, mas antes a todos os créditos formulados pelo Autor na Petição Inicial tendo por base o Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a Ré e a C Limitada, e onde se incluem os pedidos relativos a diferenças salariais e a horas extraordinárias.
  Neste sentido, tendo o Tribunal ad quem revogado a decisão proferida pelo Tribunal a quo - com fundamento em que o contrato celebrado entre a Ré e a C Limitada é um contrato a favor de terceiro e portanto fixa o mínimo das condições remuneratórias no contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré"6- deveria o douto Acórdão ter apreciado e se pronunciado sobre a totalidade dos pedidos formulados pelo Autor e, em concreto, os resultantes de diferenças salariais e horas extraordinárias e cuja matéria relevante consta das alíneas 1) a x) da factualidade dada por assente.
  Ao não ter procedido deste modo - salvo respeito por melhor opinião - o douto Acórdão não se pronunciou sobre matéria que deveria ter apreciado e, nesta parte7, enferma de nulidade, nos termos do disposto no artigo 571.°, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil de Macau, o que desde já e para os legais efeitos se invoca, devendo ser substituído por outro que se pronuncie de forma integral sobre os créditos laborais reclamados pelo Recorrente, tal qual tem sido prática constante e reiterada do douto Tribunal de Segunda Instância em Processos similares ao presente.
Nestes termos e nos de mais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas, deve o Acórdão ser julgado nulo - na parte em que não se pronunciou sobre as diferenças salariais e horas extraordinárias reclamadas pelo Recorrente, porquanto se trata de matéria que deveria ter sido conhecida pelo douto Tribunal ad quem e, em consequência, deve ser substituído por outro que atenda de forma integral aos créditos laborais reclamados pelo Recorrente, assim se fazendo acostumada Justiça.

Então apreciemos.

É verdade que o Tribunal a quo considerou prejudicado o conhecimento dos pedidos sobre as demais quantias, incluindo nelas a diferença salarial e a de horas extraordinárias, com fundamento de que “o contrato celebrado entre a Ré e a C não produz qualquer efeito na relação laboral contratada entre o Autor e a Ré.”.

Nesta conformidade, tem a razão o Autor e nestas circunstâncias, este Tribunal de recurso deve substituir-se ao Tribunal a quo conhecendo das questões que foram consideradas prejudicadas pela solução adoptada na sentença recorrida, face ao disposto no artº 630º/2 do CPC, à luz do qual “se o tribunal recorrido não tiver conhecido de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o Tribunal de Segunda Instância, se entender que o recurso procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.”.

É de portanto declarar a nulidade do nosso Acórdão datado de 29MAIO2014 na parte que não conheceu dos pedidos referentes à diferença salarial e à de horas extraordinárias e passemos então a conhecer aqui os mesmos pedidos.

Ora, o Autor pede a diferença entre o valor do salário e da compensação pelo trabalho prestado em horas extraordinárias efectivamente pagos pela Ré ao longo da relação de trabalho entre ele e a Ré e o valor que deveria ter recebido, a título de salário e da compensação pelo trabalho prestado em horas extraordinárias de acordo com o estipulado no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a C Limitada, que é por nós qualificado um contrato a favor a terceiro.

Tendo em conta os seguintes segmentos da matéria de facto provada relativamente a cada um dos períodos de tempo, devem registar-se as diferenças remuneratórias nos termos seguintes:
c) Desde 1992, a Ré celebrou com a C Lda., os «contratos de prestação de serviços»: n.° 9/92, de 29/06/1992; nº 6/93, de 01/03/1993; nº 2/94, de 03/01/1994; nº 29/94, de 11/05/1994; nº 45/94, de 27/12/1994;
……
e) Do contrato referido em D) cuja cópia está a de fls. 33 a 38 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, ……, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau;
……
l) Entre Abril de 1995 e Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1,500.00;
Relativamente a este período, o Autor é credor da quantia de MOP$7.200,00, resultante da fórmula (MOP$2.700,00-MOP$1.500,00) X 6 meses.

m) Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,700.00 mensais;
Relativamente a este período, o Autor é credor da quantia de MOP$21.000,00, resultante da fórmula (MOP$2.700,00-MOP$1.700,00) X 21 meses.

n) Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,800.00 mensais;
Relativamente a este período, o Autor é credor da quantia de MOP$8.100,00, resultante da fórmula (MOP$2.700,00-MOP$1.800,00) X 9 meses.

o) Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais;
Relativamente a este período, o Autor é credor da quantia de MOP$58.100,00, resultante da fórmula (MOP$2.700,00-MOP$2.000,00) X 83meses.

p) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00 mensais;
Relativamente a este período, o Autor é credor da quantia de MOP$7.200,00, resultante da fórmula (MOP$2.700,00-MOP$2.100,00) X 12meses.

q) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00 mensais;
Relativamente a este período, o Autor é credor da quantia de MOP$4.120,00, resultante da fórmula (MOP$2.700,00-MOP$2.288,00) X 10 meses.

r) Entre Abril de 1995 e Junho de 1997 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8.00 por hora;
s) Entre Julho de 1997 e Junho de 1999 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora;
t) Entre Julho de 1999 e Junho de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora;
u) Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10.00 por hora;
v) Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.00 por hora;
w) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 por hora.
x) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.50 por hora.
……
z) Entre Abril de 1995 e Junho de 1999, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia;
aa) Entre Abril de 1995 e Junho de 1999, o Autor prestou 4 horas de trabalho extraordinário por dia;
Relativamente ao período compreendido entre ABR1995 e JUN1997, o Autor é credor da quantia de MOP$10.699,00, resultante da fórmula (MOP$90,00/8-MOP$8,00) X 4 horas X 823 dias; e
Relativamente ao período compreendido entre JUL1997 e JUN1999, o Autor é credor da quantia de MOP$5.694,00, resultante da fórmula (MOP$90,00/8-MOP$9,30) X 4 horas X 730 dias.

bb) Entre 01.07.1999 e 30.06.2002 o A. prestou 2455 horas de trabalho extraordinário;
Relativamente a este período, o Autor é credor da quantia de MOP$4.787,25, resultante da fórmula (MOP$90,00/8- MOP$9,30) X 2455 horas.

cc) Entre 01.07.2002 e 31.12.2002 o A. prestou 432 horas de trabalho extraordinário;
Relativamente a este período, o Autor é credor da quantia de MOP$540,00, resultante da fórmula (MOP$90,00/8- MOP$10,00) X 432 horas.

dd) Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005 o A. prestou 1811.5 horas de trabalho extraordinário;
Relativamente a este período, o Autor é credor da quantia de MOP$452,88, resultante da fórmula (MOP$90,00/8- MOP$11,00) X 1811,5 horas.

ee) Entre 01.03.2005 e 28.02.2006 o A. prestou 295 horas de trabalho extraordinário;
Relativamente a este período, ao Autor não é devida qualquer quantia por ter recebido a quantia de MOP$11,30/hora, superior à quantia da sua remuneração por hora que é MOP$90,00/8=MOP$11,25.

ff) Entre 01.03.2006 e 31.12.2006 o A. prestou 522 horas de trabalho extraordinário;

Relativamente a este período, ao Autor não é devida qualquer quantia por ter recebido a quantia de MOP$11,50/hora, superior à quantia da sua remuneração por hora que é MOP$90,00/8=MOP$11,25.

Tudo visto, resta decidir.

Pelo exposto, acordam em julgar procedente a arguição da nulidade do Acórdão datado de 29MAIO2014, declarando nulo o Acórdão na parte que conheceu dos pedidos referentes à diferença salarial e à da compensação pelo trabalho prestado em horas extraordinárias e passando a reformular a parte dispositiva do Acórdão nos seguintes termos:

“Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor A passando a condenar a Ré B Limitada, a pagar ao Autor a soma das seguintes quantias, com juros legais calculados de acordo com a forma definida pelo TUI no seu douto Acórdão de 02MAR2011, tirado no processo nº 69/2010:

* MOP$18.630,00, a título de compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal e compensação do descanso compensatório;

* MOP$72.060,00, a título de subsídio da alimentação;

* MOP$56.520,00, a título de subsídio da efectividade;

* MOP$105.720,00, a título da diferença remuneratória do salário; e

* MOP$22.173,13, a título da diferença remuneratória da compensação pelo trabalho prestado em horas extraordinárias.


Custas pelo Autor recorrente e pela Ré recorrida, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido ao Autor.”

Sem custas do presente incidente da arguição das nulidades.

Registe e notifique.

RAEM, 11SET2014
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
1 Cfr. neste exacto sentido, os Acórdãos n. º 66/2010 e n.º 69/2010, ambos de 23/07/2011 (Relator: Dr. Lai Kin Hong). Em sentido próximo, procedendo igualmente à análise integral dos créditos laborais reclamados pelos Recorrentes em Processos similares aos presentes autos, vd., entre outros, os Acórdãos n.º 774/2010, de 19/05/2011 (Relator: Dr. Cândido Pinho); n.º 778/2010, de 09/06/2011 (Relator: Dr. Gil de Oliveira); n.º 777/2010, de 10/11/2011 (Relator Dr. Ho Wai Neng).
2 Cfr. pág. 23 do douto Acórdão.
3 Cfr. Ibidem.
4 Cfr. pág. 24 do Acórdão.
5 Cfr. pág. 29, negritos do Recorrente.
6 Cfr. pág. 30, negritos e sublinhados do Recorrente.
7 Isto é, na parte em que não foram apreciados os créditos laborais reclamados pelo Recorrente a título de diferenças salariais e horas extraordinárias.
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Ac. 775/2010-A-1