Processo nº 715/2010
Data do Acórdão: 11SET2014
Assuntos:
Firma
Princípio da verdade
Princípio da novidade
Concorrência desleal
Marca notória
Princípio da especialidade
Ampliação do pedido nas alegações de direito escritas
Direito ao nome
SUMÁRIO
1. Quando a firma de fantasia consistir em palavras que têm algum significado semântico, só está em causa o princípio da verdade se a firma é susceptível de sugerir alguma coisa quanto à identidade do empresário individual que a adopta e à natureza, dimensão ou actividades do seu titular.
2. Por força do princípio da novidade, é preciso que a firma seja distinta de outras já registadas, de modo a evitar a confusão ou erro pelo público com as já registadas, no mesmo âmbito de exclusividade.
3. O artº 8º da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial destina-se a, por um lado, acautelar os interesses dos titulares das firmas, em relação às quais que uma firma e outros sinais registandos podem apresentar semelhanças, de modo a evitar a violação do princípio da novidade e/ou a possibilidade de concorrência desleal, e por outro lado, impedir qualquer confusão ou erro que os sinais distintivos registandos podem criar nos consumidores com as aquelas firmas já registadas ou usadas.
Ora, como se sabe, a firma é um sinal distintivo que tem por função identificar comerciantes ou estabelecimentos comerciais na sua actividade económica.
Assim, o artº 8º da Convenção não deve ser interpretado no sentido de que faculta uma protecção que não exige a referida possibilidade de confusão ou erro, pois o efeito útil desta norma consiste justamente na equiparação das firmas estrangeiras não registadas no local onde a protecção é reclamada às firmas registadas nesse local.
Efectivamente é assim que deve ser feita a interpretação desse artº 8º da Convenção e que deve ser concretizada a regulamentação da protecção programada na Convenção na lei ordinária em cada um dos países ou regiões subscritoras da Convenção.
Pois, quer a Convenção quer o RJPI não visam evitar ou sancionar a simples imitação ou criação de confusão sem qualquer finalidade desonesta a elas subjacente e sem potencialidade de deslocar clientela, mas antes visam desempenhar uma função social de prevenir e reprimir condutas de deslealdade na concorrência através da imitação para induzir consumidores em erro e evitar potencialidade de deslocar ilegitimamente clientela independentemente da intenção.
4. A correcta interpretação do artº 16º do Código Comercial deve ser feita no sentido de que a adopção de uma firma viola o princípio da novidade quando essa firma constitua, no todo ou em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de uma marca notoriamente conhecida na RAEM, se o adoptante daquela firma pretender usá-la para a sua identificação nas actividades comerciais relacionadas com produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles que a marca notória visa marcar.
5. Para, ao abrigo do artº 82º/1, in fine, do Código Civil, exercer o direito de se opor o uso de outrem do seu nome, ao seu titular cabe não apenas demonstrar o uso do nome por outrem, é ainda preciso demonstrar a antijuridicidade desse uso.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 715/2010
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV1-07-0048-CAO, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi afinal proferida a seguinte sentença:
RELATÓRIO
AAA J. BBB, empresário com sede nos Estados Unidos da América, intentou a presente acção comum sob a forma ordinária contra BBB Companhia Limitada, em chinês BBB 有限公司 e em inglês BBB Company Limited, alegando, em síntese, que a R. adoptou a firma ou denominação comercial “BBB Companhia Limitada”, tendo operado uma cópia servil do nome pessoal, da marca e do nome do negócio do A., apresentando este como empresário, personalidade televisiva, autor e executivo de topo no mundo de negócios, apropriando-se ilegitimamente, em consequência disso, da reputação mundialmente conhecida daquele. Mais alegando que dado a notoriedade e o prestígio do nome, marca, produtos e serviços do A., o comportamento da R. não deixava de ser fraudulenta e ilegal, criando uma situação de confusão junto dos consumidores, que prejudicava o nome e a reputação do A., com isso vinha usufruir gratuitamente e de forma imoral do enorme investimento feito pelo A., pedindo, a final, que seja a presente acção julgada procedente e declarada a nulidade da firma “BBB Companhia Limitada”, em chinês “BBB 有限公司” e em inglês “BBB Company Limited”, usada pela R. na sua actividade comercial, ou subsidiariamente, seja anulada a referida firma, com todas as consequências legais, designadamente ordenando-se, em ambos os casos, o cancelamento do registo comercial daquela firma e à R. que destrua todo e qualquer placar, material, ou documentos que contenham a menção da firma nula ou anulada; mais pedindo que seja a R. condenada pela violação culposa e fraudulenta dos direitos exclusivos do A. ao nome e marcas objecto de protecção como marca industrial e logo protegido como direito de autor e por concorrência desleal e, em consequência, ordenado o imediato abandono do seu uso; bem como condenada a R. no pagamento de uma indemnização no valor de MOP$5.000.000,00, a título de danos não patrimoniais referentes à sua reputação, tudo melhor conforme a petição inicial de fls. 16 e seguintes.
*
Citada a R. para contestar, a mesma ofereceu contestação, tendo impugnado os factos articulados pelo A., e referiu que o A. não era empresário registado nem tinha qualquer actividade comercial na RAEM, pelo que não poderia ser vedada à R. a constituição da sua sociedade tendo em vista os fins da sua actividade comercial. Mais alegou que caso o A. quisesse gozar da protecção, deveria seguir os mecanismos legais, a saber, registar as suas actividades comerciais na RAEM, tudo melhor conforme a contestação de fls. 98 e seguintes.
Oportunamente elaborou-se o despacho saneador e foi seleccionada a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
*
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
FUNDAMENTOS
Face à prova produzida, resulta provada a seguinte matéria fáctica com interesse para a decisão da causa:
A 23 de Agosto de 2005, foi registada a sociedade denominada BBB Companhia Limitada, em chinês “BBB 有限公司” e em inglês “BBB Company Limited”, cujos sócios são C e por D.(A)
Tal sociedade está matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau com o número XXXX.(B)
A R. tem sede na XXXXXX.(C)
Em 16 de Novembro de 2006, foram registadas as aquisições das quotas dos sócios referidos em A) por E.(D)
Entre A. e R. não existe qualquer relação comercial ou negócios.(E)
O A. não autorizou a R. a usar e registar o seu nome.(1º)
O A. encontra-se no activo há mais de 40 anos.(2º)
A sede da R. situa-se em morada residencial.(4º)
O A. é um empresário, um executivo no mundo dos negócios.(5º)
É uma personalidade televisiva.(6º)
Sendo o nome de AAA BBB célebre nos USA.(7º)
O A. adoptou como sua marca e imagem o seu apelido BBB.(8º)
Este é a denominação das suas sociedades nas várias áreas de negócios em que actua.(9º)
Tal era do conhecimento da R. e seus sócios fundadores.(10º)
Ao adoptarem a denominação “BBB Companhia Lda.”, em chinês “BBB 有限公司”, a R. e os seus sócios fundadores estavam cientes de que estavam a fazer uma cópia da pré-existente marca.(11º)
A R. foi constituída quando um certo número de empresários e sociedades na área do jogo iniciaram a sua actividade em Macau.(12º)
Indústria em que o A. tem também certa reputação.(13º)
Estando envolvido na constituição e gestão de alguns casinos.(14º)
A R. não tem actividade nem porta aberta ao público até Agosto de 2008 e depois de Março de 2009.(15º)
O A. actua nas áreas da construção, hotéis e restaurantes, à excepção dos casinos, os quais operam sob o nome “BBB Entertainment Resorts”.(16º)
O A. adquiriu prestígio quando iniciou a construção de vários arranha-céus reconhecidos como projectos do próprio, edifícios com uma arquitectura muito especial associada ao seu nome – AAA BBB.(17º)
Tal prestígio aumentaram com a renovação do “Hotel F” pertencente ao grupo “G”.(18º)
E continuou com a construção da “BBB Tower” em Nova Iorque.(19º)
Seguiram-se-lhe a construção de inúmeros projectos residenciais, incluindo condomínios de luxo:
- em 2001, o A. concluiu a construção da “BBB World Tower”, um arranha-céus residencial de luxo com 72 andares oposto ao edifício das XXX;
- no mesmo ano, o A. iniciou a construção do “BBB Palace”, um empreendimento de multifunções, na margem do Rio Hudson;
- o A. também construiu o “BBB International Hotel and Tower”, uma torre com hotel e condomínio, no XXXX.(20º)
Após estes empreendimentos na área imobiliária, o A. expandiu a sua actividade e constituiu a empresa de viagens GoBBB.com.(21º)
A BBB Entertainment Resorts, Inc. é proprietária e gere três casinos em XXXX: “BBB Taj Mahal Casino Resort”, “BBB Plaza” – ambos localizados em XXXX – e “BBB Marina” no XXXX District.(22º)
Atenta a proeminência do nome BBB entre os empreendimentos imobiliários, os promotores pagam ao A. pelo privilégio de usar a denominação “BBB” nos seus projectos, embora por vezes o seu envolvimento em tais projectos se limite ao empréstimo do seu nome e/ou do seu empreendimento e a gestão dos mesmos.(23º)
A associação de BBB com empreendimentos imobiliários, também se estende ao campo universitário com a “BBB University”, empresa fundada pelo Sr. BBB em 2005, vocacionada para a formação em gestão de empresas.(24º)
O “BBB Institute” é uma empresa que providencia estágios e seminários nos campos do imobiliário e dos negócios.(25º)
Tal empresa foi fundada pelo A. em Janeiro de 2006.(26º)
O A. é o anfitrião do programa real televisivo L, em que um grupo de concorrentes batalham por um emprego do topo do quadro numa das empresas daquele.(27º)
Sendo o nome BBB levado a lares familiares por alguns países do mundo.(28º)
Tal programa televisivo real L foi retransmitido em Macau.(29º)
O A. é pouco conhecido em Macau, como autor, sendo os seus trabalhos dirigidos a alguns empresários e homens de negócios.(31º)
Sendo autor de:
- “BBB: The Art of the Deal” (ISBN XXXX);
- “BBB: The Art of Survival” (ISBN XXXX);
- “BBB: The Art of the Comeback” (ISBN XXXX);
- “BBB: Surviving at the Top” (ISBN XXXX);
- “BBB: How to Get Rich” (ISBN XXXX);
- “The Way to the Top: The Best Business Advice I Ever Received” (ISBN XXXX);
- “BBB: Think Like a Billionaire: Everything You Need to Know About Success, Real Estate, and Life” (ISBN XXXX);
- “BBB: The Best Golf Advice I Ever Received” (ISBN XXXX);
- “Why We Want You to be Rich: Two Men – One Message” (ISBN XXXX).(32º)
O A. e a H são comproprietários da “I Organization”, organizadora dos concursos de “I”, “J” e “K USA”.(33º)
Em 2005, o A. fundou a “BBB University”, uma instituição de formação em gestão de empresas.(34º)
Em 2006, o A. fundou o “BBB Institute”, uma instituição de educação individual.(35º)
O A. fundou a “BBB Mortgage”, uma firma financeira.(36º)
Em 2000, o A. constituiu “BBB Sales & Leasing”, uma firma de empréstimos para imóveis.(37º)
Em 2003, o A. constituiu “BBB Model Management”, uma agência de modelos.(38º)
*
Em sede do enquadramento jurídico, cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Em primeiro lugar, está em causa, nos presentes autos, a questão da firma.
