Processo nº 445/2014 Data: 18.09.2014
(Autos de recurso penal)
Assuntos : “Excesso de velocidade”.
Ponte “Sai Van”.
Motociclo.
SUMÁRIO
1. O limite de velocidade para motociclos na Ponte “Sai Van” é de 60 km/h.
2. Provado estando que o motociclo circulava a 101 km/h, em causa está a contravenção ao art. 98°, n.° 6, al. 2) (e não al. 1) da Lei n.° 3/2007, pois que o “excesso de velocidade” em causa é superior a 30 km/h (sobre aquele limite de 60 km/h).
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 445/2014
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Em processo contravencional e à sua revelia respondeu A, com os restantes sinais dos autos, vindo a ser condenado pela prática, como autor, de uma contravenção (por “excesso de velocidade”) p. e p. pelo art. 98°, n.° 6, al. 2) da Lei n.° 3/2007 (“Lei do Trânsito Rodoviário”), na pena de multa de MOP$6.000,00 ou, 10 dias de prisão subsidiária e na pena acessória de 8 meses de inibição de condução; (cfr., fls. 19 a 20-v).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para a final imputar à decisão recorrida o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”; (cfr,. fls. 25 a 28).
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Respondendo diz o Ministério Público que houve “erro na aplicação da lei”, sendo que a contravenção cometida é a do art. 98°, n.° 6, al. 1) (e não n.° 2), da Lei n.° 3/2007; (cfr., fls. 30 a 31).
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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Nos termos do n° 1 do art° 31°, LTR, "Sem prejuízo da fixação, através de sinais adequados, de limites máximos ou mínimos de velocidade nas vias em que as condições de trânsito o aconselhem, os veículos estão sujeitos aos limites máximos genéricos previstos em diploma complementar" acrescentando o n° 2 do mesmo normativo que se considera excessiva a velocidade "sempre que o condutor ultrapasse os limites máximos de velocidade referidos no número anterior".
Por sua banda, o Regulamento da Ponte Sai Van (R.A. 21/2005) dispõe expressamente no art° 5°, n° 1 que "Os veículos em circulação na Ponte de Sai Van ficam sujeitos aos limites de velocidade máxima e mínima, respectivamente de ...", sendo que, no que toca aos motociclos, a velocidade máxima permitida se encontra actualmente estabelecida no Aviso n° 2091/2014 de 4/8/14 da DSAT, em 60 km/hora.
Serve isto por dizer que o controle de velocidade legalmente permitida na ponte em causa não é, presentemente, aferido em função apenas daquela via, mas também do tipo de veículo, estabelecendo-se diferentes limites máximos para os motociclos e para os restantes veículos motorizados
No caso, a situação apresenta contornos curiosos: é que, pelos vistos, o recorrente foi detectado a circular em velocidade excessiva na referida ponte, em local indevido, fora da pista própria dos motociclos, isto é, na faixa própria dos restantes veículos, onde a velocidade máxima permitida é, nos termos da al 1) do n° 1 do art° 5° do Regulamento referido, de 80/Km/hora e daí, quiçá, terem as entidades policiais concluído que a integração jurídica operada no auto de notícia (al 2) do n° 6 do art° 98°, LTR) seria indevida, rectificando para a al 1) do mesmo normativo.
Não nos parece.
Como já se frisou, pelo escrutínio das diversas disposições legais atinentes à circulação de motociclos na ponte em questão, deverá, presentemente, atender-se, na fixação da velocidade máxima consentida, ao tipo de veículo (motociclos ou outros), que não exclusivamente à faixa onde os mesmos circulam.
Se, como é o caso, os motociclos forem detectados a circular fora da faixa própria para o efeito, em excesso de velocidade, tal apenas deverá significar que, para além de tal excesso (com base nos limites fixados para os motociclos, isto é, 60Km/hora), se deveria ter autuado o prevaricador pela indevida circulação em faixa não permitida.
Tudo isto, sob pena de, caso contrário, o mesmo se ver indevida e duplamente beneficiado, "disfrutando ", por um lado, de um limite de velocidade máxima superior aos restantes motociclistas e vendo, por outro, impune o uso indevido da faixa de rodagem onde foi detectado.
Donde, afigurar-se-nos bem ter agido o tribunal "a quo ", na esteira do auto de notícia apresentado, quanto à integração operada integração jurídica operada, já que, tendo como base o limite máximo de velocidade permitido no caso, de 60Km/hora e a velocidade a que o recorrente circulava, a mesma ultrapassava em mais de 30Km aquele máximo.
