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Processo nº 45/2014
(Recurso Jurisdicional Administrativo)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 25/Setembro/2014


Assuntos:
- Alojamento ilegal


SUMÁRIO:

Preenche a previsão do n.º1 do art. 10º da Lei n.º 3/2010 quem, não obstante a celebração de um contrato de arrendamento com alguém e sua participação à DST, tem o controle da fracção e permite que aí se alojem várias pessoas que pagavam pelo alojamento, ainda que não conhecessem o dono do andar, se esse arrendamento perdurou por cinco dias, se na mesma altura foi realizado um outro arrendamento, se já havia pessoas alojadas na fracção quando o pretenso arrendatário ali se instalou, se foram realizadas obras de transformação da cozinha em quarto, para mais, se o dono da fracção, trabalhava no ramo do imobiliário, não podendo deixar de ter domínio e controle do imóvel e deste tipo de situações e abusos.

O Relator, João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 45/2014
(Recurso de Decisões Jurisdicionais)

Data: 25 de Setembro de 2014

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Directora Substituta dos Serviços de Turismo

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, mais bem identificado nos autos, recorre da sentença proferida no Tribunal Administrativo, em que se deu por assente que o recorrente deu de arrendamento a fracção em causa ao B, através do direito de controlo da fracção, admitindo que outros exercessem a actividade de prestação ilegal de alojamento, julgando improcedente o recurso contencioso interposto da decisão da Exma Senhora Directora Substituta dos Serviços de Turismo que lhe aplicou a multa de MOP$200.000,00.
    Para tanto alega em síntese conclusiva:
    
    1. Violou os artºs 2º, nº 1 e 10º da Lei nº 3/2010 “Proibição de prestação ilegal de alojamento”
    2. Nos termos do artº 2º da Lei nº 3/2010 “Proibição de prestação ilegal de alojamento”: “Para efeitos da aplicação da presente lei, é prestação ilegal de alojamento, a actividade de prestação de alojamento ao público, sem possuir a licença para exploração de estabelecimentos hoteleiros, em prédio ou fracção autónoma não destinado a fins de actividade hoteleira e similar, cujo ocupante é não residente da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), ao qual não foi concedida autorização especial de permanência ou autorização de permanência de trabalhador não residente, salvo verificando-se uma das seguintes situações:
    1) A pessoa que presta alojamento tem uma relação estável de arrendamento com o ocupante e, antes da investigação da actividade referida, entregou a declaração de contribuição predial relativa a esta relação de arrendamento, junto da Direcção dos Serviços de Finanças;
    2) (…).”
    3. Primeiro, em 24/08/2010, o recorrente assinou contrato de arrendamento da fracção em causa com B, pela renda mensal de MOP$4,500.00, com período de 12 meses, entre 28/08/2010 a 27/08/2011, o recorrente entregou de imediato as chaves da fracção ao B.
    4. Segundo, em 30/08/2010, isto é, 3º dia do arrendamento, o recorrente face à relação de arrendamento, apresentou a declaração da contribuição predial na DSF, participou com verdade a situação de arrendamento da fracção em causa.
    5. Isto é, o recorrente tinha uma relação de arrendamento estável com B, antes da inspecção do dia 04/09/2010, face à relação de arrendamento já tinha apresentado o pedido de contribuição predial à DSF.
    6. Foi evidente que a conduta do recorrente corresponde com a situação disposto no artº 2º da Lei nº 3/2010 “Proibição de prestação ilegal de alojamento”, portanto não se trata de prestação ilegal de alojamento.
    7. No dia 24/08/2010, o recorrente depois de entregar as chaves ao arrendatário B, a partir de então o direito de controlo da fracção passou para o arrendatário B, o recorrente não podia de modo algum possuir o direito de controlo da fracção.
    8. Ao mesmo tempo, como pressuposto da sanção da infracção administrativa, para além de existir o facto objectivo que constitui o tipo de crime, é necessário também provar que existe culpa na violação da lei, contudo, o recorrente não sabia que a dita fracção foi suspeita de haver prestação ilegal de alojamento, nestes termos, não existe violação da lei com dolo ou por negligência, muito menos controlar, de qualquer forma, a dita fracção para prestação ilegal de alojamento!
    9. Por isso, o acórdão recorrido por ter violado o disposto no artº 2º da Lei nº 3/2010 “Proibição de prestação ilegal de alojamento”, deve ser anulado.
    10. O recorrente deu de arrendamento a fracção em causa ao B, pelo período de 12 meses.
    11. Conforme o depoimento das testemunhas, soube que C devia conhecer o arrendatário B.
    12. A entidade recorrida reconheceu que o recorrente pelo menos deu de arrendamento a fracção, na mesma altura, ao B e C, mas C nunca referiu que conhecia ou viu o recorrente.
    13. Foi evidente que B foi o único arrendatário da dita fracção.
    14. Neste caso, nunca os ocupantes ilegais encontrados pelo pessoal de inspecção na fracção em causa, disse que viu ou conheceu o recorrente.
    15. No acórdão recorrido nunca explicou claramente porque razão reconheceu o recorrente como sendo a pessoa que controlava a fracção.
    16. Se bem que, é da hipótese o tribunal acreditar nas declarações do C, mas o recorrente é A e não o indivíduo de apelido Sun indicado pelo C, pois é impossível devido a isto, reconhecer o recorrente como sendo a pessoa que deu de arrendamento, na mesma altura, ao B e ao C, muito menos reconhecer que o recorrente depois de ter dado de arrendamento a fracção, continuava a ter o direito de controlo da fracção em causa.
    17. Além disso, B referiu ainda que antes morava na fracção do XXXX do Centro XXXX, pagava a renda mensal de HK$7,000.00, entretanto a fracção em causa situa-se XXXX, a renda mensal era de HK$4,500.00, depois de ter tomado de arrendamento passou a morar lá.
    