A firma pode ter um conceito objectivo e outro subjectivo. Segundo o conceito objectivo, “a firma será um sinal distintivo do próprio estabelecimento comercial”, enquanto o conceito subjectivo, “a firma é um sinal distintivo do comerciante – o nome por ele adoptado no exercício da sua empresa” – in Lições de Direito Comercial, Vol I, Ferrer Correia, Universidade de Coimbra, 1973, p. 256 e 258.
O conceito subjectivo é o consagrado no direito de Macau, melhor dizendo, nos termos do disposto no artigo 14º, nº 1 do Código Comercial, onde se dispõe que “o empresário comercial é designado, no exercício da sua empresa, sob um nome comercial, que constitui a sua firma, e com ele deve assinar os documentos àquela respectivos”.
Assim, no nosso ordenamento jurídico, a firma é o nome do comerciante.
Num parecer elaborado pelo Professor José de Oliveira Ascensão, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1988, 4º-27, disse que “A firma em sentido amplo abrange quer a firma em sentido restrito, quer a denominação particular. Firma em sentido restrito ou firma-nome é aquela cujo núcleo distintivo é constituída por nomes de pessoas; caso contrário, é denominação particular, ou firma-denominação.”
Mais suscitou que a firma “é um bem imaterial, sobre o que recai um direito de exclusivo, de natureza patrimonial e susceptível de transmissão a terceiros. O titular da firma registada tem direito a que as novas firmas sejam completamente distintas, sem dependência de haver, ou não, potencialidade de prejuízos derivados do uso da nova firma. A adopção de firma que se não distingue da firma de um concorrente pode enquadrar-se na figura da concorrência desleal, suscitando uma situação de concurso de normas em relação às que tutelam a firma.”
No respeitante à constituição da firma, é aplicável o chamado princípio da verdade, nos termos do qual na composição da firma devem ser verdadeiros os elementos utilizados, e não induzir em erro sobre a identificação, natureza, dimensão ou actividades do seu titular.
Como diz o Professor Ferrer Correia, na obra supra citada, “segundo este princípio, a firma deverá corresponder à situação real a que respeita, não podendo conter elementos susceptíveis de a falsear ou de provocar confusão, quer quanto à identidade do empresário (tratando-se de comerciante em nome individual), quer quanto à identidade dos sócios (tratando-se de uma empresa colectiva), quer ainda quanto à natureza da sociedade e à índole ou ao âmbito do próprio estabelecimento” .
Contudo, são admissíveis, na sua composição, elementos que permitem à identificação pelo nome civil; pelo nome ou firma de um, alguns ou todos os sócios ou associados; por designações de fantasia; ou por meras expressões alusivas à actividade comercial desenvolvida ou a desenvolver, nos termos dos artigos 15º e 22º do Código Comercial de Macau.
Alega o A. que a firma adoptada pela R. enferme de nulidade ou anulabilidade por ter sido violado o princípio da verdade consagrado no artigo 15º do Código Comercial de Macau.
Salvo o devido respeito, não acompanho o entendimento do A.
No nosso ordenamento jurídico, são admissíveis firmas de fantasia, nos termos do artigo 22º do Código Comercial, salvo restrições consagradas no disposto no artigo 15º, cujo objectivo é para evitar a indução em erro ao público sobre a identificação, natureza, dimensão ou actividades do seu titular.
In casu, a R. adoptou uma designação de fantasia “BBB” na sua firma, e salvo melhor opinião em contrário, julgo que o uso da referida expressão é legalmente admissível, isto porque, por um lado, não se trata de um elemento característico que sugiram actividades diferentes da que o seu titular exerce ou se propõe exercer, nem se trata de expressão que possa induzir em erro quanto à caracterização jurídica do empresário, no que respeita ao uso por pessoas colectivas com fim lucrativo de expressões correntemente usadas para designação de organismos públicos ou de associações sem finalidades lucrativas.
Face às considerações acima descritas, dúvidas de maior não temos em considerar que a firma adoptada pela R. não constitui qualquer violação do princípio da verdade consagrada na lei.
*
Para além do princípio da verdade, a lei exige ainda que a firma não seja idêntica à firma registada de outra sociedade, ou tal forma semelhante que possa induzir em erro, isto é, deve ser distinta e insusceptível de confusão com as já registadas no mesmo espaço territorial de aferição.
O problema de confundibilidade das firmas prende-se com o princípio da novidade, que se destina, como disse o Professor Ferrer Correia, na mesma obra citada, “a assegurar às firmas a sua função diferenciadora, por forma a permitir a terceiros a fácil identificação dos comerciantes com quem pretendam entrar em relações negociais”, havendo “essa inconfundibilidade de ser aferida em relação ao conteúdo global da firma, com referência à diligência normal do homem médio”.
A possibilidade de confusão deve ser objectiva, pois a circunstância de, eventualmente, ter tido lugar por descuido ou ligeireza de qualquer cliente não é suficiente quando as firmas se encontram diferenciadas aos olhos de uma pessoa de diligência média. Na comparação entre as firmas, o juízo de distintibilidade deve ser feito em concreto perante o universo dos factores ponderáveis.
Por outro lado, uma vez atribuída uma firma a determinado empresário, dá ao seu titular o seu uso exclusivo em determinada circunscrição, por outras palavras, dentro da área em que o referido princípio tem eficácia, e no nosso caso, em Macau.
Em termos de direito constituído, prevê-se no artigo 16º, nº 1 do Código Comercial de Macau que “a firma deve ser distinta e insusceptível de confusão ou erro com qualquer outra já registada”.
A firma goza de protecção através do seu registo junto da competente Conservatória do Registo.
Usando as palavras do Professor Ferrer Correia, “o direito à firma não nasce do simples uso, mas apenas do registo, que reveste assim, nesta matéria, natureza constitutiva”, matéria que já vem regulada no disposto no artigo 20º do Código Comercial, onde se prevê que “o direito à exclusividade do uso da firma só se constitui após o registo pelo respectivo titular na conservatória competente”, mas sem prejuízo da eventual declaração de nulidade, anulação ou caducidade da firma, nos termos do mesmo Código.
Ora, o que acontece nos presentes autos é que a firma “BBB Companhia Limitada” da R. foi registada em Macau a 23 de Agosto de 2005, altura em que o A. ainda não pediu o registo da sua firma na RAEM, pelo que, em princípio, aquela deve prevalecer sobre esta em Macau.
Por outro lado, importa realçar que a firma e a marca são sinais distintivos comerciais diferentes.
A marca pode ser definida em termos gerais, como o sinal distintivo que serve para identificar o produto proposto ao consumidor (Carlos Olavo, Propriedade Industrial - Noções Fundamentais, CJ 1987,2,20), enquanto a firma é o nome ou designação que identifica o comerciante na sua actividade comercial (Brito Correia, Direito Comercial, 1989, I, p. 236).
Embora sejam sinais distintivos diferentes, não impede que sejam susceptíveis de confusão, quando não pertençam ao mesmo interessado.
O próprio Código Comercial, precisamente no seu artigo 16º, nº 6, estipula que na apreciação da eventual susceptibilidade de confusão ou erro, deve ainda ser considerada a existência de nomes de estabelecimentos, insígnias ou marcas de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos.
Em matéria da questão da confundibilidade entre as marcas e a firma, segundo o Ac. do SJT de 14 de Junho de 1995 (CJ 1995, 2, 130), o juízo sobre a distinção (de firmas, denominações ou marcas) assenta nos seguintes princípios:
- na existência de semelhanças ou dissemelhanças entre as duas expressões que constituem as firmas, denominações ou marcas;
- em apurar-se, em face dessas semelhanças ou dissemelhanças, uma delas deve ou não considerar-se susceptível de confusão ou erro com a outra.
In casu, é de verificar que o A. é titular, fora da RAEM, de algumas marcas com o elemento preponderante “BBB”, o qual é adoptado pela R. na sua firma.
Embora seja verdade que a firma usada pela R. seja basicamente idêntica às marcas de que o A. é titular, mas como não há elementos que permite afirmar que foram registadas as referidas marcas em Macau, os direitos do A. não gozam, assim, de protecção na RAEM, salvo excepções legalmente previstas, a saber, se forem as chamadas marcas notórias, marcas de prestígio, etc...
Senão vejamos.
Como diz Carlos Olavo, “é através da marca que o consumidor é capaz de reconduzir um determinado produto ou serviço à pessoa que o fornece”.
No que respeita à propriedade da marca, esta resulta do seu registo, ou seja, este tem eficácia constitutiva ou atributiva.
Como diz o artigo 219º, nº 1 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (doravante designado por RJPI), “o registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, a utilização, na sua actividade económica, de qualquer sinal idêntico ou confundível com essa marca para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais aquela foi registada, ou que, em consequência da identidade ou semelhança entre os sinais ou da afinidade dos produtos ou serviços, cria, no espírito do consumidor, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre sinal e a marca”.
Assim, como diz Miguel J.A. Pupo Correia, na sua obra “Direito Comercial”, 7ª edição revista e actualizada, 2001, Ediforum, pág. 345 “só a marca registada goza de protecção do direito absoluto e exclusivo, e é protegida independentemente da ocorrência de qualquer dano, para o seu titular, pelo uso de marca semelhante”.
Entretanto, na nossa lei estão previstos alguns desvios ou excepções.
O primeiro consiste na situação de alguém utilizar marca livre ou não registada por prazo não superior a 6 meses tem, durante esse mesmo prazo, direito de prioridade para efectuar o registo da respectiva marca (artigo 202º do RJPI), bem como qualquer cidadão de um dos países ou territórios membros da Organização Mundial do Comércio ou da União Internacional para a Protecção da Propriedade Industrial goza do direito de prioridade, durante seis meses, a contar da apresentação do pedido, para requerer o registo da mesma marca em Macau (artigo 16º do RJPI e artigo 4º da Convenção de Paris).
O segundo desvio resulta do regime aplicável na chamada marca notória, mesmo que não seja registada. Segundo esse regime, se for apresentado um pedido de registo de uma marca, este pode ser recusado com fundamento de a marca requerida ser confundível com outra notoriamente conhecida pertencente a um cidadão abrangido pelo RJPI (artigo 214º do RJPI). Mais, o proprietário dessa marca notória pode ainda pedir a anulação do registo, se foi concedido, provando que já requereu em Macau o registo da respectiva marca notória (artigo 230º, nº 1, alínea b) e nº 2 do RJPI).
Finalmente, a terceira excepção é semelhante à segunda e consiste na protecção da chamada marca de prestígio, consagrada no nosso sistema jurídico nos termos do artigo 214º, nº 1, alínea c) do RJPI. Assim, um pedido de registo da marca pode ser recusado se esta se destina para assinalar “produtos ou serviços sem afinidade, que constitua reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, e sempre que a utilização da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los”. Tal como acontece com a marca notória, o proprietário da marca de prestígio pode ainda pedir a anulação do registo, se foi concedido, provando que já requereu em Macau o registo da respectiva marca de prestígio (artigo 230º, nº 1, alínea b) e nº 3 do RJPI).
Nos presentes autos, veio o A. alegar que a sua marca “BBB” registada nos Estados Unidos da América e em outros países do mundo (com excepção em Macau) lhe pertencia, sendo tal notoriedade conhecida mundialmente, pelo que, violando a R. o seu direito protegido no âmbito do direito de autor e de marca notória, devendo a firma da R. ser declarada nula ou anulada.
Como acima se referiu, só a marca registada confere ao seu titular o direito ao seu uso exclusivo, salvo excepções acima descritas e previstas na lei.
