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Processo nº 664/2013
(Recurso Jurisdicional Administrativo)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 23/Outubro/2014

Assuntos:

- Acesso ao estágio de advocacia por licenciado em Direito pela UCTM

SUMÁRIO:
    A AAM (Associação dos Advogados de Macau), em sede de preenchimento do requisito constante do EA (Estatuto do Advogado), aprovado por decreto-lei, em relação ao acesso à profissão, que só fala em “Licenciatura em Direito por universidade de Macau” não pode, com base no argumento de que o candidato licenciado em Direito por uma universidade de Macau, como é a UCTM (Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau), - curso esse devidamente autorizado e aprovado pelo Governo, não pondo a própria AAM em causa a existência da licenciatura -, a pretexto de que aquela licenciatura não corresponde a uma licenciatura em Direito de Macau - requisito este não contemplado na norma -, negar a inscrição por falta daquele apontado requisito, não se lhe retirando, pelo menos, no quadro legal anteriormente existente, poder e competência, enquanto pessoa colectiva de utilidade pública autónoma e não tutelada pela Administração de pôr em prática o que está regulado sobre o acesso e aferir da preparação técnica e científica dos candidatos, nos termos estabelecidos, em termos de conhecimento jurídico, para o exercício da advocacia a operar no ordenamento jurídico de Macau, exigência essa que só beneficia a sociedade em geral.
    Não obstante o sentido da decisão que ora se toma neste caso concreto, não se deixa de reconhecer, porém, que o conhecimento do Direito de Macau assume relevo de forma decisiva para o exercício das profissões jurídicas da RAEM, nomeadamente o da advocacia.

O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
















Processo n.º 664/2013
(Recurso de Decisões Jurisdicionais)


Data : 23 de Outubro de 2014

Recorrente: Direcção da Associação dos Advogados de Macau

Recorrido: A

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    
1. Vem interposto um recurso interlocutório (A), interposto pela Direcção da Associação dos Advogados de Macau (AAM) do despacho proferido a fls. 348 a 350 dos autos sobre o recurso contencioso de anulação à margem referenciados, na parte que o Mmo Juiz decidiu pelo não desentranhamento de vários documentos juntos aos autos pelo ali recorrente
    2. A mesma AAM interpõe também recurso da douta sentença (B), proferida no Tribunal Administrativo (TA), que julgou nula, em sede de recurso contencioso, a decisão proferida pela Associação dos Advogados de Macau, de 15 de Dezembro de 2010, de indeferimento do pedido de inscrição de A, como advogado estagiário.
    3. No recurso interlocutório, a AAM alega, dizendo em sede de conclusões:
A) O CPAC estabelece as regras do processo contencioso administrativo, o qual, por ser reflexo material do Direito Administrativo, contém especificidades, disparidades e excepções à matriz processual civilista, devendo qualquer situação ocorrida em sede de contencioso administrativo tem que ser vista em primeiro lugar, à luz do que estabelecem o CPAC e as leis sobre organização do sistema judiciário e, só se estes normativos não conseguirem dar resposta à questão, é que se deverá recorrer, apenas a título subsidiário e com as devidas adaptações, às normas constantes do Código de Processo Civil (CPC);
B) Nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 42.º do CPAC, deve o Recorrente identificar os documentos que obrigatória ou facultativamente acompanham a petição, determinando o artigo 43.°, sob a epígrafe "Instrução da Petição", no seu n.º 1, alínea b) que "são obrigatoriamente juntos à petição: (…) b) Todos os documentos destinados a demonstrar a verdade dos factos alegados, com excepção dos que constem no processo administrativo.";
C) Da leitura e interpretação (literal) destes dois preceitos, resulta, sem margem para dúvidas, que o Recorrente tem que, "obrigatoriamente", indicar e juntar à petição de recurso todos os documentos que façam prova dos factos por ele alegados nesse articulado - o legislador optou aqui por utilizar o advérbio de modo "obrigatoriamente", que deriva do adjectivo "obrigatório" e que significa "que tem o poder ou a força legal para obrigar; que envolve obrigação; que não é facultativo; forçoso; indispensável" vide Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 6.a Edição, página 1179;
D) Assim, o CPAC determina que o momento da apresentação de todos os documentos que sirvam para demonstrar a realidade dos factos alegados na petição é, forçosamente, o momento da apresentação daquele articulado em juízo, apenas se permitindo a sua junção em momento posterior nos termos do n.º 6 do artigo 43.° e do artigo 64.° do CPAC;
E) Ao contrário do decidido no despacho recorrido, entende a Entidade ora Recorrente que fora dessas situações, a junção de documentos em momento posterior à petição de recurso é processualmente inadmissível, como resulta da interpretação literal dos artigos em causa e acima identificados.
F) Esta é a solução e expressão de pensamento que resulta directamente da letra dos artigos, sendo que, "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" tal como determina o n.º 3 do artigo 8.° do Código Civil;
G) A inadmissibilidade de junção de documentos em fase posterior aos articulados, fora das situações expressamente previstas (actualmente no n.º 6 do artigo 43.° e do artigo 64.° do CPAC) resulta também da interpretação histórica desses mesmos preceitos, pois que tal junção tardia era também inadmissível, ao abrigo do artigo 688.° da RAU, bem como ao abrigo do artigo 36.º da LPTA e 54.º do RSTA, anteriormente em vigor em Macau;
H) Esta é também a interpretação correcta, tendo em conta a unidade do sistema jurídico e o fim das normas em causa, na medida em que a impugnação de acto administrativo tem por base a sua ilegalidade;
I) Verifica-se, pela unidade do sistema jurídico, que o contencioso administrativo de anulação é sobretudo um contencioso de direito e não de factos, motivo pelo qual tem regras específicas e mais restritivas quanto à produção de prova, as quais também se enquadram no âmbito do princípio da celeridade processual que norteia o CPAC, como salientado na Nota de Apresentação desse Código;
J) Assim, e ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, a cominação para a violação dos artigos 42.°, 43.º e 64.° do CPAC retira-se das próprias normas violadas, não sendo necessário o recurso ao CPC, na medida em que a junção dos documentos que servem para demonstrar a realidade dos factos alegados pelo Recorrente é obrigatória com a petição, apenas havendo a possibilidade de junção posterior nos termos das situações previstas no n.º 6 do artigo 43.º e no artigo 64.º;
K) Logo não podem, obrigatória e forçosamente, ser aceites documentos em qualquer outra circunstância ou fase processual;
L) Esta é a conclusão lógica e obrigatória que se retira da leitura do artigo 43.° do CPAC, conjugado com os artigos 42.° e 64.° desse mesmo Código, não sendo, ao contrário do que defende o despacho recorrido, necessário haver uma cominação expressa para o efeito - aliás, vários são os exemplos de preceitos que contêm em si a cominação sem que a mesma esteja expressa, como é o caso, por exemplo, da inadmissibilidade de requerimento de prova depois do prazo para o efeito (tanto no CPAC, como no CPC);
M) Ao recorrer ao CPC, o despacho recorrido violou os artigos 1.º, 42.º, 43.º e 64.º do CPAC;
N) Ainda que se entendesse que a cominação para a violação dos artigos 42.º, 43.º e 64.º no que à junção de documentos diz respeito não se encontrasse no CPAC e fosse, por isso, necessário recorrer ao CPC, o que não se concebe, sempre se diria que a essa cominação não poderia ser encontrada no n.º 2 do artigo 450.º do CPC, como entendeu o despacho recorrido;
O) A regra geral em processo civil é, nos termos do artigo 450.º, a de que os documentos devem ser juntos com os articulados, podendo ser apresentados até ao encerramento da discussão, sujeitos eventualmente ao pagamento de multa;
P) Nestes termos, o artigo 450.º do CPC encontra o seu equivalente no artigo 43.º do CPAC, já que ambos regulam o momento de apresentação de documentos, com diferenças óbvias, que fazem deste último um artigo especial face à regra geral do CPC, na medida em que este diz que a junção de documentos com a petição é obrigatória, enquanto que o CPC diz que os documentos "devem ser" juntos com o articulado e, depois, porque este estabelece que a junção posterior deverá ser justificada e requerida, nos termos do seu n.º 6, quando o n.º 2 do 450.º do CPC permite a junção posterior, mas eventualmente sujeita a multa;
Q) Neste sentido, o artigo 64.º do CPAC é também norma especial em relação ao n.º 2 do artigo 451.º do CPC;
R) Logo, a violação do artigo 43.º, n.º 1 e n.º 6, e artigo 64.º do CPOAC corresponde, em processo civil, à violação dos artigos equivalentes, ou seja, do artigo 450.º, n.º 1 e 2 e do artigo 451.º. n.º 2, respectivamente;
S) O que significa, assim, que a cominação para a violação dos artigos do CPAC em causa não poderá ser encontrada nos artigos equivalentes no CPC, pois que, por analogia, esses seriam os artigos violados no âmbito do CPC;
T) A cominação para a violação de regra especial não pode ser "sanada" pela aplicação da regra geral, mas sim encontrada na cominação aplicada à violação das regras gerais o que quer dizer que a comi nação a aplicar ao caso seria, então, a cominação aplicável pela violação dos artigos 450.º e 451.º do CPC;
U) Se se aplicasse subsidiariamente a regra geral do CPC às regras especiais do CPAC, então estas últimas deixariam de ter qualquer aplicação prática;
V) Ao ter aplicado a regra geral prevista no n.º 2 do artigo 450.º do CPC e não a cominação aplicável para a violação desse mesmo artigo, andou mal o Tribunal a quo, tendo, na interpretação e aplicação subsidiária do CPC que fez, violado os artigos 8.º e 9.º do Código Civil;
W) Ainda que assim não se entendesse, sempre se diria que os documentos juntos são totalmente irrelevantes para a boa composição do litígio, devendo, por isso, ser desentranhados nos termos do artigo 468.° do CPC;
X) O despacho recorrido não se pronunciou, como devia, nos termos do n.º 1 do artigo 468.° do CPC sobre a (im)pertinência ou (des)necessidade dos documentos juntos tardiamente, sendo, nessa parte nulo, por omissão de pronúncia, ou caso assim não se entenda, por falta de fundamentação, por via do artigo 571.º do CPC, aplicável aos despachos por via do n.º 3 do artigo 569.° do CPC; e
Y) Por último o documento junto a 15 de Setembro de 2011 não é, no entender da Entidade ora Recorrente, um parecer de advogado, jurisconsulto ou técnico, como entendeu o despacho recorrido, já que não foi emitido por alguém com essa qualidade. Andou, assim e salvo o devido respeito, mal o Tribunal a quo ao aplicar subsidiariamente o artigo 452.° do CPC ao documento em causa.
Nestes termos, entende, deve o presente recurso ser julgado procedente, na medida em que o despacho recorrido, na parte de admite a junção tardia dos documentos apresentados pelo aí recorrido, viola os artigos 1.º, 42.º, 43.º e 64.º do CPAC, ou, ainda que assim não se entenda, os artigos 8.º e 9.º do Código Civil, ou, ainda que assim não se entenda, o artigo 468.º ou, por último, artigo 452.º, ambos do CPC.