    18. Todavia C, no dia 04/09/2010, no ponto 3.1 do auto de declarações, declarou que tinha de pagar a renda de HK$7,000.00, mas nas observações C disse que a renda mensal era de quatro mil e tal, nitidamente existe discrepância.
    19. Foi evidente que C não sabia as condições do arrendamento.
    20. B no julgamento disse claramente que assinou contrato de arrendamento da fracção do XXXX com o recorrente. (vide de gravação das declarações do B. (recorded on 13/06/2012 at 11.28.48, 00:04-0023), (recorded on 13/06/2012 at 11.30.50, 01:17-02:13), (recorded on 13/06/2012 at 11.33.23, 00:00-00:25), (recorded on 13/06/2012 at 11.34.01, 00:00-00:29) e (recorded on 13/06/2012 at 11.42.50 (OU@F7ABW00159873, 00:02:29-00:02:46)
    21. B declarou claramente que a cópia da caderneta e o recibo ficaram colocados na aludida fracção, não foram entregues directamente ao C, bem como, indicou que o recorrente deu de arrendamento a fracção a si único. (vide recorded on 13/06/2012 at 11.42.50 (OU@F7ABW00159873, 00:01:53-00:02:18))
    22. B declarou claramente na audiência que foi sozinho assinar o contrato com o recorrente. (vide recorded on 13/06/2012 at 11.42.50 (OU@F7ABW00159873, 00:04:16-00:04:31)
    23. Além disso, a carta rogatória emitida pelo Tribunal Popular Superior da Província de Jiangxi, consta que B confessou ter assinado o contrato de arrendamento com o recorrente no dia 24/08/2010, pela fracção sita na Avenida da Amizade, XXXX, Macau, sendo a renda mensal de HK$4,500.00, pelo período de 12 meses, e recebeu as chaves da casa. (vide fls. 132, cujo teor dos documentos se deu aqui por integralmente reproduzido)
    24. A entidade recorrida reconheceu erradamente que o recorrente deu de arrendamento a fracção, na mesma altura ao B e C; o Tribunal Aquo reconheceu que a fracção em causa era controlada pelo recorrente, admitia que várias pessoas alojassem na fracção por curto período, também foi evidente que existe erro no reconhecimento dos factos
    25. No acórdão do proc. nº 646/2011 do TSI refere “O juiz no julgamento do facto controvertido que constitui o objecto da acção, ao decidir os factos dados como provado ou não provado, salvo disposição legal em contrário, aprecia a prova segundo as regras da experiência, valorizando todos os elementos da prova, que através da qual será determinada quais os factos verdadeiros ou falsos.” “Quando o Juiz no resultado final do julgamento determinar que os factos violaram nomeadamente as regras da experiência da vida quotidiana, estando assim a cometer um erro notório na apreciação das provas.” “Por isso, salvo disposição legal em contrário, a regra da experiência é a luz orientadora da livre convicção, e também uma restrição que a livre convicção não pode romper. A livre convicção que afasta da regra da experiência, de facto, não é permitida por lei.”
    26. Na audiência de julgamento do presente caso, o recorrente ouviu o depoimento das testemunhas, coincide com as suas declarações, mas o tribunal recorrido afastou-se da livre convicção formada pela regra de experiência, considerou subjectivamente que o recorrente controlava a fracção em causa, violou evidentemente o princípio da livre convicção.
    27. A fracção em causa apenas foi dado de arrendamento por alguns dias, nunca foi lá receber a renda, se bem que após alguns dias de arrendamento não foi verificar a casa, mas isto não é fundamento para considerar que o recorrente tinha a culpa de deixar os outros utilizar a casa para exercer a actividade prestação ilegal de alojamento.
    28. O recorrente já tinha explicado que a fracção em causa foi dada de arrendamento ao B e foi-lhe entregue as chaves, pouco dias depois do arrendamento veio a inspecção, não sabia porquê e se realmente encontravam pessoas estranhas a ocupar a casa, apenas o B é que consegue ter uma explicação razoável.
    28. (sic.) Depois de dado de arrendamento ao B, era impossível o recorrente possuir o direito de controlo da fracção, nem sabia de que forma podia ter o direito de controlo da fracção?
    29. Conforme as provas constantes no processo, não devia assentar que o recorrente controlava a fracção, permitia que os outros exercessem a actividade de prestação ilegal de alojamento, de facto, a entidade recorrida sancionou erradamente o recorrente inocente.
    30. Na verdade, foi evidente que a pessoa que prestou ilegalmente de alojamento foi o B ou C e não o recorrente.
    31. Foi notório que o Tribunal recorrido violou o princípio da livre apreciação da prova, que por sua vez padece de vício de erro no reconhecimento dos factos. O Tribunal reconheceu erradamente que o recorrente através do direito de controlo da fracção em causa, permitia que os outros exercessem na fracção sob o seu controlo, a actividade de prestação ilegal de alojamento, pelo que deve o respectivo acórdão ser anulado.

