Proc. nº 206/2013
(Recurso Contencioso)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 11 de Setembro de 2014
Descritores:
-Procedimento disciplinar
-Vício de falta de fundamentação
-Erro sobre os pressupostos de facto
-Reposição de quantias indevidamente recebidas
-Prescrição
-Interrupção da prescrição
SUMÁRIO:
I – Inexiste vício de forma por falta de fundamentação se o acto remete para o conteúdo do relatório do procedimento disciplinar onde estão relatados todos os factos que conduziram à aplicação da pena.
II – Se o procedimento contém todos os factos que permitem o sancionamento disciplinar, ao recorrente cumpre provar o erro nos pressupostos de facto invocado.
III – Não é por o acto administrativo não referir especificamente o valor das quantias indevidamente recebidas, e cuja reposição determina, que se pode dizer estar violado o art. 337º do ETAPM.
IV – Nos termos do art. 37º do Regime de Administração Financeira Pública aprovado pelo R.A. nº 6/2006, a prescrição ocorre cinco anos após o recebimento indevido.
V – De acordo com aquele preceito, a prescrição obedece às regras gerais da prescrição civil.
VI – Todavia, o art. 315º do C.C., no que respeita à interrupção por citação ou notificação judicial, é desenhado para regular as relações jurídico-privadas, em que uma das partes, para exercer o direito, carece de accionar a outra em juízo. Não é isso o que sucede na Administração Pública quando ela, por acto administrativo definitivo e executório, e portanto dotado do privilégio de execução prévia, determina a reposição de dinheiros públicos indevidamente recebidos pelo particular e em que é este a vir a juízo defender-se do direito exercido pelo titular. Nesse caso, a interrupção da prescrição ou se verifica com a notificação da acusação disciplinar ou com o acto administrativo definitivo que vier a ser praticado no final desse procedimento.
Proc. nº 206/2013
Acordam No Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, do sexo feminino, de nacionalidade chinesa, portadora do BIRM nº 5XXXXX9(2), residente na Estrada deXX, nº XX, edif. XX, XXº, XX, Macau, recorre contenciosamente do despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, de 30/01/2013, que, no termo de um procedimento disciplinar, lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva e determinou a reposição de quantias indevidamente recebidas.
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Na petição inicial, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
«1. No ponto 64.º do Relatório referiu-se que “De facto, o diagnóstico do último utente que serve de base para declarar trabalho extraordinário deve, em princípio, ser feito conjuntamente pelo médico e pela ré, porém, prova-se que em algumas situações, após o diagnóstico e a terapia efectuados pelo médico, os restantes trabalhos foram tratados pela ré”.
2. O Dr. B também esclareceu na sua declaração a fls. 80 dos Autos I, quando necessário, o Dr. B mantém ligado o computador e permite aos enfermeiros desligar o computador e continuar a tratar dos trabalhos subsequentes, como: esclarecer dúvidas aos utentes e dar-lhes esclarecimentos simples sobre os procedimentos médicos.
3. Devido à necessidade do trabalho, os médicos não fizeram a saída do Sistema da Informação Clínica enquanto a recorrente, depois de concluir os trabalhos subsequentes conforme as indicações dos médicos, fez o registo da hora de conclusão dos últimos trabalhos e fez a saída do referido sistema, por isso, a recorrente não deve ser acusada da prática do furto das senhas e da falsificação dos registos de trabalho extraordinário.
4. O despacho recorrido e o respectivo relatório não provaram que ao desempenhar as suas funções,' a recorrente violou as instruções superiores em subordinação aos objectivos de serviço nem na perspectiva da prossecução do interesse público.
5. Os actos praticados pela recorrente visam a adaptar as necessidades dos utentes e dos médicos com quem a recorrente trabalhou, a recorrente não praticou quaisquer actos de insubordinação ou de indisciplina graves. O despacho recorrido não indicou os fundamentos de que os actos da recorrente causam a inviabilidade da manutenção da situação jurídico-funcional.
6. Nos períodos de trabalho extraordinário declarados, a recorrente ainda ficou no seu posto de trabalho para tratar dos trabalhos não concluídos que a recorrente deve concluir no âmbito das suas funções.
7. O despacho recorrido chegou à conclusão de que a recorrente furtou as senhas de acesso ao “Sistema de Informação Clínico” dos médicos ou activou o referido sistema, de forma a falsificar os registos de trabalho extraordinário, porém, isto é apenas uma conclusão chegada com base no juízo do recorrido, pois o despacho recorrido não indicou quaisquer fundamentos de facto.
8. O recorrido entendeu que a recorrente violou o dever de zelo previsto no artigo 279.º n.º 2 alínea b e n.º 4) do ETAPM e o dever de lealdade previsto no artigo 279.º n.º 2 alínea d) e n.º 6) do ETAPM por receber fraudulentamente as remunerações de trabalho extraordinário através dos registos de trabalho extraordinário falsificados e, em consequência, decidiu aplicar à recorrente a pena de aposentação compulsória nos termos do artigo 315.º n.º 2 alínea b) e n.º 3 do ETAPM, decisão essa enferma do vício da falta de fundamentação previsto no artigo 115.º do Código do Procedimento Administrativo, devendo ser anulada nos termos do artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo.
9. É impossível para a recorrente saber como é que o recorrido calculou ou qual é o critério com base no qual o recorrido concluiu os “períodos de trabalho extraordinário alegadamente envolvidos na burla” referidos nos documentos a fls. 149 a 153 dos Autos I.
10. Porém, conforme as “horas de armazenamento do registo clínico” referidas no mesmo documento, a hora do último armazenamento do registo clínico com alteração do seu conteúdo do referido dia é às 18h27. Além disso, segundo o ponto 65.º do Relatório, a hora de conclusão dos trabalhos da recorrente deve acrescentar um período extraordinário de 20 minutos, por isso, existe erro no documento a fls. 149 a 153 dos Autos I na parte em que se refere que a recorrente deve repor as remunerações de trabalho do período das 18h00 às 20h00 daquele dia.
11.Os “períodos de trabalho extraordinário alegadamente envolvidos na burla” referidos nos documentos a fls. 149 a 153 dos Autos I não correspondem à verdade nem são correctos.
12.Assim, a decisão do recorrido que ordenou à recorrente a reposição das quantias de remuneração por trabalho extraordinário indevidamente recebidas carece de fundamentos de facto, violando, assim, o artigo 115.º do Código do Procedimento Administrativo por enfermar do vício da falta de fundamentação, por isso, deve ser anulada nos termos do artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo.
13.Nos termos do artigo 337.º do ETAPM, “1. Finda a instrução do processo, e mostrando-se junto ao mesmo registo disciplinar do arguido, o instrutor elaborará, no prazo de 10 dias, um relatório completo e conciso donde conste a descrição dos factos que integram as infracções, sua qualificação e gravidade, importâncias que porventura haja a repor e seu destino, e bem assim a pena que entender justa, ou a proposta para que os autos se arquivem por ser insubsistente a acusação”.
14.E ao abrigo do artigo 37.º n.º 1 do Regime de Administração Financeira Pública aprovado pelo Regulamento Administrativo n.º 6/2006, “a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento”.
15. Porém, quer o aludido despacho recorrido, quer o relatório final, não indicou as quantias de remuneração por trabalho extraordinário indevidamente recebidas que a recorrente deve repor.
16.Nestes termos, o despacho recorrido viola manifestamente o artigo 337.º do BT APM e o artigo 37.º n.º 1 do Regime de Administração Financeira Pública aprovado pelo Regulamento Administrativo n.º 6/2006, por isso, o acto do recorrido viola o princípio da legalidade previsto no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, devendo ser anulado nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo».
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A entidade recorrida apresentou contestação, que concluiu da seguinte maneira:
«1) No respectivo processo disciplinar, tendo feito um conjunto de diligências instrutórias e de análises, o instrutor deduziu acusação, da data de 12 de Novembro de 2012.
2) Nas 12 páginas da acusação, narra-se detalhadamente os respectivos factos e explica-se a forma de cálculo de horário de trabalho concreto respeitante à burla, constante das fls. 149 a 153 do volume I dos autos do processo disciplinar.
3) O advogado da recorrente já requereu a consulta dos autos do respectivo processo disciplinar no seu Escritório de Advogados, logo ficou ciente do teor dos autos e das diligências instrutórias já adoptadas, nomeadamente, quais pessoas que prestaram declaração e de onde recolheu as informações.
4) Na contestação escrita, a recorrente não impugnou contra os horários de trabalho concretos respeitantes à burla, nem contra os critérios de cálculo constantes das fls. 149 a 153 do volume I dos autos do processo disciplinar.
5) Na petição inicial, a recorrente indicou que não concordou com o resultado de cômputo de horário de trabalhos extraordinários respeitantes à burla, constante das fls. 149 a 153 do volume I dos autos, i mas não apresentou nenhuma prova material para sustentar a sua pretensão.
6) A única coisa que a recorrente mencionou concretamente é o trabalho extraordinário prestado no dia 24 de Fevereiro de 2011, e conforme o documento constante da fls. 149 do volume I dos autos, o recorrente deve repor a remuneração durante o horário de 18h00 a 20h00 naquele dia.
7) Tal como se explicou na primeira parte da presente contestação, para os 27 minutos (entre as 18h00 e as 18h27) invocados pela recorrente, a recorrente não deve acrescentar mais 20 minutos ao tempo de trabalho mesmo que trabalhasse efectivamente até às 18h27. O tempo de trabalho declarado pela recorrente não é verdadeiro.
8) Portanto, a recorrente deve repor a remuneração pela prestação de horas extraordinárias prestados das 18h00 às 20h00 do dia 24 de Fevereiro de 2011.
9) A referida alegação invocada pela recorrente não conseguiu ilidir os factos constantes das fls. 149 a 153 do volume I dos autos, mas sim provar o seu acto de burla das compensações por trabalho extraordinário não prestado.
