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Processo n.º 181/2014
(Recurso Cível)
    
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 16/Outubro/2014


ASSUNTOS:

- Desvalorização de veículo em consequência de acidente
- Nulidade da sentença
    
    
    SUMÁRIO :
    É nula a sentença se ela se contradiz, ao dizer que o valor da desvalorização corresponde à diferença entre dois valores reportados a duas datas diferentes e matematicamente o valor encontrado não corresponde a essa diferença. Ainda porque, para além disso, se fica sem perceber a forma e a base que conduziu ao valor apurado.
    
              O Relator,



Processo n.º 181/2014
(Recurso Cível)
Data : 16/Outubro/2014

Recorrente : A

Objecto do Recurso : Despacho que fixou o valor de desvalorização de automóvel

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A, executado no processo n.º CR4-03-0052-PCS, mais bem identificado nos autos, recorre do despacho-sentença que fixou o valor da desvalorização do veículo do exequente, na sequência de acidente de viação, em sede de liquidação de execução de sentença, alegando, em síntese conclusiva:
1. O Tribunal a quo só ponderou parte dos factos alegados pelo executado na contestação, sem tomar em conta os outros, nomeadamente os dos artigos 6.º a 10.º constantes da fls. 33v. dos autos.
2. O Tribunal a quo não tomou em conta a desvalorização decorrente de 2001 a 2004, a qual não tem nexo de causalidade com o recorrente.
3. Embora o Tribunal a quo entenda que o preço de aquisição inicial em 30 de Agosto de 2000 é no montante de MOP$281,000.00, é razoável o valor de HKD$250,000.00 avaliado por “B”, e o valor de amortização no período de 6 meses e 3 dias decorrido de 30 de Agosto de 2000 a 5 de Março de 2001 (do dia de aquisição do automóvel em causa ao dia do acidente) é no montante de HKD$22,418.80.
4. Em função da lógica do Tribunal a quo, o valor de amortização do veículo é de HKD$22,418.80 após um período de 6 meses e 3 dias, calculando da mesma forma, o valor de amortização após um ano deve ser de HKD$43,994.00 [HKD$22,418.80*365/186=HKD$43,994.00].
5. O que a decisão recorrida devia liquidar é o valor da desvalorização por causa do acidente, que ocorreu em 30 de Agosto de 2001, portanto, é o valor da desvalorização que o acidente originou para o veículo, ou seja, a diferença entre o valor do mercado desse veículo no dia do acidente (antes de sofrer danos) e o valor do mercado na altura em que já sofreu danos mas foram oportunamente reparados.
6. Embora resulte no montante de HKD$150,000.00 deduzindo o preço de venda a C no valor de HKD$100,000.00 do valor de HKD$250,000.00 avaliado por B, o resultado não equivale ao valor da desvalorização do veículo em causa no ano 2001.
7. A exequente vendeu à sua irmã o veículo em 2004, enquanto que o acidente ocorreu em 2001, decorrido um período de 3 anos entre 2001 e 2004. Conforme a experiência comum, o veículo em causa, vendido 3 anos atrás, nos quais não importa se foi utilizado ou não, sofreu amortização no decurso do tempo. Para fixar o valor de amortização por ano, pode-se tomar como referência o valor declarado pela exequente (HKD$43,994.00).
8. Seja o que for, o valor de venda à irmã da exequente em 2004 só demonstra o preço na altura (em 2004), sem que indique o valor da desvalorização por causa do acidente.
9. O Juiz a quo aceitou como valor do mercado o preço de venda em 2004 e viu como valor da desvalorização a diferença entre o valor antes do acidente em 2001 e o preço de venda em 2004, mas o recorrente entende que o preço de venda só reflecte o valor do veículo desvalorizado até 2004.