Pelo exposto, entende que a sentença recorrida violou os artºs 2º, nº 1 e 10º da Lei nº 3/2010 “Proibição de prestação ilegal de alojamento”, porque padece de erro no reconhecimento dos factos e violou o princípio da lei e da livre convicção, pelo que se deve julgar procedente o recurso e decretar a anulação da sentença recorrida.

    A Exma Senhora Directora dos Serviços de Turismo (DST), vem apresentar as suas ALEGAÇÕES DE RECURSO, dizendo em suma:
    I. O Recorrente insiste na sua versão factual sem contudo trazer, no âmbito deste recurso que interpôs, quaisquer dados que possam negar os factos firmados e dados como provados;
    II. Não se aplica ao caso a excepção da alínea 1) do artigo 2.° da Lei n.º 3/2010 porque os "contratos de arrendamento" celebrados pelo Recorrente mais não eram do que "disfarces" para camuflar a actividade que era levada a cabo na fracção;
    III. Afastada a aplicação dessa excepção, os factos dados como provados permitem enquadrar a actividade do Recorrente como prestação de alojamento ilegal, punível pelo n.º 1 do artigo 10.° da Lei n.º 3/2010, pelo que a sentença do TAM não enferma de vício de violação da lei;
    IV. A sentença também não padece de erro sobre os pressupostos de facto pois o Recorrente nunca deixou de ter o controle da fracção;
    V. O facto de não se ter provado que o Recorrente prestava alojamento aos ocupantes encontrados na fracção apenas afastou a sua punição na qualidade de explorador directo da actividade ilegal. Contudo o Recorrente foi punido porque, embora detivesse a posse e o controle da fracção, nada fez para impedir a sua utilização, por terceiros, para esse fim;
    VI. Os factos apurados e provados foram mais do que suficientes para serem subsumidos à previsão do n.º 1 do artigo 10.º da Lei 3/2010;
    VII. A sentença recorrida só poderia ser afastada pelo douto TSI se padecesse de um erro manifesto. Mas tendo o juiz "a quo" feito uma análise correcta de toda a prova, incluindo das declarações das testemunhas chamadas ao processo, as suas conclusões estão de acordo com as regras da experiência e da sua livre apreciação da prova, pelo que não se vislumbra erro manifesto da sua parte;
    VIII. Pelo que, em conclusão, a sentença do TAM, ora recorrida, não padece de qualquer vício que afecte a sua validade já que não existe nem violação de lei nem erro sobre os pressupostos de facto e bem esteve o TAM em não dar provimento ao recurso e, dessa forma, manter a decisão da DST de punir o Recorrido pelo n.º 1 do artigo 10.º da Lei 3/2010 que estabelece que "quem prestar ilegalmente alojamento ou controlar por qualquer forma prédio ou fracção autónoma utilizado para a prestação de ilegal de alojamento é punido com multa de 200 000 a 800 000 patacas".
    Nestes termos, conclui, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida.
    
    O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
    Se bem apreendemos o conteúdo do argumentado pelo recorrente, assaca o mesmo à douta sentença sob análise praticamente o mesmo tipo de vícios que sustentara em sede do recurso contencioso, isto é, o que o próprio denomina como "erro no reconhecimento de facto", pretendendo, cremos, reportar-se a erro nos pressupostos factuais em que a decisão assentou e na consequente ofensa dos artigos 2°, n.º 1 e 10º da Lei 3/2010 (visando enquadrar-se no 1º e não no 2º normativo), sustentando, em síntese, ter assinado contrato de arrendamento da fracção em questão com B, com quem manteve relação de "arrendamento estável", entregando-lhe imediatamente as chaves e apresentando a declaração de contribuição predial na DSF, deixando, na prática, de ter controle sobre tal fracção e ignorando, em absoluto, a prestação de alojamento ilegal na mesma, nunca, aliás, em seu critério, tendo a sentença em crise explicado claramente "porque razão reconheceu o recorrente como sendo a pessoa que controlava a fracção".
    A questão é que, da análise que empreendemos do conteúdo do acervo probatório carreado para aos autos, quer do procedimento administrativo instrutor, quer do produzido junto do tribunal "a quo", não se divisa que não corresponda à realidade dos factos o fundamental do concluído na matéria, isto é, que, embora tendo dado a fracção em questão de arrendamento a terceiro (ou terceiros), o recorrente continuou, "malgré tout" a controlar a mesma, permitindo, através da sua permissão "tácita" o exercício da actividade de prestação ilegal de alojamento, caindo, consequentemente, tal "postura" na alçada da previsão do n° 1 do art. 10°, já referido.
    E, se alguma coisa se pode assacar ao douto aresto sob escrutínio, não será, certamente, eventual falta de fundamentação relativamente à decisão alcançada: da sua análise, verifica-se ter-se o mesmo preocupado em escrutinar, meticulosa e minuciosamente, os elementos probatórios carreados, com análise crítica e pormenorizada de toda a matéria relevante, sendo que, a partir da mesma, se não visiona que as regras da experiência ou do senso comum impusessem, porventura, diferente conclusão da alcançada a integração jurídica operada irrepreensível.
    Donde, em nosso critério, na falta de registo de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, sermos a entender ser de manter o decidido.
    