    4. Para tanto, alega a AAM, ora recorrente, fundamentalmente e em síntese conclusiva:
    A. Antes de mais, a alteração ao artigo 19.º do RAA na pendência do recurso contencioso de anulação tem consequências no âmbito da presente lide, pois os efeitos directos típicos que o Recorrido poderá obter com uma eventual sentença anulatória nos presentes autos não serão alcançáveis através da reconstituição da situação actual hipotética, tal como defendido pelo Ministério Público. Ainda que assim não seja, em caso de sentença anulatória a Entidade Recorrida terá direito a praticar um acto renovável, o qual não terá efeitos retroactivos, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 118.º do Código do Procedimento Administrativo;
    B. Entende a Entidade Recorrente que a questão principal nos presentes autos é, efectivamente, a interpretação e aplicação do Regulamento Administrativo n.º 26/2003, de 25 de Agosto, o qual, na sua opinião, lhe confere o poder discricionário de verificação de habilitações académicas para efeitos de acesso à advocacia;
    C. A sentença recorrida entendeu que, em Macau, vigora o princípio da aprovação prévia pela Administração Pública das instituições de ensino superior e dos cursos ali ministrados, nos termos do Decreto-Lei n.º 11/91/M, de 4 de Abril e que tal aprovação não pode ser posta em causa por nenhuma entidade. Como tal, considerou que o acto recorrido violou o Decreto-Lei em causa, na medida em que não reconheceu a licenciatura em Direito pela Universidade de Ciência e Tecnologia aprovada pelo Governo, para efeitos de acesso à advocacia;
    D. Salvo o devido respeito, a sentença recorrida confunde o reconhecimento pela Administração Pública das instituições de ensino superior e a autorização prévia de funcionamento dos cursos nessas mesmas instituições, com o posterior reconhecimento dos cursos pelas entidades competentes para efeitos de acesso a profissões liberais condicionadas, nos termos da legislação aplicável, como determinado no n.º 6 do artigo 30.° do Decreto-Lei n.º 11/91/M, o qual foi esquecido ou omitido na decisão recorrida;
    E. Nestes termos, uma coisa é a intervenção da Administração Pública, no caso, do Chefe do Executivo, no reconhecimento prévio das instituições de ensino superior, como entes ao serviço de um relevante interesse público, e a autorização prévia de funcionamento dos cursos ali ministrados, no âmbito da regulamentação do sistema educativo de Macau e do controlo dessas mesmas instituições por forma a garantir a qualidade do ensino superior;
    F. Outra coisa é o reconhecimento posterior de um determinado curso, verificado caso a caso, para efeitos de exercício de certas e determinadas profissões, cuja natureza exigem um acesso condicionado e supervisionado por entidades próprias para tal, como é o caso da advocacia e da AAM - logo, o acto recorrido não viola o Decreto-Lei n.º 11/91/M;
    G. Mais, as expectativas de reconhecimento social da licenciatura obtida dos licenciados pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, tal como referido na sentença recorrida, não podem ser, no caso de provimento em cargos públicos ou exercício de profissões liberais tuteladas pela Administração, juridicamente tuteladas, já que estão sempre dependentes do seu reconhecimento posterior pelas entidades competentes para o efeito, nos termos da legislação aplicável - como claramente se estabelece no. n.º 6 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 11/91/M;
    H. Face ao exposto, a sentença recorrida faz uma errada interpretação e aplicação do Decreto-Lei n.º 11/91/M no caso concreto, devendo, por isso, ser anulada;
    I. Acresce que, o Tribunal a quo entendeu que estava verificado, no caso concreto, o requisito dos artigos 19.° do EA e 4.° do RAA quanto à "licenciatura em Direito por universidade de Macau ou qualquer outra licenciatura reconhecida no Território", esclarecendo ainda que do teor literal dos artigos em causa não se retira que o primeiro requisito seja licenciatura em Direito de Macau por universidade de Macau;
    J. No que diz respeito ao requisito da "Licenciatura em Direito por universidade de Macau", a Entidade Recorrente defende, como sempre defendeu, que o mesmo é, e só pode ser, entendido como Licenciatura em Direito de Macau por universidade de Macau, sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do Código Civil, a interpretação literal da lei é apenas o primeiro passo para a sua interpretação completa e correcta e a mesma não se pode cingir ao elemento literal, sob pena de se chegar a conclusões absurdas;
    K. À data da elaboração do EA havia apenas um curso de Direito em Macau e o mesmo versava, obviamente, sobre o sistema jurídico de Macau, como assim o exigia a Portaria n.º 86/89/M - daí que o legislador não tenha sentido a necessidade de especificar que a licenciatura exigida seria sobre Direito de Macau;
    L. A exigência de licenciatura em Direito de Macau verifica-se, desde logo, porque são atribuídas competências (incluindo forenses) aos advogados estagiários no âmbito do seu estágio profissional, para serem exercidas, obviamente, de acordo com o Direito vigente em Macau; mais, verifica-se ainda pela não exigência, no RAA, de frequência no curso de adaptação ao sistema jurídico de Macau a quem preencha esse requisito; e ainda e sobretudo, pelo facto de os advogados de Macau, tal como os tribunais de Macau, operarem o Direito de Macau, sendo que é o Direito de Macau que lhes é exigido que conheçam;
    M. Mais, o requisito de "qualquer outra licenciatura em Direito reconhecida no Território" diz respeito, não à aprovação prévia de funcionamento de licenciaturas pela Administração Pública, mas sim ao reconhecimento de habilitações académicas para efeitos de acesso à advocacia, o qual cabe à AAM;
    N. O Recorrente também não preenche na medida em que a sua licenciatura não é reconhecida pela AAM para esse efeito;
    O. Face ao exposto, entende a Entidade Recorrente que agiu no âmbito das suas atribuições e não violou o EA e o RAA, porque a licenciatura em Direito da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau não é uma licenciatura em Direito de Macau, nem é reconhecida para efeitos de acesso ao estágio. Logo, não se encontram preenchidos os requisitos de "Licenciatura em Direito [de Macau] por Universidade de Macau", nem "qualquer outra licenciatura em Direito reconhecida no Território";
    P. Deste modo, e com o devido respeito, a decisão recorrida faz uma errada interpretação do artigo 19.º do EA e artigo 4.º, 16.º, 20.º e 21.º. do RAA, devendo, por isso, ser anulada;
    Q. Mais, não cabe ao Tribunal fazer a avaliação das habilitações académicas dos Iicenciados, nem esta se faz por via do Decreto-Lei n.º 11/91/M - tal avaliação é feita nos termos do Regulamento Administrativo n.º 26/2003. Ao fazê-lo, a decisão recorrida incorre em excesso de pronúncia na parte em que determina que os licenciados em Direito pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau tem capacidades para trabalhar na área jurídica em Macau, o que determina a sua nulidade, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, aplicável por via do artigo 1.º do Código do Processo Administrativo Contencioso;
    R. Finalmente, e como questão principal (sendo acessório ou secundário tudo o que acima ficou dito), há que dizer que o Regulamento Administrativo n.º 26/2003 se aplica a habilitações académicas obtidas em Macau e que o seu artigo 3.º confere à Entidade Recorrente, na qualidade de entidade pública com competência para regular o acesso à advocacia e ao estágio profissional. o poder discricionário de verificar as habilitações académicas dos candidatos ao estágio profissional para esse mesmo efeito - tal poder é, por regra e pela sua natureza, insindicável judicialmente;
    S. Assim, enquadra-se nas atribuições da Entidade Recorrida o reconhecimento das habilitações académicas dos candidatos para efeitos de acesso à advocacia, por via desse mesmo diploma, sendo tal reconhecimento independente e autónomo da aprovação de funcionamento prévio de cursos do ensino superior pela Administração Pública;
    T. Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o Regulamento Administrativo n.º 26/2003 aplica-se ao presente caso;
    U. Neste sentido, o critério da "licenciatura em Direito de Macau por universidade de Macau ou qualquer outra licenciatura reconhecida no Território", previsto nos artigos 19.° do EA e 4.° do RAA, está sujeito a análise e verificação por parte da AAM, no âmbito do poder discricionário conferido à MM pelo Regulamento Administrativo n.º 26/2003 - logo, andou mal a decisão recorrida ao considerar que tais artigos não têm natureza discricionária, mas sim vinculativa;
    V. A decisão recorrida faz, assim, uma errada aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 122.° do Código do Procedimento Administrativo e uma errada interpretação do âmbito de aplicação do Regulamento Administrativo n.º 26/2003, motivo pelo qual deve ser anulada.
    W. Como o Recorrido não preenche os requisitos legais para a sua inscrição na AAM, a Entidade Recorrida não tinha qualquer possibilidade de admiti-lo ao estágio profissional, tendo este igual tratamento a todos os candidatos cujas licenciaturas não são reconhecidas para esse efeito. Não houve, assim, qualquer violação do princípio da proporcionalidade, pelo que, mais uma vez, andou mal a sentença recorrida;
    X. Por último, o contencioso administrativo é de mera legalidade, devendo o Tribunal Administrativo cingir-se à análise e verificação dos vícios do acto administrativo recorrido, não podendo o Tribunal a quo considerar preenchido um requisito para a inscrição do Recorrido, pois que tal competência cabe, em exclusivo à Entidade Recorrida, no âmbito do seu poder discricionário para o efeito;
    Y. Assim sendo, é nula, por excesso de pronúncia, a decisão recorrida na parte em que considera verificado um requisito de inscrição na AAM e condena a Entidade Recorrida na análise e verificação apenas dos restantes requisitos.
    Termos em que entende dever ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, anulada a sentença recorrida.
    
    5. A, ora recorrido e autor do recurso contencioso, contra-alega, dizendo, em suma:
    1.ª - A douta sentença recorrida faz uma correcta apreciação da prova e uma rigorosa aplicação do direito aos factos dado como provados;
    2.ª - A alteração ao artigo 19.° do RAA não é susceptível de aplicar-se aos titulares de licenciatura em Direito obtida no âmbito do sistema de ensino oficial da Região, tal como é o caso do ora Recorrido;
    3.ª - Sem conceder, esta alteração não tem quaisquer consequências no âmbito da presente lide, uma vez que os efeitos típicos de uma eventual sentença anulatória serão alcançáveis através da reconstituição da situação actual hipotética;
    4.ª - Face a uma sentença invalidatória do acto recorrido, caberá à ora Recorrente procedendo à reconstituição da situação hipotética actual, de acordo com a regulamentação existente no momento em que o ora Recorrido formulou à AAM o seu pedido;
    5.ª - A aplicação dessa regulamentação ao ora Recorrido envolveria flagrante violação dos princípios da igualdade, da justiça e da protecção da confiança do Recorrente;
    6.ª - A lei impõe, para a inscrição como advogado estagiário, a verificação de um requisito positivo, a titularidade de licenciatura em Direito por universidade de Macau, e de dois requisitos negativos, a inexistência de incompatibilidades para o exercício da profissão e a inexistência das restrições ao direito de inscrição previstas no artigo 7.° do RAA;
    7.ª - A lei não impõe qualquer condicionamento, como a frequência de curso prévio de adaptação e/ou a sujeição a provas de admissão, aos titulares de licenciatura em Direito por universidade de Macau;
    8.ª - O ora Recorrido preenche o requisito positivo, dado que a sua licenciatura foi reconhecida e autorizada, ao abrigo do diploma legislativo que rege o ensino superior em Macau, por decisão do órgão competente para o efeito, o Chefe do Executivo;
    9.ª - Tal diploma impõe que os cursos sejam aprovados de acordo com padrões internacionais ajustados à realidade institucional, económica e social da Região e sejam adequados a garantir aos cidadãos que os frequentam a protecção das legítimas expectativas de reconhecimento académico, preparando-os para o exercício de actividades profissionais, na Região;
    10.ª - Não reconhecer o curso do ora Recorrido, em termos de considerar preenchido o referido requisito, significaria pôr em causa, casuisticamente, o reconhecimento normativo conferido ao curso através da decisão do Chefe do Executivo;
    11.ª - Os artigos 19.° do EA e artigo 4.º/1-a do RAA não exigem nem podem exigir que a licenciatura em Direito aí prevista seja uma "licenciatura em Direito de Macau";
    12.ª - Constitui entendimento redutor e empobrece dor exigir-se que uma licenciatura em Direito tivesse apenas com o objecto temático o estudo de ordenamento jurídico positivo;
    13.ª - Um curso de Direito não se limita ao estudo do corpo doutrinal-conceitual decorrente das normas de um ordenamento jurídico, razão por que não existem graus académicos em direito português, francês ou alemão, etc., mas, antes e simplesmente, em Direito;
    14.ª - De aprovação de um curso de Direito, nos termos da legislação referida, tem que se presumir que os respectivos diplomados dispõem das condições adequadas para se habilitarem ao exercício de qualquer profissão jurídica, em Macau;
    15.ª - Em virtude das exigências postas na aprovação de cursos superiores, estabelece a lei um processo especial para o efeito, devendo a decisão ser proferida no prazo máximo de 6 meses, publicada no Boletim Oficial, fundamentada em caso de recusa, sendo a mesma susceptível de recurso nos termos gerais;
    16.ª - Aprovado que foi um curso de Direito da UCTM, tem que se admitir que foram respeitadas todas as exigências que a lei estabelece;
    17.ª - A AAM, se considerasse que a aprovação de tal curso contrariava o referido diploma, deveria ter impugnado a decisão de aprovação do mesmo;
    18.ª - A AAM, se julgasse que este curso não formava diplomados com as condições adequadas para exercerem as profissões jurídicas em Macau, deveria ter alterado ou feito alterar, logo no início do funcionamento desse curso, as regras de admissão ao estágio de advocacia;
    19.ª - A norma do artigo 30.°/6 do DL n.º 11/91/M não dispõe sobre o reconhecimento de habilitações académicas obtidas no âmbito sistema de ensino oficial de Macau, como é o caso das habilitações académicas do ora Recorrido;
    20.ª - A norma do artigo 3.°/1 do RA n.º 26/2003 não confere à ora Recorrente o poder de reconhecer habilitações académicas obtidas no âmbito do sistema oficial de Macau;
    21.ª - A AAM não tem atribuições em matéria de reconhecimento de habilitações académicas obtidas no âmbito do sistema oficial de ensino superior, assim como a ora Recorrente não tem competência para se pronunciar sobre se uma licenciatura em Direito obtida neste sistema é ou não adequada ao exercício da advocacia em Macau;
    22.ª - Permitir que a Recorrente pudesse, discricionariamente, recusar as habilitações como as do ora Recorrido, impedindo a sua inscrição no estágio profissional de advocacia, seria fazer prevalecer a sua vontade sobre a decisão de aprovação do referido curso por parte do Chefe do Executivo e, simultaneamente, fazer introduzir um factor de grave incerteza e insegurança jurídicas;
    23.ª - Uma decisão, como a ora em apreço, viola flagrantemente o direito de o Recorrido reconhecidas as suas habilitações para efeitos de admissão ao estágio profissional;
    24.ª - A obtenção dos requisitos legais necessários para o exercício de uma profissão constitui dimensão do direito fundamental de escolha de profissão;
    25.ª - A matéria de direitos fundamentais é contrária à existência de poderes discricionários no que respeita à apreciação dos requisitos legais necessários para o exercício da uma profissão;
    26.ª - O poder de verificação de habilitações académicas com a amplitude que a ora Recorrente se arroga, apenas faz sentido para as habilitações académicas obtidas fora do sistema de ensino oficial de Macau;
    27.ª - Não é verdade que seja titular de um poder de "reconhecimento posterior", como também não é verdade que o Tribunal tenha" confundido" entre" autorização prévia" e "reconhecimento posterior" de determinado curso;
    28.ª - Ao desrespeitar a Recorrente as atribuições pertencentes a outra entidade, concretamente, ao desrespeitar as normas que conferem ao Chefe do Executivo a competência para a aprovação e reconhecimento dos cursos superiores, a deliberação objecto do recurso contencioso ficou a padecer do vício de incompetência, por violação das atribuições de outra entidade, razão por que bem andou a sentença recorrida ao considerar que a mesma padecia de nulidade, nos termos do artigo 122.º/2-b;
    29.ª - Existe excesso de pronúncia sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer;
    30.ª - O reconhecimento de que os licenciados em Direito pela UCTM têm capacidade para trabalhar na área na área jurídica, em Macau, nada mais é do que uma ilação que o Tribunal tira de factos considerados provados;
    31.ª - O Tribunal recorrido, ao dar por verificado o referido requisito positivo e a condenar a entidade recorrida na análise e verificação dos restantes, nada mais faz do que explicitar a esta o conteúdo vinculado da sua actuação;
    32.ª - O Tribunal a quo não está impedido de apreciar o pedido de condenação formulado cumulativamente;
    33.ª - O artigo 24.º/1-a do CPAC permite, a maiori ad minus, que o Tribunal condena a ora Recorrente a considerar verificado o referido requisito positivo e a proceder à análise e verificação dos restantes, na medida em que em nada violou o espaço de autonomia e independência que a Recorrente tem.
    34.ª - A sentença recorrida não incorre em qualquer excesso de pronúncia;
    35.ª - Não se verifica nenhum dos vícios e ilegalidades apontados à sentença recorrida.
    Termos em que entende dever o presente recurso jurisdicional ser julgado improcedente, na medida em que não se verificam os imputados vícios e ilegalidades, e, em consequência, ser a sentença recorrida mantida nos seus exactos termos.
    