10. Como a desvalorização entre 2001 e 2004 não tem nada a ver com o acidente, o recorrente entende que, ao fixar o valor da desvalorização, é mais justo reduzir devidamente do valor do automóvel desvalorizado até 2004 o valor de amortização devido à passagem do tempo de 2001 a 2004 (no montante de HKD$131,982.00 através de multiplicar por 3 anos o valor razoável de amortização por ano acima referido de HKD$43,994.00).
11. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão aludida na contestação do recorrente, pelo que a decisão recorrida deve ser julgado nula nos termos do art.º 571.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil.
12. Embora a decisão a quo indique que o veículo tinha várias avarias, não aponta se as avarias foram causadas pelo acidente em causa, foram consequências do acidente, ou foram geradas por factores humanos do operador ou outros factores ambientais exteriores, nem apura quando apareceram as avarias, a gravidade destas e se as influências são temporárias ou permanentes.
13. A decisão a quo meramente considera que as avarias sofridas pelo veículo fazem descer o preço de venda, sem que investigue se as avarias tem nexo de causalidade directamente com o acidente no caso.
14. Deste modo, o recorrente entende que os factos dados provados pela decisão a quo não são suficientes para a suportar no aspecto de fixação do valor da desvalorização.
15. O valor do veículo em 2004 tinha relação provavelmente com as avarias, que se tocavam provavelmente aos factores de utilização entre os outros.
16. Como as avarias e o valor da desvalorização de 2001 a 2004 não têm nexo de causalidade com o acidente no caso, o Tribunal a quo violou os art.º 556.º e 557.º do Código Civil.
17. O recorrente entende que se deve estimar não só o valor na altura de não ter sofrido o acidente, mas também o valor que apresentou após a reparação por causa do acidente. O valor da desvalorização é a diferença entre o primeiro e o segundo.
18. O Tribunal a quo não apurou o segundo, mas limita-se a fazer liquidação com o preço de venda em 2004, que não é suficiente para liquidar o valor da desvalorização decorrente do acidente.
19. Pelo que, o Tribunal a quo incorreu na insuficiência na produção da prova, proferiu decisão injusta e violou o art.º 691.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
20. Além disso, o Tribunal a quo indicou na decisão que o executado não apresentou quaisquer contraprovas para disfarçar o valor de diferença entre o preço de aquisição inicial em 30/08/2000 e o preço do mercado em 2001, ou seja, o valor de HKD$150,000.00, apenas limitando a negar o valor oferecido pela autora.
21. O Tribunal a quo entende que o valor de diferença entre o preço de aquisição inicial em 30/08/2000 e o preço do mercado em 2001 é de HKD$150,000.00, mas de acordo com o teor da decisão, a diferença deve ser no montante de MOP$23,125.00 deduzindo o preço do mercado em 2001 de HKD$250,000.00 [HKD$250,000.00*1.0315=MOP$257,875.00] do preço inicial em 30/8/2000 de MOP$281,000.00 [MOP$281,000.00 – MOP$257,875.00 =MOP$23,125.00].
22. Termos em que, o valor não é de HKD$150,000.00 como sustentou o Mmo. Juiz do Tribunal a quo.
23. Existe contradição entre o valor da desvalorização de HKD$150,000.00 fixado pelo Tribunal a quo e os fundamentos referidos. Conforme o art.º 571.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil, deve a decisão ser julgada nula.
24. Embora a decisão recorrida afirme que a exequente propôs um valor razoável da desvalorização e o Tribunal a quo fixe-o como valor da desvalorização do veículo por causa do acidente.
25. O Tribunal não justificou a razão pela qual se viu razoável o valor da desvalorização de HKD$150,000.00.
26. Deste modo, o recorrente entende que o Tribunal a quo não justificou o fundamento fáctico da razoabilidade do valor da desvalorização proposto pela exequente. Nos termos do art.º 571.º n.º 1 alínea b), deve a decisão recorrida ser julgada nula.