10) A prestação de trabalho extraordinário devia ser compensada conforme as regras e a forma de compensação pode ser pecuniária ou realizada por dedução de período normal de trabalho.
11) Portanto, o trabalho só pode ser considerado como prorrogação do tempo de serviço quando é prestado conforme as respectivas regras e
12) Quer dizer, caso a recorrente permaneça no local de trabalho nos períodos declarados de trabalho extraordinário, mas não satisfaz as respectivas regras de prorrogação do tempo de serviço, a mesma também não tem direito a compensações.
13) Ademais, face à grande quantidade de dados recolhido no processo disciplinar, já foi provado de que forma é que o recorrente tomou para falsificar os horários de trabalho extraordinário, e no fim do relatório também se especificou os factos e os fundamentos para aplicação da pena de aposentação compulsiva à recorrente.
14) Portanto, o acto recorrido não padece do vício de “falta de fundamentação” .
15) Não obstante o instrutor não indicou no relatório final nem no Despacho recorrido o valor liquidado, mas liquidável, e especificou expressamente os horários relativos à burla, pelo que o recorrente deve repor a quantia da compensação de trabalho extraordinário relativa a estes horários.
16) Portanto, o acto recorrido não violou o princípio da legalidade».
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A recorrente não apresentou alegações facultativas e a entidade recorrida limitou-se a remeter para os termos da contestação anteriormente apresentada.
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O digno Magistrado do MP opinou o seguinte:
«Tanto quanto nos é dado apreender, assaca a recorrente ao acto do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura de 30/1/13 que, em sede disciplinar, lhe aplicou pena de aposentação compulsiva, ordenando a reposição das quantias de trabalho extraordinário indevidamente recebidas, vícios de falta de fundamentação e afronta do princípio da legalidade.
Mas, manifestamente, sem qualquer razão.
Desde logo, a avaliar pela argumentação expendida, a falta de fundamentação a que a recorrente se reporta não terá a ver tanto com a falta de expressão, clareza e suficiência das razões de facto e de direito que terão motivado a decisão, as quais demonstra ter apreendido na perfeição, mas mais com a não concordância com os pressupostos factuais a ela subjacentes, numa dupla perspectiva:
- por um lado, entende que “malgrét tout”, não se encontrará demonstrado que a visada não tenha efectuado pelo menos grande parte dos períodos de trabalho extraordinário apontados, efectivo serviço, tratando de “trabalhos não concluídos” como efectivação de curativos pós-operatórios de pequena dimensão, esclarecimentos aos pacientes e conclusão, de uma forma geral, dos serviços aos utentes, cuja saída do hospital nem sempre corresponde à hora de gravação dos dados dos mesmos, inexistindo, pois, actualização dos respectivos registos clínicos e real hora de conclusão dos serviços prestados, não se tendo, além disso, comprovado que a recorrente tenha furtado as senhas de acesso ao “Sistema de Informação Clínica” dos médicos e accionado o mesmo;
- por outra banda, ainda na perspectiva da recorrente, não se encontrará devidamente explicitado o critério em que se fundaram os “períodos de trabalho extraordinário envolvidos na burla” alcançados.
Mas, da incursão que empreendemos no domínio dos autos e respectivo instrutor, constata-se, através do acervo probatório carreado para os mesmos, que corresponderão à realidade os factos imputados, sendo permissível a conclusão alcançada, ou seja, que a visada, no período compreendido entre 1/1/11 e 31/5/12, “...após a conclusão dos trabalhos e a saída do gabinete de consultas do médico, furtou códigos dos utentes do médico para ter acesso ou activar o “Sistema de Informação Hospitalar”, leu os dados clínicos dos pacientes sem autorização e alterou o tempo de registo das consultas “, resultando ainda comprovado que a mesma terá falsificado os horários de trabalho extraordinário, de forma a, fraudulentamente, receber, como recebeu, compensações pecuniárias indevidas, a tal título, não se vendo que a recorrente, perante a abundante prova existente no procedimento a tal propósito, a tenha logrado infirmar, minimamente, designadamente com os fundamentos, as “explicações” que apresenta.
Finalmente, quanto à legalidade, pretende aquela consubstanciar a ofensa respectiva no facto de no acto punitivo se não terem expresso, em concreto, quais as quantias de remuneração por trabalho extraordinário a repor, violando-se com isso, na sua perspectiva, o disposto no nº 1 do artº 37º do Regime de Administração Financeira Pública aprovado pelo R.A. 6/2006 que preconiza a prescrição da obrigatoriedade de reposição dessas quantias no prazo e 5 anos, após o seu recebimento.
Na matéria, apenas caberá referir que, para além de ser normal e, aliás, corrente, em situações similares, o diferimento do apuramento específico do devido através de liquidação pelos serviços respectivos, tal nunca será passível de afectar a posição do devedor, já que o prazo para o pagamento voluntário se encontra estabelecido na norma a que alude (artº 37º, nº 1) que apenas se contará, obviamente, a partir da notificação da liquidação, sendo que, por outra banda, quanto à prescrição, rege o artº 35º daquele diploma, que não deixa lugar para dúvidas quanto ao início de contagem do prazo respectivo, que nada tem a ver com a definição do específico montante em dívida, mas com a data ou datas dos recebimentos indevidos.
Donde, revelando-se evidente a não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, sermos a entender não merecer provimento o presente recurso».
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 – A recorrente A, é enfermeira-graduada da cirurgia 2 do Centro Hospitalar do Conde S. Januário, em Macau.
2 – Por suspeita de que no período entre Janeiro de 2011 e Maio de 2012 a recorrente se aproveitou do sistema informático de mecanismo de cálculo de compensação por trabalho extraordinário para introduzir no registo horas de serviço extraordinário não prestado, foi à recorrente instaurado um procedimento disciplinar.
3 – No dia 15/10/2012 a recorrente teve oportunidade de prestar declarações no âmbito do procedimento, mas conforme resulta do auto recusou-se responder às perguntas (fls. 122 do vol. I, do p.a. e 153 e sgs. do apenso “traduções”).
4 – No dia 12 de Novembro foi deduzida acusação contra a recorrente (fls. 159 a 170 do vol. I do p.a. e fls. 170 do apenso “traduções”), na sequência do que esta apresentou contestação escrita (fls. 190 a 194 dos autos e 192 e sgs. do apenso “traduções”).
5 – A final, foi produzido o seguinte relatório:
Governo da Região Administrativa Especial de Macau - Serviços de Saúde
Relatório
Assunto: Processo disciplinar instaurado contra A, enfermeira-graduada, 4.º escalão, de nomeação definitiva dos Serviços de Saúde (Processo disciplinar n.º PD-08/2012)
Instrutor: C, Técnico Superior Assessor Principal
Secretária: D (Assistente Técnica Administrativa)
Parte I - Preâmbulo
1. Por oficio n.º Of.495/DSCC/2012 do Comissariado Contra a Corrupção (doravante designado simplesmente por CCAC) recebido em 16 de Julho de 2012, foram os Serviços de Saúde notificados que durante a investigação de um caso, o CCAC suspeita que no período compreendido entre Janeiro de 2011 e Maio de 2012, A, enfermeira-graduada da Cirurgia 2 do Centro Hospitalar de Conde S. Januário dos Serviços de Saúde, tendo se aproveitado do mecanismo de cálculo da compensação por trabalho extraordinário adoptado pelo CHCSJ (compensação essa é calculada com base na hora em que conclui a consulta do último utente registada no sistema informático, acrescida de 20 minutos para arrumações) e apesar de ter perfeito conhecimento de que as suas condutas violavam as regras de trabalho, agiu dolosa e repetidamente durante um longo período de tempo a não fechar os registos clínicos dos utentes depois de os médicos concluírem as consultas e saírem do gabinete de consulta, de forma a prolongar os tempos de consulta dos utentes, obtendo assim mais compensações pelo trabalho extraordinário. A referida conduta consubstanciará a prática do crime de burla p. e p. pelo artigo 211.º n.º 1 do Código Penal.
Também se solicitou que estes Serviços, pesando os interesses públicos, apresentassem ao CCAC a queixa por escrita, de forma a realizar nos termos da lei o devido procedimento (fls. 1 dos Autos I).
2. Por Nota Interna n.º 112/GJ/2012 datada de 19 de Julho de 2012, o Gabinete Jurídico propôs que os Serviços de Saúde exercessem o direito de queixa e instaurassem o processo disciplinar contra A (fls. 3 dos Autos I).
3. Para isso, em 20 de Julho de 2012, o Director dos Serviços de Saúde proferiu o despacho de instauração do processo disciplinar (Processo Disciplinar n.º PD-08/2012 - fls. 3v dos Autos I).
4. No aludido despacho, o signatário do presente Relatório, C, foi nomeado como instrutor, e posteriormente, a Sra. D foi designada pelo signatário como secretária do presente processo.
5. Em 19 de Julho de 2012, através do ofício n.º 22/GJ/SS/2012 dirigido ao CCAC, os Serviços de Saúde exerceram o direito de queixa (cfr. fls. 4 a 5 dos Autos I).
Parte II Investigação
6. Por despacho dos Serviços de Saúde, datado de 20 de Julho de 2012 (cfr. fls. 6v dos autos), foram juntadas aos autos as informações fornecidas pela Enfermeira-Adjunta da Direcção do CHCSJ (cfr. fls. 6 a 15 dos Autos I).
7. O instrutor juntou a notícia publicada no Jornal Macau Daily News em 26 de Julho de 2012 a fls. 16 dos Autos I.
8. Em 26 de Julho de 2012, iniciou-se formalmente o Processo Disciplinar (PD-08/2012). Além disso, nos termos do artigo 328.º n.º 3 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (doravante designado simplesmente por ETAPM) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, já se procedeu à notificação ao superior que nomeou o signatário do presente processo, à entidade denunciante e à ré (cfr. 017 a 023 dos Autos I).
9. Foram notificadas à ré a data do despacho de nomeação do presente processo e a data do início do processo disciplinar. A respectiva notificação foi dirigida ao local de trabalho da ré e foi recebida pela ré (cfr. fls. 022 dos Autos I).