Quanto ao regime de anulação do registo da marca, consagra-se no artigo 230º, nº 1 do RJPI o seguinte:
“1. Os registos de marca são anuláveis nos casos previstos no artigo 48º e, ainda, quando o título for concedido:
a)sem a apresentação dos documentos comprovativos e autorizações exigíveis;
b)em violação das normas contidas nas alíneas b) e c) do nº 1 e no nº 2 do artigo 214º”
Por sua vez, o artigo 48º tem a seguinte redacção:
“1. Os títulos de propriedade industrial são total ou parcialmente anuláveis quando forem violadas as disposições que definem a quem pertence o direito de propriedade industrial e, em geral, quando tiverem sido concedidos com preterição dos direitos de terceiros, fundados em prioridade ou outro título legal.
2. Se reunir as condições legais, o interessado pode pedir, em vez da anulação, a reversão total ou parcial do título em seu favor.
3...
4...”
Ainda sobre a protecção da marca notória, escreveu o Professor Pinto Coelho, in RLJ, 89/23, que “para que a marca se qualifique como notoriamente conhecida não é necessário que o conhecimento da marca de que ela pertence a certa entidade constitua facto público e notório, com as características que a esta fórmula se atribui na nossa legislação processual. A opinião dominante é no sentido de que a marca pode assim ser qualificada desde que alcançou notoriedade ou conhecimento geral no círculo dos produtores ou dos comerciantes ou no meio dos consumidores mais em contacto com o produto a que respeita a marca; basta que a marca se tenha divulgado de modo particular no círculo de pessoas que é uso designar por meios interessados”.
Como escreve o Professor Ferrer Correia, in Lições de Direito Comercial, 1985, vol. I, p. 357, o seguinte: “se perante a Repartição da Propriedade Industrial for apresentado um pedido de registo de certa marca, esse pedido pode ser indeferido, a requerimento do interessado, com fundamento de que a marca registanda se confunde com outra notoriamente conhecida como pertencente a um cidadão de outro país da União...”. E mais adiante (p. 358), vem referir que “a protecção concedida aos titulares de marcas usadas e notoriamente conhecidas como pertencentes a cidadãos de outros países da União acima referida, significa, portanto, o abandono do sistema da eficácia constitutiva do registo, que é o sistema geral da nossa lei”.
Assim, a protecção da marca (de facto) notoriamente conhecida é estabelecida a favor de cidadão de um país da União num outro país da mesma União, onde se pretenda registar (ou onde já esteja registada) marca que, no todo ou em parte essencial, seja uma imitação, tradução ou reprodução daquela.
Segundo a matéria de facto dado como provada, embora o A. explore vários ramos de actividades comerciais, mas no fundo, o seu Centro de actividades está nos Estados Unidos da América, onde tem dedicado a grande maioria dos seus negócios, e em Macau, o A. é pouco conhecido pelo público em geral.
Nestes termos, não obstante alegar o A. ser ele titular da marca “BBB”, mas nunca chegou a pedir o seu registo em Macau antes da data em que a R. apresentou o seu pedido de registo, nem que tal seja marca notória ou de prestígio, para além de não se vislumbrar qualquer violação das disposições que definem a quem pertence o direito de propriedade industrial, ou qualquer situação de preterição dos direitos de terceiros, fundados em prioridade ou outro título legal, pelo que não deve prevalecer sobre a firma registada a favor da R.
*
Em último lugar, vejamos se o A. goza de protecção jurídica através do instituto de concorrência desleal.
Dispõe o artigo 158º do Código Comercial de Macau que “constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência que objectivamente se revele contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica”.
Nestes termos, um acto de concorrência desleal pressupõe três requisitos: um acto de concorrência, sendo este contrário às normas e usos honestos e pode surgir em qualquer ramo de actividade económica.
E segundo o artigo 159º do mesmo Código, “considera-se desleal todo o acto que seja idóneo a criar confusão com a empresa, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes”; e “o risco de associação por parte dos consumidores relativo à origem do produto ou do serviço é suficiente para fundamentar a deslealdade de uma prática”.
Relativamente à questão da prática de actos de confusão, o Professor Luís M. Couto Gonçalves, in Manual de Direito Industrial, Patentes, Marcas, Concorrência Desleal, Almedina, 2005, p. 350 e seguintes, deu a seguinte explicação:
“Podemos ter três tipos de situações geradoras de confusão:
1ª o uso de sinais distintivos protegidos por direitos privativos industriais, essencialmente a firma, o nome e insígnia e a marca;
2ª o uso de sinais distintivos típicos susceptíveis de protecção individualizada, mas não protegidos;
3ª o uso de sinais ou meios distintivos atípicos insusceptíveis de protecção individual”.
No primeiro caso, ainda segundo o mesmo Professor, entende que “para haver um acto desleal de confusão entre produtos não basta a confusão entre os sinais distintivos mesmo que um deles se encontre registado. É necessário ainda que à usurpação de marca registada (o que implica um uso típico dos sinais) se junte ainda, por exemplo, a confusão objectiva dos produtos (para a qual pode não ser bastante a confusão dos sinais ou o seu uso típico), a relação de concorrência (e não um simples comportamento de mercado de um não concorrente) e a contrariedade de normas ou usos honestos comerciais (para além da violação da norma legal)”.
Quanto à segunda situação, entende que “o acto desleal atinge bens susceptíveis de protecção, por revestirem capacidade distintiva e não serem confundíveis com sinais anteriores, mas não cobertos por um direito privativo (v.g. marca de facto, marca notória e marca de prestígio não registadas ou nome de estabelecimento não registado). A concorrência desleal visa, nestes casos, proteger uma situação objectiva de mercado juridicamente relevante. O concorrente lesado tem de efectuar a prova de uso e da capacidade distintiva do sinal respectivo”.
Finalmente, no que tange à terceira situação, prosseguindo o ilustre Professor que “cabem, residualmente, as situações em que um concorrente usa meios ou sinais distintivos alheios não passíveis de protecção exclusiva. São os casos, por exemplo, da imitação da apresentação de um estabelecimento ou da imitação servil (do produto ou continente)”.
Ora, salvo o devido respeito, nenhuma das situações se enquadra o caso sub judice, o que significa que não estão preenchidos os pressupostos da concorrência desleal no respeitante à prática de actos de confusão pela R.
E caso assim não entendesse, a solução seria a mesma ainda que considerasse ter a R. adoptado na sua firma a expressão “BBB”, e que era susceptível de conduzir a que os consumidores associassem essa firma ao A., dado que, no fundo, o A. nunca chegou a dedicar ou explorar qualquer sua actividade comercial em Macau.
Por outras palavras, o instituto da concorrência desleal por si só não é suficiente para dar protecção ao A., pois essa concorrência pressupõe conquista da clientela de um determinado mercado, quer em termos de serviços ou produtos colocados em circulação quer em termos da existência de um espaço físico onde se situa o respectivo mercado, ou seja, para poder afirmar a existência da concorrência desleal, é necessário que haja num determinado espaço físico serviços ou produtos em concurso.
In casu, não resulta provado que o A. fornece seus serviços ou produtos em Macau, tendo em conta que os seus negócios ou empreendimentos são explorados nos Estados Unidos da América, razão pela qual não podemos dizer que há concorrência no mercado de Macau.
*
No que respeita ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, e sem necessidade de delongas considerações, não resta outra alternativa senão julgá-lo improcedente, em consequência da improcedência dos pedidos principais.
***
DECISÃO
Tudo exposto e nos fundamentos acima descritos, julgo improcedente a presente acção ordinária intentada pelo A. AAA J. BBB contra a R. BBB Companhia Limitada, absolvendo-a de todos os pedidos.
Custas do processo pelo A.
Registe e notifique.
Não se conformando com o decidido, veio o Autor AAA J. BBB recorrer da mesma concluindo e pedindo que:
1. De todos os aspectos que merecem censura na sentença recorrida e que na opinião do Recorrente, devem ser corrigidos em sede de recurso, sobressai a questão da má fé da Ré e dos seus sócios.
2. A mesma foi repetidamente alegada em todo o processo e objecto de prova na audiência de discussão e julgamento:
- O A. é um empresário, um executivo no mundo de negócios [Resposta Q. 5].
- O A. é uma personalidade televisiva [Resposta Q. 6].
- Sendo o nome de AAA BBB célebre apenas nos USA [Resposta Q. 7].
- O A. adoptou como sua marca e imagem o seu apelido BBB [Resposta Q. 8].
- Sendo esta a denominação das suas sociedades nas várias áreas de negócios em que actua [Resposta Q. 9].
- Tal facto era do conhecimento da R. e seus sócios fundadores [Resposta Q. 10].
- Ao adoptarem a denominação «BBB Companhia Lda.», em chinês «BBB – 有限公司», a R. e os seus sócios fundadores estavam cientes de que estavam a fazer uma cópia da pré-existente marca [Resposta Q. 11]
3. A esses quesitos devemos ainda acrescentar prova documental que se encontra nos autos:
a) a 23 de Janeiro de 2007, E e D, actuais sócios de Ré, constituíram entre si uma sociedade, matriculada sob o nº XXXX (SO), a que concederam a denominação de "AAA BBB 有限公司", "AAA BBB Companhia Limitada" e "AAA BBB Company Limited";
b) a 7 de Março de 2007,E, sócio maioritário da Ré, requereu junto dos Serviços de Economia a marca "AAA BBB" para a Classe 43.
4. Não restam qualquer dúvida sobre a intenção malévola da Ré e dos sócios, do seu propósito de atingir o A. e de lhe sequestrar o seu nome, impedindo-o de o usar como marca na Classe 43 ou como firma de empresário comercial.
5. Mas que conclusões se extraíram na sentença recorrida quanto a um problema que tem mais de dois séculos e sobre o qual se debruçava a Convenção de Paris nos idos de 1883? Absolutamente nenhumas.
6. Esta posição é claramente insustentável, que o A. não subscreve e que está em desconformidade com os compromissos internacionais assumidos por Macau - os que assumiram uma dimensão completamente diferente a partir do momento em que a economia de Macau, por via da liberalização do sector do jogo, entrou em acelerada internacionalização.
7. Ser recordadas as palavras do Prof. Pinto Coelho que, sobre o artigo 6° bis da Convenção de Paris, afirmou que a mesma tem, essencialmente, um fundamento ético, “(...) inspirando-se no propósito de reprimir certas práticas contrária à honestidade e à correcção comerciais, sendo certo que à lealdade comercial repugna sempre o facto de alguém pretender benefícios do renome avançado por uma marca já existente, devido aos esforços e merecimentos alheios, muito embora o comerciante industrial que a criou e acreditou não haja alcançado ainda em relação a ela, no seu país, a plenitude da protecção legal”.
8. À sentença recorrida, nada repugnou a conduta da Ré e dos seus sócios de se aproveitarem do renome avançado por uma marca já existente, de se aproveitarem dos "esforços e merecimentos alheios" do Sr. BBB, no activo há mais de 40 anos.
9. O Tribunal a quo negou a protecção devida ao A. por alegadamente este ser "pouco conhecido em Macau como autor de livros" - mas salvo o devido respeito, a protecção legal devida não está sujeita ao A. ter porta aberta em Macau ou a ser aqui célebre. O que releva, face à lei e à doutrina, é que a sua "marca seja conhecida como pertencente a certa entidade apenas no círculo formado pelos produtores ou comerciantes da especialidade ou no meio dos consumidores normais do produto".