Pelo exposto, pede que seja julgado procedente o presente recurso, anulados a decisão recorrida e os efeitos jurídicos produzidos.


    2. D contra-alega, dizendo, a final:
1. O Recorrente alegou que, uma vez que o Tribunal a quo não tomou posição quanto a todas as questões levantadas por ele no requerimento de fls. 33 dos autos, a sentença recorrida devia ser considerada nula nos termos do artigo 571º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil.
    2. No ponto 1. das conclusões das alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, este veio dizer que "O Mmo. Juiz a quo apenas considerou parte dos factos alegados pelo Executado na impugnação, e não considerou os outros factos nela invocados, nomeadamente o conteúdo dos artigos 6.º al. 10º de fls. 33 dos autos".
    3. Nos artigos 6.º a 10.º do requerimento do Executado, ora Recorrente, a fls. 33 dos autos, este alegou, sumariamente, que, por um lado, o comprovativo escrito em 2013, pela Testemunha C, irmã da Exequente, dificilmente consegue comprovar que C em 2004 comprou aquele veículo por HKD 100,000.00 e não comprova que aquele veículo na altura valia realmente HKD 100,000.00; por outro, considera que a desvalorização entre 2001 a 2004 não tinha qualquer nexo de causalidade com o Executado.
    4. O Recorrente, com o raciocínio exposto no artigo anterior, concluiu pela improcedência do pedido da Exequente, ora Recorrida.
    5. E são estas as ditas "questões" que o Recorrente considerou não terem sido devidamente ponderadas pelo Tribunal a quo. No entanto, tais "questões" não são mais do que linhas de argumentação que o Recorrente invocou, não consubstanciando verdadeiramente questões que caberiam ao Juiz a quo decidir.
    6. Apenas quando o Tribunal a quo não conhece de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outras questões, ou seja, somente quando o Tribunal deixa de conhecer das verdadeiras questões colocadas, se verifica uma nulidade de sentença.
    7. No caso em apreço, o pedido do Recorrente, tais "questões" alegadamente não ponderadas pelo Tribunal a quo não são mais do que linhas de fundamentação invocadas pelo Recorrente para sustentar o seu pedido de improcedência, não sendo as mesmas verdadeiras "questões" que compete ao Juiz decidir.
    8. Não constituindo verdadeiramente questões que devem ser apreciadas pelo Tribunal a quo, mesmo que este não as tivesse ponderado, tal não ponderação não podia traduzir-se em nulidade de sentença por violação do artigo 571.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil.
    9. O Recorrente alegou ainda que, uma vez que não existe nexo de causalidade, quer entre as avarias do veículo e o acidente provocado pelo Executado, quer entre o valor desvalorizado decorrente entre 2001 e 2004 e o mesmo acidente, a sentença do Tribunal a quo violou os artigos 556.° e 557.° do Código Civil.
    10. O Recorrente, baseia-se simplesmente na hipotética falta de relação entre as avarias do veículo e o acidente provocado pelo Recorrente, bem como na hipotética relação entre as avarias do veículo e a utilização da Recorrida e outros factores.
    11. Não ficou provado nos autos que, por virtude de um qualquer alegado mau uso do veículo por parte da Recorrida - que não existiu - este ficou danificado.
    12. Verifica-se despropositado concluir que não existe relação entre as avarias do veículo e o acidente provocado pelo Recorrente, porquanto o que é facto e que foi dado como provados nos autos é que o veículo da Recorrida foi efectivamente danificado pelo Recorrente em 2001.
    13. Daqui decorre lógico e resulta da experiência comum que as avarias de que o veículo padecia aquando da venda do mesmo resultaram do acidente causado pelo Recorrente.
    14. Pelo que, outra não poderia ser a decisão do Juiz senão a proferida nos autos, a qual não merece qualquer censura e deverá ser mantida na sua totalidade.