    6. O Exmo Senhor Procurador-Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
    Pretende a recorrente que, tendo o julgador concluído pela junção tardia de documentos, em desconformidade com o preceituado no n° 6 do art° 43°, CPAC, a solução a adoptar não passaria (como sucedeu) pelo apelo a normas supletivas do C.P.C., no caso o n° 2 do art° 450° (aplicação de multa), impondo-se antes o que entende ser o escrupuloso respeito das normas específicas do CP AC que dariam suficiente resposta ao assunto, concluindo-se pela inadmissibilidade processual da junção de documentos em momento posterior à petição de recurso, fora dos casos contemplados nos art°s 43°, n° 6 e 64° daquele diploma, atento, designadamente, o que se expressa no n° 1 do primeiro normativo citado, com a expressão "são obrigatoriamente juntos à petição ", ou, assim se não entendendo, o recurso às normas do CPC deveria passar pela cominação aplicável pela violação dos artes 450° e 451°, não adiantando, porém, ao que descortinamos, de que cominação se trataria, presumindo-se que, pura e simplesmente, também da inadmissibilidade da junção dos documentos em questão.
    Estamos com a solução adoptada, a este nível, na douto despacho em análise.
    Não fornecendo o CPAC, no específico, resposta para o atropelo do n° 6 do art° 43°, apresenta-se o recurso às normas supletivas do CPC como o mais consentâneo precisamente com a unidade do sistema jurídico e o fim das normas em causa, a que, aliás, a recorrente faz apelo.
    Que o contencioso administrativo tem regras específicas quanto à produção da prova, é um facto.
    Duvidamos, porém, que as mesmas hajam que ser, e sejam, mais restritivas, "norteadas", pela necessidade de celeridade processual, como pretendido, tomando-se, quiçá, neste passo, avisado não olvidar, para boa interpretação, que o julgador, oficiosamente ou a requerimento do M.P., pode ordenar as diligências de prova que entender necessárias para a justa decisão da causa (princípio do inquisitório - art° 67°, CPAC), faculdade com que se não depara facilmente no domínio puramente civilista.
    Ainda nesta perspectiva, não se detecta que os documentos admitidos se apresentem como impertinentes ou desnecessários e não possam, de alguma forma, contribuir para o apuramento da verdade material, não carecendo a sua admissão de um juízo expresso do julgador nesse sentido, implicando, obviamente, a admissão respectiva um juízo implícito de pertinência, sendo certo que não deixou aquele de identificar cada um dos documentos em questão, definindo precisamente o que cada um deles visa demonstrar, pelo que não faz qualquer sentido a alegada falta de pronúncia na matéria.
    Quanto aos documentos apresentados a 15/9/11, provenientes do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior, não se entende por que razão a recorrente os não consegue enquadrar no disposto no art. 452° CPC, atenta, além do mais, a qualidade expressa de quem os subscreve. Mais não nos merece o específico argumentado, neste domínio.
    Recurso da sentença
    Tanto quanto apreendemos e ousamos sintetizar do alegado pela recorrente, assaca a mesma à douta sentença sob escrutínio, vícios de
    - errada interpretação e aplicação do disposto no Dec. Lei 11/91/M ;
    - errada interpretação do art° 19°, E.A. e art°s 4°, 16°, 20° e 21°, do R.A.A.;
    - excesso de pronúncia e
    - errada interpretação da al. b do n° 2 do art° 122° CPA e do R.A. 26/2003,
    a que faz, de todo o modo, questão de acrescentar a "dúvida" sobre o efeito reconstitutivo de eventual sentença de anulação nos presentes autos, face à alteração do art° 19°, R.A.A.
    Ponderando no conteúdo dos dispositivos legais adiantados e argumentação empreendida:
    A lei exige para a inscrição como advogado estagiário a titularidade da licenciatura em Direito por universidade de Macau, não impondo aos titulares de tal licenciatura a frequência de curso prévio de adaptação ou sujeição a provas de admissão.
    A licenciatura do recorrido na U.C.T.M. foi reconhecida e autorizada, à luz do diploma legislativo que rege o ensino superior em Macau, por decisão do Chefe do Executivo, impondo, aliás, tal diploma que os cursos sejam aprovados de acordo com padrões internacionais e ajustados à realidade institucional, económica e social da Região, pelo que, aprovado o curso de Direito da U.C.T.M., tem que se admitir terem sido respeitadas as exigências legalmente estipuladas, havendo que concluir que o não reconhecimento, em moldes a considerar, no caso, não preenchido o requisito em causa significa pôr em questão o reconhecimento normativo concedido ao curso pelo mais alto representante do poder executivo na Região.
    Os art°s 19°, E.A. e 4°, n° 1, al. a) R.A.A. não exigem que a licenciatura que aí se prevê seja licenciatura em "direito de Macau", não atribuindo a norma do art° 3°, n.º 1 do R.A. 26/2003 à A.A.M. o poder de reconhecimento sobre as habilitações académicas obtidas no âmbito do sistema oficial de Macau, não detendo a mesma competência para se pronunciar sobre se determinada licenciatura em Direito obtida nesse sistema é ou não adequada ao exercício da advocacia na Região, sob pena de fazer prevalecer a sua vontade sobre a decisão de aprovação do curso por parte do Chefe do Executivo.
    O arrogado poder de verificação das habilitações académicas pretendido pela recorrente, nos termos por esta pretendidos colidirá sempre, inevitavelmente, com o respeito e acatamento das normas que concedem ao C.E. a competência para a aprovação e reconhecimento de cursos superiores. E se, neste específico, nos não atreveríamos a ir tão longe quanto a nulidade anunciada pela douta sentença, por violação das atribuições de outra entidade, já que, bem vistas a s coisas, esta não põe verdadeiramente em causa a atribuição do grau académico em questão, mas sim o reconhecimento, por ela própria, do mesmo, para efeitos de admissão ao estágio profissional no seu seio, nunca poderá a decisão sujeita a escrutínio no recurso contencioso deixar de ser anulada por violação de lei, nos termos supra mencionados.
    No que toca ao alegado excesso de pronúncia, alcançamos duas vertentes :
    - Quanto ao reconhecimento que os licenciados em Direito pela UCTM têm capacidade para trabalhar na área jurídica em Macau, trata-se, cremos da mera afirmação da capacidade "legal" para o efeito, de resto, abundantemente explanada na douta sentença, que não da apreciação técnico/jurídica específica desses licenciados (que lhe não competiria e a que, obviamente, não teria acesso relevante)), não se vendo, pois, por tal via, o anunciado excesso
    - Questão diversa se coloca, em nosso critério, relativamente ao expresso em sede da cumulação de pedidos admitida: nos termos da al. a) do n° 1 do art° 24°, CPAC, pode cumular-se no recurso contencioso o pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido, quando em vez do acto declarado nulo, anulado ou inexistente devesse ter sido praticado um outro acto de conteúdo vinculado.
    Ora, no caso, "malgré" a invalidade apontada, não se descortina que houvesse que ser praticado, em vez do acto em questão, qualquer outro acto de natureza vinculada.
    Como se sabe, nos termos do art. 20°, CPAC "Excepto disposição em contrário, o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica".
    Nestes parâmetros, aceitando o decidido, caberia, no caso, à entidade recorrente agir em conformidade, dentro do seu espaço de autonomia e independência, não lhe podendo o tribunal impor o "constrangimento" resultante da asserção a mesma ter de apreciar " ... se o recorrente reúne os restantes requisitos para a inscrição, proferindo a decisão administrativa, nos termos da lei", sendo que a própria configuração da injunção citada demonstra, por si mesma, o não cabimento dos requisitos constantes dos citados condicionalismos da al. a) do n° 1 do art° 24°, CP AC, referentes à cumulação de pedidos, a qual, pois, haveria que ser rejeitada.
    Finalmente, no que tange aos efeitos decorrentes da alteração superveniente do art° 19°, R.A.A., prende-se tal questão com saber qual a lei aplicável na execução de eventual decisão anulatória : afigura-se-nos, a tal propósito, que terá que ser a norma com a formulação à data da prática do acto recorrido, tanto mais que a nova regulamentação não se opõe a que a reconstituição da situação do recorrido se possa operar de acordo com aquelas regras no momento em que o mesmo formulou à AAM o pedido de inscrição como advogado estagiário, sendo certo que essa nova regulamentação não lhe era oponível se a sua pretensão tivesse sido satisfeita nesse momento, não detendo a mesma efeitos retroactivos, com aplicação aos pressupostos dos actos de admissão ao estágio de advocacia praticados antes da sua entrada em vigor.
    Afigura-se-nos, por tudo o exposto, ser de negar provimento ao presente recurso, salvo no específico da cumulação de pedidos, nos termos a que acima nos reportámos.
    7. Foram colhidos os vistos legais.
    
    III - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
   A. O recorrente AA, no ano lectivo de 2000/2001, frequentou o curso de Direito ministrado pela U.C.T.M e concluiu o respectivo curso no ano lectivo de 2003/2004, tendo-lhe sido conferidos o certificado e o grau de licenciatura em Direito. (vd. fls. 34 a 35 e 37 a 803 do Proc. Administrativo)
   B. O grau de licenciatura em Direito que o recorrente obteve era o curso de licenciatura em Direito autorizado pela Ordem Executiva n.º36/2000 e pela mesma ordem executiva também foram aprovados a organização científico-pedagógica e o plano de estudos do respectivo curso. (vd. fls. 424 a 425, 583, 776, 793 a 795 dos autos)
   C. Quanto à designação das disciplinas que o recorrente concluiu, aos créditos, aos resultados, aos professores pelos quais foram leccionadas as disciplinas, às categorias de professor e às respectivas horas de curso, constantes de fls. 796 a 802 dos autos, cujos teores aqui são considerados provados e dados por integralmente reproduzidos.
   D. A Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau foi criada pelo D.L n.º11/91/M e pela Ordem Executiva n.º11/2000 e reconhecida como instituição de ensino superior privado de acordo com a Ordem Executiva n.º20/2000.
   E. Pela Ordem Executiva n.º36/2000, a Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau foi autorizada a leccionar o curso de licenciatura em Direito e também pela mesma ordem executiva foram aprovados a organização científico-pedagógica e o plano de estudos do respectivo curso.
   F. Mais tarde, o plano de estudos do referido curso de licenciatura em Direito foi alterado pelo Despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura n.º101/2003.
   G. No dia 26 de Novembro de 2004, para inscrever-se como advogado estagiário, o recorrente formulou requerimento junto da Associação dos Advogados de Macau, tendo por isso junto os respectivos documentos. (vd. fls. 1 a 11 do Proc. Administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
   H. No ano de 2005, o recorrente frequentou o “Curso Especial para Admissão ao Estágio de Advocacia”. (vd. fls. 521, depoimentos prestados pela testemunha)
   I. O referido curso foi acordado e celebrado entre a Associação dos Advogados de Macau e o Centro de Formação Jurídica e Judiciária (foi autorizado pelo Despacho da Secretária para a Administração e Justiça n.º26/2005, no uso de poderes subdelegados) e organizado conjuntamente pelos ambos nos termos do art.º 19.º, n.º2 do «Estatuto do Advogado» e dos art.ºs 4.º e 16.º, n.º2 do «Regulamento de Acesso à Advocacia». O curso foi dividido em duas partes e havia 31 licenciados em Direito pela U.C.T.M que o frequentavam incluindo o recorrente. (vd. fls. 19 do Proc. Administrativo e fls. 23 a 26, 47 a 48 do Proc. Apenso II)
   J. O recorrente ficou reprovado em cinco dos seis módulos que compunham a 1ª parte – designadamente, nos módulos de Direito Processual Civil I, Direito das Obrigações, Direito Criminal, Teoria Geral do Direito Civil e Direitos Reais, pelo que, não conseguiu entrar na 2ª parte do curso. (vd. fls. 22 a 27 do Proc. Administrativo; fls. 135, 138, 140, 144, 147 e 150 do Proc. Apenso II)
   K. Os alunos do curso que obtiveram aprovação no mesmo, foram admitidos a inscreverem-se como advogados estagiários na Associação dos Advogados de Macau.
   L. O recorrente posteriormente frequentou o Curso de Introdução ao Direito de Macau, ministrado pela Universidade de Macau e aprovado pela Portaria n.º439/99/M, no qual obteve aprovação em Junho de 2009 e recebeu o certificado em Agosto do mesmo ano. (vd. fls. 38, 39 e 42 dos autos)
   M. Nos anos lectivos de 2001/2002 e 2002/2003, chegaram a acordo a Faculdade de Direito da Universidade de Macau e a Associação dos Advogados de Macau, pelo qual a associação reconhecia àquele Curso de Introdução ao Direito de Macau valor idêntico ao do Curso Prévio de Adaptação ao Sistema Jurídico de Macau, previsto no «Regulamento do Acesso à Advocacia». Contudo, após o ano lectivo de 2003, o respectivo acordo deixou de ser válido por não ter sido renovado. (vd. fls. 136 a 137 dos autos; depoimentos prestados pelas 1ª e 4ª testemunhas da entidade recorrida, a fls. 562 e 563 dos autos)
   N. No dia 23 de Julho de 2009, o recorrente enviou carta ao secretário da Associação, dizendo que já tinha concluído o 11.º Curso de Introdução ao Direito de Macau, ministrado pela Universidade de Macau e, pelo que, nos termos do art.º 19.º e 20.º, n.º1 do «Regulamento de Acesso à Advocacia», era dispensado da prova de admissão, bem como nos termos do art.º 20.º, n.º1 do mesmo regulamento, já podia requerer a inscrição como advogado estagiário. Assim o recorrente esperou que a Associação pudesse dar resposta por escrito, no sentido de fazer preparação como advogado estagiária. (vd. fls. 29 do Proc. Administrativo)
   O. No dia 20 de Outubro de 2009, o recorrente apresentou junto da Associação, o requerimento constante de fls. 30 do Processo Administrativo, solicitando a inscrição naquela associação, juntando os documentos constantes de fls. 31 a 40 do processo administrativo (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
   P. No dia 15 de Dezembro de 2010, foi elaborada a informação seguinte pelo advogado Pedro Quintela Borges com conteúdo seguinte, propondo no qual que fosse indeferido o pedido do recorrente: (vd. fls. 54 a 59 dos autos)
   “Assunto: Pedido de inscrição, na Associação dos Advogados de Macau, de A.
   I. Por requerimento de 20 de Outubro de 2009, o Sr. A veio requerer a sua inscrição, na Associação dos Advogados de Macau (A.A.M), instruindo o respectivo pedido com os seguintes documentos:
   a) Declaração, sob compromisso de honra do requerente, da inexistência de restrições ao direito de inscrição, consagradas no artigo 7.º do Regulamento do Acesso à Advocacia (R.A.A);
   b) Declaração, sob compromisso de honra do requerente, de inexistência de incompatibilidades para o exercício da advocacia, nomeadamente as previstas no artigo 21.º do Estatuto do Advogado, e no artigo 2.º do R.A.A.;
   c) Certificado do registo criminal do requerente, emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação, em 14 de Outubro de 2009;
   d) Pública-forma do certificado, emitido pela Universidade de Macau, em 25 de Agosto de 2009, confirmando que o requerente concluiu, com aproveitamento, o Curso de introdução ao Direito de Macau;
   e) Pública-forma da Carta de Curso, emitida pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (U.C.T.M), em 30 de Outubro de 2004, certificando que o requerente concluiu, com aproveitamento, a licenciatura em Direito;
   f) Cópia simples do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau n.ºXXXX, emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação, em 20 de Fevereiro de 2006; e
   g) Três fotografias a cores.
   II. Começa por referir-se que o requerimento do interessado falha, em primeira linha, por não indicar se pretende a sua inscrição como advogado, ou como advogado estagiário.
   III. Não obstante, sempre se dirá que, de acordo com o disposto no artigo 4.º do R.A.A., são requisitos, cumulativos, para a inscrição como advogado na A.A.M., a licenciatura em Direito por Universidade de Macau, a frequência de estágio de advocacia nos termos daquele regulamento, a inexistência de incompatibilidades para o exercício da profissão, e a inexistência das demais restrições ao direito de inscrição referidas no artigo 7.º do R.A.A.
   IV. E, no mesmo diploma legal, na alínea a) do artigo 23.º, estabelece-se que são dispensados do estágio os professores do Direito de Macau (i), qualificados com grau académico de mestrado ou superior (ii), que tenham desempenhado funções docentes em universidade do Território durante mais de dois anos (iii).
   V. O requerente não está portanto em condições de se inscrever na A.A.M. como advogado, por não reunir os requisitos do artigo 4.º e da alínea a) do artigo 23.º do R.A.A., uma vez que não apresenta prova de frequência de estágio de advocacia, nem demonstra estar em condições de ser dispensado do estágio.
   VI. Quanto à possibilidade de inscrição como advogado estagiário, veja-se que, de acordo com o disposto no n.º1 do artigo 20.º do R.A.A., pode requerer a inscrição como advogado estagiário quem preencher os requisitos cumulativos das alíneas a), c) e d) do n.º1 do artigo 4.º do mesmo diploma legal, a saber, licenciatura em Direito por Universidade de Macau ou qualquer outra licenciatura em Direito devidamente reconhecida, inexistência de incompatibilidades para o exercício da profissão, e inexistências das demais restrições ao direito de inscrição referidas no artigo 7.º do R.A.A.
   VII. Por sua vez, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 20.º, n.º4, 5.º, n.º1, alíneas a), b), d), e), f) e g), o requerente deverá instruir o seu pedido de inscrição com os seguintes documentos: carta de licenciatura, em original ou pública-forma, ou, na sua falta, documento comprovativo de que a mesma já foi requerida e está em condições de ser emitida; certificado do registo criminal actualizado; fotocópia do documento de identificação; fotografias em número e de dimensão fixados pela A.A.M.; declaração escrita, sob compromisso de honra do requerente, da inexistência de incompatibilidades para o exercício da profissão; declaração escrita, sob compromisso de honra do requerente, da inexistência das demais restrições ao direito de inscrição referidas no artigo 7.º do Regulamento em causa; e, finalmente, declaração de um patrono que preencha os requisitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 30.º, aceitando o patrocínio com todas as obrigações legais.
   VIII. Analisando as qualificações académicas do requerente, começamos por notar que, conforme informação constante do sítio electrónico da U.C.T.M., e que aqui se junta para facilidade de referência (Doc. n.º1), os cursos de licenciatura e mestrado em Direito oferecidos pela U.C.T.M. foram concebidos de acordo com o plano de estudos da Faculdade de Direito da Universidade de Pequim.
   IX. Também conforme informação que constante do mesmo sítio electrónico, defendia aquela instituição de ensino que o estudo das leis chinesas ajudaria os alunos a compreender melhor as leis de Macau, e a dominar os dois sistemas.
   X. Ainda de acordo com aquela informação, o aluno podia escolher entre especializar-se no sistema jurídico chinês, ou no sistema jurídico de Macau.
   XI. Certo é que, de acordo com a mesma informação, as disciplinas que estariam relacionadas directamente com o direito de Macau1 eram optativas.
   XII. Ainda àquela data, apenas dos currículos de docentes estavam disponíveis no referido sítio electrónico, designadamente, dos Professores XXX e XXX, nenhum deles com experiência ou conhecimentos académicos relacionados com o direito de Macau.
   XIII Os manuais usados pela U.C.T.M nas cadeiras nucleares do curso de Direito eram, àquela altura, manuais de direito chinês, não de direito de Macau.
   XIV. Também em 2004, a revista em língua chinesa “XXX(“XXX”), de Hong Kong, numa reportagem que dedicou à U.C.T.M., revelou que muitos alunos da U.C.T.M. são filhos de altos funcionários públicos do Interior da China, que reprovaram nos exames de acesso às Universidades da China, e que vieram depois para a U.C.T.M..
   XV. Na mesma reportagem, revelava-se que o Ministério da Educação de Pequim emitira um Aviso em 2003, alertando para os procedimentos irregulares de acesso à U.C.T.M., acordados entre esta e mais de cem estabelecimentos de ensino e entidades do interior da China, de que fizeram uso mais de dez mil estudantes, que permitia a estes que estudassem naqueles estabelecimentos e entidades do interior, e viessem depois à U.C.T.M. completar, em apenas uma semana, as suas licenciaturas e mestrados.
   XVI. O referido Aviso refere expressamente que este procedimento da U.C.T.M. violou gravemente a regulamentação da área do ensino e perturbou a ordem normal do sector, provocando má influência social, na China e em Macau, e determina que as habilitações e graus académicos da U.C.T.M. não sejam reconhecidos na China.
   XVII. Chegados aqui, importa a esta altura destacar que, nos termos do n.º1 do artigo 3.º do Regulamento Administrativo n.º26/2003, a verificação de habilitações académicas nos níveis de ensino primário, secundário e superior, para efeitos de exercício de actividade profissional condicionada por intervenção de entidade pública, é da competência dessa entidade.
   XVIII. Considerando as características da licenciatura em direito da U.C.T.M. expostas supra, a A.A.M. não admitiu ao estágio, até 2005, nenhum titular daquela licenciatura.
   XIX. Em alternativa à admissão directa a estágio dos licenciados pela U.C.T.M., foi criado, em cooperação com o Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ), no ano de 2005, um Curso Especial para Admissão ao Estágio de Advocacia.
   XX. O requerente frequentou o referido curso, tendo, a final, reprovado em cinco dos seis módulos que o compunham – designadamente, nos módulos de Direito Processual Civil I, Direito das Obrigações, Direito Criminal, Teoria Geral do Direito Civil e Direitos Reais.
   XXI. Os alunos daquele curso, que obtiveram aprovação no mesmo, foram admitidos a inscreverem-se como advogados estagiários, na A.A.M..
   XXII. O requerente posteriormente frequentou o Curso de Introdução ao Direito de Macau, ministrado pela Universidade de Macau (UMAC), no qual obteve aprovação em 2009.
   XXIII. Sucede que o protocolo celebrado com a UMAC, pelo qual a A.A.M. reconhecia àquele Curso de Introdução ao Direito de Macau valor idêntico ao do Curso Prévio de Adaptação ao Sistema Jurídico de Macau, previsto no Regulamento do Acesso à Advocacia, já não se encontra em vigor desde 2003, razão pela qual a A.A.M. actualmente não está abrigada àquele reconhecimento.
   XXIV. Sem prejuízo de já não estar em vigor aquele protocolo, sempre se dirá que, independentemente da previsão citada no parágrafo anterior, a A.A.M. se reservou ali o direito de, se o entender necessário, exigir dos candidatos ao estágio de advocacia a prestação de provas de admissão ao mesmo.
   