10. O signatário também pediu à Divisão de Pessoal dos Serviços de Saúde a emissão da certidão de registo disciplinar da ré. Posteriormente, tal pedido foi deferido e a respectiva certidão encontra-se a fls. 26 a 28 dos Autos I do presente processo.
11. Para investigar os actos de utilização do “Sistema de Informação Clínica” praticados pela ré, o instrutor pediu, através do ofício n.º 05-PD-09/2012 datado de 1 de Agosto de 2012, ao Director dos Serviços de Saúde que emitisse ofício ao CCAC, no sentido de solicitar o fornecimento das informações para efeitos de investigação (cfr. fls. 29 a 30 dos Autos I).
12.Através do ofício n.º 06-PD-09/2012 (fls. 31 dos Autos I), o instrutor pediu à Divisão de Pessoal dos Serviços de Saúde a emissão dos mapas de assiduidade da ré. Posteriormente, o referido pedido foi deferido e a referida certidão encontra-se constante do Anexo 12 dos Autos IV.
13.Através do ofício n.º 07-PD-OS/2012 datado de 3 de Agosto de 2012 (fls. 33 a 37 dos Autos I), o instrutor solicitou à Enfermeira-Adjunta da Direcção do CHCSJ que fornecesse informações sobre os pedidos de prolongação de trabalho da ré e a autorização de trabalhos extraordinários durante o período compreendido entre Janeiro de 2011 a Maio de 2012. As referidas informações foram fornecidas e ora constantes dos Anexos 1 e 2 dos Autos II.
14.Para investigar os actos de utilização do “Sistema de Informação Clínica” da ré, o instrutor pediu, através do ofício n.º 8-PD-OS/2012 datado de 8 de Agosto de 2012 (fls. 38 dos Autos I), ao chefe do Departamento de Organização e Informática que fornecesse os documentos relativos aos registos electrónicos de ponto e os registos de trabalhos extraordinários da ré. Os referidos documentos foram fornecidos e ora constantes do Anexo 3 dos Autos II.
15.Para investigar o documento emitido ao CCAC pela Divisão de Pessoal (fls. 40 dos Autos I), o instrutor pediu, através do ofício n.º 9-PD-OS/2012 datado de 10 de Agosto, à Divisão de Pessoal que fornecesse a fotocópia do respectivo documento. Posteriormente, a fotocópia do referido documento foi fornecida e ora constante do Anexo 13 dos Autos IV.
16.Para investigar o documento emitido ao CCAC pelo Centro Hospitalar de Conde S. Januário (fls. 42 dos Autos I), o instrutor pediu, através do ofício n.º 10-PD-08/20 12, datado de 10 de Agosto, ao Centro Hospitalar de Conde S. Januário que fornecesse a fotocópia do respectivo documento. Posteriormente, a fotocópia do referido documento foi fornecida e ora constante do Anexo 13 dos Autos IV.
17.Para investigar o documento emitido ao CCAC pelo Gabinete do Director dos Serviços de Saúde (fls. 44 dos Autos I), o instrutor pediu, através do ofício n.º 11-PD-08/2012, datado de 10 de Agosto, ao Director dos Serviços de Saúde que fornecesse a fotocópia do respectivo documento. Posteriormente, a fotocópia do referido documento foi fornecida e ora constante do Anexo 11 dos Autos IV.
18.O Director do Centro Hospitalar de Conde S. Januário entregou as informações relativas às gravações de vídeo nos elevadores e no 3.º andar do Edifício de Consultas Externas fornecidas pelo Serviço de Internamento, as quais estão armazenadas num disco rígido acompanhado de uma caixa de disco rígido portátil (na totalidade de 443G) (cfr. fls. 52v dos Autos I).
19.Em 17 de Agosto de 2012, foi ouvida a testemunha E, Enfermeira-Chefe da Cirurgia 2, e foi elaborado o respectivo auto de declaração (fls. 57 a 58 dos Autos I).
20.Para recolher informações, o instrutor pediu, através do ofício n.º 15-PD-08/2012, datado de 27 de Agosto de 2012, ao chefe do Departamento de Organização e Informática que fornecesse as informações sobre as horas de carimbar as receitas médicas emitidas pelos médicos de cirurgia nas consultas externas aos utentes (fls. 61 dos Autos I). Posteriormente, as respectivas informações foram fornecidas e ora constantes do Anexo 4 dos Autos II (com 1 CD em anexo).
21.Em 28 de Agosto de 2012, foi ouvida a testemunha Dr. F, médico de cirurgia, e foi elaborado o respectivo auto de declaração (fls. 76 a 77 dos Autos I).
22.A tradução para chinês do auto de declaração do Dr. F encontra-se em fls. 78 a 79 dos Autos I.
23.Através do oficio n.º 18-PD/2012 datado de 28 de Agosto de 2012, o instrutor pediu ao Director dos Serviços de Saúde que lhe autorizasse a consulta do processo sobre o estado mental da ré mencionado pela testemunha F (cfr. fls. 75 dos Autos I).
24.Quanto à matéria referida no ponto anterior, o Centro Hospitalar de Conde S. Januário forneceu, conforme a indicação do director dos Serviços de Saúde, um relatório (fls. 73 a 74 dos Autos I).
25.Em 28 de Agosto de 2012, foi ouvida a testemunha Dr. B, médico de cirurgia, e foi elaborado o respectivo auto de declaração (fls. 80 dos Autos I).
26.Dado que as respectivas unidades forneceram grande quantidade das informações, o instrutor devolveu as informações repetidas à Divisão de Pessoal através do ofício n.º 19-PD-2012, (cfr. fls. 81 dos Autos I).
27. Através do ofício n.º 20-PD-08/2012 datado de 17 de Setembro de 2012 (fls. 83 dos Autos I), o instrutor pediu à enfermeira-adjunta da Direcção do CHCSJ que fornecesse os mapas de turno da ré durante o período compreendido entre Janeiro de 2011 e Maio de 2012. As referidas informações foram fornecidas e ora constantes do Anexo 10 dos Autos IV.
28.Para recolher informações, o instrutor pediu, através oficio n.º 21-PD-08/2012, datado de 17 de Setembro de 2012, ao chefe do Departamento de Organização e Informática que fornecesse as informações sobre os armazenamentos dos registos clínicos dos últimos utentes feitos pelos médicos de cirurgia nas consultas externas e o número das vezes dos respectivos armazenamentos (fls. 85 dos Autos I). Posteriormente, as referidas informações foram fornecidas e ora constantes do Anexo 8 dos Autos III.
29.Para recolher informações, o instrutor pediu, através do ofício n.º 24-PD-08/2012, datado de 18 de Setembro de 2012, ao chefe do Departamento de Organização e Informática que fornecesse os documentos e ficheiros electrónicos relativos aos pedidos de prorrogação de trabalhos da ré (fls. 90 dos Autos I) durante o período compreendido entre Janeiro e Maio de 2012. Posteriormente, as referidas informações foram fornecidas e ora constantes do Anexo 16 dos Autos V.
30.Para recolher informações, o instrutor pediu, através do ofício n.º 25-PD-08/2012, datado de 19 de Setembro de 2012, ao chefe do Departamento de Organização. e Informática que fornecesse os registos electrónicos de ponto dos 4 médicos de cirurgia (fls. 92 dos Autos I). Posteriormente, as referidas informações foram fornecidas e ora constantes do Anexo 9 dos Autos III.
31. Dado que os períodos da gravação dos vídeos fornecidos pelo Centro Hospitalar de Conde S. Januário são muito diferentes dos investigados pelo CCAC, o que levou a que as respectivas informações perdessem o valor da investigação, o instrutor devolveu o referido disco rígido acompanhado de uma caixa de disco rígido portátil (na totalidade de 443G) ao Gabinete do Centro Hospitalar de Conde S. Januário através do ofício n.º 26-PD-2012 (cfr. fls. 94 dos Autos I).
32. Em 21 de Setembro de 2012, foi ouvida a testemunha G, médico de cirurgia, e foi elaborado o respectivo auto de declaração (fls. 96 a 97 dos Autos I).
33.Através do ofício n.º 27-PD-2012, o instrutor pediu ao Departamento de Organização e Informática para consultar as informações fornecidas pelo Dr. G (fls. 98 dos Autos I). Posteriormente, a resposta foi recebida e ora constante ao Anexo 17 dos Autos V.
34.Em 4 de Outubro de 2012, foi ouvida a testemunha Dr. H e foi elaborado o respectivo auto de declaração (fls. 103 dos Autos I).
35. O instrutor juntou aos presentes autos as fotocópias dos autos de declaração prestados pelo Sr. I e pelo Dr. J do Processo Disciplinar n.º PD-08/2012 a fls. 106 a 109 dos Autos I.
36.Dado que as respectivas unidades forneceram grande quantidade das informações, o instrutor devolveu as informações repetidas ao Departamento de Enfermagem através do ofício n.º 30-PD-2012 (cfr. fls. 112 dos Autos I).
37.Devido à necessidade da investigação, o instrutor pediu, através do. Oficio n.º 31- PD-08/2012 datado de 11 de Outubro de 2012, à Divisão de Pessoal que fornecesse a cópia do despacho da aplicação da pena disciplinar à ré, datado de 15 de Fevereiro de 1988 (fls. 114 dos Autos I). Posteriormente, o referido documento foi fornecido e ora constante do Anexo 18 dos Autos V.
38. Dado que as respectivas unidades forneceram grande quantidade das informações, o instrutor devolveu as informações repetidas à Divisão de Pessoal através do ofício n.º 32-PD-2012 (cfr. fls. 116 dos Autos I).
39.Para recolher informações, o instrutor pediu, através do ofício n.º 33-PD-08/2012 datado de 15 de Outubro de 2012, ao chefe do Departamento de Organização Informática que fornecesse as informações detalhadas sobre as alterações dos registos clínicos electrónicos feitas pelos respectivos médicos de cirurgia (fls. 118 dos Autos I). Posteriormente, as referidas informações foram fornecidas e ora constantes do Anexo 19 dos Autos V.