    15. O Recorrente alega que o Tribunal a quo não investigou o suficiente, violando assim o artigo 691.° n.º 2 do Código de Processo Civil, que determina que, "Quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial".
    16. A aplicação do disposto no artigo referido pressupõe que a prova produzida pelos litigantes tenha sido insuficiente, e é ao Juiz quem compete decidir se a prova produzida pelos litigantes é ou não suficiente para formar a sua convicção.
    17. E, consequentemente, se o Mmo. Juiz a quo não ordenou a produção de prova pericial, tal significa que o mesmo entendeu que a prova produzida nos autos foi suficiente para formar a sua convicção.
    18. Carece de razão o Recorrente quando alega que a douta sentença viola o disposto no artigo 691.° n.º 2 do Código de Processo Civil, alegação esta que deve improceder.
    19. O Recorrente alega ainda, no ponto 21. das conclusões das alegações de recurso que, como o Tribunal a quo fixou HKD150,000.00 como sendo a diferença entre o preço de aquisição em 30 de Agosto de 2000 e o valor de mercado em 2001 e, como MOP$281,000.00 menos HKD250,000.00 (correspondente a MOP$257,875.00) correspondem a MOP$23,125.00 e não a HKD150,000.00, o Tribunal decidiu de forma contraditória com os fundamentos anteriormente expostos, devendo a sentença ser nula nos termos do artigo 571.° n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil.
    20. O "preço de mercado em 2001" referido na douta sentença recorrida a quo era o preço de aquisição tendo em conta a desvalorização do veículo por virtude do acidente, enquanto o alegado valor de HKD250,000.00, que o Recorrente entende ser o "valor de mercado em 2001", corresponde ao preço do veículo em causa em 2001 antes da ocorrência do acidente ou, caso não tivesse ocorrido o acidente.
    21. O Tribunal não considerou, nem pretendia considerar HKD250,000.00 como sendo o "valor de mercado do veículo em 2001" depois da ocorrência do acidente, senão, não teria referido "decorrido um período de uso de 6 meses e 3 dias após a aquisição do automóvel com um valor de amortização de cerca de HKD22,481.80, é razoável";
    22. Se o Mmo. Juiz a quo tivesse pretendido considerar HKD250,000.00 como sendo o "valor de mercado do veículo em 2001" depois da ocorrência do acidente, não teria aceitado o depoimento da testemunha, irmã da Exequente, por se tratar de um acto sem qualquer sentido nem utilidade.
    23. Quer da fundamentação da sentença, quer da sua conclusão se pode retirar tão só e apenas uma consequência jurídica, ou seja, a de que o valor de HKD250,000 corresponderia ao valor do veículo em 2001 caso não tivesse ocorrido o acidente em causa nos autos,
    24. Pelo contrário, o valor de HKD150,000 é a diferença entre o valor referido no artigo anterior e o "valor da desvalorização razoável", que o veículo tinha em 2001 depois de ter sofrido o acidente.
    25. O raciocínio da sentença recorrida foi desde sempre linear e lógico, não padecendo de modo algum do vício previsto no artigo 571.° n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil.
    26. O Recorrente alega que, não tendo o Tribunal a quo fundamentado pormenorizadamente por que motivo considerou o valor de desvalorização "razoável", a sentença deve ser nula nos termos do artigo 571.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil.
    27. Na sentença ora em crise, não se verifica uma omissão absoluta da fundamentação, tendo o Tribunal fundamentado a sua conclusão com base, não só no depoimento da testemunha irmã da Exequente, como também na regra da experiência comum, concluindo que "ora, é lógico que um automóvel com várias avarias, o seu preço de venda deveria ser muito inferior (…)", pelo que é fácil concluir-se pela não verificação do vício previsto no artigo 571.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil.
    Termos em que se requer seja julgado totalmente improcedente o recurso apresentado pelo recorrente, mantendo a douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base.
    