10. O Código Comercial ("C.Com.") estabelece no seu artigo 15.º, "os elementos utilizados na composição da firma devem ser verdadeiros e não induzir em erro sobre a identificação, natureza, dimensão ou actividades do seu titula” (o sublinhado é nosso).
11. Artigo 21.° C.Com. estatui que "o uso ilegal de uma firma confere aos interessados o direito de exigir a sua proibição, bem como uma indemnização pelos danos daí emergentes, sem prejuízo da correspondente acção criminal, se a ela houver lugar".
12. No número 1 do artigo 33.° C.Com., está prevista a nulidade como consequência ("a firma é nula quando na sua composição tiver sido violado o disposto nos artigos 15.º, 16.º e 17.º".
13. Estando ainda presente Anulabilidade, de acordo com o disposto no número 1 do artigo 34.° C.Com., "quando na respectiva composição [da firma] se tenham violado direitos de terceiros", mais se esclarecendo, no número 2, que este direito não prescreve.
14. No entanto para o Tribunal a quo o referido principio não se encontra em crise porque a R. adoptou uma designação de fantasia “BBB” !?! Conclusão que nem A. nem R. subscrevem e que está em total desconformidade com a matéria provada, pois a própria R. veio afirmar o contrário, quando em juízo e em sede de depoimento de parte, o respectivo administrador D confirmou que a escolha de designação se deveu ao facto de esse ser o apelido do A..
15. Após pedido de esclarecimento pelo A. a 16 de Março, veio o Meritíssimo Juíz "a quo" esclarecer que se tratava de mero lapso, decidindo retirar a expressão "fantasia" de fls. 12 da sentença conforme despacho proferido a 30 de Março, mas o esclarecimento prestado em nada resolveu o problema, apenas o agravou.
16. A expressão continua a ser utilizada no princípio do parágrafo antecedente ("No novo ordenamento jurídico, são admissíveis firmas de fantasia, nos termos do artigo 22° do Código Comercial (... )") e sem esta expressão o Tribunal a quo acabou efectivamente por retirar qualquer explicação cabal para a escolha, pelos sócios da Ré - não proferindo assim um juízo de valor numa matéria em que lhe é claramente exigível.
17. A hipótese, da designação de "fantasia" (!?!), não tem qualquer verosimilhança, face ao teor da matéria provada:
"Tal era do conhecimento da R. e seus sócios fundadores" (Resposta ao Quesito 10°)
E
“Ao adoptarem a denominação "BBB Companhia Lda.”, em chinês "BBB 有限公司",a R. e os seus sócios fundadores estavam cientes de que estavam a fazer uma cópia da pré-existente marca".(R. ao Quesito 11º).
18. Concluir ainda assim que se trata de uma mera designação de fantasia constitui no mínimo uma contradição entre os fundamentos de facto e a decísão, que o artigo 571º do CPC estipula como causa de nulidade da sentença.
19. Os autos contêm prova de que a intenção dos sócios da R. na constituição desta sociedade esteva a usurpação do nome (e marca) do A.:
i) os mesmos sócios constituíram uma outra sociedade, denominada "AAA BBB Companhia Limitada" (como referido supra, parágrafo 9)
ii) o sócio da Ré E pediu o registo da marca "AAA BBB" sob o N/XXX (vide supra para. 9);
iii) a Ré não tem denominação própria nas línguas chinesa e portuguesa (cfr. certidão junta aos autos com o requerimento avulso de 27 de Julho (a fls. 65)
iv) a sociedade não teve qualquer actividade de Agosto de 2005 a Agosto
de 2008.
20. Face à má fé da Ré e dos seus sócios documentada e provada exaustivamente, o Tribunal a quo deveria accionar os mecanismos legais que tutelam o A. e os seus interesses legítimos.
21. O principio da verdade consagrado no Código Comercial detennina expressamente que a firma deverá ter uma correlação directa com o respectivo titular, ou seja com os seus sócios, aqueles que se propõem prosseguir uma detenninada actividade de produção de bens ou de prestação de serviços - não deve a firma conter elementos susceptíveis de a falsear ou de induzir em erro sobre a identificação, natureza, dimensão dos negócios ou actividades da sociedade comercial e dos seus sócios.
22. A firma da R. contém apenas um vocábulo distintivo: "BBB", que se mantém inalterado em qualquer uma das suas três redacções, ou seja, nas versões Portuguesa, Chinesa e Inglesa. O que demonstra a verdadeira intenção da R.: utilizar o vocábulo "BBB" como nome próprio, conforme ficou provado nos autos.
23. O vocábulo distintivo - "BBB" - corresponde ao apelido do A., que o integrando-o na composição das denominações sociais das várias sociedades comerciais por si constituídas para exploração das várias áreas de negócio em que actua.
24. “Ao adoptarem a denominação BBB Companhia Lda.”, em chinês “BBB 有限公司”, a R. e os seus sócios fundadores estavam cientes de que estavam a fazer uma cópia da pré-existente marca" (Resposta ao quesito 11°) o que demonstra a violação do princípio da verdade consagrado no art. 15° do Código Comercial.
25. A intenção dos sócios da Ré foi precisamente copiar a pré-existente marca (Resposta ao Quesito 11°), tendo os mesmos conhecimento de que o A. adoptou como sua marca e imagem o seu apelido "BBB", que é a denominação das suas sociedades nas várias áreas de negócio em que actua (respostas aos quesitos 8,9 e 10). Como pode assim ser a sua firma verdadeira?
26. A sentença recorrida é omissa, aplicando o número 2 do art. 15° do Código Comercial sem se debruçar no seu número 1, - norma que contém o princípio geral, supra enunciado, (de que o número 2 é uma mera elaboração ou enunciação) e está claramente a ser violado.
27. O número 2 do artigo 15° é uma mera enumeração de situações de violação do princípio da verdade que NO ENTANTO, NÃO SE REDUZEM às situações ou circunstâncias no mesmo enunciadas podendo existir variadíssimas violações do artigo 15° que não se reconduzem necessariamente às situações descritas no número 2 do mesmo artigo.
28. O Tribunal a quo passa depois a abordar o princípio da novidade, consagrado no art. 16° do Código Comercial, mas adoptando a perspectiva hermenêutica de que o nome do A., a uma firma como empresário, só poderia aqui ser tutelado se estivesse aqui registado.
29. O A. também usa o seu nome (a sua firma como empresário) em Macau, como também ficou provado:
"O A. adoptou como sua marca e imagem o apelido BBB" (Q.8º)
"Sendo esta a denominação das suas sociedades nas várias áreas de negócios em que actua" [resposta ao Q.9]
"Tal programa televisivo real L foi retransmitido em Macau" (Q. 29°)
"O A. é pouco conhecido em Macau como autor sendo os seus trabalhos dirigidos a alguns empresários e homens de negócios" (Q.31°).
E se o seu programa televisivo foi transmitido em Macau e os seus livros aqui vendidos então temos necessariamente que concluir que a sua firma foi aqui utilizada - em Macau.
30. Para mais, "O princípio da novidade de firma deve, por isso, entender-se como extensível aos outros sinais que possam ajudar a identificar o produtor ou outros produtos, não permitindo que se tornem claramente confundíveis" (cit. a sentença proferida nos autos com o número CV2-08-0004-CAO).
31. Não existem dúvidas de que o A. era detentor de uma marca ("Sendo esta a denominação das suas sociedades nas várias áreas de negócios em que actua" (Q.9°), que foi copiada pelos sócios da R. ("Ao adoptarem a denominação «BBB Companhia Lda.», em chinês «BBB – 有限公司», a R. e os seus sócios fundadores estavam cientes de que estavam a fazer uma cópia da pré-existente marca" Q.11°) que estavam absolutamente cientes da reputação à mesma associada ("O A. adoptou como sua marca e imagem o seu apelido BBB"[Resposta Q. 8];"Sendo esta a denominação das suas sociedades nas várias áreas de negócios em que actua" [Resposta Q. 9]; "Tal facto era do conhecimento da R. e seus sócios fundadores"[Resposta Q. 10]. "Sendo o nome do A. também a sua firma, como ficou provado" ("O A. actua nas áreas da construção, hotéis e restaurantes, à excepção dos casinos, os quais operam sob o nome «BBB Entertainment Resorts» "[Resposta Q. 16]).
32. À mesma questão é também aplicável, num plano superior, a Convenção de Paris, de que Macau é parte. Esta convenção internacional dispõe no seu artigo 8° que:
“O nome comercial será protegido em todos os países da União sem obrigação do registo, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou de comércio”:
33. A protecção devida nos termos desta Convenção Internacional é accionável (i) sem obrigação do registo e (ii) quer o nome de comércio [a firma] a proteger seja ou não parte integrante de uma marca.
34. Ou seja, da audiência de discussão e julgamento resultou claramente atestado que o A. é titular de uma firma comercial (o seu nome), que também usou em Macau (ainda que não o tenha registado aqui) - sendo necessário proteger o A. nos termos do artigo 8° da referida Convenção de Paris. Ao invés de, como faz a sentença recorrida, pressupor que a tutela do nome do A. está condicionada ao seu prévio registo na Conservatória do Registo Comercial.
35. Esta interpretação minimalista (reduzida ao número 1 de uma norma com mais 5 números) não corresponde às obrigações que a RAEM assumiu por convenção internacional, a qual dispõe claramente que a protecção é devida "sem obrigação de registo"(cf. o artigo 8° da Convenção de Paris).
36. O artigo 158.° C.Com. consagra que "constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência que objectivamente se revele contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica."
37. No seu artigo 1.°, o Regime Jurídico da Propriedade Industrial ("RJPI") estatui que tal diploma visa regular a "atribuição de direitos de propriedade industrial (...), tendo em vista, designadamente, assegurar a protecção (...) da lealdade da concorrência e dos interesses dos consumidores" .
38. O instituto da concorrência desleal tem aqui uma função complementar, reforçando a tutela que é conferida ao nome comercial e à marca notória pela Convenção de Paris, pelo Código Comercial e pelo Regime Jurídico de Propriedade Industrial.
39. À presença comercial do A. ou à sua intervenção no mercado de Macau, a mesma ficou assente na matéria provada. Na realidade económica dos dias de hoje, não se pode exigir ao A. que abra um balcão em Macau a vender "cachorros-quentes" para então ser digno de tutela jurídica. Considerando a actividade desenvolvida pelo A. e os inúmeros campos em a mesma se desenvolve, temos que concluir que a sua participação na actividade económica pode revestir diversas formas.
40. O A. prossegue uma actividade empresarial muito ampla e variada, tendo constituído várias sociedades comerciais para a exploração dos seus negócios, incorporando todas essas sociedades nas suas respectivas firmas o nome/marca "BBB" [Resposta Q. 9]. Facto esse do conhecimento da R. e dos seus sócios [Resposta Q. 10]. De entre as actividades empresarias prosseguidas pelo A., refira-se a autoria de vários livros dirigidos a empresários e homens de negócios [Resposta Q. 32] e a participação no programa televisivo L[Resposta Q. 6 e 27].
41. Não obstante o A. não ter nenhum estabelecimento de portas abertas ao público, não deixa de oferecer em Macau os seus bens e serviços (em particular, os livros, o programa televisivo e os contratos de licenciamento em negociação) que demonstram uma actividade real, legítima e digna de tutela...