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    “No dia 04/09/2010, o grupo de inspecção da DST, conjuntamente com o pessoal da PSP dirigiram à fracção, sita na Avenida da Amizade, XXXXX, a fim de proceder o combate à prestação ilegal de alojamento. Na aludida fracção foram encontrados 2 indivíduos não residentes de Macau portadores de documentos de viagens: D e E, bem como, um imigrante ilegal: C. Tais indivíduos não conseguiram exibir o contrato de arrendamento da aludida fracção. O pessoal da DST ouviu os 3 indivíduos em declarações, um dos quais, C alegou que tomou de arrendamento a aludida fracção a um individuo de apelido Sun, responsável da “Agência de Imobiliário F”, pela renda mensal de HKD$7,000.00, o seu quarto é o quarto nº 3, bem como, encarregava de recolher a cada ocupante dos outros 3 quartos, a renda de duas mil, no qual inclui as despesas de água e electricidade, que depois seria entregue ao de apelido Sun, responsável da “Agência de Imobiliário F”, mais exibiu ao pessoal de inspecção, a cópia da caderneta, sendo o detentor o recorrente e um recibo com carimbo da “Agência de Imobiliário F”; C disse ainda que o seu amigo B lhe iria recolher a bagagem, mas B não residia na aludida fracção, ao mesmo tempo, referiu que não conhecia os restantes ocupantes da fracção; D declarou que um amigo conhecido por “G”, deu-lhe as chaves da fracção em Zhuhai, China, “G” foi conhecido recentemente em Zhuhai; E declarou que conheceu um indivíduo no casino de apelido “Tun”, o qual forneceu-lhe alojamento, este amigo nunca lhe recebeu dinheiro, nem tem o seu contacto; D e E, ambos alegaram que não conheciam os outros ocupantes da fracção. Os quartos da fracção em causa tinham número de indicação. No mesmo dia, o pessoal da inspecção da DST elaborou o auto de notícia nº 49/DI-AI/2010, tirou fotografias e desenhou o esboço da fracção, indicando haver indícios de prestação ilegal de alojamento, violando o artº 2º da Lei nº 3/2010 (vide fls. 1 a 26 e verso, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzido).
    A fracção em causa é propriedade do recorrente e da sua esposa H, (vide anexo nº 49 a 53).
    A DST nunca emitiu licença para exploração de estabelecimentos hoteleiros à fracção sita na Avenida da XXXXX.
    No dia 06/09/2010, o pessoal da DST ouviu o recorrente em declarações, o qual disse que era sócio da “Companhia de Imobiliário F” e da “Companhia de Obras e Exportação/Importação I”, através da apresentação de seu conterrâneo “XXX” conheceu B, a partir de 28/08/2010 deu de arrendamento a fracção em causa ao B, pela renda mensal de HK$4,500.00, este chegou dizer que a fracção era para ele e seus conterrâneos alojarem, mas o recorrente não sabia quem eram os seus conterrâneos, bem como, referiu que depois da celebração do contrato de arrendamento, nunca chegou verificar a fracção, por isso não sabia se B residia ou não na fracção. Dado que B apenas pagou o sinal HK$3,000.00, por isso nunca lhe entregou o original do contrato de arrendamento. No dia 29/08/2010, B foi à “Companhia de Imobiliário F” para tratar da devolução da renda de uma outra fracção, bem como, declarou que no dia 05 de Setembro iria pagar o remanescente, mas até à presente data, ainda não pagou nada; o recorrente referiu que antes do arrendamento vivia com a sua família na aludida fracção no período compreendido entre Fevereiro de 2009 e 15/08/2010, a sua esposa H, seu filho J e os 3 filhos do irmão da esposa, na altura, transformou a cozinha em quarto de dormir; referiu ainda que não conhecia C (vide fls. 46 e verso, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzido).