    3. Foram colhidos os vistos legais.
    II - Despacho recorrido:
“A Exequente vem requerer a liquidação do valor da desvalorização do automóvel, acrescida dos juros legais vincendos sobre a quantia liquidada até ao efectivo e integral pagamento da quantia em dívida, estimando, no seu requerimento inicial o valor de MOP$300,000.00.
   Posteriormente, com a junção dos documentos, nomeadamente a factura do automóvel e a avaliação do mesmo no mercado, vem concluir que o automóvel houve uma desvalorização de “pelo menos HK$150,000.00”.
   Contestando, vem o executado impugnar os factos alegados pelo exequente, entendendo sumariamente que:
   1. os documentos entregues pelo exequente a fls. 28 a 31 dos autos são meros documentos particulares e não são dotados de força probatória plena pelo que se impugna.
   2. Que os documentos a fls. 8 a 29 não se trata de um recibo mas apenas uma factura, não podendo demonstrar o valor real autora pago pela exequente;
   3. Que a avaliação do preço do mercado do automóvel feita com a junção do documento n.º 2 entregue pela exequente, por nele não constar o nome do avaliador e demais dados e que a firma apenas se dedica à reparação do automóvel, não reúne condições para proceder à respectiva avaliação.
  
   Quis Juris?

Das três questões impugnadas, todas elas se tocam formalmente à força probatória dos documentos em causa.
Quanto à primeira questão, deve referir-se que, mesmo que os documentos particulares não dotam de força probatória plena, não quer dizer que não podem ser submetidos à apreciação do tribunal.
Quanto à segunda questão, o que pretende o executado é também pôr em causa a força probatória do documento particular apresentado pelo exequente. Mais uma vez, se salienta que os documentos particulares são sujeitos ao princípio da livre apreciação do juiz, pelo que a sua apresentação é admissível.
Quanto à terceira questão, o facto de o documento apenas constar uma assinatura ilegível, e não ter mencionado demais dados de identificação do signatário, ele não deixa de ser um documento particular, cuja força probatória está sujeita à apreciação livre do juiz.
Apreciando,
Em relação ao documento n.º 1, trata-se de uma factura emitida pelo E Concessionários (Macau), Limitada, na qual consta detalhadamente todos os itens de preços em que a exequente tinha que pagar na altura com a compra do automóvel em causa. Nele até se demonstra que a exequente tinha já depositado um valor de MOP$20,000.00 para a compra do automóvel.
Com a posterior aquisição do automóvel, é lógico que a exequente tinha pago o remanescente MOP$261,000.00.
Pelo que se demonstra que o preço inicial global da aquisição do automóvel em causa, procedida em 30/08/2000 foi de MOP$281,000.00 (cfr. fls. 28 e 29).
   Quanto à avaliação do preço do mercado do referido automóvel em 2001, feita por “B”, é de dizer que, mesmo que “B” apenas se limita a certificar que o preço do automóvel em causa tem um valor de HK$250,000.00, valor esse, o Tribunal entende que é logicamente razoável. Pois, a exequente adquiriu o automóvel em 30/08/2000, e o acidente de viação ocorreu em 05/03/2001, ou seja, decorrido um período de uso de 6 meses e 3 dias após a aquisição do automóvel com um valor de amortização de cerca de HKD$22,418.80, é razoável.
   A testemunha C prestou declarações em audiência, disse que adquiriu uns anos atrás o veículo da exequente no valor de HKD$100,000.00 e que na altura já trazia várias avarias.
   Ora, é lógico que um automóvel com várias avarias, o seu preço de venda deveria ser muito inferior ao do mercado.
   O valor da desvalorização do automóvel devia aferir-se no momento do acontecimento do acidente de viação, apurando se não houvesse o acidente, qual é o valor que o mesmo automóvel apresentasse.