42. O artigo 156º do Código Comercial dispõe sobre o âmbito objectivo que: "presume-se que o acto é praticado com fins concorrenciais quando, pelas circunstâncias em que se realize, se revele objectivamente idóneo para promover ou assegurar a distribuição no mercado dos produtos ou serviços do próprio ou de terceiro". Deste ponto de vista, os actos do A. e de R. estão num plano de absoluta igualdade:
- nenhuma das partes tem estabelecimento aberto em Macau;
- o A. vende os seus livros, distribui o seu programa e negociou o licenciamento do seu nome a empresários locais;
- a R. vendeu kebabs na Taipa;
- a R. registou a sua denominação social e a marca;
- o A. registou inúmeras marcas nas mais variadas classes.
Deste ponto de vista ambas as partes, A. e R., praticam actos objectivos de concorrência.
43. O regime de concorrência desleal não se limita à confusão, centrando-se antes na proibição constante no art. 158º do Código Comercial que sob a epígrafe "Cláusula Geral" dispõe que "Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência que objectivamente se revele contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica".
44. O art. 165º ("Exploração de reputação alheia") é uma das manifestações do princípio geral que dispõe que "Considera-se desleal o aproveitamento indevido em benefício próprio ou alheio de reputação empresarial de outrem". Ora, ao usarem, consciente e deliberadamente, o nome e marca (notória) do A. para a composição da sua firma [Resposta Q. 11] a R. e os seus sócios praticaram um acto de concorrência que objectivamente se revela contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica.
45. Tal comportamento é manifestamente contrário à lealdade comercial e às boas e aceitáveis práticas concorrenciais, explorando a reputação do A. que se tem por provada nestes - a mesma intenção dolosa que esteve subjacente à apresentação do pedido da marca "AAA BBB" (N/XXX) pelo sócio maioritário da R., E e à constituição, por este último com o outro sócio D, da sociedade "AAA BBB Companhia Limitada".
46. Quanto à notoriedade de marca, no Acórdão do Tribunal Judicial de Base proferido no âmbito do processo judicial número CV2-08-0004-CAO, foi justamente salientado "(...) o não [a falta] registo não obsta à reclamação de protecção, porque há algumas excepções a este princípio" geral da eficácia constitutiva ou atributiva do registo - nomeadamente em caso de notoriedade da marca.
47. «Para que a marca se qualifique como notoriamente conhecida não é necessário que o conhecimento da marca e de que ela pertence a certa entidade constitua facto público e notório, com as características que esta fórmula se atribui na nossa legislação processual. A opinião dominante é no sentido de que a marca pode assim ser qualificada desde que alcançou notoriedade ou conhecimento geral no círculo dos produtores ou dos comerciantes ou no meio dos consumidores mais em contacto com o produto a que respeita a marca; basta que a marca se tenha divulgado de modo particular no círculo de pessoas que é uso designar por «meios interessados»"(ainda no mesmo Acórdão)
48. O artigo 6.°, bis, 1) Convenção da União de Paris dispõe que "os países da União comprometem-se a recusar ou invalidar, quer oficiosamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido de quem nisso tiver interesse, o registo e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, susceptíveis de estabelecer confusão, de uma marca que autoridade competente do país do registo ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma pessoa a quem a presente Convenção aproveita e utiliza para produtos idênticos ou semelhantes. O mesmo sucederá quando a parte essencial da marca constituir em reprodução de marca notoriamente conhecida ou imitação susceptível de estabelecer confusão com esta" (sublinhado nosso).
49. Quanto à notoriedade da marca do A., ficaram provados, entre outros, os seguintes factos:
- O A. encontra-se no activo há mais de 40 anos [Resposta Q. 2].
- O A. é um empresário, um executivo no mundo de negócios [Resposta Q. 5].
- O A. é uma personalidade televisiva [Resposta Q. 6].
- o A. adoptou como sua marca e imagem o seu apelido BBB [Resposta Q. 8].
- Tal facto era do conhecimento da R. e seus sócios fundadores [Resposta Q. 10].
- Ao adoptarem a denominação «BBB Companhia Lda. », em chinês «BBB – 有限公司», a R. e os seus sócios fundadores estavam cientes de
que estavam a fazer uma cópia da pre-existente marca [Resposta Q. 11].
- A R. foi constituída quando um certo número de empresários e sociedades na área do jogo iniciaram a sua actividade em Macau [Resposta Q. 12].
- Atenta a proeminência do nome BBB entre os empreendimentos imobilários, os promotores pagam ao A. pelo privilégio de usar a denominação «BBB» nos seus projectos, embora por vezes o seu envolvimento em tais projectos se limite ao empréstimo do seu nome e/ou do seu empreendimento e a gestão dos mesmos [Resposta Q. 23].
- O A. é anfitrião do programa real televisivo L, em que um grupo de concorrentes batalham por um emprego do topo do quadro numa das empresas daquele [Resposta Q. 27].
- Sendo o nome BBB levado a lares familiares por alguns países do mundo [Resposta Q. 28].
- Tal programa televisivo real L foi retransmitido em Macau [Resposta Q. 29].
- O A. é pouco conhecido em Macau, como autor, sendo os seus trabalhos dirigidos a alguns empresários e homens de negócios [Resposta Q. 31].
50.O A. demonstrou, por via documental, a existência de acordos com entidades locais de destaque na indústria do jogo e da hotelaria (a saber, a M Limited) para a efectivação de um projecto referente à construção de um empreendimento em Macau, o qual ostentaria a marca "BBB", sem mais.
51. O A. juntou ainda aos autos os seguintes documentos:
i) declaração de Estação N, atestando que o "L" é retransmitido semanalmente desde 2004 (junto aos autos em 18 de Março de 2009);
ii) convites para participar, como palestrante, em seminários a realizar na China (docs.16 a 19 do requerimento probatório de 2 de Junho);
iii) contrato celebrado com a M Limited a 11 de Janeiro de 2006 (doc.1 junto aos autos em 11 de Junho de 2009) visando negociar o licenciamento do nome do A. para a denominação de uma torre no Cotai.
52. O exposto nos parágrafos supra atesta que a marca do A. “alcançou notoriedade ou conhecimento geral no círculo dos produtores ou dos comerciantes ou no meio dos consumidores mais em contacto com o produto a que respeita a marca”.
53. O A. é uma figura conhecida em Macau, em particular no sector do jogo e da hotelaria, sendo o seu prestígio reconhecido pelos seus pares que procuram desenvolver alianças com ele por forma a valorizar os seus projectos, nomeadamente por via do licenciamento da marca "BBB".
54. A afirmação na sentença recorrida de que "embora o A. explore vários ramos de actividades comerciais, mas no fundo, o seu centro de actividades está nos Estados Unidos da América, onde tem dedicado a maioria dos seus negócios(...)", não tem qualquer propósito legal porquanto nem a Convenção de Paris nem o RJPI dispõe como requisito que o titular da marca notória tenha que ter actividade em Macau para ser merecedor da respectiva tutela.
55. Quanto à conclusão, na sentença recorrida, de que "Em Macau, o A. é pouco conhecido pelo público geral.", não pode ser retirada da matéria provada e está claramente em contradição com os fundamentos de facto da decisão.
56. Certamente se iniciou nos Estados Unidos, tendo depois extrapolado este país em virtude do uso comercial da sua reputação num programa de televisão ("L") e dos seus livros de negócios. O A. desconhece qualquer outra situação semelhante ou paralela em que a personalidade de um empresário tenha atingido tal notoriedade que dá origem a concursos de Televisão (inclusivamente na própria China!) e a livros que promovem e divulgam o A. - e com este, a sua marca.
57. A sentença recorrida aplica incorrectamente a própria doutrina que cita quanto ao âmbito de notoriedade. Pois o Prof. Pinto Coelho ensina precisamente que "(...) a marca pode assim ser qualificada [como notória] desde que alcançou notoriedade ou conhecimento geral no círculo de consumidores mais em contacto com o produto a que respeita a marca; basta que a marca se tenha divulgado de modo particular no círculo de pessoas que é uso designar por meios interessados".
58. A marca notória do A., que é também o seu nome e a sua firma comercial, não tem que ser conhecida do público em geral(nem se percebe a afirmação). A marca notória tem é que ser conhecida do círculo de comerciantes (i.e., dos empresários de jogo, da construção civil e de hospitalidade) ou no meio dos consumidores mais em contacto com o produto [os serviços] a que respeita a marca (i.e., os consumidores que frequentam hotéis e casinos ou que podem adquirir uma fracção num empreendimento imobiliário).
59. É ainda de referir que foram os próprios sócios da Ré a reconhecer essa notoriedade, ao escolheram a denominação social da R. por ser o nome de A., estando perfeitamente cientes de que estavam a realizar uma cópia servil daquele nome.
60. Aliás, foram aqueles ainda mais longe ao registarem, posteriormente, uma outra marca "AAA BBB" e ao constituírem uma outra sociedade com a firma "AAA BBB Companhia Limitada". O que demonstra, de forma inequívoca, qual a intenção da R. e dos seus sócios ...
61. A R. utilizou ilicitamente a marca notória do A., ao ter incorporado aquela, sem a sua autorização do A., na firma ora em crise, pelo que tem o A., ao abrigo do artigo 21.º C.Com., o direito de exigir a proibição daquele uso.
62. Notoriedade essa que confere ao A. um título legal de prevalência e um direito de se opôr ao seu uso ilícito.
63. Outra das disposições legais violadas pela R. e seus sócios respeita ao artigo 82.º Código Civil, nos termos do qual se determina que "toda a pessoa tem direito a ter um nome, a usar esse nome, completo ou abreviado, e a opor-se a que outrem o use ilicitamente para sua identificação ou outros fins"(o sublinhado é nosso).
64. Cumulativamente a esse pedido caberá à R. o pagamento ao A. de indemnização pelos danos emergentes do uso ilegal da firma, nos termos do artigo 21.º C.Com..
Termos em que se conclui como na p.i., dando-se aqui por reproduzidos os pedidos então formulados.