    No mesmo dia, o recorrente entregou à DST, a cópia do contrato de arrendamento e a cópia da declaração da contribuição predial, sendo o arrendatário da fracção B, pela renda mensal de HK$4,500.00 e o período de arrendamento era compreendido entre 28/08/2010 a 27/08/2011 (vide fls. 40 a 43, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
    No mesmo dia, os dois não residentes de Macau, respectivamente WU e L, dirigiram à aludida fracção para reaver os seus objectos, os quais declararam ter conhecido C no casino e este levou os dois à aludida fracção e alojaram num dos quartos, pagando a renda semanal no montante de HK$1,000.00, alegaram ainda não conhecer os outros ocupantes da fracção (vide fls. 56 e verso a 65, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
    No dia 07/09/2010, uma não residente de Macau, M, foi à dita fracção reaver os seus objectos e declarou que em Julho de 2010, conheceu C no casino, este levou-a à fracção sita na Avenida da Amizade, XXXX e ficou lá pouco mais de 10 dias, não necessitou de pagar renda, posteriormente, ela regressou para a RPC, até que em 06/09/2010 voltou a Macau para recolher os seus objectos (vide fls. 66 e verso a fls. 72, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
    No dia 09/09/2010, um não residente de Macau, N, dirigiu à fracção em causa para recolher os seus objectos, este declarou que nunca alojou na fracção, só que C colocou os seus objectos na aludida fracção (vide fls. 77 a 85, cujo teor se deu aqui por integramente reproduzidos).
    No dia 21/10/2011, o pessoal da DST ouviu o recorrente em declarações, o qual disse que a partir de 27/08/2010 deu de arrendamento a fracção ao B, sabia que B chegou a residir na fracção, mas não sabia quanto tempo, ao mesmo tempo, um dos ocupantes da fracção C foi à Agência de Imobiliário do recorrente (F) para tratar do arrendamento, sendo a renda mensal HK$7,000.00, mas o recorrente negou os factos, dizendo que não conhecia as pessoas alojadas na fracção (vide fls. 222 e verso, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
    No mesmo dia, o pessoal da DST ouviu o B em declarações, o qual disse que tomou de arrendamento a fracção na “Agência de Imobiliário F”, pela renda mensal de HKD$4,500.00, pernoitou 5 dias, posteriormente por assuntos pessoais foi a Zhuhai, China, durante a sua permanência na fracção, residia um casal, não conhece o apelido do casal, apenas tratava o do sexo masculino por “OS”, o casal foi conhecido no casino há cerca de 4 meses; ao mesmo tempo, disse que não conhecia C, não tinha conhecimento que C tomou de arrendamento a aludida fracção pela renda mensal de HK$7,000.00. (vide fls. 221 e verso, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
    No dia 04/11/2011, o recorrente prestou declarações complementares, alegando que na data da celebração do contrato de arrendamento, entregou as chaves ao arrendatário, ao mesmo tempo referiu que a sua esposa H, a partir de Agosto de 2010, deixou de trabalhar na “Agência de Imobiliário F” (vide fls. 224, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