   Dos dados carreados aos autos, o executado não apresentou quaisquer contraprovas para disfarçar o valor de diferença entre o preço de aquisição inicial em 30/08/2000 e o preço do mercado em 2001, ou seja, o valor de HKD$150,000.00 (ou MOP$154,725.00), apenas limitando a negar o valor oferecido pela exequente. Ora, tendo o exequente apresentado um valor da desvalorização razoável, o Tribunal entende que deve aderi-lo, atribuindo esse mesmo valor como valor da desvalorização do automóvel decorrente do acidente de viação em causa.
   Pelo exposto, e nos termos do artigo 691.º n.º 1 e artigo 676.º n.º 6 do CPC, o tribunal fixa-se o valor de HKD$150,000.00 (ou MOP$154,725.00) como valor da desvalorização do automóvel decorrente do acidente de viação em causa nos autos principais.
Custas pelas partes na proporção do decaimento.”
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. Fundamentalmente o recorrente discorda da sentença relativa à fixação do valor da desvalorização do veículo automóvel do exequente em consequência do acidente de viação verificado, fixada em HKD150.000,00, esgrimindo com o argumento principal e que se traduz no facto de o veículo valer, em 2001, HKD 250.000,00 e ter sido vendido, em 2004, por HKD 100.000,00, pelo que o Mmo Juiz a quo não terá atendido ao valor da desvalorização resultante do decurso desse tempo e que atinge qualquer veículo automóvel, independentemente da existência ou não de qualquer acidente.
    O objecto do presente recurso passa, no entanto, pela análise das seguintes questões:
    - Vício de nulidade de sentença nos termos do artigo 571.° n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil, porquanto o Tribunal a quo não tomou posição quanto às questões colocadas na impugnação do Executado, ora Recorrente;
    - Erro no julgamento por violação dos artigos 556.° e 557.° do Código Civil.
    - Erro no julgamento por violação do artigo 691.° n.º 2 do Código de Processo Civil;
    - Vício de nulidade de sentença nos termos do artigo 571.° n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil por ter sido contraditória;
    - Vício de nulidade de sentença nos termos do artigo 571.° n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil por falta de fundamentação pormenorizada.
2. Da pretensa nulidade de sentença prevista no artigo 571.° n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil
    Nos artigos 6.° a 10.° do requerimento do executado, ora recorrente, a fls. 33 dos autos, veio este alegar que, por um lado, o comprovativo escrito em 2013, pela testemunha C, irmã da exequente, dificilmente consegue comprovar que C comprou em 2004 aquele veículo por HKD 100,000.00 e não comprova que aquele veículo na altura valia realmente HKD 100,000.00.
    Por outro, considera que a desvalorização entre 2001 e 2004 não tinha qualquer nexo de causalidade com os factos relativos ao acidente por si causado.
    O artigo 571.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil determina que, "É nula a sentença (...) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;"
    O recorrente confunde questões que devem ser conhecidas com argumentos. Como diz o Prof. Alberto dos Reis “São na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista: o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”1
    De qualquer modo, o valor do escrito é uma questão relativa ao valor da prova, pertence ao julgamento de facto e só nessa sede, enquanto tal, deve ser impugnado.
    O nexo causal entre o acidente e a desvalorização não deixa de estar contemplado no raciocínio que se colhe da fundamentação vertida no aresto ora sob escrutínio.
     O certo é que, não constituindo verdadeiramente questões que devem ser apreciadas pelo Tribunal a quo, mesmo que este não as tivesse ponderado, tal não ponderação não poderia traduzir-se em nulidade de sentença por violação do artigo 571.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil.
    