Respondeu a Ré BBB Companhia Limitada pugnando pela improcedência do recurso – vide as fls. 2013 a 2042 dos p. autos.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões tecidas na petição do recurso, são as seguintes questões que constituem o objecto do presente recurso:
1. Da violação do artº 6º bis da Convenção de Paris;
2. Da violação do princípio da verdade;
3. Da nulidade da sentença;
4. Da violação do princípio da novidade;
5. Da violação do artº 8º da Convenção de Paris;
6. Da concorrência desleal;
7. Da protecção da alegada marca notória BBB; e
8. Da violação do direito ao nome.
Para facilitar a apreciação dessa questão de natureza jurídica, segue-se a transcrição da matéria de facto assente na primeira instância:
- A 23 de Agosto de 2005, foi registada a sociedade denominada BBB Companhia Limitada, em chinês “BBB 有限公司” e em inglês “BBB Company Limited”, cujos sócios são C e por C.(A)
- Tal sociedade está matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau com o número XXXX.(B)
- A R. tem sede na XXXXXX.(C)
- Em 16 de Novembro de 2006, foram registadas as aquisições das quotas dos sócios referidos em A) por JE.(D)
- Entre A. e R. não existe qualquer relação comercial ou negócios.(E)
- O A. não autorizou a R. a usar e registar o seu nome.(1º)
- O A. encontra-se no activo há mais de 40 anos.(2º)
- A sede da R. situa-se em morada residencial.(4º)
- O A. é um empresário, um executivo no mundo dos negócios.(5º)
- É uma personalidade televisiva.(6º)
- Sendo o nome de AAA BBB célebre nos USA.(7º)
- O A. adoptou como sua marca e imagem o seu apelido BBB.(8º)
- Este é a denominação das suas sociedades nas várias áreas de negócios em que actua.(9º)
- Tal era do conhecimento da R. e seus sócios fundadores.(10º)
- Ao adoptarem a denominação “BBB Companhia Lda.”, em chinês “BBB 有限公司”, a R. e os seus sócios fundadores estavam cientes de que estavam a fazer uma cópia da pré-existente marca.(11º)
- A R. foi constituída quando um certo número de empresários e sociedades na área do jogo iniciaram a sua actividade em Macau.(12º)
- Indústria em que o A. tem também certa reputação.(13º)
- Estando envolvido na constituição e gestão de alguns casinos.(14º)
- A R. não tem actividade nem porta aberta ao público até Agosto de 2008 e depois de Março de 2009.(15º)
- O A. actua nas áreas da construção, hotéis e restaurantes, à excepção dos casinos, os quais operam sob o nome “BBB Entertainment Resorts”.(16º)
- O A. adquiriu prestígio quando iniciou a construção de vários arranha-céus reconhecidos como projectos do próprio, edifícios com uma arquitectura muito especial associada ao seu nome – AAA BBB.(17º)
- Tal prestígio aumentaram com a renovação do “Hotel F” pertencente ao grupo “G”.(18º)
- E continuou com a construção da “BBB Tower” em Nova Iorque.(19º)
- Seguiram-se-lhe a construção de inúmeros projectos residenciais, incluindo condomínios de luxo:
- em 2001, o A. concluiu a construção da “BBB World Tower”, um arranha-céus residencial de luxo com 72 andares oposto ao edifício das Nações Unidas;
- no mesmo ano, o A. iniciou a construção do “BBB Palace”, um empreendimento de multifunções, na margem do Rio Hudson;
- o A. também construiu o “BBB International Hotel and Tower”, uma torre com hotel e condomínio, no Columbus Circle.(20º)
- Após estes empreendimentos na área imobiliária, o A. expandiu a sua actividade e constituiu a empresa de viagens GoBBB.com.(21º)
- A BBB Entertainment Resorts, Inc. é proprietária e gere três casinos em XXXX City: “BBB Taj Mahal Casino Resort”, “BBB Plaza” – ambos localizados em xxxx – e “BBB Marina” no XXXX District.(22º)
- Atenta a proeminência do nome BBB entre os empreendimentos imobiliários, os promotores pagam ao A. pelo privilégio de usar a denominação “BBB” nos seus projectos, embora por vezes o seu envolvimento em tais projectos se limite ao empréstimo do seu nome e/ou do seu empreendimento e a gestão dos mesmos.(23º)
- A associação de BBB com empreendimentos imobiliários, também se estende ao campo universitário com a “BBB University”, empresa fundada pelo Sr. BBB em 2005, vocacionada para a formação em gestão de empresas.(24º)
- O “BBB Institute” é uma empresa que providencia estágios e seminários nos campos do imobiliário e dos negócios.(25º)
- Tal empresa foi fundada pelo A. em Janeiro de 2006.(26º)
- O A. é o anfitrião do programa real televisivo L, em que um grupo de concorrentes batalham por um emprego do topo do quadro numa das empresas daquele.(27º)
- Sendo o nome BBB levado a lares familiares por alguns países do mundo.(28º)
- Tal programa televisivo real L foi retransmitido em Macau.(29º)
- O A. é pouco conhecido em Macau, como autor, sendo os seus trabalhos dirigidos a alguns empresários e homens de negócios.(31º)
- Sendo autor de:
- “BBB: The Art of the Deal” (ISBN XXXX);
- “BBB: The Art of Survival” (ISBN XXXX);
- “BBB: The Art of the Comeback” (ISBN XXXX);
- “BBB: Surviving at the Top” (ISBN XXXX);
- “BBB: How to Get Rich” (ISBN XXXX);
- “The Way to the Top: The Best Business Advice I Ever Received” (ISBN XXXX);
- “BBB: Think Like a Billionaire: Everything You Need to Know About Success, Real Estate, and Life” (ISBN XXXX);
- “BBB: The Best Golf Advice I Ever Received” (ISBN XXXX);
- “Why We Want You to be Rich: Two Men – One Message” (ISBN XXXX).(32º)
- O A. e a H são comproprietários da “I”, organizadora dos concursos de “I”, “J” e “K”.(33º)
- Em 2005, o A. fundou a “BBB University”, uma instituição de formação em gestão de empresas.(34º)
- Em 2006, o A. fundou o “BBB Institute”, uma instituição de educação individual.(35º)
- O A. fundou a “BBB Mortgage”, uma firma financeira.(36º)
- Em 2000, o A. constituiu “BBB Sales & Leasing”, uma firma de empréstimos para imóveis.(37º)
- Em 2003, o A. constituiu “BBB Model Management”, uma agência de modelos.(38º)
Relembrada a matéria de facto assente na primeira instância, não impugnada por via do presente recurso, passemos a apreciar as questões colocadas.
1. Da violação do artº 6º bis da Convenção de Paris
Para o recorrente, ante a matéria de facto provada, não resta qualquer dúvida sobre a intenção malévola, por parte da Ré e dos seus sócios, de atingir o Autor e de lhe sequestrar o seu nome, impedindo de o usar como marca na classe 43ª ou como firma de empresário comercial.
Assim, ao não repugnar a conduta por parte da Ré e dos seus sócios por ter violado o artº 6º bis da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial, assim como dos artº 15º e 16º do Código Comercial e do artº 214º do RJPI, a sentença recorrida é de censurar e deve ser corrigida por via de recurso.
Ora, o que o Autor pediu mediante a presente acção é a declaração da nulidade da firma BBB Companhia Limitada, usada pela Ré na sua actividade económica, ou subsidiariamente, a anulação da mesma firma.
Pretende agora, por via de recurso, ver que a Ré seja censurada por ter agido de má fé por força do disposto no artº 6º bis da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial, assim como dos artº 15º e 16º do Código Comercial e do artº 214º do RJPI.
Pondo a parte a alegada violação dos citados artºs 15º e 16º do Código Comercial, que será objecto da nossa apreciação infra, não cremos que é pertinente a invocação do artº 6º bis da Convenção e o artº 214º do RJPI como fundamento legal para sustentar a tal pretensão do Autor ora recorrente.
Diz o artº 6º bis da Convenção que:
1) Os países da União comprometem-se a recusar ou invalidar, quer oficiosamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido de quem nisso tiver interesse, o registo e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, susceptíveis de estabelecer confusão, de uma marca que a autoridade competente do país do registo ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma pessoa a quem a presente Convenção aproveita e utilizada para produtos idênticos ou semelhantes. O mesmo sucederá quando a parte essencial da marca constituir reprodução de marca notoriamente conhecida ou imitação susceptível de estabelecer confusão com esta.
2) Deverá ser concedido um prazo mínimo de cinco anos, a contar da data do registo, para requerer a anulação do registo de tal marca. Os países da União têm a faculdade de prever um prazo dentro do qual deverá ser requerida a proibição de uso.
3) Não será fixado prazo para requerer a anulação ou a proibição de uso de marcas registadas ou utilizadas de má fé.
Ao passo que o artº 214º do RJPI reza que:
1. O registo de marca é recusado quando:
a) Se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa da concessão de direitos de propriedade industrial previstos no n.º 1 do artigo 9.º;
b) A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória;
c) A marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, constitua reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, e sempre que a utilização da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los.
2. O pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha:
a) Sinais que sejam susceptíveis de induzir em erro o público, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina;
b) Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
c) Medalhas de fantasia ou desenhos susceptíveis de confusão com as condecorações oficiais ou com as medalhas e recompensas concedidas em concursos e exposições oficiais;
d) Brasões ou insígnias heráldicas, medalhas, condecorações, apelidos, títulos e distinções honoríficas a que o requerente não tenha direito, ou, quando o tenha, se daí resultar o desrespeito e o desprestígio de semelhante sinal;
e) A firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente ou que o mesmo não esteja autorizado a utilizar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão;
f) Sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial.
3. O facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo.
4. O interessado na recusa do registo da marca a que se refere a alínea b) do n.º 1 só pode intervir no respectivo processo quando prove já ter requerido em Macau o respectivo registo ou o faça simultaneamente com o pedido de recusa.
5. O interessado na recusa do registo da marca a que se refere a alínea c) do n.º 1 só pode intervir no respectivo processo quando prove já ter requerido em Macau o respectivo registo para os produtos ou serviços que lhe deram grande prestígio, ou o faça simultaneamente com a reclamação.
Bom, nota-se que quer o citado artigo da Convenção quer o artigo do RJPI, ora transcritos, visam definir em que situações ou com que fundamento o registo ou o uso de somente uma marca, e não também de outros sinais distintivos, nomeadamente de uma firma, deve ou pode ser recusado ou proibido, respectivamente.
Como dissemos supra, o Autor ora recorrente pretende com a presente acção a declaração da nulidade ou a anulação de uma firma da Ré.
Não estando in casu em causa uma marca e portanto não se verificando os pressupostos da aplicação do normativo consagrado nesses dois artigos, naturalmente não é atendível a tal pretensão que precisamente tem por fundamento legal nesses dois artigos que visam regular as marcas, e não as firmas.
Portanto, não vimos em que termos a sentença merece censura por não ter repugnado a conduta da Ré com base nesses dois artigos.
2. Da violação do princípio da verdade;
Na óptica do recorrente, a adopção da firma BBB, que é o apelido do Autor, viola o princípio da verdade, consagrado no artº 15º do Código Comercial. E pede a declaração da nulidade da firma assim adoptada com fundamento no artº 33º/1 do Código Comercial.
Ora, o princípio da verdade está consagrado no artº 15º do Código Comercial que reza:
1. Os elementos utilizados na composição da firma devem ser verdadeiros e não induzir em erro sobre a identificação, natureza, dimensão ou actividades do seu titular.
2. Não podem ser utilizados na composição da firma:
a) Elementos característicos, ainda que constituídos por designações de fantasia, siglas ou composições, que sugiram actividades diferentes da que o seu titular exerce ou se propõe exercer;
b) Expressões que possam induzir em erro quanto à caracterização jurídica do empresário, designadamente o uso, por pessoas singulares, de designações que sugiram a existência de uma pessoa colectiva, ou, por pessoas colectivas com fim lucrativo, de expressões correntemente usadas para designação de organismos públicos ou de associações sem finalidades lucrativas.
Por sua vez, o artº 33º/1 do Código Comercial diz que a firma é nula quando na sua composição tiver sido violado o disposto nos artigos 15º, 17º e 18º.
Ora, de acordo com o princípio da verdade, a firma deverá corresponder à situação real a que respeita, não podendo conter elementos susceptíveis de a falsear ou de provocar confusão, quer quanto à identidade do empresário (tratando-se de comerciante em nome individual), quer quanto à natureza da sociedade e à índole ou ao âmbito do próprio estabelecimento.
Por sua vez, António Menezes Cordeiro ensina que por força do princípio da verdade, a firma deve retratar a realidade a que se reporte, ou pelo menos, não deve transmitir algo que lhe não corresponda – in Manual de Direito Comercial, I, pág. 286.
Na óptica do Tribunal a quo, a firma BBB é uma firma de fantasia, admissível pelo artº 15º/2 do Código Comercial.
Tratando-se de uma firma de fantasia, muitas vezes, não tem significado nenhum.