40.Em 15 de Outubro de 2012, a ré compareceu no gabinete do instrutor e foi elaborado o auto de declarações da ré (fls. 122 a 123 dos Autos I).
41.Para recolher informações, através do ofício n.º 36-PD-08/2012, datado de 17 de Outubro de 2012, o instrutor pediu informações sobre os horários do expediente do balcão para carimbar as receitas médicas situado no átrio do hospital e do balcão de multifunção situado no R/C do Edifício das Consultas Externas durante o período compreendido entre Janeiro de 2011 e Maio de 2012 (fls. 126 dos Autos I). Posteriormente, as referidas informações foram fornecidas e ora constantes de fls. 129 dos Autos I.
42.Para confirmar a distância e o tempo, o instrutor pediu, através do ofício n.º 37-PD-08/2012, datado de 17 de Outubro de 2012, ao Departamento de Instalações e Equipamentos que fornecesse as distâncias e os tempos de andar entre a consulta externa e outros locais de trabalho. Posteriormente, as referidas informações foram fornecidas e ora constantes do Anexo 20 dos Autos V.
43.Em 18 de Outubro de 2012, foi ouvida a testemunha Dr. B, médico de cirurgia, e foi elaborado o respectivo auto de declaração (fls. 132 dos Autos I).
44.Para confirmar informações, o instrutor pediu, através do ofício n.º 39-PD-08/2012 datado de 25 de Outubro de 2012, ao Departamento de Instalações e Equipamentos que fornecesse os registos relativos às chamadas telefónicas feitas aos dois médicos de cirurgia (fls. 137 dos Autos I). Posteriormente, as referidas informações foram fornecidas e ora constantes do Anexo 5 dos Autos III.
45.O instrutor arrumou, analisou e classificou a grande quantidade das informações e elaborou os seguintes três (sic) mapas comparativos:
- Mapa comparativo entre os períodos de trabalho extraordinário declarados pela enfermeira A e os períodos de consultas dos médicos/utentes (fls. 139 a 146 dos Autos I)
- Mapa comparativo onde revela contradições entre os períodos de trabalho extraordinário na consulta externa e os períodos em que o Dr. K trabalhou em outros locais de trabalho (fls. 147 dos Autos I)
- Mapa comparativo onde revela contradições entre os períodos de trabalho extraordinário na consulta externa e os períodos em que o Dr. B trabalhou em outros locais de trabalho (fls. 148 dos Autos I)
- Períodos de trabalho extraordinário alegadamente envolvidos na burla quando a enfermeira A trabalhou com o Dr. K (fls. 149 a 152 dos Autos I)
- Períodos de trabalho extraordinário alegadamente envolvidos na burla quando a enfermeira A (153 dos Autos I)
46. Para confirmar informações, o instrutor pediu, através do ofício n.º 37-PD-08/2012 datado de 17 de Outubro de 2012, ao Departamento de Instalações e Equipamentos que fornecesse informações sobre as distâncias e os tempos de andar entre a consulta externa e a urgência ou o internamento. Posteriormente, as referidas informações foram fornecidas e ora constantes do Anexo 20 dos Autos V.
47. Em 12 de Novembro de 2012, foi ouvida mais uma vez a testemunha Dr. B (何衍宙), médico de cirurgia, e foi elaborado o respectivo auto de declaração (fls. 158 dos Autos I).
Parte III Acusação
48.Com base nos factos acima referidos e pesando uma série dos factores subjectivos e objectivos do processo, incluindo a gravidade de ilicitude, o grau de culpa, o conhecimento e o arrependimento da parte, bem como o impacto nos Serviços de Saúde, o instrutor emitiu à ré A a acusação em 12 de Novembro de 2012 (fls. 159 a 170 dos Autos I).
49.Em 19 de Novembro de 2012, a ré recebeu a acusação referida no ponto anterior (fls. 171 a 182 dos Autos I).
Parte IV Contestação
50.Em 4 de Dezembro de 2012, o advogado da ré apresentou a contestação (fls. 190 a 194 dos Autos I).
51.A ré negou os factos constantes da acusação, alegando que conforme a indicação dos médicos ou a necessidade dos exames, a terapia mais profunda do utente só pode ser realizada depois de o Dr. K atender o último utente do dia (cfr. o ponto 6.º de fls. 191 dos Autos I).
52.A ré também alegou que devido à razão acima referida, a hora do último armazenamento do registo clínico e a hora do levantamento de medicamentos do utente são mais cedo do que a hora de saída do utente. Além disso, apesar de não precisar de ser actualizado o registo clínico do utente após a realização da pequena operação cirúrgica ou dos trabalhos subsequentes, para registar a hora real da conclusão de trabalho, o médico ou o enfermeiro responsável pelos referidos trabalhos procede mais uma vez ao armazenamento do registo clínico não actualizado, de forma a registar a hora real da conclusão dos trabalhos (cfr. o ponto 7.º de fls. 191 dos Autos I).
53.Além de negar a acusação, a ré também pediu a produção das diligências instrutórias por si oferecidas nos termos do artigo 336.º do ETAPM, incluindo:
- Juntar aos autos as listas de utentes da consulta externa responsáveis pelo Dr. K e a sua quantidade durante o período compreendido entre Janeiro de 2011 e Maio de 2005.
- Inquirir as 4 testemunhas arroladas pela ré.
Parte V Produção das diligências instrutórias oferecidas pela arguida
54.Foram juntados ao Anexo 21 dos Autos VI as listas de utentes da consulta externa responsáveis pelo Dr. K e a sua quantidade durante o período compreendido entre Janeiro de 2011 e Maio de 2005, na totalidade de 169 páginas.
55.Pediu mais uma vez ao Departamento de Organização e Informática para conhecer as operações do “Sistema de Informação Clínica”, nomeadamente a função de “bloqueio automático”. A respectiva resposta encontra-se constante do Anexo 22 do Autos VI, na totalidade de 3 páginas.
56.Em 13 de Dezembro de 2012, foi ouvida a testemunha Sr.L e foi elaborado o respectivo auto de declaração (fls. 213 dos Autos I).
57. Em 19 de Dezembro de 2012, foi ouvida a testemunha Sr. M e foi elaborado o respectivo auto de declaração (fls. 215 dos Autos I).
58. Apesar de terem sido notificadas por correio (cfr. fls. 203 a 204 e 209 a 210 dos Autos I), as restantes testemunhas arroladas pela ré ainda não compareceram na audiência à data marcada. Para isso, a secretária do presente processo contactou respectivamente as referidas testemunhas por via telefónica, tendo confirmado que estas não estavam dispostas a comparecer na audiência.
59.Em 19 de Dezembro de 2012, através do ofício n.º 50/PD-08/2012, o instrutor pediu à ré que se pronunciasse sobre as provas acima referidas e ao referido ofício foi-lhe remetida a cópia dos referidos documentos (cfr. fls. 217 a 218 dos Autos I).
60.Até 28 de Dezembro de 2012, a ré não apresentou qualquer pronúncia por escrito sobre as provas acima referidas.
Parte VI Apreciação
61.Para determinar a responsabilidade disciplinar da ré, a investigação do presente processo deve apurar as seguintes situações:
A) Se os médicos deram conhecimento da sua conta individual do “Sistema de Informação Clínica” à ré A;
B) Se o diagnóstico do último utente que serve de base para declarar o trabalho extraordinário deve ser realizado conjuntamente pelo médico e pela ré;
C) Se o registo clínico do utente deve ser armazenado pessoalmente pelo médico;
D) Quando o medico sai do gabinete de consulta sem fazer o EXIT ou LOGOUT do “Sistema de Informação Clínica”, se a ré ainda pode utilizar as funções do “Sistema de Informação Clínica” pertencentes ao médico;
E) Se a contestação da ré é razoável e aceitável quando um registo clínico sem alteração do seu conteúdo foi intencionalmente armazenado várias vezes.
62. Prova-se que os médicos envolvidos no processo referiram não dar conhecimento da sua conta individual e da sua senha de acesso ao “Sistema de Informação Clínica” à A, enfermeira-graduada (cfr. 108 e 158 dos Autos I).
63.Igualmente, a ré também referiu não ter conhecimento das senhas de acesso ao “Sistema de Informação Clínica” dos médicos (fls. 193 dos autos - ponto 21.º da contestação).
64.De facto, o diagnóstico do último utente que serve de base para declarar o trabalho extraordinário deve ser conjuntamente feito pelos médico e ré, porém, prova-se que em algumas situações, após o diagnóstico e a terapia efectuados pelo médico, os restantes trabalhos foram tratados pela ré.
65. Exactamente por causa disso, o sector da enfermagem dá extraordinariamente um período de 20 minutos ao pessoal de enfermagem para concluir os últimos trabalhos (cfr. fls. 6 dos Autos I).
66.Como é sabido que o pessoal de enfermagem não tem competências para alterar e armazenar os registos clínicos dos utentes, e também prova-se que os registos clínicos dos utentes só podem ser armazenados pelos médicos (cfr. fls. 107 do Autos I).
67.Já que a ré não “sabe” as senhas de acesso ao “Sistema de Informação Clínica” dos médicos, quando os médicos saem do gabinete de consulta sem fazer o EXIT ou LOGOUT do “Sistema de Informação Clínica”, é impossível que a ré utiliza as funções do referido sistema pertencentes aos médicos.
68.Porquê é assim? Isto porque quando o utilizador do “Sistema de Informação Clínica” não tem qualquer operação após 20 minutos, o referido sistema é bloqueado até que o referido utilizador activa (activate) o sistema através da introdução da sua senha de acesso ou outro utilizador entra no sistema (cfr. fls. 1 do Anexo 22 do Autos VI).
69.É de referir que, após 20 minutos, quando o referido utilizador pretende utilizar novamente o “Sistema de Informação Clínica” que se encontra bloqueado, este tem de introduzir mais uma vez a sua senha de acesso, porém, isto não significa que o referido utilizador faz o LOGIN novamente mas sim apenas activa o sistema e, neste caso, não existe qualquer registo para isso. Além disso, depois de o utilizador fazer o LOGIN do sistema, se outra pessoa quiser que o “Sistema de Informação Clínica” continue a funcionar sem ser bloqueado, o que necessita de fazer é apenas tocar sucessivamente a tecla dentro dos 20 minutos (como por exemplo: pode-se activar o sistema por um longo período de tempo sempre que se pressione a BARRA DE ESPAÇO com um objecto) (fls. 107 dos Autos I).
70.Por outras palavras, tal como foi referido no parecer técnico do Departamento de Organização e Informática, só há duas possibilidades para a ré A armazenar os registos clínicos dos utentes através da conta individual do médico após a saída do réu (sic): “De facto, só a conta individual do médico pode armazenar os registos clínicos dos utentes enquanto a conta do enfermeiro não pode fazer isso. Conforme as situações do presente processo, só existem duas probabilidades: Primeira, o enfermeiro sabe a senha de acesso do médico, e depois, liga o computador e armazena os registos clínicos dos últimos doentes para declarar o trabalho extraordinário. Segunda, o médico sai do gabinete de consulta sem fazer pessoalmente a saída do sistema informático. O enfermeiro utiliza o computador sucessivamente dentro de 20 minutos, isto é, antes de iniciar a função de bloqueio automático, o que leva a que o sistema mantenha o seu funcionamento, e assim pode o enfermeiro armazenar os registos clínicos dos últimos utentes e pedir trabalho extraordinário” (cfr. fls. 107 dos Autos I).
71.Prova-se que os médicos saíram do gabinete de consulta sem fazer o EXIT ou LOGOUT do “Sistema de Informação Clínica”. Devido à função de bloqueio automático do sistema, a ré não pode utilizar as funções do sistema pertencentes aos médicos, salvo a ré sabe as senhas de acesso dos médicos ou utiliza sucessivamente o computador (cfr. as situações mencionadas nos pontos anteriores).
72.Também se prova que desde 24 de Março de 2011, depois de o Dr. K fazer o EXIT do “Sistema de Informação Clínica”, o referido sistema foi acedido através da senha de acesso do Dr. K (cfr. fls. 23 do Anexo 7 dos Autos III), esta situação também ocorreu em 5/5/2011, 1/8/2011, 15/9/2011, 22/9/2011 (cfr. fls. 29, 37, 41 e 41 do Anexo 7 dos Autos III).
73. Também verificamos que existe uma coincidência no tempo, isto é, os períodos de armazenamento do registo clínico do último utente na consulta externa coincidem aos períodos em que os referidos médicos estavam a trabalhar em outros locais de trabalho, o que assim se prova que foi a ré que armazenou os registos clínicos dos últimos utentes na consulta externa (cfr. os mapas a fls. 147 a 148 dos Autos I, a distância entre os dois locais - cfr. o Anexo 20 dos Autos V, o registo de LOGIN/LOGOUT/EXIT do “Sistema de Informação Clínica” - cfr. o Anexo 7 dos Autos III, o registo de armazenamento dos registos clínicos - cfr. Anexo 19 dos Autos V). A descrição detalhada das situações é a seguinte:
- Em 17 de Janeiro de 2011, a hora de armazenamento do registo clínico do último utente do computador n.º CCPLAS_8967 do 3.º andar do Edifício de Consultas Externas é às 18h42 (o armazenamento do registo clínico foi feito sem alteração do seu conteúdo), porém, dois minutos atrás (isto é, 18:40:03) (cfr. fls. 16 do Anexo 7 dos autos), o Dr. K fez o login do computador (CIR2_2300) do posto de enfermagem da Cirurgia 2 (3.º andar do internamento), a distância entre os dois locais é 137 metros, sendo impossível que o referido médico chegou de um local a outro dentro de 2 minutos.
** O Dr. K não pediu a remuneração por trabalho extraordinário (cfr. fls. 287 v do Anexo 15 dos Autos V)
- Em 12/3/2012, a hora de armazenamento do registo clínico do último utente do computador n.º CCPLAS_8967 do 3.º andar do Edifício de Consultas Externas é às 20h 12 (o armazenamento do registo clínico foi feito sem alteração do seu conteúdo) enquanto o Dr. K fez o login do computador (ERG_T_2624_3) situado na sala de trauma da Urgência Geral às 20:07:02 (cfr. fls. 58 do Anexo 7 dos autos) e fez o logout do computador às 20:13:33, a distância mais curta entre os dois locais é 142 metros, sendo impossível que o médico foi de Urgência à Consulta Externa dentro de 5 minutos para armazenar um registo clínico não actualizado nem é possível que o médico voltou para a Urgência Geral dentro de um pouco mais de 1 minuto. Além disso, conforme fls. 058 do Anexo 7 dos Autos III, verificamos que houve frequentes registos informáticos feitos pelo Dr. K na Sala de Trauma da Urgência Geral, o que confirma que o Dr. K não saiu da Urgência Geral naquele momento.
** O Dr. K pediu remuneração por trabalho extraordinário (19:16 – 23:32) por ter recebido a chamada feita pela Urgência (cfr. fls. 301 v do Anexo 15 dos Autos V), e segundo os registos da sala de telefones, também houve uma chamada feita pela Urgência (extensão n.º 3626) ao Dr. K às 18:16 (cfr. fls. 10 do Anexo 5 dos Autos III).
- Em 26 de Março de 2012, a hora de armazenamento do registo clínico do último utente do computador n.º CCPLAS_8967 do 3.º andar do Edifício de Consultas Externas é às 19:10 (o armazenamento do registo clínico foi feito sem alteração do seu conteúdo), enquanto o Dr. K fez o login do computador (ERG_T_2624_3) situado na Sala de Trauma da Urgência Geral às 19:03:40 (cfr. fls. 60 do Anexo 7 dos autos) e fez o logout do computador às 19:08:38, a distância mais curta entre os dois locais é 142 metros, sendo impossível que o médico foi de Urgência Geral à Consulta Externa dentro de 7 minutos para armazenar um registo clínico não actualizado nem é possível que o médico voltou para a Urgência Geral dentro de um pouco mais de 1 minuto.
* * O Dr. K pediu remuneração por trabalho extraordinário (19:00 - 01:07) por ter recebido a chamada feita pela Urgência (cfr. fls. 301 v do Anexo 15 dos Autos V), e segundo os registos da sala de telefones, também houve uma chamada feita pela Urgência (extensão n.º 3626) ao Dr. K às 17:56 (cfr. fls. 16 do Anexo 5 dos Autos III).
- Em 16 de Abril de 2012, a hora de armazenamento do registo clínico do último utente do computador n.º CCPLAS_8967 do 3.º andar do Edifício de Consultas Externas é às 20:10 (o armazenamento do registo clínico foi feito sem alteração do seu conteúdo) enquanto o Dr. K fez o login do computador (ERP_C_2) situado na Urgência Pediátrica às 20:07:16 (cfr. fls. 64 do Anexo 7 dos autos) e fez o logout do computador às 20:11:55, a distância mais curta entre os dois locais é 221 metros, sendo impossível que o médico foi de Urgência Pediátrica à Consulta Externa dentro de 3 minutos para armazenar um registo clínico não actualizado nem é possível que o médico voltou para a Urgência Pediátrica dentro de um pouco mais de 1 minuto. Além disso, conforme fls. 064 do Anexo 7 dos Autos III, verificamos que houve frequentes registos informáticos feitos pelo Dr. K na Urgência Pediátrica, por isso, confirmamos que o Dr. K não saiu da Urgência Pediátrica naquele momento.
** O Dr. K pediu remuneração pelo trabalho extraordinário (19:00 - 01:12) por ter recebido a chamada feita pela Urgência (cfr. fls. 302v do Anexo 15 dos Autos V), e segundo os registos da sala de telefones, houve também uma chamada feita pela Urgência (extensão n.º 3626) ao Dr. K às 18:21 (cfr. fls. 37 do Anexo 5 dos Autos III).
- Em 29 de Março de 2011, a hora de armazenamento do registo clínico do último utente do computador n.º CIFZ_8854 do 3.º andar do Edifício de Consultas Externas é às 13:43 e às 13:45 (os dois armazenamentos foram feitos sem alteração do seu conteúdo), enquanto o Dr. B fez o login do computador (CIR2_2300_1) situado no posto de enfermagem (internamento) da Cirurgia 2 do 3.º andar às 13:44:11 (cfr. fls. 123 do Anexo 7 dos autos) e fez o exit do computador às 14:39:05, a distância entre os dois locais é 137 metros, sendo impossível que o médico foi da Consulta Externa ao internamento dentro de 1 minuto para fazer o login do computador nem é possível que o médico voltou para a Consulta Externa depois de 1 minuto para armazenar um registo clínico não actualizado.
** O Dr. não pediu remuneração por trabalho extraordinário (cfr. fls. 391v do Anexo 15 dos Autos V).
- Em 26 de Abril de 2011, a hora de armazenamento do registo clínico do último utente do computador n.º ClFZ_8854 do 3.º andar do Edifício de Consultas Externas é às 13:42 e às 13:43 (os dois armazenamentos dos registos clínicos foram feitos sem alteração do seu conteúdo) enquanto o Dr. B fez o login do computador (CIR2_1313_1) situado no corredor da Cirurgia II do 3.º andar às 13:24:38 (cfr. fls. 125 do Anexo 7 dos autos) e fez o exit do computador às 14:44:11, a distância entre os dois locais é 157 metros, sendo impossível que o médico foi da Consulta Externa ao internamento dentro de 1 minuto para fazer o exit do computador nem é possível que o médico voltou para a Consulta Externa depois de 1 minuto para fazer o exit do computador CIFZ_8854 às 13:45:00 (cfr. fls. 125 do Anexo 7 dos Autos III).