   EM CONCLUSÃO
    À luz de tudo quanto fica exposto, e da consideração dos documentos juntos pelo requerente, constata-se que as qualificações deste, porquanto obtidas em instituição de ensino que, à altura da licenciatura do requerente, tinha um plano de curso de Direito concebido de acordo com o plano de estudos da Faculdade de Direito da Universidade de Pequim, com uma estrutura nuclear de estudo das leis chinesas, sendo optativas as disciplinas relacionadas directamente com o direito de Macau, leccionadas por docentes sem experiência ou conhecimentos académicos relacionados com o direito da RAEM, e com recurso a manuais de direito chinês – tudo, numa instituição de ensino cuja credibilidade, procedimentos e habilitações foram objecto de juízo sancionatório por parte do Ministério da Educação de Pequim, que recomendou que não se reconhecessem as habilitações ali obtidas -, não o habilitam para o exercício da advocacia na RAEM.
    Ademais, não pode deixar de valorar-se o facto de o requerente ter reprovado nos módulos de Direito Processual Civil I, Direito das Obrigações, Direito Criminal, Teoria Geral do Direito Civil e Direitos Reais – cinco dos seis módulos que compunham o Curso Especial para Admissão ao Estágio de Advocacia, criado em cooperação com o CFJJ, que o requerente frequentou em 2005; e de a A.A.M. não estar obrigada a admitir a estágio os alunos do Curso de Introdução ao Direito de Macau, ministrado pela UMAC, porquanto o protocolo celebrado com esta Universidade já não se encontra em vigor desde 2003 (sem prejuízo de, mesmo no protocolo com a UMAC, a A.A.M, se ter reservado o direito de, se o entendesse necessário, exigir dos candidatos ao estágio de advocacia a prestação de provas de admissão ao mesmo).
    Assim, somos da opinião que, ao abrigo do n.º1 do artigo 3.º do Regulamento Administrativo n.º26/2003, a A.A.M. deve indeferir o pedido de 20 de Outubro de 2009, de inscrição na A.A.M., apresentando pelo Sr. A.
   À consideração superior da Direcção.
   Macau, 15 de Dezembro de 2010
   (Assinatura)”
   
   Q. No mesmo dia, a Direcção da Associação dos Advogados de Macau deliberou, por unanimidade, aceitar o conteúdo da informação supra citada, indeferindo o requerimento do recorrente. Quanto ao seu conteúdo, em síntese, é o seguinte: (vd. fls. 53 dos autos)
   “Analisado o requerimento dirigido a esta Associação pelo Snr. A, e a informação anexa preparada sobre o mesmo pelo R. Pedro Quintela Borges a cujos fundamentos se adere, foi deliberado por unanimidade dos membros presentes indeferir o requerimento de inscrição na AAM por parte do Snr. A, Proceda-se à notificação do requerente por carta registada com aviso de recepção.”
   R. No dia 29 de Dezembro de 2010, através do ofício n.º1698/10 da Associação, o recorrente foi notificado de que o seu requerimento já tinha sido indeferido pela deliberação supracitada e tal deliberação era susceptível de recurso contencioso a interpor para o Tribunal Administrativo dentro de 30 dias. (vd. fls. 52 dos autos; e fls. 83 do Proc. Administrativo)
   S. No dia 27 de Janeiro de 2011, o recorrente interpôs recurso contencioso para este Tribunal.
   T. Em 1991, quando o «Estatuto do Advogado» entrou em vigor, a Universidade de Macau (a então Universidade da Ásia Oriental) era a única instituição do ensino superior que tinha curso de Direito.
   U. Os licenciados em Direito pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau são admitidos à prova de acesso à função pública, por exemplo, à prova de admissão do curso e estágio de formação para ingresso nas magistraturas judicial e do Ministério Público. (vd. depoimento prestado pela 2ª testemunha da entidade recorrida, a fls. 562 dos autos)
   V. Contudo, até à presente data, não há nenhum licenciado em Direito pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau que foi admitido ao curso e estágio de formação para ingresso nas magistraturas judicial e do Ministério Público. (vd. depoimento prestado pela 2ª testemunha da entidade recorrida, a fls. 562 dos autos)
   W. Em Outubro de 2009, um licenciado em Direito por universidade do Interior da China, após ter concluído o curso de introdução do Direito de Macau ministrado pela Universidade de Macau e aprovado na prova da Associação dos Advogados de Macau, conseguiu inscrever-se na Associação como advogado estagiário.
   X. Quanto à prova indicada no ponto W, nos termos da disposição prevista no art.º 19.º do Regulamento do Acesso à Advocacia publicado no Boletim Oficial n.º50, II série, de 15 de Dezembro de 1999, a entidade recorrida permitiu a inscrição como advogado estagiário aos licenciados em Direito que reunissem os requisitos previstos no art.º 4.º, n.º1 do mesmo regulamento – “qualquer outra licenciatura em Direito reconhecidos no Território”, no n.º 1, als. c) e d) do mesmo artigo, e que concluíssem, com aproveitamento, o Curso de introdução ao Direito de Macau ministrado pela Universidade de Macau e aprovassem com sucesso na referida prova. (vd. fls. 612 a 618 dos autos)
   Y. Desde 1999, foi realizada a supracitadas prova por 23 vezes, nelas não tendo, conduto, participado os licenciados em Direito pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau. (vd. fls. 612 a 618 dos autos)
   Z. Até à presente data, os licenciados em Direito pelas Universidades do Interior da China tais como as Universidades de Shantou, Jinan, Political Science and Law, Sun Yat-sen e Huaqiao são admitidos a participar na supracitada prova. Contudo, antes de decidir se é admitido ou não um determinado licenciado em Direito, a entidade recorrida ainda vai apreciar concretamente o plano de estudos do curso onde frequentava o mesmo. (vd. flos. 612 a 618 dos autos)
   AA. Em 2003, o Ministério da Educação do Interior da China publicou o documento Teach Outport (2003) n.º24, titulado “Parecer e aviso quanto à organização de cursos contra a norma entre os estabelecimentos de ensino e entidades do Interior da China e a Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau”. (tal documento consta de fls. 361 a 364 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
   BB. A Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau é uma das instituições do ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação do Estado, os seus cursos a tempo inteiro também são reconhecidos pelo Ministério da Educação do Estado (incluindo o curso de Direito a tempo inteiro). (vd. fls. 580 e 776 dos autos)
    
    IV - FUNDAMENTOS
    A - RECURSO A
1. Está em causa a junção de 4 documentos:
- No dia 11 de Abril de 2011, o recorrente apresentou um documento, correspondente a um certificado emitido pela U.C.T.M. em 30 de Outubro de 2004.
- No dia 30 de Junho de 2011, o recorrente juntou aos autos um outro documento emitido pela U.C.T.M., datado de 30 de Maio de 2011 e por ele requerido em 21 de Abril de 2011.
- No dia 20 de Julho de 2011, o requerente juntou aos autos um aviso publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau no dia 13 de Maio de 2009.
- No dia 15 de Setembro de 2011, o recorrente veio juntar mais um documento, emitido em 17 de Agosto de 2011 pelo Gabinete de Apoio ao Ensino Superior, a pedido do defensor oficioso daquele, em 2011, conforme se pode constatar pela referência "111-JS/2011" expressa nesse mesmo documento como sendo a referência da carta subscrita por quem requereu tal documento.

2. A entidade recorrida pronunciou-se quanto à junção dos documentos apresentados com os requerimentos de 14 de Abril e 30 de Junho de 2011, pugnando pela sua extemporaneidade.
O despacho ora recorrido veio decidir da admissão de todos os documentos em causa pelo recorrente, nos termos seguintes:
"Salvo melhor opinião, alinha-se com a entidade recorrida, que essa junção de documentos é tardia, porquanto o certificado emitido pela U.C.T.M. foi junto aos autos após a fase do art. 64.ºdo CPAC e o mesmo documento devia já estar na posse do Recorrente desde 2004; a declaração da U.C.T.M. foi requerida só em 21/04/2001, sendo passada em 30/05/2011 mas apresentado só em 30/06/2001.
Quanto à consequência de apresentação tardia, o CPAC não tem disposição expressa. Prevê-se no art. 43º n.º 6, que: «Quando o recorrente, por motivos justificados, não tenha podido obter alguns dos documentos com que a petição haja de ser instruída, deve especificar em que consistem tais documentos e solicitar a fixação de um prazo razoável para a sua junção.». Todavia, em momento algum se consignou a cominação de que o incumprimento deste preceito ou a apresentação tardia de documentos importarão ao seu desentranhamento.
Pelo que, correcto será de aplicar, mutandi mutatis, o art. 450º n.º 2 do CPV ex vi do artigo 1.º do CPAC. Quer isto dizer que se pode apresentar documentos (mesmo tardiamente) antes do encerramento de fase de produção de prova a que se refere o artigo 65.º do CPAC, só que, nesse caso, o apresentante será condenado em multas.
Admite-se a junção dos documentos acima referidos, sendo o Recorrente condenado em multa que se fixam em 1 UC."

3. Do momento da apresentação de documentos no CPAC
Continua a entidade recorrida a defender a extemporaneidade dessa junção.
Nos termos do artigo 1.º do CPAC, “o processo contencioso administrativo rege-se pelo disposto no presente Código, nas leis sobre organização do sistema judiciário e, subsidiariamente e com as necessárias adaptações, na lei processual civil.”
Nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 42.° do CPAC, deve o recorrente identificar os documentos que obrigatória ou facultativamente acompanham a petição.
Por seu turno, determina o artigo 43.°, sob a epígrafe "Instrução da Petição", no seu n.º 1, alínea b) que "são obrigatoriamente juntos à petição: (…) b) Todos os documentos destinados a demonstrar a verdade dos factos alegados, com excepção dos que constem no processo administrativo."
Da leitura destes dois preceitos retira a recorrente a obrigatoriedade de se juntarem documentos apenas naquele momento.
Retira a recorrente do advérbio de modo obrigatoriamente um outro sentido que a palavra não comporta, qual o seja aquele que seria dado em termos de só naquele momento poderem ser apresentados os documentos, podendo-se adoptar outros advérbios para esse efeito como somente, unicamente, exclusivamente.
Com sagacidade, reconhece-se, a recorrente agarra-se à palavra obrigatoriamente para ver aí uma obrigação que não comporta alternativa.
O que se verifica, desde logo, é que é a própria lei que abre as portas a que os documentos possam ser apresentados noutros momentos, como resulta do artigo 43.°, n.º 6 do CPAC, possibilitando-se aí a apresentação de documentos em momento posterior ao da entrada da petição de recurso, desde que por motivos justificados, este não tenha podido obter alguns dos documentos, devendo ainda especificar em que consistem esses mesmos documentos e solicitar prazo para a sua junção e como resulta do artigo 64º, concedendo-se a possibilidade de, não sendo possível o conhecimento do mérito do recurso, sem necessidade de produção de prova, as partes usarem da faculdade de alterar o seu requerimento de prova, se a alteração for justificada pelo conhecimento superveniente de factos ou documentos relevantes.
Dir-se-á que essas situações constituem as únicas excepções, em casos que estão taxados, à junção dos documentos com a petição.
Continuamos a não acompanhar o douto entendimento da recorrente, voltando ao argumento inicial, pois a obrigatoriedade só faz sentido, tratando-se de uma obrigação para o recorrente, se for acatada, mas, como toda a obrigação, está na sua génese a possibilidade de ser violada e aí o legislador deve dizer qual a sanção. Ora, a lei processual administrativa não comina de inadmissibilidade o não cumprimento dessa obrigação a aí não se deixa de abrir a porta à regulação processual civil subsidiária daquela.
Faz sentido que o legislador diga que é obrigatório, que devem os documentos ser juntos com a petição. Esse procedimento ajudará à disciplina e ordenamento processual, ajudará à compreensão da petição, seja em relação ao juiz, seja em relação à contraparte. Mas se quisesse excluir a possibilidade de junção noutros momentos, para além daqueles em que vai abrindo algumas janelas, como nas situações acima vistas, então, tê-lo-ia dito.
É assim que as coisas se passam também no domínio do Processo Civil. O artigo 450º, n.º1 do CPC não deixa de estabelecer a obrigatoriedade de apresentação dos documentos com os articulados, dizendo “devem ser apresentados”. Abrem-se depois as portas à possibilidade de violação desse dever e estabelece-se no n.º 2 desse artigo 451º a sanção, regime e sanção que serão de aplicar também no processo do contencioso administrativo à míngua de previsão dessa situação, sendo ainda de referir que se abrem aqui outras excepções não contempladas na lei processual civil, como acimo ficou visto.

4. Da interpretação histórica dos artigos em causa
Estriba-se ainda a recorrente no elemento histórico interpretativo.
A origem dos artigos 42.º e 43.º do CPAC remonta ao Decreto-Lei n.º 23229, de 30 de Dezembro de 1933, publicado no Boletim Oficial n.º 52 de 1933, por via do qual entrou em vigor a Reforma Administrativa Ultramarina (RAU).
Nos artigos 661.° e segs da RAU estabeleceram-se as regras processuais do direito administrativo contencioso em vigor em Macau, sendo a petição e actos subsequentes regulados nos artigos 685.° e segs desse diploma.
Com interesse para a questão do momento da apresentação de documentos em juízo, releva para a recorrente o parágrafo 2.º do artigo 688.º no qual se podia ler: "Todos os documentos em que o pedido se fundar serão entregues juntamente com a petição, não podendo ser recebidos ulteriormente", permitindo o parágrafo seguinte deste mesmo preceito o uso da prova testemunhal.
Ainda aqui não lhe assistirá razão.
A sua visão estática do direito processual administrativo é desmentida com a necessidade de acompanhar os novos ventos, da sua fuga para o direito privado, da sua aproximação ao processo civil comum, como se dá conta, nomeadamente no preâmbulo do Dec.-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho que aprovou a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
Esquece-se a recorrente que esse longínquo parágrafo 2º do art. 688º do Decreto-Lei n.º 23:229, de 30 de Dezembro de 1933, há muito fora revogado por outras normas que não contemplavam essa cominação fatal de não recebimento ulterior, como é o caso, apenas a título de exemplo, do art. 844º do Código Administrativo, na parte pré-vigente em Macau, considerando-se que o preceito que obrigava à junção dos documentos com os articulados não impedia a junção posterior de novos documentos,2 tal como resultava do art. 36º, n.º 1, f) com redacção idêntica à actual e 56º do RSTA.
Omite a recorrente que já em qualquer dessas normas, percursoras da norma actual, se omitia a cominação que se pretende contida no regime actualmente em vigor.
Aliás, daqui sai reforçado o raciocínio que ora se desenvolve, na exacta medida do argumento que se extrai da necessidade que o legislador tem de estabelecer qual a consequência para o incumprimento da obrigação que postula. Se em 33 dizia que os documentos deixavam de poder ser recebidos, posteriormente deixou cair claramente essa cominação.

5. Da interpretação teleológica e em função da unidade do sistema jurídico e do fim da norma
Para além do sentido literal e dos precedentes históricos dos artigos a interpretar, o intérprete deverá também ter em atenção a unidade do sistema jurídico e o fim que a norma se propõe alcançar, afirma a recorrente.
Assim, impõe-se a aplicação de normas próprias e específicas desse ramo do Direito.
Nada de mais certo e a existência de um Direito Processual do Contencioso Administrativo aí está a atestar a justeza do afirmado. Só que isso em nada bole com a aplicação subsidiária de um direito processual civil, como expressamente proclamado, desde logo no seu artigo 1º. A regulação própria do processo do contencioso administrativo, como é da nossa tradição, nas palavras de Mário Aroso de Almeida, não pretendem ser exaustivas, assumindo que o regime de base aplicável em todas as matérias em relação às quais elas próprias não estabeleçam um regime especial é o que consta da lei processual civil. 3
Como acima já se referiu, o Direito Contencioso Administrativo é a consagração processual do Direito Administrativo como um direito autónomo e materialmente muito diverso do direito civil.

6. Da sanção para junção extemporânea de documentos no âmbito do CPAC e da aplicação subsidiária do CPC
A resposta a esta questão está implícita no desenvolvimento supra, sendo nosso entendimento que o regime aplicável é o do CPC na parte não prevista para o sancionamento da junção tardia dos documentos.
Os exemplos avançados não se mostram definitivos na medida em que nesses casos também a lei processual não permite a prática posterior dos actos.
Neste sentido, a decisão contida no despacho recorrido de aplicar subsidiariamente o CPC, para a aplicação de uma multa por apresentação extemporânea de documentos, não viola nem a letra nem o espírito dos artigos 42.°, 43.° e 64.° do CPAC, pois que estes, por si só, não dão resposta à questão da junção extemporânea de documentos, não se prevendo aí que a junção tardia seja sancionada com o desentranhamento.
Por último, não se deixa de se anotar o consenso existente em torno desta questão na Jurisprudência comparada, sobre normas com o mesmo conteúdo, interpretação que só a recorrente não quer ver acs. do STA, Proc. n.º 01019/13, de 25/9/2013; 0685/08, de 2/4/2009; TCAN 00611/12.1BEBRG, de 12/10/2012; 01041/04.4BEBRG, de 3/4/2008; 4

7. Da alegada irrelevância e impertinência dos documentos
7.1. Continua a recorrente sem razão neste seu denodo recursório.
Alega a recorrente a impertinência de alguns desses documentos. Para tanto, invoca a regra geral constante do artigo 468.° do CPC quanto à consideração do que o Tribunal tem necessariamente que fazer, quanto à (im)pertinência ou (des)necessidade dos documentos juntos, na medida em que o CPAC é, aqui sim, totalmente omisso na matéria.
Sobre isto, o que se nos oferece dizer, vista aquela fase do processo, é o seguinte: ou eram impertinentes ou não; se não, foram bem admitidos; se sim, das duas uma: ou esses documentos serviram para provar factos que vieram a ser considerados na sentença e por impertinentes eles não devem ser relevados, devendo ser em sede da discordância da fundamentação expendida que a parte deve tomar posição; ou não foram considerados e mostra-se irrelevante e prejudicada a presente discussão.
Mas não nos escusaremos, contudo, a analisar a valia desses documentos.
7.2. Sobre o documento junto em 12/4/2011.
Com todo o respeito, não faz qualquer sentido a argumentação invocada. Não é pelo facto de o documento estar desde 2004 na posse do recorrente que se mede e aquilata da sua irrelevância. O que pode ter acontecido é que ele não foi diligente em apresentá-lo mais cedo. De todo o modo, é patente a sua relevância, dele se alcançando que há no curriculum académico do candidato disciplinas de ensino de português no seu curso e de Direito de Macau em diferentes áreas.
7.3. Quanto ao documento junto aos autos a 30 de Junho de 2011.
Afirma a recorrente que não só foi fabricado pela U.C.T.M. a pedido do recorrido, como não pode corresponder à declaração que aquele protestou juntar na sua petição inicial, pois não identificou que declaração seria esta, como estava obrigado a fazê-lo. Para além disso, a petição inicial foi apresentada em 27 de Janeiro de 2011 e tal declaração foi apenas requerida a 21 de Abril de 2011, depois de o recorrido ter sido notificado da contestação da entidade ora recorrente.
Continua sem razão a recorrente e a avançar com argumentação inconsistente. Uma coisa é o muito ou pouco valor que o documento pode ter, mas não permitir a sua junção porque é a pedido, com franqueza! Então não mais se admitiria uma qualquer certidão ou documento passada por uma qualquer entidade só por ser a pedido do interessado, como é normal acontecer.
A pertinência desse documento mais não resulta do facto de dele se alcançar que a doutrina e o Direito de Macau não passa completamente ao lado no curso ministrado naquela Universidade.

7.4. Quanto ao documento junto em 20 de Julho de 2011.
Que sendo datado de 13 de Maio de 2009, não serve de prova para o facto alegado no artigo 28.° da petição de recurso, sendo por isso, irrelevante para esse efeito. Aliás, tal documento serve, antes pelo contrário, para demonstrar o oposto do alegado nesse artigo, sendo, nesse aspecto, potencialmente relevante até para a entidade ora recorrente, mas tardiamente apresentado.
Ainda aqui não se percebe a argumentação da recorrente. Então não é verdade que daquela lista se alcança que pelo menos o ora recorrido consta da lista classificativa de admissão ao estágio das magistraturas e que não foi por possuir o curso da UCT que foi excluído, mas sim por ter chumbado na fase escrita de conhecimentos jurídicos?

7.5. Sobre o documento junto a 15 de Setembro de 2011.
Não se trata, no entender da entidade ora recorrente, de um parecer de advogado, jurisconsulto ou técnico, como entendeu o despacho recorrido, já que não foi emitido por alguém com essa qualidade. Terá andado mal o Tribunal a quo ao aplicar subsidiariamente o artigo 452.º do CPC ao documento em causa.
Não se acompanha o entendimento expendido pela recorrente.
O facto de nesse documento se transcrever o que resulta do Decreto-Lei n.º 11/91/M de 4 de Fevereiro, da Ordem Executiva n.º 19/2000, da Ordem Executiva n.º 20/2000, da Ordem Executiva n.º 36/2000 e dos Despachos do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura n.º 101/2003, 93/2006 e 90/2008 e o facto de terem sido emitidos há mais de 6 anos não fazem que perca a qualidade de um parecer.
Não é pelo transcurso do prazo que perde a sua actualidade, é um documento emanado de um organismo do Governo com responsabilidades sobre o Ensino Superior na RAEM, encontra-se devidamente estruturado e fundamentado, apresentando o respectivo enquadramento jurídico e formula uma conclusão, elaborado por uma jurista técnica qualificada, anotando-se até que esse “parecer” foi emitido a solicitação da AAM, ora recorrente.
Se a resposta não é conveniente à interessada, na medida em que aquele Gabinete não vê inconveniente na inscrição dos licenciados pela UCT na AAM, se se discorda desse parecer, isso é outra coisa.
Não tem, pois, razão a recorrente ainda neste particular detalhe.

8. Omissão de pronúncia
Defende ainda a recorrente que o despacho recorrido não se pronunciou, como devia, nos termos do n.º 1 do artigo 468.º do CPC sobre a (im)pertinência ou (des)necessidade dos documentos juntos tardiamente, sendo, nessa parte, nulo, por omissão de pronúncia, ou caso assim não se entenda, por falta de fundamentação, por via do artigo 571.° do CPC, aplicável aos despachos por via do n.º 3 do artigo 569.° do CPC.
Faz a impetrante uma leitura a contrario, que a norma não consente. Só se forem impertinentes os documentos os manda retirar dos autos; só aí estará implícita uma formulação expressa das razões dessa impertinência. Ao invés, se forem pertinentes não parece que tenha de se pronunciar expressamente sobre as razões dessa pertinência, a não ser que uma parte a tal se oponha.
    
    9. Por todas as razões que acima ficam expostas este recurso interlocutório relativo à admissão dos referidos documentos não deixará de improceder.
    
    B - RECURSO B
    1. Questão prévia
    A questão principal nos presentes autos, tal como equacionada pela entidade recorrente, passa pela interpretação e aplicação do Regulamento Administrativo n.º 26/2003, de 25 de Agosto, o qual, no seu entender, lhe confere o poder discricionário de verificação de habilitações académicas para efeitos de acesso à advocacia.
    Como questão prévia defende a perda de interesse no presente recurso face à alteração do artigo 19º do RAA (Regulamento de Acesso à Advocacia)

2. Da alteração do artigo 19.º do Regulamento do Acesso à Advocacia (RAA)
    Uma vez que o artigo 19.° do RAA foi alterado durante a pendência do recurso contencioso de anulação no qual foi proferida a sentença recorrida, conforme Aviso publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 45, II série, de 9 de Novembro de 2011, passando este preceito a determinar que todos os licenciados em direito com habilitações reconhecidas pela Associação dos Advogados de Macau são sujeitos a provas de admissão ao estágio, de natureza e conteúdo a definir pela A.AM., sem prejuízo do acordado em protocolos de reciprocidade com entidades congéneres de outros ordenamentos jurídicos, tal alteração faria perder o interesse na apreciação do presente recurso, pois os efeitos directos típicos de eventual sentença anulatória deixariam de poder ser realizados através de uma reconstituição da situação actual hipotética em face do disposto no art. 174º, n.º 3 do CPAC (Código de Processo Administrativo Contencioso) .
    Alegando um abaixamento do nível de qualidade dos conhecimentos jurídicos dos candidatos a advogados estagiários, contrariando a afirmação do recorrente de que há um direito subjectivo de admissão directa ao estágio, impondo-se um reconhecimento prévio das qualificações académicas dos candidatos, agora, também, por provas de admissão, a entidade recorrente, como responsável pela regulamentação do exercício da advocacia e pela atribuição do título profissional de advogado e advogado estagiário, no âmbito das suas competências, decidiu condicionar o acesso de todos os candidatos a advogado estagiário a provas de admissão ao estágio, condicionamento esse a que o candidato sempre teria de se sujeitar, pelo que não seria já possível a admissão requerida nos termos em que foi solicitada, mesmo que o recorrente obtivesse ganho de causa no recurso.
 Nesse sentido, revelar-se-ia inútil a presente lide, pois os efeitos directos típicos que o ora recorrido poderá obter com uma eventual sentença anulatória nos presentes autos não serão alcançáveis através da reconstituição da situação actual hipotética e, ainda que assim não se entendesse, não sendo anulada a sentença recorrida, a entidade recorrente poderia, em sua execução, praticar um acto renovador, não tendo este efeito retroactivo, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 118.º do Código do Procedimento Administrativo - “Têm eficácia retroactiva os actos administrativos: a) Que se limitem a interpretar actos anteriores; b) Que dêem execução a decisões dos tribunais, anulatórias de actos administrativos, salvo tratando-se de actos renováveis;(…)”.
    Não tem razão a recorrente.
    