Ou seja, assim sucede quando a firma em si não sugere ou pode não sugerir nada quanto à identificação, natureza, dimensão ou actividades do seu titular, ou seja, sugere ou pode sugerir coisa nenhuma.
Quando a firma de fantasia tenha algum significado, põe-se o problema de saber se sugere alguma coisa quanto à identificação, natureza, dimensão ou actividades do seu titular.
Quanto à identificação, estão em causa comerciantes pessoas singulares, pois estes não podem adoptar a firma contendo elementos susceptíveis de a falsear ou de provocar confusão quando à identidade do empresário.
Não se põe a questão aqui, uma vez que a Ré é uma sociedade comercial.
Sobre a natureza, dimensão ou actividades do seu titular, como, in casu, apesar de coincidir com o apelido do Autor, a palavra BBB, em termos semânticos, é uma palavra inglesa que significa “a card that belongs to the group of cards that has been chosen to have the highest value in a particular game; one of the four groups in a set of playing cards that has been chosen to have the highest value during a particular game or part of a game; e a situation in which all four groups of cards have equal value in a game of bridge” – vide o Cambrige Dictionary e a palavra correspondente em português, TRUNFO, ou seja, substantivo masculino que significa “certo jogo de cartas, com dois, quatro ou seis parceiros; naipe que prevalece aos outros, em certos jogos carteados; em sentido figurado, indivíduo de grande influência e importância social; e vantagem que propicia ou permite a vitória em luta, discussão, negócio, etc.” – vide o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Editora Nova Fronteira.
Com estes sentidos semânticos possíveis, nada pode sugerir quanto à natureza, dimensão ou actividades do seu titular.
Por outro lado, coincidindo com o apelido de uma pessoa que, como se sabe, é neutro em termos de significação e portanto não tem a virtualidade de sugerir actividades, quaisquer que sejam, praticadas pela Ré, por isso, também não vemos em que termos a sua adopção da palavra BBB como a firma pode violar o princípio da verdade na vertente concretizada no artº 15º/2-b) do Código Comercial, à luz do qual não podem ser utilizadas na composição da firma “as expressões que possam induzir em erro quanto à caracterização jurídica do empresário, designadamente o uso, por pessoas singulares, de designações que sugiram a existência de uma pessoa colectiva, ou, por pessoas colectivas com fim lucrativo, de expressões correntemente usadas para designação de organismos públicos ou de associações sem finalidades lucrativas.”.
Finalmente, diz o recorrente que “o número 2 do artigo 15° é uma mera enumeração de situações de violação do princípio da verdade que NO ENTANTO, NÃO SE REDUZEM às situações ou circunstâncias no mesmo enunciadas podendo existir variadíssimas violações do artigo 15° que não se reconduzem necessariamente às situações descritas no número 2 do mesmo artigo.”.
Ora, quanto a essa afirmação, a nos cabe apenas dizer que tendo em conta a redacção de todo o normativo, nada nos permite qualificar como meramente exemplificativa a enumeração das situações em que não são admissíveis as formas e conteúdos das firmas e não vemos razões para recorrer à analogia nem interpretar extensivamente uma norma proibitiva ou restritiva da liberdade na adopção da firma, à excepção da parte final do artº 15º/2-b) que respeita à caracterização jurídica do empresário, a qual não é questionada pelo Autor.
Improcede assim o pedido de declaração da nulidade da firma da Ré com fundamento na invocada violação do princípio da verdade.
3. Da nulidade da sentença
Para o recorrente, ao considerar que a firma BBB adoptada pela Ré é uma designação de fantasia, a sentença padece da nulidade de contradição entre os fundamentos de facto e a decisão, prevista no artº 571º do CPC, dado que ficou provado que ao adoptarem a denominação BBB Companhia Lda., a Ré e os sócios fundadores estavam cientes de que estavam a fazer uma cópia da pré-existente marca.
Todavia, em face do decidido na questão da invocada violação do princípio da verdade, cai por terra a tese avançada pelo recorrente e é de concluir que o Tribunal a quo não decidiu de direito em contradição com a matéria de facto provada, pois nesta questão estando apenas em causa o princípio da verdade e tratando-se de uma firma de fantasia, irrelevantes são os motivos que levaram a Ré a adoptar para servir de firma uma denominação, que pode ser coincidente com uma palavra ou com um apelido em qualquer das línguas ou dialectos do mundo, desde que a firma assim adoptada não crie erros ou confusões a que se refere o citado artº 15º do Código Comercial.
4. Da violação do princípio da novidade
Para o recorrente, a firma da Ré viola o princípio da novidade, uma vez que o seu nome é também a sua firma, o que resulta da matéria de facto provada de que o Autor actua nas áreas da construção, hotéis e restaurantes, à excepção dos casinos, os quais operam sob o nome «BBB Entertainment Resorts» - resposta ao quesito 16º.
E a interpretação minimalista, feita pelo Tribunal a quo, do citado artigo 16º que consagra o princípio da novidade, não corresponde às obrigações que a RAEM assumiu na Convenção de Paris, que estabelece no seu artº 8º que “o nome comercial será protegido em todos os países da União sem obrigações de registo, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou de comércio.”.
Ora, o princípio da novidade encontra-se consagrado no artº 16º do Código Comercial nos seguintes termos:
1. A firma deve ser distinta e insusceptível de confusão ou erro com qualquer outra já registada.
2. No juízo sobre a distinção e a insusceptibilidade de confusão ou erro, devem ser considerados o tipo de empresário e a afinidade ou proximidade das actividades exercidas.
3. Os vocábulos de uso corrente e os topónimos, bem como qualquer indicação de proveniência geográfica, não são considerados de uso exclusivo.
4. A incorporação na firma de sinais distintivos registados está sujeita à prova do seu uso legítimo.
5. Para efeitos de registo de firmas pertencentes ao mesmo ramo de actividade é permitida a incorporação de sinais distintivos já registados, desde que haja autorização do titular do respectivo registo.
6. No juízo a que se refere o n.º 2 deve ainda ser considerada a existência de nomes de estabelecimentos, insígnias ou marcas de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos.
A este propósito, diz o Tribunal a quo que a firma goza de protecção através do seu registo junto da competente Conservatória do Registo e que embora seja basicamente idêntica às marcas de que o Autor é titular, mas como não há elementos que permite afirmar que foram registadas as referidas marcas em Macau, os direitos do Autor não gozam, assim, de protecção na RAEM, salvo excepções legalmente previstas, a saber, se forem as chamadas marcas notórias, marcas de prestígio, etc…
Então vejamos.
Ora, a firma é o nome comercial, portanto um sinal distintivo do comerciante.
Por força do princípio da novidade, é preciso que a firma seja distinta de outras já registadas, de modo a evitar a confusão ou erro pelo público com as já registadas, no mesmo âmbito de exclusividade.
É justamente por isso, o princípio da novidade pode ser também referenciado como o da exclusividade – cf. António Menezes Cordeiro, op. cit. pág. 291.
Não tendo sido demonstrado nos autos que foram registados na RAEM, os sinais distintivos contendo o elemento BBB, ora reclamados pelo Autor, não se torna necessário averiguar se a adopção pela Ré como sua firma da palavra BBB gera ou não o risco de associar a sociedade da Ré ao Autor enquanto empresário e de imputar aos produtos ou serviços da Ré a origem que não é sua, a não ser que estamos perante aquelas situações especialíssimas, referenciadas e bem pelo Tribunal a quo, em que está em causa uma marca notória ou de prestígio.
No entanto, como demonstraremos infra, a marca BBB ou a marca contendo o elemento literal BBB, ora reclamada como tais pelo Autor, não é por nós considerada como notória nem de prestígio.
Assim voltemos à regra geral da protecção de marca ordinária, sujeita ao registo e aos princípios da territorialidade e da especialidade.
Ora, novidade significa inconfundibilidade.
Falando da inconfundibilidade, é preciso que estejamos perante pelo menos duas firmas, uma já registada na RAEM, portanto digna da protecção jurídica.
Inexistindo uma outra firma já registada, naturalmente não pode haver lugar à confundibilidade, o que torna necessariamente improcedente esta parte do recurso com fundamento na invocada violação do princípio da novidade.
5. Da violação do artº 8º da Convenção de Paris
Aqui o recorrente tenta fazer apoiar a sua pretensão em ver protegidas as marcas e firmas por ele reclamadas directamente no normativo do artº 8º da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial que reza “o nome comercial será protegido em todos os países da União sem obrigações de registo, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou de comércio.”.
Apoiando-se nesse normativo, diz o recorrente que “a protecção devida nos termos desta Convenção Internacional é accionável (i) sem obrigação do registo e (ii) quer o nome de comércio [a firma] a proteger seja ou não parte integrante de uma marca.”.
Na nossa óptica, isso não passa de ser uma interpretação literal sem que tenha em atenção a mens legislatoris e o bem jurídico que o tal normativo visa tutelar.
Pois se não procurarmos saber a mens legislatoris e o bem jurídico que estão em causa e acolhermos essa interpretação meramente literal, ser-nos-á extremamente difícil, senão impossível, a concepção de firmas novas, pois isso equivale a proibir os casos de homonímia dos sinais distintivos do comerciante, no território de todos os países subscritores da Convenção, senão quase em todo o mundo.
Para nós, o artº 8º da Convenção destina-se a, por um lado, acautelar os interesses dos titulares das firmas, em relação às quais que uma firma e outros sinais registandos podem apresentar semelhanças, de modo a evitar a violação do princípio da novidade e/ou a possibilidade de concorrência desleal, e por outro lado, impedir qualquer confusão ou erro que os sinais distintivos registandos podem criar nos consumidores com as aquelas firmas já registadas ou usadas.
Ora, como se sabe, a firma é um sinal distintivo que tem por função identificar comerciantes ou estabelecimentos comerciais na sua actividade económica.
Assim, o artº 8º da Convenção não deve ser interpretado no sentido de que faculta uma protecção que não exige a referida possibilidade de confusão ou erro, pois o efeito útil desta norma consiste justamente na equiparação das firmas estrangeiras não registadas no local onde a protecção é reclamada às firmas registadas nesse local.
Efectivamente é assim que deve ser feita a interpretação desse artº 8º da Convenção e que deve ser concretizada a regulamentação da protecção programada na Convenção na lei ordinária em cada um dos país ou regiões subscritoras da Convenção.
Pois, quer a Convenção quer o RJPI não visam evitar ou sancionar a simples imitação ou criação de confusão sem qualquer finalidade desonesta a elas subjacente e sem potencialidade de deslocar clientela, mas antes visam desempenhar uma função social de prevenir e reprimir condutas de deslealdade na concorrência através da imitação para induzir consumidores em erro e evitar potencialidade de deslocar ilegitimamente clientela independentemente da intenção.
Ora, não resultando dos autos que o Autor ora recorrente se encontra a exercer a sua actividade económica no mercado em Macau onde a ora recorrida já registou a sua firma, nem essa e aquele outro estão a disputar a mesma clientela em Macau, de modo algum pode falar-se da existência de concorrência.
Sem concorrência, naturalmente não pode haver concorrência desleal ou potencial deslocação ilegítima de clientela independentemente da intenção, que ambos os diplomas visam reprimir.
Não havendo concorrência nem disputa desleal num mesmo mercado, em nada relevam os eventuais erros ou confusões que a imitação possa eventualmente gerar.
Para finalizar, cabe uma última reflexão sobre eventual concorrência desleal por parte da Ré, ora recorrida, a qual é sancionada tanto pela Convenção da União de Paris como pelo RJPI.