** O Dr. B não pediu remunerações por trabalho extraordinário (cfr. fls. 392 v do Anexo 15 dos autos V).
- Em 31 de Janeiro de 2012, a hora de armazenamento do registo clínico do último utente do computador n.º CIFZ_8854 do 3.º andar do Edifício de Consultas Externas é às 13:40 (o armazenamento do registo clínico foi feito sem alteração do seu conteúdo) enquanto o Dr. B fez o login do computador (CIR2_1313_1) situado no corredor (internamento) da Cirurgia 2 do 3.º andar às 12:59:13 (cfr. fls. 146 do Anexo 7 dos autos) e fez o exit do referido computador às 13:44:05, a distância entre os dois locais é 157 metros, sendo impossível que o médico foi da Consulta Externa ao internamento dentro de 4 minutos para fazer o exit do computador.
** O Dr. B não pediu remunerações por trabalho extraordinário (cfr. fls. 401 v do Anexo 15 dos autos V).
- Em 16 de Fevereiro de 2012, a hora de armazenamento do registo clínico do último utente do computador n.º CIFZ_8854 do 3.º andar do Edifício de Consultas Externas é às 14:00 (o armazenamento do registo clínico foi feito sem alteração do seu conteúdo) enquanto o Dr. B fez o login do computador (CIR2_1313_1) situado no corredor da Cirurgia 2 (internamento) do 3.º andar às 13:58:42 (cfr. fls. 148 do Anexo 7 dos autos) e fez o exit do referido computador às 14:03:25, a distância entre os dois locais é 157 metros, não sendo possível que o médico foi do internamento à Consulta Externa dentro de 1 minuto para armazenar um registo clínico não actualizado nem é possível que o médico voltou para o internamento depois de 3 minutos para fazer o exit do computador.
** O Dr. B não pediu remunerações por trabalho extraordinário (cfr. fls. 402v do Anexo 15 dos autos V).
- Em 28 de Fevereiro de 2012, a hora de armazenamento do registo clínico do último utente do computador n.º CIFZ_8854 do 3.º andar do Edifício de Consultas Externas é às 14:01 (o armazenamento do registo clínico foi feito sem alteração do seu conteúdo), e o Dr. B fez o login do computador (CIR2_2300_1) situado no corredor da Cirurgia 2 (internamento) do 3.º andar às 13:52:52 (cfr. fls. 148 do Anexo 7 dos autos) e fez o exit do referido computador às 14:19:01, a distância entre os dois locais é 137 metros. Segundo fls. 148 do Anexo 7 dos Autos III, a hora do logout do computador CIFZ_8854 é às 14:17:56, a pelo que, é impossível que o médico foi ao internamento para fazer o exit do computador dentro de 1 minuto depois de fazer o logout do computador da Consulta Externa.
** O Dr. B não pediu remunerações por trabalho extraordinário (cfr. fIs. 402 v do Anexo 15 dos autos V).
74.A ré confessou que foi ela que armazenou os registos clínicos dos últimos utentes (cfr. artigos 22.º a 25.º da Contestação a fls. 192 dos Autos I), alegando, porem, que ela tratou dos restantes trabalhos conforme a indicação dos médicos.
75. Em relação à impugnação invocada na contestação da ré, o instrutor entende que é inaceitável, porque:
A) A ré não tem competência para utilizar o “Sistema de Informação Clínica” acedido pelo médico.
B) Todo o pessoal médico sabe que os enfermeiros têm um período de 20 minutos para concluir as arrumações, por isso, é irrazoável que os médicos armazenam várias vezes os registos clínicos dos utentes para ajudarem os enfermeiros a pedir compensação por trabalho extraordinário.
C) O “Sistema de Informação Clínica” inicia a função de bloqueio automático 20 minutos após a saída da consulta externa do médico, porém, a ré alegou insistentemente que ela não sabe as senhas de acesso dos médicos. Caso fosse assim, como pôde a ré armazenar os registos clínicos dos últimos utentes?
D) Caso sejam aceites as razões da ré, o registo clínico não actualizado do último utente só pode ser feito uma vez, em vez de ocorrer várias vezes esta situação. De facto, tal situação não só ocorreu uma vez mas sim há vários armazenamentos que foram feitos após 20 minutos (o tempo para iniciar o bloqueio automático) (cfr. fls. 149 a 153 dos Autos I).
E) Além disso, o Dr. B é médico de neurocirurgia, não necessitando de trocar curativo dos utentes (cfr. fls. 80 dos Autos I). Após as consultas externas ao meio dia, ele passa a trabalhar no internamento (cfr. fls. 132 dos Autos I), isto quer dizer que ele não precisa de esperar o resultado de Raio X dos utentes nem fazer as pequenas operações após as consultas externas. As explicações da ré não são suficientes para ilidir a acusação que lhe é deduzida.
F) Mesmo que as testemunhas arroladas pela ré também negaram ser os últimos utentes do Dr. K, tendo referido que as consultas delas foram concluídas por volta das 17h00 (cfr. fls. 213 a 215 dos Autos I).
76.O instrutor entende que as provas dos autos já bastam e são suficientes para provar que a ré teve acesso ao “Sistema de Informação Clínica” através das senhas da conta individual dos médicos furtadas ou activou o sistema, lendo os registos clínicos dos utentes sem autorização e alterando as horas de armazenamento dos registos clínicos para que recebesse as compensações pecuniárias de trabalho extraordinário por meio fraudulento.
77. Prova-se que durante o período compreendido entre Janeiro de 2011 a Maio de 2012, a forma de remuneração por trabalho extraordinário escolhida pela ré é a compensação pecuniária (cfr. fls. 15 a 31 do Anexo 13 dos Autos IV).
78. Sintetizando e resumindo todos os elementos obtidos na investigação, o instrutor entende que os períodos referidos na última coluna de fls. 149 a 153 dos Autos I são os períodos de trabalho extraordinário envolvidos na burla praticada pela ré.
79. A ré actuou com intenção e em conformidade com plano traçado, pelo que, as suas condutas foram praticadas com dolo.
80. E, para além de recusar colaborar e negar a prática da infracção disciplinar, a ré não se mostra arrependida e as suas condutas são más, por isso, devem ser censuradas.
81.Agindo de forma voluntaria, livre, consciente e bem sabendo as suas consequências, a ré ainda teve acesso ao “Sistema de Informação Clínica” através das senhas da conta individual dos respectivos médicos furtadas ou activou o sistema, lendo os registos clínicos dos utentes sem autorização e alterando as horas de armazenamento dos registos clínicos, para que recebesse as compensações pecuniárias de trabalho extraordinário por meio fraudulento.
82.A ré tem circunstância atenuante da responsabilidade disciplinar.
- A ré trabalha nos Serviços de Saúde há mais de 28 anos (artigo 282.º alínea a) do ETAPM)
83.A ré tem circunstância agravante da responsabilidade disciplinar.
- Premeditação (artigo 283.º n.º 1 alínea c) do ETAPM);
- Sucessão (artigo 283.º n.º 1 alínea g) do ETAPM) (cfr. fls. 28 dos Autos I).
Parte VI Conclusão
84. Das situações acima referidas sintetiza-se o seguinte:
A. Prova-se que no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Maio de 2012, depois de os médicos atenderem os utentes da consulta externa e saírem, a recorrente teve acesso ao “Sistema de Informação Clínica” através das senhas de acesso dos respectivos médicos furtadas ou activou o referido sistema, lendo os registos clínicos dos utentes sem autorização e alterando as horas de armezenamento dos registos clínicos. Além disso, também se prova que a ré, A, recebeu fraudulentamente as compensações pecuniárias por trabalho extraordinário através dos períodos de trabalho extraordinário falsificados acima mencionados. As duas condutas acima referidas violaram os deveres gerais dos funcionários públicos previstos no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (doravante designado por “ETAPM”), isto é, o dever de zelo (artigo 279.º n.º 2 alínea b e n.º 4) e o dever de lealdade (artigo 279.º n.º 2 alínea d) e n.º 6), constituindo infracção disciplinar. Dado que a referida infracção disciplinar causa a inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional, é aplicável o artigo 315.º n.º 2 alínea b) e n.º 3 do ETAPM, sendo punível a pena de aposentação compulsória.
B. Tendo em conta o artigo 316.º n.º 1 do ETAPM, a pena gradua-se de acordo com as circunstâncias atenuantes e agravantes que no caso concorram, atendendo nomeadamente ao grau de culpa do infractor e à respectiva personalidade, bem como avaliando os especiais valores, como o grau de culpa e a gravidade dos factos da infracção disciplinar praticada pela ré, se tenha praticado infracção disciplinar e se confessou os factos, a sua antiguidade, nomeadamente os requisitos de sucessão e de sem arrependimento, o instrutor propõe que seja aplicada a pena de aposentação compulsória.
Parte VII Proposta
85. Conforme os factos e a análise acima referidos, o instrutor propõe que seja aplicada a pena de aposentação compulsória a A, enfermeira-graduada, 4.º escalão, de nomeação definitiva dos Serviços de Saúde.
86.Nos termos do artigo 322.º do ETAPM, a aplicação da pena de aposentação compulsória é da competência do Chefe Executivo. Ao abrigo do artigo 1.º da Ordem Executiva n.º 123/2009 publicada no Boletim Oficial da RAEM em 20 de Dezembro de 2009, a referida competência já foi delegada ao Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura.
87. Por fim, propõe que ao aplicar a decisão sancionatória acima referida, seja ordenada à ré a reposição das quantias de remuneração pelo trabalho extraordinário indevidamente recebidas (as quais são liquidadas pela Divisão de Contabilidade conforme os documentos a fls. 149 a 153 dos Autos I) nos termos do artigo 32.º a 40.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2006 (Regime de Administração Financeira Pública).
À consideração superior!
2 de Janeiro de 2013, Macau.