    3. Execução da sentença e renovação do acto
    A execução de sentença consiste na prática pela Administração dos actos e operações materiais necessários à reintegração efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido cometido.5 O princípio do respeito do caso julgado não impede a substituição do acto anulado por outro idêntico desde que a substituição se faça sem repetição dos vícios determinantes da sua anulação6. Aliás, o limite objectivo do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos, “seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que respeita ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, determina-se pelo vício que fundamenta a decisão”.7
    Quer dizer, tal como como se assinala em acórdão do STA, no Proc. n.º 030655A, de 1/6/2006, em que foi relator o juiz que integra o presente Colectivo «o respeito pelo caso julgado não fica abalado se a Administração, em execução de sentença anulatória, retomar a decisão anterior desde que expurgada dos vícios que a inquinavam. É, aliás, nisso que consiste a boa execução, sempre que a Administração pretender reintroduzir na ordem jurídica a força substancial do acto renovado.
    Quer dizer, o critério a seguir não é necessariamente o da reposição ou restabelecimento da situação anterior à pratica do acto ilegal, mas o da reconstituição da situação actual hipotética através da qual a ordem jurídica violada é reintegrada, tudo se passando como se nada ilegal tivesse acontecido e, portanto, realizando-se agora o que entretanto se teria realizado, se não fosse a ilegalidade cometida… Ou seja, as coisas não se passarão exactamente como se encontravam antes da prática do acto anulado, antes poderão ocorrer tal como se presume viessem a estar no momento presente, independentemente da verificação da anulação.
    Neste contexto, assume particular relevância o fundamento da anulação. Se o vício determinante da anulação for um vício de legalidade externa, como por exemplo o de forma, por falta de fundamentação, a execução da sentença cumpre-se com o expurgo da violação detectada de acordo com a situação e as normas jurídicas que regulavam a situação na data do acto anulado..(8). Desta maneira, e porque se aceita pacífica esta doutrina, fica presumido que a situação do momento (a chamada situação actual hipotética) seria a mesma que existiria com o acto ilegal se não tivesse sido anulado.
    É essa a razão subjacente à irretroactividade prescrita na norma. Quer dizer, porque num juízo forte de probabilidade se crê que o acto ilegal se repita (se renove) sem os vícios que conduziram à sua anulação, o legislador concede que se salvem os efeitos produzidos à sua sombra até que surja o novo acto (acto renovador).
    Isto, claro está, supondo-se que esse novo acto se pratique no quadro de uma actuação vinculada, pois pode, efectivamente, colocar-se a hipótese de a prática do acto ser discricionária, e, nesse caso, consente-se que a Administração tenha a faculdade de, simplesmente, não o renovar… Significa isto que, no caso de acto renovável, a projecção dos efeitos destrutivos ou reconstrutivos da sentença anulatória não é resolvida “ao nível dos actos da sua execução, mas pelo próprio acto renovador(parecendo subentendido que se trata aqui de um acto com o mesmo sentido ou efeito do acto anterior)”.9 Tratando-se de actos renováveis, entre os quais avultam os anulados por vício formal de falta de fundamentação, a execução da sentença cumpre-se com a prolação de novo acto, sem os vícios que caracterizavam o anterior. E só em relação a ele se poderá pôr o problema da retroactividade ou não.»
     Assim, apenas na hipótese de o acto renovador vir a decidir em sentido contrário ao manifestado no renovado, isto é, só se a execução vier a ser em sentido favorável ao interessado, poderá a recorrente ter razão ao pretender a retroactividade do acto renovador. Mas com certeza não seria isso que estaria na sua mente.
    O inciso normativo da norma contida no artigo 118º, n.º 1, b) do CPA "salvo tratando-se de actos renováveis" - deve ser devidamente ponderada no campo dos actos desfavoráveis aos destinatários, não havendo dificuldade que, na hipótese de actos favoráveis, se entenda que a renovação do acto produz efeitos retroactivos na esfera jurídica dos destinatários.10
    Em sede meramente teórica, os vícios de forma apartam-se dos funcionais. A temática dos actos renováveis liga-se, na grande maioria dos casos, com essa distinção.11 Exactamente para garantia do apontado efeito reconstitutivo da sentença anulatória é que foi estabelecida, no artigo 118º, n.º 1, b) do CPA, uma excepção à regra geral da irretroactividade dos actos administrativos. Porém, ao querer condensar numa fórmula sintética e inequívoca a solução legislativa, o legislador terá pecado por defeito na previsão normativa ao ter apenas em mente as situações estatisticamente mais frequentes, ou seja, aquelas em que o acto administrativo é desfavorável aos seus destinatários. Neste quadro limitado é que se deve compreender o alcance do inciso normativo “salvo tratando-se de actos renováveis” (excepção à regra excepcional), com o objectivo de impedir que se projectassem retroactivamente na esfera jurídica do particular efeitos nocivos resultantes de ilegalidade praticada pela Administração.
    A extensão da mesma norma ao campo dos actos favoráveis aos destinatários não faria sentido à luz dos princípios gerais aplicáveis ou do Direito e tenderia a produzir resultados inadmissíveis, como seria o privilégio injustificável reservado aos destinatários desfavorecidos pelo acto que, a lograrem a sua anulação por via da execução da sentença e por força do já referido princípio da reconstituição da situação hipotética actual, teriam direito à reposição da situação pretendida com efeitos retroactivos, em detrimento eventualmente de outros interessados que estariam impedidos de recorrer contenciosamente do acto favorável (por falta de legitimidade) e relativamente aos quais o acto em causa surgiria como “acto renovável” logo, nessa tese, sem eficácia retroactiva.
    Aliás, Vieira de Andrade 12dá conta desta dificuldade, ao dizer: « Nos termos do artigo 128º, n.º 1, b), do CPA, têm eficácia retroactiva os actos que executem sentenças anulatórias de actos, salvo se estes actos forem “renováveis”, parecendo que assim se pretende conferir eficácia retroactiva, ou não, conforme se trate de execução favorável ou desfavorável ao recorrente.
Só que esta indicação normativa não é suficiente e nem sempre corresponderá à melhor solução no caso concreto – não se pode excluir a possibilidade de o acto renovador ter efeitos retroactivos, designadamente se favoráveis a terceiros...»13.E em nota de pé de página esclarece: «Avulta neste contexto o magno problema de determinar o alcance invalidante dos vícios de forma e de procedimento que, em regra, permitem a renovação do acto – a revalorização do direito das formas não permite que se ignore pura e simplesmente a ilegalidade, mas nem sempre será razoável impor a prospectividade dos efeitos do acto renovador.».
    Podemos, assim, afirmar que “A execução das sentenças de anulação de actos administrativos não passa necessariamente em todos os casos pela prática de um novo acto e, quando passa, isso não significa que o acto anulado seja renovável, sendo que o acto é renovável nos casos em que os fundamentos que determinaram a anulação do acto não impedem a Administração de praticar um outro acto, de conteúdo igual ao do primeiro”,14 o que não parece ser o caso, pois não se compreende que a entidade recorrida fosse praticar um novo acto, pretensamente renovador do primeiro, ao abrigo de uma regulamentação que não existia ao tempo do acto renovado.
    Como dizem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, citados no 15:“… No cumprimento dos deveres que, para ela, decorrem da anulação, a Administração, dependendo dos casos, pode ter de actuar por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado e de praticar, quando for caso disso, actos administrativos retroactivos quando admissíveis, desde que estes actos não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos”. 16
    Somos, pois, a concluir que, no caso, a pretensa renovação do acto com efeito ablativo da pretensão do candidato, ora recorrido, não seria possível à luz de uma situação jurídica e de facto diferente daquela em que foi praticado o primitivo acto, nomeadamente em função das alterações ao RAA ocorridas em 9 de Nov./2011, publicadas no BO, n.º 45, II série, a saber:
   
   “Artigo 19.º
    Provas de admissão
    Todos os licenciados em Direito com habilitações reconhecidas pela A.A.M. são sujeitos a provas de admissão ao estágio, de natureza e conteúdo a definir pela A.A.M. sem prejuízo do acordado em protocolos de reciprocidade com entidades congéneres de outros ordenamentos jurídicos.
    Artigo 20.º
    Inscrição
    1. Pode requerer a inscrição como advogado estagiário quem preencher os requisitos das alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 4.º, após frequência, com aproveitamento, do curso prévio de adaptação ou dele dispensado nos termos do presente regulamento, e após aprovação nas provas de admissão ao estágio.”
    Improcede, pois, o recurso quanto a esta questão prévia e quanto aos efeitos pretendidos no que respeita à argumentação expendida a propósito da renovação do acto, sufragando-se a decisão recorrida nessa parte.

4. Delimitação do thema
A questão principal reside em saber se, nos termos da lei, o recorrente, enquanto licenciado em Direito pela UCTM (Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau) se pode inscrever na AAM como advogado estagiário ou se a AAM, apenas por não reconhecer aquele curso como requisito habilitante ao ingresso no estágio profissional da advocacia, pode recusar a inscrição daquele interessado.
Vamos deixar claro - isso emerge pari passu nas próprias alegações da recorrente - que não está em causa o reconhecimento de um curso superior ministrado e aprovado pelas autoridades da RAEM, mas sim o reconhecimento de um curso para um determinado exercício profissional.
É nessa tecla que bate a recorrente e, não se deixa de referir, neste particular, com algum engenho.
Mas terá razão?
    6. De uma pretensa errada interpretação e aplicação do Decreto-Lei n.º 11/91/M .
    6.1. Posição vertida na sentença
    Começa a entidade recorrente por descrever os passos seguidos na douta sentença para frisar que ali se concluiu que no sistema de ensino superior de Macau vigora o princípio da aprovação prévia pela Administração Pública das instituições de ensino superior e dos cursos ali leccionados e que tal aprovação cria expectativas legítimas nos licenciados quanto ao reconhecimento social do grau académico obtido.
    Ainda quanto a esta questão, a sentença recorrida nota que a Universidade de Ciência e Tecnologia e a licenciatura em Direito foram aprovadas pelo Chefe do Executivo pelas Ordens Executivas n.º 19/2000 e n.º 36/2000, respectivamente.
    6.2. Posição da recorrente
    A sentença recorrida terá confundido o reconhecimento pela Administração Pública das instituições de ensino superior (no caso dos autos releva a Ordem Executiva n.º 20/2000) e a autorização para funcionamento dos cursos nessas mesmas instituições (vide Ordem Executiva n.º 36/2000 ou, posteriormente, o Despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura n.º 101/2003), com o posterior reconhecimento dos cursos pelas entidades competentes para efeitos de acesso a profissões liberais condicionadas.
    Uma coisa seria a intervenção da Administração Pública no reconhecimento prévio das instituições de ensino superior, como entes ao serviço de um relevante interesse público, e a autorização prévia de funcionamento dos cursos ali ministrados, no âmbito da regulamentação do sistema educativo de Macau e do controlo dessas mesmas instituições por forma a garantir a qualidade do ensino superior; outra coisa seria o reconhecimento posterior de um determinado curso, verificado caso a caso, para efeitos de exercício de certas e determinadas profissões, cuja natureza exige um acesso condicionado e supervisionado por entidades próprias para tal, como é o caso da advocacia e da AAM.
    Tal reconhecimento estaria expresso no próprio Decreto-Lei n.º 11/91/M, mais concretamente no seu artigo 30.°, sob a epígrafe "Reconhecimento de cursos e períodos de estudo", o qual teria sido, curiosamente, esquecido ou omitido na exaustiva lista de artigos deste diploma que é referida na decisão recorrida.
    No n.° 6 desse mesmo preceito pode ler-se: "Para efeitos de provimento em cargos públicos ou exercício de profissões liberais tuteladas pela Administração, o reconhecimento [dos cursos] faz-se nos termos da legislação aplicável, nomeadamente do Decreto-Lei n.º 14/89/M ou outra legislação que o substitua" (salienta-se, por oportuno, que o Decreto-Lei n.º 14/89/M foi já revogado, estando, actualmente em vigor, em sua substituição, o Regulamento Administrativo n.º 26/2003).
Isto significaria que a aprovação prévia, pelo Chefe do Executivo, das instituições de ensino superior e a autorização dos cursos ali leccionados não são suficientes, por si só, para garantir o acesso a cargos públicos ou a profissões liberais tuteladas pela Administração, como é o caso da Advocacia, sendo ainda necessário um reconhecimento próprio dos cursos para o efeito, nos termos do n.º 6 do artigo 30º do Decreto-Lei n.º 11/91/M.

    7. Enquadramento e regime jurídico do ensino superior, o ensino do Direito e o aparecimento do Estatuto do Advogado
    A Universidade de Macau (UM), anteriormente designada Universidade da Ásia Oriental (UAO), foi criada em Março de 1981, sendo a primeira e a mais antiga universidade ainda existente em Macau.
    O desenvolvimento do ensino superior é um objectivo de largo alcance social e mostra-se intimamente relacionado com o processo de desenvolvimento e modernização das sociedades, sendo, de há alguns séculos a esta parte, uma preocupação da civilização humana.
    Daí que incumba aos governantes incentivarem e implementarem não só esses estudos superiores, como estabelecer as regras que disciplinem as actividades das instituições do ensino superior, segundo padrões internacionais ajustados às diferentes realidades, sejam elas de cariz institucional, económica ou social.
    Foi essa a preocupação imanente aquando da aprovação do Decreto-Lei n.º 11/91/M, de 4 de Fevereiro, procurando garantir aos cidadãos que os frequentam, à sociedade civil e, em particular, às entidades empresariais, a protecção das legítimas expectativas de formação e reconhecimento académico… Fica estabelecido um regime jurídico e quadro de referência coerente para o desenvolvimento do ensino superior em Macau, por forma a dar satisfação, com garantias de rigor, eficácia e qualidade, às necessidades que o período de transição irá tornando cada vez mais prementes, no que respeita à formação de quadros superiores, tecnicamente aptos e culturalmente preparados para os desafios da mudança.
    O Decreto-Lei n.º 50/91/M, de 16 de Setembro, criou a Universidade de Macau, enquanto instituição pública, reconvertendo a Universidade da Ásia Oriental que vinha, nos últimos anos, a sofrer significativas modificações, visando a sua adequação aos interesses de Macau e às necessidades decorrentes da estratégia de desenvolvimento traçada para o período de transição, na sequência da publicação em 4 de Fevereiro desse ano, do diploma legal acima referido que estabeleceu o quadro geral de referência para o desenvolvimento do ensino superior em Macau.
    