Nos termos do art° 10° bis da Convenção “Os países da União obrigam-se aos nacionais da União protecção efectiva contra a concorrência desleal.”
Por sua vez, o art° 9°, n° 1,c), do RJPI, impõe a recusa do registo dos direitos de propriedade industrial quando se reconhece que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou que esta é possível independentemente da sua intenção.
Segundo Carlos Olavo, “...constituem concorrência desleal os actos repudiados pela consciência normal dos comerciantes como contrários aos usos honestos do comércio, que sejam susceptíveis de causar prejuízo à empresa de um competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela. Assenta, assim, a concorrência desleal na idoneidade para reduzir, ou mesmo suprimir a clientela alheia, real ou possível, com vista à criação e expansão directa ou indirecta, de uma clientela própria.” – in Propriedade Industrial, I, pág. 252.
Como se vê das passagens transcritas, a base da concorrência desleal é a supressão ou deslocação da clientela de um concorrente em benefício do outro concorrente. Ora, isso pressupõe a existência de uma clientela, efectiva ou potencial, por parte do primeiro. Aplicando tal raciocínio aos presentes autos, fica afastada a hipótese da violação do artº 8º da Convenção, por não estar demonstrada nos autos a existência de tal clientela na esfera jurídica do recorrente passível de ser suprimida ou deslocada com o registo e uso da firma pela recorrida.
Pelo que, in casu, não foi violado o artº 8º da Convenção.
6. Da concorrência desleal
O Autor insiste em que ficou demonstrada nos autos a sua presença comercial no mercado de Macau.
Todavia, tal como destacou e bem o Tribunal a quo, “segundo a matéria de facto dado como provada, embora o A. explore vários ramos de actividades comerciais, mas no fundo, o seu Centro de actividades está nos Estados Unidos da América, onde tem dedicado a grande maioria dos seus negócios, e em Macau, o A. é pouco conhecido pelo público em geral.”, a matéria de facto assente está longe de ser demonstrativa da alegada presença comercial do Autor na RAEM, pois para além dos escassos factos mencionados no ponto 41 das conclusões do recurso, tais como os livros, o programa televisivo e os contratos de licenciamento em negociação, nada mais nos permite concluir a alegada presença comercial efectiva do Autor na RAEM.
No que diz respeito à concorrência desleal, limitamo-nos a reproduzir aqui as considerações por nós tecidas na questão anterior e cremos que por razões ai expostas é de julgar improcedente esta parte do recurso.
7. Da protecção da alegada marca notória BBB
Para o recorrente, ante os seguintes segmentos da matéria de facto provada, a marca BBB é uma marca notória, e merece protecção mesmo não registada em Macau, o que conduz à ilegalidade do uso da firma BBB pela Ré:
- O A. encontra-se no activo há mais de 40 anos [Resposta Q. 2].
- O A. é um empresário, um executivo no mundo de negócios [Resposta Q. 5].
- O A. é uma personalidade televisiva [Resposta Q. 6].
- O A. adoptou como sua marca e imagem o seu apelido BBB [Resposta Q. 8].
- Tal facto era do conhecimento da R. e seus sócios fundadores [Resposta Q. 10].
- Ao adoptarem a denominação «BBB Companhia Lda. », em chinês «BBB – 有限公司», a R. e os seus sócios fundadores estavam cientes de que estavam a fazer uma cópia da pre-existente marca [Resposta Q. 11].
- A R. foi constituída quando um certo número de empresários e sociedades na área do jogo iniciaram a sua actividade em Macau [Resposta Q. 12].
- Atenta a proeminência do nome BBB entre os empreendimentos imobilários, os promotores pagam ao A. pelo privilégio de usar a denominação «BBB» nos seus projectos, embora por vezes o seu envolvimento em tais projectos se limite ao empréstimo do seu nome e/ou do seu empreendimento e a gestão dos mesmos [Resposta Q. 23].
- O A. é anfitrião do programa real televisivo L, em que um grupo de concorrentes batalham por um emprego do topo do quadro numa das empresas daquele [Resposta Q. 27].
- Sendo o nome BBB levado a lares familiares por alguns países do mundo [Resposta Q. 28].
- Tal programa televisivo real L foi retransmitido em Macau [Resposta Q. 29].
- O A. é pouco conhecido em Macau, como autor, sendo os seus trabalhos dirigidos a alguns empresários e homens de negócios [Resposta Q. 31].
É verdade que, se a marca BBB pudesse ser qualificada como marca notória, a firma BBB, adoptada pela Ré, poderia violar o princípio da novidade, consagrado no artº 16º do Código Comercial, nomeadamente nos seus nºs 1, 2 e 6, à luz dos quais a firma deve ser distinta e insusceptível de confusão ou erro com qualquer outra marca já registada, ou com outros sinais distintivos de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos.
Apesar de exigir ser já registada a marca em causa, o artigo aplica-se ao caso em apreço se viermos a concluir que a marca BBB é notória, que por razões que passemos a expor infra, merece a mesma protecção que é conferida a uma marca ordinária já registada na RAEM.
Então vejamos se essa materialidade fática sustenta a atribuição da notoriedade à marca BBB, que o Autor usa nas suas actividades comerciais.
A propósito da protecção da marca registada, notória e de prestígio, Luís M. Couto Gonçalves ensina que:
“O uso notório pode desempenhar um papel muito relevante no conteúdo de protecção da marca. O estatuto jurídico das marcas pode ser diferente em função do respectivo grau de notoriedade. Há lugar para falar em três categorias de marcas: as marcas ordinárias, as marcas notórias e as marcas de prestígio.
A marca ordinária nacional é protegida no âmbito do princípio da territorialidade e do princípio da especialidade (isto é, apenas no confronto com marcas de produtos ou serviços idênticos ou afins).
A marca notória é protegida com isenção do princípio da territorialidade.
A marca de prestígio é protegida com derrogação tanto do princípio da territorialidade como do princípio da especialidade” – in Direito Industrial Vol. V, APDI, Almedina, pág. 390 e 391.
Essa doutrina, na parte respeitante à marca notória, é justamente a acolhida pelo nosso legislador.
Dispõe o artº 214º/1-b) do RJPI que o registo da marca é recusado quando a marca constitua, no todo ou em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória.
Bom, como resulta quer dos ensinamentos doutrinários de Luís M. Couto Gonçalves quer do normativo sobre a recusa de registo da marca, a protecção conferida à marca notória sujeita-se ao princípio da especialidade, ou seja, quando as marcas em causa, a notória e a registanda, visam marcar produtos ou serviços idênticos ou afins.
Mutatis mudantis, a correcta interpretação do artº 16º do Código Comercial deve ser feita no sentido de que a adopção de uma firma só viola o princípio da novidade quando essa firma constitua, no todo ou em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de uma marca notoriamente conhecida na RAEM, se o adoptante daquela firma pretender usá-la para a sua identificação nas actividades comerciais relacionadas com produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles que a marca notória visa marcar.
Na esteira desse raciocínio, a protecção com base na marca BBB, alegadamente notória, reclamada pelo Autor, pressupõe a comprovação dos factos demonstrativos da identidade ou afinidade dos produtos ou serviços a que se dedicam o Autor enquanto titular da marca BBB alegadamente notória e a Ré enquanto titular da firma BBB.
Em relação aos produtos ou serviços a que se dedica o Autor, não temos dúvidas de que ficou provada abundância dos factos que os apontam.
Todavia, no que respeita aos produtos ou serviços a que se dedica a Ré, nada ficou provado!
Pois o Autor não poupou esforços para demonstrar a grandeza e amplitude das suas actividades comerciais, mas já não actuou nos autos de mesma forma em relação a actividades em cujo exercício que a Ré usa a firma.
Ou seja, não foi demonstrado nos autos quê actividades a Ré está a exercer com o uso da firma BBB.
Inexistindo assim base fáctica para aferir a identidade ou afinidade entre as actividades comerciais exercidas pelo Autor e as exercidas pela Ré, torna-se desnecessária a averiguação da natureza notória ou não da marca BBB do Autor.
O que conduz necessariamente à improcedência desta parte do recurso.
8. Da violação do direito ao nome
Finalmente o Autor acusa a Ré de ter violado o seu direito ao nome, tutelado pelo artº 82º do Código Civil.
Diz o artº 82º do Código Civil:
1. Toda a pessoa tem direito a ter um nome, a usar esse nome, completo ou abreviado, e a opor-se a que outrem o use ilicitamente para sua identificação ou outros fins.
2. O titular do nome não pode, todavia, especialmente no exercício de uma actividade profissional, usá-lo de modo a prejudicar os interesses de quem tiver nome total ou parcialmente idêntico; nestes casos, o tribunal decretará as providências que, segundo juízos de equidade, melhor conciliem os interesses em conflito.
3. As acções relativas à defesa do nome podem ser exercidas não só pelo respectivo titular, como, depois da morte dele, pelas pessoas referidas no n.º 2 do artigo 68.º
4. O pseudónimo, bem assim como outros meios de identificação da pessoa, quando tenham notoriedade, gozam da protecção conferida ao próprio nome.
Trata-se de uma questão nova, pois a invocada violação do direito ao nome tutelado pelo artº 82º do Código Civil não foi alegada na petição inicial, mas sim apenas pela primeira vez trazida aos autos pelo Autor nas suas alegações escritas de direito depois de fixação da matéria de facto provada (vide fls. 1889 e 1890).
O que no fundo consubstancia uma ampliação do pedido, que todavia não foi minimamente apreciada pelo Tribunal a quo, que como se vê, não abordou na sentença ora recorrida a tal violação de um normativo do Código Civil.
Não tendo sido arguida a nulidade por omissão na apreciação desse “pedido ampliado” no momento da apresentação das alegações de direito, esse pedido ampliado não pode deixar de ser considerado como uma questão não submetida à apreciação no Tribunal a quo.
A propósito dos poderes do Tribunal ad quem para conhecer a matéria nova, é de citar os Doutos ensinamentos de Amâncio Ferreira, que diz:
“O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação. Daí o tribunal ad quem produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo tribunal a quo, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do tribunal de 2ª instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª instância no momento de editar a sua sentença, valendo também para a 2ª instância as preclusões ocorridas na 1ª.
Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.”
Dada a similitude senão identidade entre os sistemas de recurso no direito português e no direito da RAEM, os acima citados ensinamentos são-nos pertinentes para a solução da situação em apreço.
Assim, na esteira desses ensinamentos, este Tribunal ad quem deve abster-se de conhecer essa questão por ser uma matéria nova.
Mesmo assim não entenda, é de dizer que esta parte do recurso improcede sempre, pois como se vê supra, o Autor não logrou provar qualquer antijuridicidade da conduta da Ré, uma vez que nos termos do artº 82º/1 do Código Civil, não basta o uso do nome por outrem, é preciso que esse uso seja ilícito.
Por outro lado, como demonstrámos supra, além de coincidir com o apelido do Autor, a palavra inglesa BBB tem o seu significado próprio, que é “a card that belongs to the group of cards that has been chosen to have the highest value in a particular game; one of the four groups in a set of playing cards that has been chosen to have the highest value during a particular game or part of a game; e a situation in which all four groups of cards have equal value in a game of bridge”.
Assim, face ao disposto no artº 82º do Código Civil, não se vislumbram razões para que o Autor possa opor licitamente o uso por outrem dessa palavra da língua inglesa.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o recurso interposto pelo Autor.
Custas em ambas as instâncias pelo Autor.
Registe e notifique.
RAEM, 11SET2014
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng