Proc. nº 312/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 18 de Setembro de 2014
Descritores:
-Apoio Judiciário
-Competência para a concessão
SUMÁRIO:
I - A concessão de apoio judiciário, segundo o regime do DL nº 14/94/M, desenvolve-se num processo em duas fases: a fase “preliminar” referente ao patrocínio oficioso (art. 12º) e a fase da “concessão definitiva” relativa à dispensa de preparos e custas (art. 15º).
II - Tendo sido concedido pelo tribunal o patrocínio na primeira fase, a competência para a segunda continua a pertencer-lhe, não à Comissão de Apoio Judiciário, face ao disposto no art. 40º da Lei nº 12/2012º, que manda aplicar aos processos “pendentes de apoio judiciário” o regime anterior.
Proc. nº 312/2014
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM nº XXXXX, residente na XXXXX, nos autos de execução ordinária nº CV2-12-0060-CEO contra si pendentes no TJB, nos embargos que deduziu (CV2-12-0060-CEO-B) requereu a concessão de apoio judiciário.
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Tal pedido foi indeferido liminarmente com fundamento na incompetência do tribunal para dele conhecer.
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É contra esse despacho que ora recorre, em cujas alegações deduziu as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto do despacho a fls. 39 que “não se conhece do pedido de apoio judiciário, indeferindo-se o mesmo liminarmente”, por “Após a entrada em vigor da Lei n.º 13/2012 (01/04/2013), a competência para apreciar os pedidos de apoio judiciário formulados em data posterior não pertence aos tribunais (cfr. arts. 4º, 40º e 43º da mencionada Lei). Isto, mesmo que o pedido seja formulado a título incidental em processo pendente) ”.
2. Contra o R, ora recorrente, foi intentada uma acção de execução para pagamento de quantia certa, e em vista da sua defesa, em 6 de Novembro de 2012, pediu a concessão de patrocínio oficioso, que veio a ser admitido por despacho de 23 de Novembro de 2012.
3. E, por conseguinte, em 28 de Novembro de 2012, ao R foi solicitado para apresentar atestado de insuficiência económica, e o mesmo não o tendo apresentado, em 22 de Março de 2013, foi advertido para o fazer, no prazo de 15 dias, sob pena se de ser indeferido o pedido de apoio judiciário.
4. Entretanto, em 1 de Abril, entrou em vigor o novo Regime de Apoio Judiciário (Lei n.º 13/2012).
5. Em 23 de Abril de 2013, o requerente apresentou o atestado de insuficiência económica, e em 15 de Julho de 2013, foi concedido ao R o benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação do patrono, cuja nomeação foi dada a conhecer ao patrono do R, por notificação enviada em 15 de Julho de 2013, vindo o R, no prazo, apresentar embargos à execução, tendo requerido in fine o apoio judiciário ora em causa.
6. Ora, o Recorrente entende que o douto Tribunal a quo tem competência para conhecer do pedido de apoio judiciário, uma vez que, no momento em que foi intentada a acção de execução para pagamento de quantia certa contra o R, vigorava o DL 41/94/M (Sistema de Apoio Judiciário), e nos termos do artigo 8.º deste regime, cabia ao Juiz decidir pela concessão do apoio judiciário.
7. Ora, apenas em, 15 de Julho de 2013, foi concedido ao R o benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação do patrono, tanto que, em 22 de Março de 2013, foi concedido ao R, um prazo de 15 dias, para apresentar o atestado de insuficiência económica, sabendo-se que a Lei n.º 13/2012, entrava em vigor em 1 de Abril.
8. O Tribunal, salvo o devido respeito, não colocou qualquer reserva quanto ao processo continuar a ser regido pelo DL 41/99/M, perante a entrada em vigor da nova Lei, tanto que, em 23 de Abril de 2013, o R. apresentou o atestado de insuficiência económica e, por conseguinte, em 15 de Julho de 2013, foi-lhe concedido o benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação do patrono.
9. Considerando-se o Tribunal incompetente, entendendo pela aplicação imediata da Lei n.º 13/2012, coloca em causa o despacho de 23 de Novembro de 2012, que admitiu o pedido de concessão do apoio judiciário, bem como, o despacho de 15 de Julho de 2013 que concedeu o beneficio de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, uma vez que, o artigo 4.º da Lei n.º 13/2012, determina que a decisão sobre a concessão de apoio judiciário passa para uma entidade administrativa, a Comissão de Apoio Judiciário.
10. Na verdade, esse entendimento não é aceitável por colocar o R. numa posição mais onerosa, desfavorável, sujeitando-o a uma segunda avaliação, por parte de uma entidade administrativa, a Comissão, quando, está provada nos autos a insuficiência económica do R.
11. Assim, o R. entende que se deve aplicar o artigo 40.º da Lei n.º 13/2012, em que estipula que “Aos processos pendentes de apoio judiciário apresentados antes da entrada em vigor da presente lei, é aplicável o regime anterior', devendo o tribunal a quo ser considerado competente para admitir e decidir o requerido pedido de apoio judiciário, aplicando-se a legislação anterior, o DL 41/94/M.
Nestes termos, requer a V.as Ex.as se dignem revogar a decisão recorrida substituindo-se por outra que determine competência do Tribunal a quo para admitir e decidir o requerido pedido de apoio jurídico, com aplicação do regime anterior, o DL 41/94/M, com as legais consequências, fazendo dessa forma, como V.as Ex.as sempre fazem, a devida JUSTIÇA!».
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Cumpre decidir.
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II – Os factos
Julga-se assente a seguinte factualidade:
1 - Contra o R, ora recorrente, foi intentada no TJB a execução para pagamento de quantia certa nº CV2-12-0060-CEO.
2 - Para assegurar a sua defesa, em 6 de Novembro de 2012, pediu a concessão de patrocínio oficioso (fls. 25), que veio a ser admitido por despacho de 23 de Novembro de 2012 (fls. 26).
3 - Em 28 de Novembro de 2012, o recorrente foi notificado para apresentar atestado de insuficiência económica (fls. 26vº e 27) e, não o tendo apresentado, em 22 de Março de 2013, foi advertido para o fazer, no prazo de 15 dias, sob pena se de ser indeferido o pedido de apoio judiciário (fls. 28).
4 - Em 23 de Abril de 2013, o requerente apresentou o atestado de insuficiência económica.
5 - Em 15 de Julho de 2013, foi concedido ao R o benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação do patrono (fls. 31vº), cuja nomeação foi dada a conhecer ao patrono do R, por notificação enviada em 15 de Julho de 2013, vindo o R, no prazo, apresentar embargos à execução, tendo requerido in fine o apoio judiciário ora em causa.
6 - O recorrente apresentou, através do patrono nomeado, embargos à execução, nos quais deduziu o pedido de apoio judiciário na modalidade de isenção de preparos e custas do processo, bem como honorários de advogado (fls. 14 a 21).
7 - Sobre este pedido de apoio recaiu o seguinte despacho:
«Do incidente de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de preparos e custas.
Após a entrada em vigor da Lei nº 13/2012 (01/04/2013), a competência para apreciar os pedidos de apoio judiciário formulados em data posterior não pertence aos tribunais (cfr. arts. 4º, 40º e 43° da mencionada Lei). Isto, mesmo que o pedido seja formulado a título incidental em processo pendente.
A incompetência dos tribunais tem por consequência a absolvição da instância e, se apreciada no momento liminar, o indeferimento liminar.
Pelo exposto, não se conhece do pedido de apoio judiciário, indeferindo-se o mesmo liminarmente.
Notifique e, se em 10 dias a embargante nada disser, designadamente se não juntar aos autos o documento a que se reporta o art. 16º, nº 3 da Lei nº 13/2012, liquide os preparos que forem devidos.
Notifique.
20/11/2013».
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III - O Direito
1 – Recordando o caso dos autos:
O pedido de nomeação de patrono tinha sido formulado pelo ora recorrente ainda no âmbito do DL nº 41/94/M e foi com base neste diploma que ele veio a ser decidido.
Entretanto, entrou em vigor o novo “Regime Geral do Apoio Judiciário” introduzido pela Lei nº 13/2012, tendo sido já sob a égide deste diploma que o pedido de apoio judiciário foi apresentado. Ora, este diploma confere à “Comissão de Apoio Judiciário” a competência para a decisão sobre o apoio judiciário (arts. 4º e 22º).
Então, a pergunta simples que se impõe é esta: este pedido de apoio judiciário deveria ser decidido com base na lei anterior ou com base no novo diploma?