6 – Em 30/01/2013 o Ex.mo Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura proferiu o seguinte despacho:
«Conforme os autos do presente processo disciplinar instaurado contra A, enfermeira-graduada, 4.º escalão, de nomeação definitiva dos Serviços de Saúde (PD-08/2012), os factos constantes do relatório final dos autos (fls. 220 a 234) foram provados.
No referido relatório, com as adaptações dos factos provados nos âmbitos jurídico e disciplinar, chega-se à conclusão de que depois de os médicos atenderem os utentes da consulta externa e saírem, a recorrente teve acesso ao “Sistema de Informação Clínica” através das senhas de acesso dos respectivos médicos furtadas ou activou o referido sistema, lendo os registos clínicos dos utentes sem autorização e alterando as horas de armazenamento dos registos clínicos. Além disso, também se provou que a ré, A, recebeu fraudulentamente as compensações pecuniárias por trabalho extraordinário através dos períodos de trabalho extraordinário falsificados acima mencionados e as referidas condutas foram praticadas de forma voluntária e livre, por isso, as referidas condutas também violaram os deveres gerais previstos no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (doravante designado por “ETAPM”) que os funcionários públicos devem cumprir, isto é, o dever de zelo (artigo 279.º n.º 2 alínea b e n.º 4) e o dever de lealdade (artigo 279.º n.º 2 alínea d) e n.º 6), constituindo infracção disciplinar. Dado que a referida infracção disciplinar causa a inviabilidade da manutenção da situação jurídico-funcional, é aplicável a pena de aposentação compulsória nos termos do artigo 315.º n.º 2 alínea b) e n.º 3 do ETAPM.
Tendo em conta o artigo 316.º n.º 1 do ETAPM, a pena gradua-se de acordo com as circunstâncias atenuantes e agravantes que no caso concorram, atendendo nomeadamente ao grau de culpa do infractor e à respectiva personalidade, bem como avaliando os especiais valores, tais como o grau de culpa e a gravidade dos factos da infracção disciplinar praticada pela ré, se a ré tenha praticado infracção disciplinar e se confessou os factos, a sua antiguidade, nomeadamente os requisitos de sucessão e de sem arrependimento.
Ao abrigo do artigo 322.º do ETAPM, usando da competência que me foi subdelegada pelo n.º 1 do Ordem Executiva n.º 123/2009 publicada no Boletim Oficial da RAEM, Série I, em 20 de Dezembro de 2009, decido aplicar à A, enfermeira-graduada, 4.º escalão, de nomeação definitiva, a pena de aposentação compulsória.
Nos termos do artigo 337.º n.º 1 do ETAPM e os artigos 32.º a 40.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2006 (Regime de Administração Financeira Pública), ordeno à ré a reposição das quantias de remuneração por trabalho extraordinário indevidamente recebidas (as quais são liquidadas pela Direcção dos Serviços de Saúde conforme os documentos a fls. 149 a 153 dos Autos I).
Notifique devidamente o presente despacho à arguida A.
Gabinete do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, 3 O de Janeiro de 2013.
O Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura: Cheong U (張裕) (Ass.: Vide o original).
7 – Em 2006 foram elaboradas as seguintes “Regras de Prorrogação do Tempo de Serviço”:
Regras da Prorrogação do Tempo de Trabalho
(I) O prolongamento do tempo de trabalho só dá lugar quando haja necessidade efectiva.
(II) Necessidade de prolongamento do tempo de trabalho: considera-se principalmente os interesses de saúde de pacientes e a qualidade de serviço prestado mais favorável.
(3) Princípios gerais:
- O pessoal de turno deve avaliar os trabalhos durante o turno e ter um plano razoável de trabalho.
- O pessoal de turno deve cumprir, de forma responsável e eficaz, as tarefas durante o turno conforme as exigências de trabalho.
- No caso de necessidade de prolongamento de trabalho, deve o chefe de turno fazer avaliação sobre a situação e depois notificar o enfermeiro-adjunto; e só ter lugar a prorrogação do tempo de trabalho com consentimento deste último.
- O tempo de entrega de trabalho ao próximo turno e de fazer registo do tratamento não se consideram como prorrogação do tempo de trabalho.
(IV) Regras:
Serviço de internamento:
- Trabalho de continuação de tratamento de urgência dos pacientes no serviço.
- Tratamento urgente de incidentes imprevistos no serviço, com coordenação necessária.
- Tratamento urgente carecido de execução imediata tendo em conta a coordenação de recursos humanos.
Hospital de dia (a avaliação da quantidade de trabalho do pessoal do turno intermédio faz parte da entrega de trabalho)
- Fora do horário de serviço, ainda há caso concreto a aceitar ou que a estava aceitar tratamento.
-- Trabalho de incidente imprevisto.
-Acréscimo de trabalho imprevisível (comunique o enfermeiro-adjunto para receber assistência e orientação adequada).
Serviço de Consulta Externa:
- Fora do horário de serviço, ainda há pacientes com marcação no mesmo dia ou com marcação específica.
- Há mais 20 minutos para arrumar os arquivos e os objectos depois finda consulta médica.
(V) Pedido:
O colega que lhe foi autorizado o prolongamento do tempo de lho deve preencher o formulário da declaração do Serviço de Enfermagem conforme o facto, incluindo o motivo de prolongamento do tempo de trabalho, o teor do trabalho concreto, o horário do tempo de prolongamento e as horas totais prolongadas, e entregar ao enfeimeiro-chefe ou substituto para verificar e assinar, e depois ao Serviço, de Enfermagem para apreciar e aprovar.
Aos 05 de Julho de 2006 (elaboração)
***
IV – O Direito
1 - Foi a recorrente sancionada disciplinarmente por, alegadamente, ter falsificado no sistema informático o registo de horas extraordinárias pretensamente por si efectuadas após o serviço prestado como enfermeira adstrita ao clínico Dr. K.
Considerando ter violado os deveres de zelo (art. 279º, nº2, al. b) e nº4), do ETAPM) e de lealdade (art. 279º, nº2, al. b) e nº6), do ETAPM), a digna entidade recorrida aplicou-lhe a pena de aposentação compulsiva, acompanhada de reposição das quantias indevidamente recebidas.
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2 - A recorrente imputa ao acto administrativo sancionador o vício de forma, por falta de fundamentação, e o de violação de lei, por ofensa ao disposto nos arts. 337º, nº1, do ETAPM e 37º, nº1, do Regulamento Administrativo nº 6/2006 (prescrição).
Apreciando.
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3 - O primeiro vício foi o de forma por falta de fundamentação.
Sem prejuízo do que adiante haveremos de dizer, não nos parece que ele possa proceder. Diz a recorrente que o acto “não indicou quaisquer fundamentos de facto” (art. 18º, da p.i.).
Não é verdade. O acto em crise, remete expressamente para o relatório do procedimento disciplinar que o antecede. E nele são descritos todos os factos apurados, denunciando a ré na sua estratégia de deturpar os dados do sistema informático a respeito das horas do termo do serviço. Por isso, não podemos dar razão à recorrente acerca deste vício.
Ao assumir o conteúdo do relatório, no que respeita à factualidade a considerar para o efeito, o que o acto fez foi acolher os factos nele provados através da chamada fundamentação “por remissão” que o art. 115º, nº1, do CPA admite. “O dever de fundamentação é cumprido desde que o acto administrativo concreto contenha uma exposição das razões, de facto e de direito, que levaram a Administração a tomar a decisão, que alcança justificação em todo o circunstancialismo concreto apurado no processo disciplinar e na aplicação do direito à conduta delituosa praticada pela arguida”1.
Por outro lado, também se não pode dizer que a recorrente não percebeu o que estava em causa e que, por causa disso, não teve oportunidade de fazer uma boa defesa jurisdicional. Ao contrário, a sua impugnação completa mostra ter percebido muito bem a causa, motivação e fundamentação do acto que sindicou, quer na vertente factual, quer na vertente jurídica.
Improcede, pois, sem mais formalidades o vício de forma por falta de fundamentação.
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4 - Mas, a invocação deste vício merece-nos uma observação. É muito perceptível que aquilo que incomoda a recorrente é a Administração ter partido para sua punição com base em factos que acha não terem sido provados. Ora, isso, e como bem diz o digno Magistrado do M.P., consubstancia o vício de erro sobre os pressupostos de facto, o que particularmente se infere, por exemplo, do teor dos arts. 17º, 18º e 24º da p.i.
Assim, mesmo sem expressamente o ter referido, a forma como a invocação foi feita obriga-nos a inferir que a sua intenção foi a de tentar demonstrar o erro em que a Administração incorreu ao puni-la com base em factos não verdadeiros.
Todavia, até por esse prisma, o vício não pode proceder.
Com efeito, os factos apurados decorrem com suficiência demonstração no processo administrativo apenso. A recorrente teve, aliás, oportunidade de explicar o que se passou nas declarações a que foi chamada a prestar, mas preferiu remeter-se ao silêncio, como se viu acima.
Ora, o que agora a recorrente vem aos autos trazer não é a demonstração do contrário, mas a revelação do que muitas vezes acontece acerca do funcionamento do consultório, do tempo de consulta, do número de doentes atendidos, dos procedimentos de registo de horas e encerramento do sistema informático, o trabalho que por vezes a enfermeira precisa de fazer após o horário normal de serviço (após o último doente, fazer curativos, limpar feridas, dar injecção a doente, etc., etc). Ora, isso em nada contradiz o que aconteceu exactamente segundo a matéria que o relatório deu por provada. Dizer que as coisas normalmente se passam assim, não significa provar que as coisas se passaram exactamente assim. Deveria a recorrente provar que nos dias em causa ela fez exactamente este ou aquele serviço especial que a obrigou a permanecer justificadamente mais tempo no hospital. Mas não fez tal prova.
É sabido que o erro sobre os pressupostos é vício que aos recorrentes cumpre provar, a não ser nos casos em que o acto é praticado ao abrigo da chamada administração ablativa e sancionadora, em que o ónus pertence ao órgão administrativo2.