    No dia 27/01/2012, a entidade recorrente proferiu despacho, concordando com o teor do relatório nº33/DI/2012, indicando que as declarações prestadas pelo recorrente e B não são credíveis, conforme os factos, presume-se que o recorrente pelo menos deu de arrendamento a fracção, na mesma altura, ao B e C, mas é razoável acreditar que a fracção era controlada pelo recorrente, ele permitia que várias pessoas alojassem na referida fracção, entende haver fortes indícios de que o recorrente usou a aludida fracção para prestação ilegal de alojamento, e que a sua conduta violou o disposto no artº 10º, nº 1 da Lei nº 3/2010, por isso decidiu deduzir acusação contra o recorrente, notificando-lhe para apresentar a sua contestação dentro do prazo legal (vide fls 232 a 237, (cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
    No mesmo dia, a entidade recorrente emitiu notificação nº 31/AI/2012, informando ao recorrente, para apresentar a sua contestação sobre o facto de prestação ilegal de alojamento, no prazo de 10 dias, expirado o prazo não será aceite a entrega da contestação e apresentação das provas (vide fls. 232 a 237 cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
    Em 02/02/2012, a DST enviou notificação ao recorrente (vide fls. 239 e verso a 240).
    No dia 28/02/2012, o recorrente apresentou a sua defesa por escrito à DST, alegando que a fracção foi dada de arrendamento ao B a partir de 24/08/2010, e não como descrito no relatório que a fracção foi subarrendada a outros, o arrendatário era B, o qual também compareceu na DST para prestar esclarecimentos e ele juntou a cópia do contrato de arrendamento nos autos (vide fls. 241 a 248)
    No dia 18/04/2012, a entidade recorrida proferiu despacho, concordando com o teor do relatório nº 270/DI/2012, indicando que o recorrente pelo menos deu de arrendamento a fracção, na mesma altura, ao B e C, além disso, é razoável acreditar que a fracção era controlada pelo recorrente, ele permitia que várias pessoas alojassem na referida fracção, conforme os factos supracitados, o recorrente realmente usou a aludida fracção para prestação ilegal de alojamento, pelo que decidiu, ao abrigo do artº 10º, nº 1 da Lei nº 3/2010, aplicar-lhe a multa de MOP$200,000.00 (vide fls 254 a 2259, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
    No mesmo dia, a entidade recorrida emitiu ao recorrente a notificação nº 264/AI/2012, informando-lhe sobre a supracitada decisão e ao mesmo tempo, foi-lhe ordenado a cessação imediata da prestação ilegal de alojamento na fracção em causa e pagamento da multa no montante de MOP$200,000.00 na nossa Direcção, no prazo de 10 dias; assim como, lhe informou que nos termos do artº 25º, nº 2, al. b) do CPAC e artº 20º da Lei nº 3/2010, poderá interpor recurso contencioso ao TA (vide fls. 260, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
    No dia 20/04/2012 o pessoal da DST notificou o constituinte do recorrente do teor da notificação nº 264/AI/2012 (vide fls. 261 a 262v, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
    No dia 21/05/2012, o recorrente apresentou o presente recurso.”
    IV - FUNDAMENTOS
    1. Defende o recorrente, basicamente que a sentença recorrida violou o disposto nos artºs 2º, nº 1 e 10º da Lei nº 3/2010 “Proibição de prestação ilegal de alojamento, o que resulta de um errado julgamento de facto, permitindo-se proceder à análise do depoimento de B que aponta no sentido de que o recorrente lhe arrendou a fracção e se alguém prestou alojamento ilegal terá sido este ou o C, tanto mais que não conhecia quem ali se alojava.
    