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2 – Se olharmos para o DL nº 41/94/M, logo se verá que o apoio judiciário compreende a dispensa, total ou parcial, do pagamento de preparos ou do pagamento de preparos e custas, ou o seu diferimento, e bem assim o patrocínio oficioso (art. 1º, nº1).
Isto é, o apoio judiciário é um benefício global com uma dupla vertente: “patrocínio”, por um lado, e “preparos e custas”, por outro. Tudo, porém, fazendo parte do mesmo objectivo do “apoio judiciário”, ainda que num processo que compreende duas partes distintas: uma “fase preliminar”, que é a da nomeação de patrono “para elaborar o pedido de apoio judiciário” (art. 12º) e a “fase da concessão definitiva”, destinada à decisão sobre o tipo de benefício a conceder em matéria de preparos e custas (art. 15º e sgs.).
Um procedimento (um incidente: arts. 24º do cit. dip. e 14º, nº1, al. m), do RCT) em duas partes, portanto.
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3 – E no âmbito da Lei nº 13/2012, de 10/09?
Também o apoio judiciário compreende a isenção de preparos e custas, bem assim como a nomeação de patrono (art. 3º).
Parece, no entanto, que o procedimento aqui é único. Não há duas fases, uma para a concessão do patrocínio, outra para o apoio em matéria de preparos e custas. Na verdade, o interessado deve logo indicar a “modalidade de apoio pretendido” (cfr. art. 17º, nº2). Ao contrário do que antes sucedia, em que o patrono nomeado na primeira fase devia elaborar posteriormente o pedido de apoio quanto a custas e preparos (art. 12º, do DL nº 41/94/M), agora não está prevista essa “fase”1.
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4 – Qual a lei aplicável, então?
Estaríamos confrontados com uma aparente dificuldade se tivéssemos que concluir que se deveria aplicar a lei nova. Na verdade, segundo acabamos de ver, parece não ser possível que o patrono nomeado possa depois vir pedir o apoio noutra das modalidades previstas.
Mas, segundo o nosso entendimento, a aplicação a efectuar é a do diploma anterior. Com efeito, de acordo com a disposição transitória inscrita no art. 40º da Lei nº 13/2012, “Aos processos pendentes de apoio judiciário apresentados antes da entrada em vigor da presente lei, é aplicável o regime anterior”.
Ora, como no anterior regime o apoio judiciário compreende duas fases, podemos então concluir que o processo em causa ainda estava “pendente de apoio judiciário”, uma vez que nele somente tinha sido concedido o patrocínio. A apresentação do pedido do apoio judiciário na modalidade de isenção de preparos e custas (cfr. fls. 21 dos presentes autos) representa o exercício do direito que a lei anterior reconhecia, nos termos das disposições citadas no ponto 2 supra. Podemos por isso dizer que este é, ainda, um “processo pendente de apoio judiciário”.
Cremos, pois, que na situação sub judice não podemos falar, salvo o devido respeito, em perda de competência para decidir este segundo pedido. Se interpretarmos este segundo pedido como fazendo parte da segunda fase do processo de “apoio judiciário” previsto no diploma anterior e iniciado sob a sua vigência, então a competência para o decidir continua a caber, segundo o art. 40º referido, ao tribunal que apreciou a fase do patrocínio. Ou seja, a competência é jurisdicional (a cargo do Tribunal), não administrativa (a cargo da Comissão de Apoio Judiciário).
Assim sendo, o recurso merece ser provido.
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IV – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o douto despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que aprecie o pedido de apoio judiciário requerido na petição de embargos.
Sem custas.
Honorários ao patrono oficioso: Mop$ 2.000,00.
TSI, 18 de Setembro de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 Se a intenção do legislador não foi essa, haverá que proceder à alteração do diploma, de modo a passar a permitir expressamente a posterior dedução do apoio na modalidade de isenção de preparos ou de isenção de custas pelo próprio patrono nomeado. Tal como está redigida presentemente, parece não haver lugar a essa possibilidade. Permanece, porém, uma dúvida; é saber se, no momento da formulação do pedido, o interessado pode acumular duas pretensões: uma, de nomeação de patrono, outra de isenção de custas e preparos. Não custa admitir que sim, até para não haver um corte radical em relação ao que se passava no regime anterior, embora o preceito (art. 17º, nº2) prescreva que o requerente deve indicar a modalidade (não diz as modalidades) de apoio pretendido.
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312/2014 10