    3. Relativamente à alegada violação dos artigos 556.° e 557.° do Código Civil.
    O recorrente sustenta que, uma vez que não existe nexo de causalidade, quer entre as avarias do veículo e o acidente provocado pelo executado, quer entre a desvalorização entre 2001 e 2004 e o mesmo acidente, a sentença proferida violou os artigos 556.º e 557.º do Código Civil.
    O recorrente entende que "O valor do veículo em 2004 pode estar relacionado com as avarias do mesmo, mas tais avarias podem estar relacionadas com a sua utilização e outros factores".
    Não se comprova que o veículo tivesse outras avarias para além das decorrentes do acidente, nem sequer o executado logrou provar essa matéria, pelo que não faz sentido este tipo de argumentação.
    Mas estamos de acordo que para além das mazelas provindas do acidente, o período transcurso de 3 anos, entre 2001 e 2004, desvaloriza inelutavelmente qualquer veículo, pelo que importa indagar se esse factor de desvalorização foi levado em conta.
   Sobre isto, o que se diz na sentença é que “O valor da desvalorização do automóvel devia aferir-se no momento do acontecimento do acidente de viação, apurando se não houvesse o acidente, qual é o valor que o mesmo automóvel apresentasse.”, ficando sem sentido o que a seguir se diz “Dos dados carreados aos autos, o executado não apresentou quaisquer contraprovas para disfarçar o valor de diferença entre o preço de aquisição inicial em 30/08/2000 e o preço do mercado em 2001, ou seja, o valor de HKD$150,000.00 (ou MOP$154,725.00), apenas limitando a negar o valor oferecido pela exequente. Ora, tendo o exequente apresentado um valor da desvalorização razoável, o Tribunal entende que deve aderi-lo, atribuindo esse mesmo valor como valor da desvalorização do automóvel decorrente do acidente de viação em causa.”
    Contrapõe a recorrida que decorre lógico e resulta da experiência comum que as avarias de que o veículo padecia aquando da venda do mesmo resultaram do acidente causado pelo recorrente.
    Não estamos seguros da certeza desta afirmação.
    O que o Mmo Juiz fez foi subtrair o preço do veículo em 2001 ao preço de venda em 2004 e encontrou a desvalorização de HKD 150.000,00.
    Ficamos sem saber se esse valor foi aferido em função do valor do veículo no momento antes do acidente em 2001 ou depois do acidente, por reporte a esse ano de 2001, sem entrar com a desvalorização do factor tempo, o que só seria possível se o preço da venda em 2004 tivesse sido superior ao valor do mercado a essa data ou se o valor do veículo em 2001, no momento exactamente antes do acidente estivesse subvalorizado.
    Ora, não obstante a afirmação da referência temporal em função da qual se deve aferir a desvalorização, não se toma na decisão proferida qualquer posição sobre estas ponderações que deviam ter sido realizadas.
    Assim se entra nos capítulos seguintes.
    4. Relativamente à alegada violação do artigo 691º n.º 2 do Código de Processo Civil
    O recorrente veio alegar que o Tribunal a quo não investigou o suficiente, violando assim o artigo 691º n.º 2 do Código de Processo Civil: "Quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial".
    Sobre as provas que deviam ter sido produzidas, não nos vamos pronunciar, cabendo essa análise ao juiz que deve determinar o valor da desvalorização que estava em causa.
    Mas não nos eximimos em afirmar que, à míngua de outros elementos, perante uma prova difícil e algo complexa, dependendo tal determinação de plúrimos factores, não enjeitaríamos facilmente o recurso a tal prova.
5. Relativamente à violação do 571º n.º 1 al. b) e c) do Código de Processo Civil
    O recorrente veio alegar, no ponto 21º das conclusões das alegações de recurso que, como o Tribunal a quo fixou HKD150,000.00 como sendo a diferença entre o preço de aquisição em 30 de Agosto de 2000 e o valor de mercado em 2001 e, como MOP$281,000.00 menos HKD250,000.00 (correspondente a MOP$257,875.00) correspondem a MOP$23,125.00 e não a HKD150,000.00, o Tribunal decidiu de forma contraditória com os fundamentos anteriormente expostos, devendo a sentença ser nula nos termos do artigo 571º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil.
    Não vemos realmente como dar a volta a esta contradição, pois se se diz na sentença que o preço de aquisição em 30 de Agosto de 2000 era MOP$281,000.00, enquanto o valor de mercado em 2001 era HKD250,000.00, valor esse que na sentença se considera razoável, decorrido que foi o prazo de 6 meses e 3 dias desde a primeira aquisição, nunca a diferença entre estes dois valores podia ser o de HKD150,000.00, como se afirma na sentença (será que se quer referir 2004, data da venda posterior?), a não ser que se considere que esse valor de HKD150.000,00 foi o valor da desvalorização do veículo com o acidente. Ora, se assim é, isto é, se o valor do veículo em 2001, antes do acidente era o de HKD250.000, se após o acidente passou a valer HKD 100.000,00, como se explica que, passados 3 anos ele ainda fosse vendido pelo mesmo preço?
    Mas admitamos que a compradora de 2004 comprou caro e que será de desatender a esse valor. Então, fica por explicar o critério encontrado para fixar aquela desvalorização, padecendo a sentença de falta de fundamentação por não se atingirem os elementos em que se baseou o Mmo Juiz para dizer que após o acidente o carro passou a valer menos HKD150.000,00.
     Acresce que a própria exequente, ora recorrida, considerou que o Tribunal não terá deixado de relevar o depoimento da compradora do veículo em 2004, fazendo-lhe referência, pelo que não será de desconsiderar que o carro em 2004 valia ou podia valer HKD100.000,00.
    Não deixa de se observar que para as dificuldades de compreensão da sentença contribui uma falta manifesta de concretização dos factos considerados provados e sobre os quais o Mmo Juiz terá laborado, não conseguindo, infelizmente, este Tribunal atingi-los.
    Nesta conformidade, somos a entender que o raciocínio da sentença recorrida não se mostra linear e lógico, padecendo sempre a decisão de falta de fundamentação tendente à compreensão do valor apurado, sendo que não se afirma recorrer a qualquer factor discricionário, de incerteza ou de aproximação, só possível quando a lei o preveja, pelo que se anula a sentença proferida, face ao disposto no artigo b) e c) do n.º 1 do Código de Processo Civil.
Como está bem de ver, este Tribunal não dispõe dos indispensáveis elementos para apurar o montante da desvalorização sofrida após o acidente, razão por que se remete o processo ao TJB para esse efeito.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso e, anulando a sentença proferida, determina-se o prosseguimento dos autos para apuramento da desvalorização do veículo e realização das indispensáveis diligências, na medida em que necessárias.
    Custas pela recorrida.
Macau, 16 de Outubro de 2014,

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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

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Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 CPC Anot., V, 3ª ed., Reimp.,143
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181/2014 22/22