    2. Sobre um pretenso erro de julgamento em relação à matéria de facto, observa-se que a análise a que o Mmo Juiz recorrido procedeu na sua douta sentença não merece censura, pelo que aqui se sufraga.
    Procura o recorrente convencer sobre a sua interpretação dos factos e invoca a aplicação ao caso das alíneas 1) e 2) do art. 2.° da Lei n.º 3/2010, no que respeita à celebração de um contrato de arrendamento celebrado entre o recorrente e P, em 24 de Agosto de 2010, bem como a entrega de uma declaração para efeitos de contribuição predial relativa a essa relação de arrendamento junto da Direcção dos Serviços de Finanças, afirmando que o presente caso cai na situação excepcional da alínea 1) do artigo 1.° e que, para além disso, o facto de desconhecer o exercício da actividade ilegal no local em causa o iliba de qualquer responsabilidade.
    Se é verdade que esses factos existem, eles não são de molde a abalar a convicção de que a utilização e desfrute da casa não se subsumia nesse contrato, o que se mostra bem esmiuçado na douta sentença proferida. Essa é apenas uma pequena parte da realidade com que se pretende camuflar tudo o mais que ali se passava.
    
    3. Esquece ou omite o recorrente o facto de que não logrou provar que detinha uma relação de arrendamento estável e exclusiva com P, pois, por um lado, quando este entrou na fracção, a 24 de Agosto, na mesma já se encontravam alojadas outras pessoas que ele não conhecia e, por outro, porque esse arrendatário apenas permaneceu na fracção cinco dias, período demasiado curto para uma relação de arrendamento poder ser qualificada de "estável" e afastar a possibilidade de a configurar como encapotada. Ou seja, até pode ter sobrevindo tal arrendamento, só que essa situação não explica o quadro ocupacional que ali foi detectado.
    Não explica como é que durante esse curto período de cinco dias houve outro "contrato de arrendamento" relativo à mesma fracção sendo que o segundo arrendatário, C, se encontrava na fracção à data da Inspecção Conjunta e reconheceu que prestava alojamento a terceiros mediante remuneração.
    