Daí que se nos afigure ser de manter o decidido, negando-se provimento ao presente recurso”; (cfr., fls. 62 a 64).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
2. Vem o arguido dos autos recorrer da sentença que o condenou nos termos atrás explicitados – pela prática, como autor, de uma contravenção (por “excesso de velocidade”) p. e p. pelo art. 98°, n.° 6, al. 2) da Lei n.° 3/2007 – afirmando (fundamentalmente e em síntese) que após a prolacção da dita sentença remeteu o C.P.S.P. aos autos um ofício reconhecendo erro no expediente que deu origem ao processo, e daí, concluindo que “por causa do erro na disposição de condenação citada pelo CPSP, a sentença recorrida enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto supervenientemente provada, de erro notório na apreciação da prova identificado mais tarde pelo ofício do CPSP, que provocam a nulidade da sentença em causa”, considerando ainda que, “por isso, sendo nula a parte recorrida da sentença, é de proferir nova sentença com base nas provas agora existentes, ou remeter o processo para ser novamente julgado”; (cfr., conclusões 2ª a 5ª, a fls. 28).
E, perante o assim exposto, o que dizer?
Pois bem, necessário não parecendo de aqui explanar-se desenvolvidamente sobre o sentido e alcance dos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova” – e que, essencialmente, tem sido entendidos, aquele, como a “falta de pronúncia do Tribunal em relação a matéria objecto do processo”, e este último, na “violação das regras sobre o valor das provas tarifadas, regras de experiência e legis artis”; (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 24.07.2014, Proc. n.° 311/2014) – mostra-se de consignar desde já que estes mesmos vícios são erros típicos, (próprios), da “decisão da matéria de facto” e não do seu (posterior) “enquadramento jurídico-penal”.
Daí que, (e se bem entendemos), se nos afigure de considerar que labora o ora recorrente em (evidente) equívoco quando afirma que “por causa do erro na disposição de condenação citada pelo CPSP, a sentença recorrida enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto supervenientemente provada, de erro notório na apreciação da prova identificado mais tarde pelo ofício do CPSP, que provocam a nulidade da sentença em causa”, (cfr., concl. 4ª).
Com efeito, e para além do demais, se em sede (de processo penal, como é o nosso caso, e quanto ao poder de investigação) da “matéria de facto” se possa defender que tem o Tribunal (certos) limites, dúvidas não existe que o mesmo não sucede na “aplicação do direito”.
Mal – muito mal… – andaríamos se assim fosse…
E então, voltando à questão pelo recorrente colocada, cabe ver se houve efectivamente “erro na decisão da matéria de facto”, ou se, diversamente, padece a decisão recorrida de “vício no seu enquadramento jurídico-penal”, ou seja, na sua qualificação.
Ora, sobre tal questão, (que em bom rigor, não deixa de ser uma “falsa questão”), mostra-se-nos de subscrever, na íntegra, a opinião do Ilustre Procurador Adjunto do Ministério Público que, de forma cristalina, dá cabal resposta à preocupação do ora recorrente.
Com efeito, provado estando que o motociclo seguia a “101 km/h na Ponte Sai Van”, e certo sendo que a velocidade máxima nesta via é de 60 km/h para tal tipo de veículos, evidente é também que em causa está a contravenção ao art. 98°, n.° 6, al. 2) (e não n.° 1) da Lei n.° 3/2007, pois que o “excesso de velocidade é (…) superior a 30 km/h sobre os limites impostos”.
Porém, atenta a factualidade dada como provada, outro aspecto, justifica uma breve nota.
É que a matéria de facto apenas relata que “no dia 16.11.2013, o motociclo com a matrícula ML-XX-XX circulava a 101 km/h na via de trânsito do lado do mar em sentido Taipa-Macau na Ponte de Sai Van, (excedendo o limite máximo de velocidade fixado pela Lei do Trânsito Rodoviário)”, (segmento este manifestamente conclusivo), e que, “o transgressor A é proprietário do motociclo com a matrícula ML-XX-XX”.
E, nesta conformidade, cabe indagar se é esta matéria suficiente para a prolatada condenação do ora recorrente pela prática, como autor, de uma contravenção (por “excesso de velocidade”) p. e p. pelo art. 98°, n.° 6, al. 2) da Lei n.° 3/2007.
Cremos que afirmativa é a resposta.
De facto, prescreve o art. 132° da L.T.R. que:
“1. Quando o agente de autoridade não puder identificar o autor da contravenção, deve ser notificado o proprietário, o adquirente com reserva de propriedade, o usufrutuário ou aquele que, a qualquer título, tenha a posse efectiva do veículo para, no prazo de 15 dias, proceder a essa identificação ou efectuar o pagamento voluntário da multa.
2. O notificado que, no prazo indicado, não proceder à identificação nem provar a utilização abusiva do veículo é considerado responsável pela contravenção”.
E, constatando-se dos autos que o ora recorrente, proprietário do veículo em causa, foi efectivamente notificado e nem sequer alegou a “utilização abusiva do veículo”, (o mesmo sucedendo em sede do presente recurso, em que também não contesta a autoria da infracção que lhe foi imputada), mais não é preciso dizer para se confirmar a sentença recorrida.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o recorrente 4 UCs de taxa de justiça.
Ao Exmo. Defensor Oficioso, fixa-se, a título de honorários, o montante de MOP$1.500,00.
Macau, aos 18 de Setembro de 2014
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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