No caso em apreço, o procedimento administrativo carreou os elementos necessários à punição, cumprindo a Administração o seu ónus probatório. No recurso contencioso não foi a recorrente capaz de demonstrar o erro nos pressupostos de facto em que a sua punição se baseou.
A recorrente apenas ensaiou uma discordância específica no art. 24º da p.i., ao aludir concretamente a um determinado dia (24/02/2011) em que o documento de fls. 149-153 faz menção ao trabalho extraordinário (18h00 às 20h00), cuja remuneração a recorrente deveria repor. Parece a recorrente dizer que este período não está correcto, uma vez que o ultimo registo clínico fora registado às 18h27m.
Todavia, o que o consta do documento é que o cancelamento do registo clínico foi às 19h41. E assim, acrescidos os vinte minutos a acrescer a esse termo – conforme as “Regras de Prorrogação do Tempo de Trabalho” – o tempo de serviço extraordinário foi contado desde as 18h00 até às 20h00. Ou seja, não se crê que esta contagem esteja mal feita.
E sendo assim, não se vê como possa fazer-se censura ao acto quanto a este aspecto.
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5 - Por fim, a recorrente ataca o acto dizendo-o ilegal, por duas razões:
- Por afrontar o art. 337º do RTAPM;
- Por violar o art. 37º, nº1, do Regime da Administração Financeira.
Vejamos o primeiro fundamento.
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5.1 - O art. 337º do ETAPM reza assim:
«1. Finda a instrução do processo, e mostrando-se junto ao mesmo registo disciplinar do arguido, o instrutor elaborará, no prazo de 10 dias, um relatório completo e conciso donde conste a descrição dos factos que integram as infracções, sua qualificação e gravidade, importâncias que porventura haja a repor e seu destino, e bem assim a pena que entender justa, ou a proposta para que os autos se arquivem por ser insubsistente a acusação».
A recorrente acha que este dispositivo legal foi violado, por nem o relatório, nem o acto, terem indicado as exactas quantias de remuneração por trabalho extraordinário indevidamente recebidas que ela deveria repor.
Efectivamente, o acto manda repor as quantias de remuneração de trabalho extraordinário indevidamente recebidas sem dizer qual o montante específico. Todavia, o mesmo acto administrativo também diz, referindo-se a elas, “as quais são liquidadas pela Direcção dos Serviços de Saúde conforme os documentos de fls. 149 a 153 dos Autos”. Ou seja, o acto remete a liquidação para a DSS, em conformidade com o documento de fls. 149 a 153, cálculo que posteriormente foi efectuado e que foi contabilizado em Mop$ 56.008,50 (fls. 096, 119-129), de que a recorrente foi notificada a fls. 143.
Isto significa que não há, quanto a isso, nenhum atropelo àquele dispositivo legal. Na verdade, a ordem de reposição não é dada em quantia incerta; é simplesmente em quantia a liquidar posteriormente com base nos elementos precisos que o procedimento disciplinar já tinha recolhido. O que releva é a determinação de reposição das quantias indevidamente recebidas de acordo com os elementos já disponíveis nos autos; o apuramento concreto desse valor, que teria que ser comunicado à recorrente, seria já praticado no âmbito da execução do acto (seria mero acto de execução).
Assim, não se vê que este dispositivo possa ser dado por violado.
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5.2 - Também entende a recorrente que fora violado o art. 37º, nº1 do Regime de Administração Financeira Pública aprovado pelo Regulamento Administrativo nº 6/2006. Fê-lo de uma forma muito parca e conclusiva, sem desenvolvimento, circunstância que nos dificulta o trabalho de análise, porque não é claro que a intenção da recorrente seja realmente pugnar pela verificação da prescrição (talvez por essa razão, a entidade recorrida não tenha respondido na sua contestação a essa matéria). Mesmo assim, tentemos conhecer o vício, na convicção de ter sido aquela a intenção da recorrente ao invocar o referido art. 37º.
Este preceito, submetido à epígrafe “Prescrição”, dispõe assim:
“1. A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.
2. O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.”
Temos, assim, que o prazo de prescrição é de cinco anos a contar do recebimento. Isto significa que, se o pagamento da primeira remuneração do serviço extraordinário prestado em cada mês se tiver iniciado em Fevereiro de 2011 (como resulta do documento de fls. 100), o prazo de prescrição se teria completado em Fevereiro de 2016 e assim sucessivamente quanto aos meses subsequentes.
Mas, o artigo citado manda aplicar as “regras gerais de suspensão e interrupção da prescrição”. Logo, será de lançar mão das regras da prescrição estabelecidas no Código Civil3, sendo certo que o caso não se resolve por nenhuma das vias de suspensão previstas no art. 311º a 314º do CC. Resta-nos o disposto no art. 315º e seguintes do CC.
Ora, o prazo de prescrição interrompe-se nos mesmos termos da prescrição civil, ou seja, interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (art.º 315º, n.º 1, do CC).
Numa interpretação puramente literal e restritiva, dir-se-ia que a interrupção apenas se daria com um acto, no quadro de um qualquer processo judicial que revelasse a clara intenção de exercer o direito à reposição dos dinheiros públicos.
Todavia, essa norma do art. 315º está desenhada para regular as relações jurídico-privadas, em que uma das partes, para exercer o direito, carece de accionar a outra em juízo. Não é isso o que sucede na Administração Pública. Esta, dando conta do locupletamento indevido, determina a reposição através de um acto administrativo definitivo e executório. Ou seja, o próprio acto, com a sua autoridade, impõe-se por si mesmo. A isso se dá o nome de privilégio de execução prévia. A Administração não precisa de se servir do tribunal para o exercer coercivamente. Com o acto e a sua posterior notificação, fica o interessado a saber que a intenção da Administração é a de exercer imediatamente o direito à reposição. Daí que, logo deva proceder à emissão das respectivas “guias de reposição” (art. 38º).
Portanto, enquanto numa relação jurídica entre privados, só a citação e a notificação judicial (art. 315º, nº1, CC), outro meio judicial equiparado (art. 315º, nº4, CC) ou a notificação judicial avulsa (art. 315º, nº5, CC)4 são causas interruptivas da prescrição que pressupõem um processo judicial cujo objectivo é uma das partes exercer o direito contra a outra, no procedimento administrativo o exercício do direito não carece de um processo judicial, dadas as características dos actos administrativos definitivos e executórios.
E, por isso, se a Administração não carece de mover um processo judicial contra o interessado, então o art. 315º do CC não pode ser aplicado ipsis verbis; tem que ser interpretado de modo a permitir o alargamento dos factores de interrupção sempre que esteja em causa uma relação jurídico-administrativa que implique, não uma acção judicial contra o sujeito passivo (como é normal nas relações jurídico-privadas), mas, ao contrário, uma defesa judicial do obrigado através do meio processual próprio (que no caso é o recurso contencioso).
Assim, não sendo caso de interrupção prescricional com a notificação, nem com a citação do “devedor” em acção movida pelo “credor”, nem com a notificação judicial avulsa peticionável por este último, qual o meio para se julgar interrompida a prescrição?
A remissão de uma norma de direito público (cit. art. 37º, nº2, R.A.) para o regime geral do direito privado dificulta-nos a solução. Todavia, em situação análoga à presente, já houve quem defendesse que podia ser a notificação da acusação em processo disciplinar, por ser através dela que logo a Administração dá conta ao visado da intenção de querer a restituição de determinada importância em dinheiro indevidamente recebida5.
É uma posição que se não enjeita liminarmente, na medida em que a acusação já é um acto que traduz aquela intenção.
Outra solução, talvez aquela que melhor exprime essa intenção, é pensar que o próprio acto final do procedimento administrativo que determina a reposição marca o momento definitivo (quando o acto não está sujeito a recurso hierárquico necessário) e executório sobre o assunto, constituindo ele, assim, o marco decisivo para a interrupção da prescrição (obviamente, depois que notificado). É que a partir dele, já o destinatário do acto sabe que a sua situação está definida e que só uma impugnação judicial6 pode salvá-lo dos actos posteriores a tomar em sede de execução da decisão administrativa.
Pois bem. Releve-se para o efeito a acusação em processo disciplinar ou o acto administrativo que determina a efectiva reposição, cremos que, em qualquer circunstância, o prazo para a prescrição se teria interrompido.
E até diremos mais. Ainda que porventura não estivéssemos perante uma situação interruptiva, nem por isso faria sentido a invocação desta norma (art. 37º, RA nº 6/2006), uma vez que o prazo de cinco anos ainda não tinha decorrido no momento, nem quando o acto foi praticado, nem no momento em que a recorrente o invocou no presente recurso.
Até por esta razão cremos que não pode proceder este vício.
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6 - Em suma, nenhum dos vícios procede.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 5 UC.
TSI, 11 de Setembro de 2014
_________________________ _________________________
José Cândido de Pinho Mai Man Ieng
(Relator) (Fui presente)
(Magistrado do M.oP.o)
_________________________
Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Por exemplo, Ac. TUI, de 29/05/2013, Proc. nº 68/2012.
2 Por exemplo, Ac. TSI, de 18/04/2013, Proc. nº 647/2012.
3 Neste sentido, v.g., na jurisprudência comparada, ver Ac. STA de 3/10/2001, Proc. nº 026105 ou de 17/04/2002, proc. nº 026676 e de 22/04/2004, Proc. nº 02025/02.
4 Sem excluir o reconhecimento (art. 317º, CC).
5 Assim decidiu, na jurisprudência comparada, o Ac. do TCA/N, de 14/12/2012, Proc. nº 00178/06., ao dizer: «1. A notificação da acusação em processo disciplinar na qual se menciona a obrigação da sociedade arguida, dedicada ao ensino, devolver determinada importância, liquida, de verbas recebidas do Ministério da Educação, interrompe, nos termos do disposto no artigo 323º, n.º1, do Código Civil, o prazo de prescrição a que alude o artigo 40º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho. 2…».
6 Como na contestação bem sucedida em processo desencadeado pelo sujeito acto contra o sujeito passivo na relação jurídico-privada.
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