    4. É verdade que as testemunhas cujo depoimento o recorrente descreve disseram o que vem transcrito, mas daí não se retira necessariamente que tudo se resumiu a um arrendamento por parte do recorrente com desconhecimento do que se passava no arrendado.
    É legítimo pensar que estes "contratos de arrendamento" celebrados pelo recorrente mais não eram do que um estratagema para camuflar a actividade ilegal que era levada a cabo na fracção e que quer P quer C não eram verdadeiros arrendatários mas tão só ocupantes ilegais da fracção, não se mostrando preenchidos os requisitos necessários à aplicação da excepção da alínea 1) do artigo 2.° da Lei n.º 3/2010;
    
    5. Importa referir que para além destes factos outros ainda legitimam a conclusão extraída pela DST, quais sejam as obras levadas a cabo na fracção, indiciando a sua aptidão à utilização de quartos sem autonomia de uma utilização global do resto da casa. É assim que a cozinha sofreu obras ilegais para ser transformada num quarto e estava a ser utilizada não para habitação mas por pessoas que se deslocavam a Macau para jogar nos casinos ou com outras finalidades e que, através de diversos angariadores, eram levados para a fracção para aí se alojarem, mediante pagamento, durante a sua estadia em Macau, permanecendo esses ocupantes na fracção por curtos períodos de tempo dado que eram todos não residentes da RAEM sem autorização especial de permanência ou autorização de permanência de trabalhador não residente.
    
    6. Basicamente, insiste o recorrente que esses factos lhe escapavam e sobre eles não tinha domínio. Não é crível que assim fosse. O recorrente, na qualidade de proprietário da fracção e com a posse da mesma, permitia que aquelas actividades decorressem na fracção e tudo aponta para que não deixasse de saber o que ali se passava, enquadrando-se a sua actividade no artigo 2.° da Lei n.º 3/2010.
     O recorrente e a sua esposa eram os proprietários da fracção e, para além disso, aquele exercia profissionalmente a actividade de agente imobiliário, pelo que qualquer uma destas qualidades lhe impunha o dever de tomar conhecimento das actividades desenvolvidas na fracção.
    Quanto ao pretenso erro de julgamento de facto, ainda que dos depoimentos resulte que houve um arrendamento (e outro), ainda que daí resulte que os moradores não conhecessem o recorrente, isso não explica os factos acima mencionados e que excluem a existência de um arrendamento puro, como não explica a existência de ocupantes antes da data em que foi celebrado, em 24 de Agosto.
    Como também não justifica o recorrente o facto de existirem outros ocupantes na fracção durante o mesmo período de cinco dias em que P ali permaneceu e que este disse não conhecer, nem ainda o facto de, à data da Inspecção Conjunta, quando P, regressado ao Interior da China, serem encontrados aí vários ocupantes, nomeadamente C, Q e R, alguns deles tendo passado a morar na fracção depois do dia 29 de Agosto, após P ter deixado a fracção.
    Razão por que se entende plausível o enquadramento da situação como tratando-se de actividade ilegal de prestação de alojamento ao público sem a necessária licença, situação que se enquadra na definição do artigo 2.° da Lei n.º 3/2010 e que a responsabilidade por essa infracção, de acordo com o n.º 1 do artigo 10.° da mesma Lei, recaía sobre a pessoa que prestava o alojamento ou que controla o prédio ou a fracção.
    Nesta conformidade somos a sufragar o entendimento vertido na douta sentença recorrida.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional administrativo.
    Custas pelo recorrente, com 5 UC de taxa de justiça
                  Macau, 25 de Setembro de 2014,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Foi presente
Victor Manuel Carvalho Coelho
45/2014 12/20