     Apesar de a única universidade privada nessa altura se ter tornado numa universidade pública, a criação e o funcionamento de instituições privadas de ensino privado em Macau não deixou de ser possível - “O reconhecimento das entidades titulares e das instituições de ensino superior privado e a autorização de funcionamento de cursos serão estabelecidos por portaria do Governador, da qual constarão, consoante o caso, a denominação da instituição, a denominação da entidade titular, a natureza e os objectivos da instituição, os cursos a ministrar, os graus que conferem e respectivos planos de estudo e o ano de início das actividades escolares.” - art.º 42.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 11/91/M e estão regulados nos art.ºs 38.º e segs..º).
     Os estatutos e regulamentos das instituições privadas de ensino superior (contendo as normas fundamentais nos planos científicos e pedagógicos, assim também as normas de funcionamento dos diferentes cursos - art.º 5.º- e as suas alterações carecem de aprovação por portaria do Governador e só produzem efeitos após a sua publicação no Boletim Oficial; “quando os estatutos ou as respectivas alterações não satisfaçam o disposto no presente diploma e demais legislação aplicável, ou a regulamentação não esteja de acordo com o tipo de instituição, poderá o Governador, através do serviço competente da Administração, notificar a instituição para proceder às necessárias correcções ou adaptações, reservando-se o direito de, em caso negativo, lhe retirar o reconhecimento ou aprovação dos seus cursos,” e poderá ainda determinar a aplicação de sanções art.ºs 4.º, 44.º/3.
    Por outro lado, aquando da elaboração do Estatuto do Advogado (EA), Decreto-Lei n.º 14/89/M, embora a Universidade da Ásia Oriental já tivesse em funcionamento o curso de licenciatura em Direito (curso criado apenas em 1988), ainda não se tinham formado os primeiros licenciados em Direito por essa Universidade. Portanto, no momento em que foi criada a versão inicial do Estatuto do Advogado, podia prever-se razoavelmente que os primeiros “licenciados em Direito por universidade de Macau” viriam a ser muito provavelmente de uma universidade pública, mas não se podia afirmar que eles viessem da Universidade de Macau (ainda não criada).
    Dado que a versão inicial do Estatuto do advogado foi aprovada e publicada por decreto-lei de Maio de 1991, altura em que ainda não se tinha criado a Universidade de Macau, em termos de rigor, revela-se infundada a tese de que a “universidade de Macau” constante do Estatuto se refere à Universidade de Macau.
    
8. Do reconhecimento do curso de Direito

Em sede de reconhecimento de habilitações académicas vigorava o Decreto-Lei n.º 14/89/M, de 27 de Março, constatando-se a existência em Macau de diferentes sistemas de ensino não oficiais e a diversidade de fontes de obtenção de habilitações de nível superior fora de Macau que tornavam inadequado o sistema então vigente de equiparações ao ensino oficial, conseguido fundamentalmente através do processo de equivalências ao sistema de ensino português.
Em conformidade com o disposto neste Decreto-Lei n.º 14/89/M (entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 39/93/M, de 26 de Julho), que estava em vigor no momento da elaboração do Estatuto do Advogado - Decreto- Lei n.º 31/91/M, de 6 de Maio -, para efeitos de provimento em cargos públicos ou exercício de actividade profissional condicionada por intervenção de entidade pública, as habilitações académicas (desde o 6º ano de escolaridade até ao grau de licenciatura) obtidas fora de Macau ou nos diferentes sistemas de ensino não oficiais existentes no Território necessitavam de ser reconhecidas, em vez da solução anterior - processo de equivalências ao sistema de ensino português.
Assim, no âmbito do ensino superior, o reconhecimento nos graus de bacharelato e de licenciatura apenas tinha como objecto habilitações académicas obtidas na Universidade da Ásia Oriental, relativamente aos cursos sem planos de estudos aprovados pela Administração (art.º 6.º).
O regime de reconhecimento de habilitações académicas a que se reporta o dito Decreto-Lei foi estabelecido não só para efeitos de provimento em cargos públicos, como também para o exercício de actividade profissional condicionada por intervenção de entidade pública, pelo que, em termos abstractos, as habilitações académicas de licenciatura em Direito exigidas para o exercício da advocacia, desde que reconhecidas pela Administração, deveriam também ser admitidas pela AAM. No entanto, o reconhecimento de habilitações académicas obtidas em instituições de ensino superior de Macau só se mostra necessário, nos termos do Decreto-Lei n.º 14/89/M, relativamente aos cursos da Universidade da Ásia Oriental sem planos de estudos aprovados pela Administração, o que não acontecia com o Curso de Administração Pública e o Curso de Direito dessa Universidade, iniciados em 1988, que foram ministrados sob a orientação da Administração, reconhecidos pelo Decreto-Lei n.º 13/89/M de 7 de Fevereiro. Assim sendo, apenas os licenciados em Direito por estabelecimentos de ensino superior situados fora de Macau precisavam de requerer o reconhecimento da habilitação académica de licenciatura em Direito em conformidade com o regime de reconhecimento de habilitações académicas estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 14/89/M.

Daqui decorre que “qualquer outra licenciatura que seja reconhecida no Território” referida no art.º 19.º, n.º 1 da versão inicial do Estatuto do Advogado traduzia-se em licenciatura em Direito obtida em estabelecimentos de ensino superior situados fora de Macau.
A interpretação do alcance da expressão “universidade de Macau” em sentido geográfico serve para demonstrar que as expressões “licenciatura em Direito por universidade de Macau” e “qualquer outra licenciatura que seja reconhecida no Território ” utilizadas no n.º 1 do art.º 19.º da versão inicial do Estatuto correspondem totalmente ao regime estabelecido pelo legislador de Macau no tocante ao reconhecimento de habilitações académicas de nível superior na respectiva área, ou seja, abrangiam toda a licenciatura em Direito reconhecida pela Administração de Macau.

Em 1992, o EA (Estatuto do Advogado) alterado passou a dispor no seu art.º 19.º, n.º 2: “poderão ser obrigados a frequentar um curso prévio de adaptação ao sistema jurídico de Macau, em termos a definir pela Associação dos Advogados de Macau”. Mas, alguns meses depois da alteração do EA, elaborou-se e publicou-se o Regulamento do Acesso à Advocacia (RAA), em que a AAM tornou obrigatória a frequência pelos “licenciados em Direito por universidade que não seja de Macau” de um “curso prévio de adaptação ao sistema jurídico de Macau”, pois se prevê expressamente neste Regulamento “deverão frequentar um curso prévio de adaptação...”.

Não sendo a advocacia uma actividade profissional condicionada por intervenção de entidade pública, - não há uma norma de onde resulte qualquer tutela ou condicionamento de jure condito -, de acordo com o regime de reconhecimento de habilitações estabelecido em 1989, em bom rigor, aquele diploma não se lhe aplica, passando o regime a ficar dependente das normas próprias estabelecidas no EA e no RAA.

Com a alteração do EA, realizada pelo legislador em 1992, mediante decreto-lei, e a elaboração e publicação do RAA (Regulamento do Acesso à Advocacia), os licenciados em Direito por instituições de ensino superior situadas fora de Macau, necessitam ainda de frequentar o “curso prévio”, para que possam ser admitidos ao curso de estágio.
Daqui se retira que nos requisitos para o exercício da advocacia, na sua génese, nunca esteve em causa o reconhecimento do grau académico de licenciatura em Direito, conferido por uma universidade de Macau - à data, havia só uma - e o que houve foi a necessidade de conformar os licenciados em Direito, de fora de Macau, com o sistema jurídico local de forma a poderem aqui exercer a advocacia, o que, aliás, se compreende perfeitamente.
Não se colocava sequer a questão de saber se uma universidade ministrava ou não Direito de Macau; esse seria um eventual pressuposto na aprovação do curso e seu reconhecimento se a autoridade administrativa competente assim o entendesse.
Na verdade, a necessidade da frequência do “curso prévio” só se impunha aos “licenciados em Direito por universidade que não seja de Macau”, os “licenciados em Direito por universidade de Macau”, para efeitos de exercício da advocacia, não estavam condicionados por esse “curso prévio”, tendo acesso directo ao estágio de advocacia.
Na realidade, naquela altura (em 1992), a única instituição de ensino superior que tinha curso de Direito em Macau era a Universidade de Macau, anteriormente, Universidade da Ásia Oriental. A criação do Curso de Direito da UM foi promovida pelas autoridades mediante esforços legislativos e o investimento de recursos administrativos. O Governador de Macau até criou um gabinete especialmente responsável pela criação do Curso (Gabinete do Curso de Direito e Administração Pública – criado por força do Despacho n.º 7/GM/88 e extinguido em Dezembro de 1989 pela concretização das tarefas que lhe foram atribuídas) e através do Decreto-Lei n.º 13/89/M de 27 de Fevereiro, reconheceu o Curso como curso de licenciatura em Direito. Entretanto, encontravam-se regulados, pela Portaria n.º 86/89/M de 29 de Maio, aspectos tais como a duração do curso, o conteúdo do curso, a língua veicular, a qualificação dos orientadores, etc.
Este Curso de Direito foi criado quando “considerada a necessidade de dotar o território de Macau de quadros com a formação jurídica adequada aos desafios do período de transição”17, a fim de contribuir para o trabalho de localização em que o Governo de Macau se encontrava empenhado e correspondendo à legitima expectativa de vir a obter reconhecimento por parte do Governo de Portugal.

Importa salientar, de todo o modo, que, conforme a previsão do art.º 1.º da Portaria n.º 86/89/M, “O reconhecimento de cursos de Direito, ministrados no Território, depende da verificação dos seguintes requisitos: a) Ser ministrado por uma instituição de ensino superior devidamente autorizada e reconhecida pelo Governador; b) Ter a duração de cinco anos curriculares; c) Ter um plano de estudos mínimo que inclua as matérias discriminadas no anexo I ao presente diploma; d) Utilizar como língua veicular o português ou o chinês; e) ... f) Serem orientados por quem possua o grau de doutor em Direito ou por órgãos maioritariamente compostos por doutores em Direito, devendo os respectivos graus académicos ser oficialmente reconhecidos por uma universidade portuguesa.”
Embora esta portaria tivesse carácter provisório - o próprio diploma previa que fosse revisto quando entrasse em vigor legislação sobre o ensino superior em Macau - na realidade, mesmo depois da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 11/91/M (Regime Jurídico do Ensino Superior), e da do seu revisor, o Decreto-Lei n.º 8/92/M, o legislador não procedeu à revisão da Portaria n.º 86/89/M. A propósito dos cursos de Direito, nessa altura, o Curso de Direito da Universidade de Macau era o único curso de Direito ministrado por instituições de ensino superior em Macau.
Desta forma se retira que, como na realidade não existia outro curso de licenciatura em Direito autorizado a ser ministrado em Macau, conforme o regime jurídico do ensino superior, e que não reunia os requisitos estipulados na Portaria n.º 86/89/M, o legislador do EA de 1991 e de 1992 ligou, admite-se, a expressão “curso de Direito de universidade” a “Macau” por um nexo de ordem geográfica, negligenciando a conexão a “Direito de Macau, de ordem substantiva.

Só que não terá sido previdente nem esteve atento posteriormente.

9. Ainda no âmbito do regime de reconhecimento de habilitações académicas e o reconhecimento para efeitos de exercício de advocacia
O Decreto-Lei n.º 14/89/M veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 39/93/M de 26 de Julho.
Neste diploma, estipula-se com maior clareza o conceito de reconhecimento de habilitações académicas: “O reconhecimento de habilitações académicas consiste na confirmação de que as habilitações invocadas são as exigidas para efeitos de prosseguimento de estudos, provimento em cargos públicos ou exercício de actividade profissional condicionada por intervenção de entidade pública.” (art.º 1.º). O reconhecimento de habilitações académicas de nível superior deixou de respeitar exclusivamente ao grau de licenciado, e passou a competir ao Gabinete de Apoio ao Ensino Superior. No entanto, ainda que nessa altura ainda não existisse nenhuma universidade privada e que a eventual criação da universidade privada fosse sujeita à aprovação da Administração, o legislador não deu como desnecessário o reconhecimento das respectivas habilitações académicas, mas sim conferiu a competência para o reconhecimento às próprias instituições de ensino superior (para prosseguimento de estudos - art.º 5.º, n.º 1) ou ao Gabinete de Apoio ao Ensino Superior (para os demais efeitos), consoante o fim a que se destinasse o reconhecimento. Por outras palavras, relativamente às pessoas que obtivessem habilitações académicas em instituições de ensino superior de Macau, o legislador veio a tomar uma posição diferente daquela que tinha no Decreto-Lei n.º 14/89/M (no passado, o reconhecimento de habilitações académicas de nível superior só era necessário em relação aos cursos ministrados pela Universidade da Ásia Oriental (universidade privada) sem planos de estudos aprovados pela Administração, e apenas para efeitos de provimento em cargos públicos ou exercício de actividade profissional condicionada por intervenção de entidade pública), tornando claro que eram sujeitas ao regime de reconhecimento de habilitações académicas, tanto as habilitações obtidas fora de Macau, quanto as obtidas nos diferentes sistemas de ensino não oficiais existentes no Território, sobretudo as exigidas para efeitos de provimento em cargos públicos ou exercício de actividade profissional condicionada por intervenção de entidade pública (para efeitos de prosseguimento de estudos era apenas necessário o reconhecimento por parte das respectivas instituições educativas, não se exigindo o reconhecimento pelo Gabinete de Apoio ao Ensino Superior).

Se este era o quadro geral, como se processava o reconhecimento do curso de Direito quanto à pessoa que pretendia dedicar-se à advocacia?

O Decreto-Lei n.º 39/93/M, tal como o anterior, por ele revogado, continua a referir que o âmbito de aplicação do reconhecimento de habilitações académicas realizado nos termos do presente diploma abrange “as (habilitações) exigidas para efeitos de exercício de actividade profissional condicionada por intervenção de entidade pública”.

Será ele aplicável ao exercício de uma profissão liberal não condicionada por intervenção da entidade pública?

Pensa a recorrente que a resposta está no artigo 30º, n.º 6 do já citado Decreto-Lei n.º 11/91/M, de 4 de Fevereiro – “Para efeitos de provimento em cargos públicos ou exercício de profissões liberais tuteladas pela Administração, o reconhecimento faz-se nos termos da legislação aplicável, nomeadamente do Decreto-Lei n.º 14/89/M ou outra legislação que o substitua.”, norma próxima do art. 2º deste último diploma “O reconhecimento de habilitações académicas consiste na confirmação de que as habilitações invocadas oferecem a garantia suficiente para a atribuição de um grau académico, válido exclusivamente no Território, para efeitos de provimento em cargos públicos ou exercício de actividade profissional condicionado por intervenção de entidade pública, nos termos da legislação aplicável.” e mais próximo ainda do art. 1º do Decreto-Lei n.º 39/93/M “O reconhecimento de habilitações académicas consiste na confirmação de que as habilitações invocadas são as exigidas para efeitos de prosseguimento de estudos, provimento em cargos públicos ou exercício de actividade profissional condicionada por intervenção de entidade pública.”

A recorrente refere este preceito, dizendo que ele não foi invocado na argumentação expendida para daí retirar proveito em abono da sua tese.

É estranho que a AAM venha reconhecer expressamente uma tutela por parte da entidade pública, face ao disposto nos artigos 27º, n.º 1 do EA e do artigo 1º dos Estatutos da Associação dos Advogados de Macau, mas não vamos entrar agora, por desnecessária, na polémica sobre essa autonomia e eventual antinomia entre a lei ordinária e o disposto na Lei Básica, em particular o art. 92º.
Adiante retomaremos o assunto referente ao alcance do reconhecimento da habilitação académica enquanto tal e o seu reconhecimento enquanto meio idóneo para o exercício de uma certa actividade profissional.

10. Requisitos do curso de Direito e seu reconhecimento

O Decreto-Lei n.º 13/89/M, de 27 de Fevereiro, veio reconhecer os cursos de licenciatura em Direito e Administração Pública, ministrados no Território, para todos os efeitos, nomeadamente, de provimento em cargos públicos, propondo-se, no prazo de 90 dias estabelecer, por portaria do Governador, os requisitos de funcionamento das instituições e do reconhecimento dos cursos (artigos 1º e 3º).
Surge assim a Portaria n.º 86/89/M que estabelece alguns requisitos para os cursos de Direito ministrados em Macau, mas à data da sua entrada em vigor a sua elaboração destinava-se simplesmente a assegurar o curso de licenciatura em Direito ministrado pela Universidade da Ásia Oriental que, na altura, ainda era uma universidade privada, como já se frisou. Trata-se de uma regulamentação mínima necessária, sendo manifesto o carácter provisório deste diploma, que também prevê, em si mesmo, a necessidade de ser revisto quando entrar em vigor legislação sobre o ensino superior em Macau (artigo 7º). Por esse motivo, a aplicação ou não desta Portaria depois da entrada em vigor do regime do ensino superior de Macau dependia efectivamente de haver ou não novos cursos de licenciatura em Direito que fossem aprovados pelo Governador através de portaria.
Daqueles dois diplomas decorre um reconhecimento sucessivo expresso do curso de Direito e como que um “reconhecimento” prévio em relação aos futuros cursos de Direito por parte do Governo.
Esse reconhecimento dependia dos pressupostos que se passam a alinhar.
O artigo 1.º do último daqueles diplomas prevê:
    “1. O reconhecimento de cursos de Direito, ministrados no Território, depende da verificação dos seguintes requisitos:
    a) Ser ministrado por uma instituição de ensino superior devidamente autorizada e reconhecida pelo Governador;
    b) Ter a duração de cinco anos curriculares;
    c) Ter um plano de estudos mínimo que inclua as matérias discriminadas no anexo I ao presente diploma;
    d) Utilizar como língua veicular o português ou o chinês;
    e) Estabelecer como habilitação de acesso dos candidatos o ensino secundário complementar;
    f) Serem orientados por quem possua o grau de doutor em Direito ou por órgãos maioritariamente compostos por doutores em Direito, devendo os respectivos graus académicos ser oficialmente reconhecidos por uma universidade portuguesa.
    2. Excepcionalmente, e quando se trate do ensino de outras matérias que não o Direito vigente em Macau, poderão ser usados idiomas diferentes dos referidos na alínea d) do número anterior.
    3. Poderão ser admitidos candidatos que não preencham os requisitos da alínea e) do n.º 1, mas que tenham mais de 25 anos e façam prova especialmente adequada de capacidade para frequência do curso.
    4. Durante o período de instalação dos cursos, a fixar por portaria de S. Ex.ª o Governador, poderá ser dispensado o cumprimento da alínea f) do n.º1.”

Pode entender-se que, se os cursos de licenciatura em Direito ministrados por instituições de ensino superior, fossem estas públicas ou privadas, continuavam a ser reconhecidos de acordo com as exigências previstas na Portaria n.º 86/89/M, não haveria a questão da aplicação do regime de reconhecimento de habilitações académicas de 1993, conjugado com as disposições do Estatuto e do Regulamento, visto que toda a pessoa que se tivesse licenciado em Direito no Território preenchia o disposto na Portaria n.º 86/89/M, sem precisar de requerer o reconhecimento de habilitações académicas em conformidade com o regime de reconhecimento de habilitações académicas de 1993.
Deste modo, as disposições da Portaria n.º 86/89/M não são disposições complementares ao regime do ensino superior de Macau, nem disposições complementares ao regime de reconhecimento de habilitações académicas, sendo antes uma regulamentação provisória, pelo que não constituiria parâmetro para nele assentar um determinado pressuposto que regesse a redacção do requisito levado ao n.º 1 do art. 19º do EA..
No tocante a habilitações obtidas nos sistemas de ensino não oficiais existentes no Território, ao contrário do que fez o Decreto-Lei n.º 14/89/M, o regime de reconhecimento de habilitações académicas que lhe sucede não exclui os cursos com planos de estudos aprovados pela Administração.
Conjugando a Portaria n.º 86/89/M com o Decreto-Lei n.º 11/91/M (regime jurídico do ensino superior) alterado pelo Decreto-Lei n.º 8/92/M, o que se observa é que os “licenciados em Direito por universidade de Macau” são formados em cursos com planos de estudos aprovados pela Administração, não deixando de existir aí como que um reconhecimento prévio. Na verdade, este último diploma não deixa de remeter o reconhecimento para a legislação aplicável, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 14/89M, revogado pelo Decreto-Lei n.º 39/93/M, competindo sempre a habilitação de licenciado em Direito a uma entidade administrativa, em lado algum se cometendo tal competência à Associação dos Advogados de Macau (vd. art. 19º do EA e 1º do EAAM.

Na sequência da entrada em funcionamento oficial da Universidade de Macau e da criação da Faculdade de Direito, em 1993, reuniram-se as condições para que fossem regulamentados a organização científico-pedagógica e o plano de estudos do único curso de Direito que existia em Macau nessa altura (Portaria n.º 126/93/M de 10 de Maio), reconhecido nos termos do Decreto-Lei n.º 13/89/M, os quais sofreram ajustamentos em 1994 (Portaria n.º 104/94/M de 26 de Abril).

Ao longo dos anos, além da Universidade de Macau, não houve praticamente nenhuma outra “universidade de Macau” que ministrasse o curso de licenciatura em Direito. Por isso, a distinção entre os “licenciados em Direito por universidade de Macau” e os “licenciados em Direito por universidade que não seja de Macau” feita pelo EA aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31/91/M, de 6 de Maio e suas versões revistas, bem como pelo Regulamento do Acesso à Advocacia, aprovado pela AAM, embora literalmente faça apenas diferenciação entre as instituições de ensino superior situadas em Macau e aquelas sitas fora de Macau, abrangerá, ao longo desse tempo, na prática, apenas a diferenciação entre a licenciatura em Direito pela Universidade de Macau e todas as outras que se habilitassem ao exercício da advocacia em Macau.
Depois da vigência do regime jurídico do ensino superior, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 11/91/M, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 8/92/M, entrou em vigor o novo regime de reconhecimento de habilitações académicas criado pelo Decreto-Lei n.º 39/93/M.
A Portaria n.º 126/93/M aprovou o plano de estudos da Licenciatura em Direito conferida pela Faculdade de Direito da Universidade de Macau e a respectiva organização científico-pedagógica, diploma esse revogado pela Portaria n.º 104/94/M,de 26 de Abril, estabelecendo a Portaria n.º 86/89/M, como se viu, os requisitos de funcionamento e reconhecimento dos cursos de Direito ministrados no Território.
     A propósito do conteúdo dos cursos de Direito é interessante constatar, talvez porque o legislador se haja apercebido de que a referida classificação das instituições educativas, conforme se se situassem ou não em Macau, não implicava necessariamente uma distinção referente ao conteúdo dos cursos, o legislador, ao regular a habilitação para ingresso na carreira de técnico superior na área jurídica em 1998, previu “deve ser exigida, além da licenciatura, o conhecimento efectivo dos princípios e normas vigentes no ordenamento jurídico de Macau.” Na elaboração do Decreto-Lei n.º 46/98/M de 12 de Outubro, embora, objectivamente, a Universidade de Macau continuasse a ser a única instituição de ensino superior em Macau que tinha curso de licenciatura em Direito, o legislador desistiu da expressão “licenciados em Direito por universidade de Macau” e não recorreu à expressão “licenciados em Direito pela Universidade de Macau ” - como se mantinha no EA e no RAA - para designar genericamente os indivíduos qualificados para esse efeito, mas utilizou a expressão “licenciatura em direito pelo sistema oficial de ensino de Macau”, exigindo essa habilitação em alternativa à da al. b) do art. 1º, “licenciatura em direito obtida no exterior do Território, desde que, quando de matriz diferente da referida na alínea anterior, (os licenciados) possuam um curso complementar de direito de Macau, aprovado para o efeito” - os cursos complementares de direito de Macau “são aprovados por portaria do Governador, mediante proposta da Universidade de Macau” (art. 2º).

Antes disso, em harmonia com o diploma regulador do regime das carreiras da Administração Pública (Decreto-Lei n.º 86/89/M de 21 de Dezembro - com as alterações introduzidas por diversos decretos-lei, quem estivesse habilitado com grau de licenciado poderia ingressar na carreira de técnico superior, sem haver disposições especiais relativas à carreira de técnico superior na área jurídica. Quer os “licenciados em Direito por universidade de Macau” quer os “licenciados em Direito por universidade que não seja de Macau” podiam ingressar na carreira de técnico superior na área jurídica da Administração Pública. Os primeiros, na realidade, eram apenas os licenciados em Direito pela Universidade de Macau, ao passo que os últimos, estando condicionados pelo regime de reconhecimento de habilitações académicas, só poderiam ingressar na carreira de técnico superior na área jurídica quando a sua licenciatura em Direito tivesse sido reconhecida pela Administração.

Daqui se pode ver que, o legislador em relação ao ingresso na Administração Pública já era aí mais exigente do que o foi em relação ao ingresso na advocacia, pois que a formação de licenciados que tivessem “conhecimento efectivo dos princípios e normas vigentes no ordenamento jurídico de Macau” já era uma parte imprescindível do sistema oficial de ensino de Macau, admitindo-se que os cursos de licenciatura em Direito no sistema oficial de ensino não fossem ministrados exclusivamente pela Universidade de Macau.

No caso dos cursos de licenciatura em Direito eventualmente ministrados em sistemas de ensino não oficiais, embora fosse necessária a aprovação por parte da Administração, podia esta não tomar como critério de aprovação se o curso em causa visava ou não formar licenciados com “conhecimento efectivo dos princípios e normas vigentes no ordenamento jurídico de Macau”, ou seja, o legislador podia deixar de seguir as disposições da Portaria n.º 86/89/M como requisitos para a aprovação de cursos de licenciatura em Direito.

    Perante esta evolução legislativa bem se alcança que não se pode interpretar a expressão “licenciados em Direito por universidade de Macau” - como referem os artigos 19, n.º do EA e o art. 4º, n. 1, a) do RAA como pessoas habilitados com “licenciatura em direito pelo sistema oficial de ensino de Macau”, ou como “licenciados em Direito de Macau”, como pretende a recorrente. Isto porque, embora “a interpretação não deva cingir-se à letra da lei, ... tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, “não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (art.º 8.º do Código Civil).

    A distinção feita consonante as instituições educativas se localizem em Macau ou no exterior, mesmo podendo produzir, num determinado espaço e tempo, um efeito prático de distinguir os respectivos cursos de acordo com o seu conteúdo, não tem necessariamente tal efeito, ou seja, não se pode considerar este efeito como resultado necessário da interpretação das ditas disposições legais.

     11. A criação de um novo Curso de Licenciatura em Direito da UCTM (Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau) e a extinção do regime de reconhecimento de habilitações académicas
    Foi em conformidade com o Decreto-Lei n.º 11/91/M de 4 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 8/92/M de 10 de Fevereiro, que a Ordem Executiva n.º 19/2000 e a Ordem Executiva n.º 20/2000 autorizaram a “XXXX, S.A.” a criar a UCTM (Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau), reconheceram-na como instituição de ensino superior, com sede em Macau, dotada de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, e aprovaram os seus estatutos.
     No mesmo ano, por Ordem Executiva n.º 36/2000, a Administração ainda autorizou a UCTM a leccionar diversos cursos de licenciatura, inclusive o curso de licenciatura em Direito, nos termos do Decreto-Lei n.º 11/91/M de 4 de Fevereiro. Dele consta o ANEXO III - Organização científico-pedagógica do curso de licenciatura em Direito -, do seguinte teor:
    “Área científica:
    Ciências jurídicas: os sistemas jurídicos da China e de Macau.
    Condições de acesso:
    As previstas no artigo 28.° do Decreto-Lei n.º 11/91/M, de 4 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 8/92/M, de 10 de Fevereiro, para o acesso ao ensino universitário.
    Duração:
    Quatro anos lectivos. O período de tempo máximo para o estudante completar 179 créditos é de 6 anos lectivos.
    Regime de leccionação:
    Aulas presenciais.
    Língua:
    Chinesa.
    Número total de unidades de crédito necessário para a conclusão do curso:
    164 unidades de crédito para a conclusão das disciplinas constantes do Anexo IV, a que acresce a preparação de uma dissertação, à qual serão atribuídos mais 15 créditos.
    Avaliação:
    O grau de licenciado em Direito será atribuído mediante a aprovação nos exames das disciplinas e defesa com aproveitamento da dissertação.”
    Confrontando os requisitos de funcionamento dos cursos de licenciatura em Direito estabelecidos pela Portaria n.º 86/89/M com o plano de estudos e a organização científico-pedagógica do curso de licenciatura em Direito leccionado pela UCTM, pode concluir-se que este curso não preenche os requisitos definidos por aquele diploma (a saber, os requisitos relativos à duração e ao orientador do curso), o que arrasta com a ab-rogação deste último diploma.
     Para um curso de Direito ser reconhecido como tal já mais não será necessário observar os mesmos requisitos que aquele diploma impunha.
     Trata-se, no entanto, de um curso ministrado por Universidade de Macau, devidamente autorizado e reconhecido como tal.
    De acordo com a organização científico-pedagógica e o plano de estudos aprovados pela aludida ordem executiva, o curso tem a duração de quatro anos.
    Em 25 de Agosto de 2003, o Regulamento Administrativo n.º 26/2003 revoga o regime de reconhecimento de habilitações académicas estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 39/93/M.
    Dispõe o art.º 1.º deste Regulamento Administrativo: “A verificação de habilitações académicas consiste na confirmação de que as habilitações invocadas são as adequadas ao exercício de determinada função pública ou actividade profissional condicionada por intervenção de entidade pública ou para o prosseguimento de estudos e na aferição da idoneidade e autenticidade dos documentos comprovativos das habilitações académicas invocadas.” E o art.º 3.º do mesmo diploma estipula: “1. A verificação de habilitações académicas nos níveis de ensino primário, secundário e superior, para efeitos de exercício de actividade profissional condicionada por intervenção de entidade pública, é da competência dessa entidade. 2. Quando o exercício da actividade profissional referido no número anterior exija a frequência prévia de curso de formação profissional, a verificação de habilitações académicas necessárias para o efeito é efectuada no acto de admissão ao respectivo curso.”
    Para efeitos de ingresso nos serviços e entidades públicas, a verificação de habilitações académicas compete ao respectivo júri do concurso ou aos serviços ou entidades públicas interessadas ou que propõem o provimento (art.º 2.º), enquanto para efeitos de prosseguimento de estudos, a verificação de habilitações académicas é da competência da instituição que ministra o nível de ensino no qual o interessado pretende ingressar (art.º 4.º).
     Importa salientar que, nos termos do mesmo Regulamento Administrativo, a verificação de habilitações académicas tem como objecto “as habilitações invocadas”, embora a norma refira “… as adequadas ao exercício de determinada função pública ou actividade profissional condicionada por intervenção de entidade pública”. (destacado nosso).
     Anota-se um facto que nos deixa dúvidas e reside nas diferenças entre o DL n.º 26/2003 e o DL n.º 39/93/M. É que aquele fala em verificação; este falava em reconhecimento. Trata-se de realidades diferentes. Como é diferente este falar em “…habilitações invocadas são as exigidas para o efeito de…” e aquele em “…habilitações invocadas são as adequadas ao exercício de determinada função pública ou actividade profissional…”
    Se o primeiro daqueles diplomas, ainda que reportando-se a realidades diversas, revoga o segundo, o certo é que não revogou o DL n.º 11/91/M que continua a falar de reconhecimento de cursos, como se alcança do artigo 30º, com um âmbito que se limita ao ensino superior público ou privado no território de Macau e se restringe a um universo onde não se integra uma entidade (a recorrente) que tutela uma actividade autónoma da Administração.
     Isto, para acentuar que o legislador intervém a diferentes níveis: primeiro, exige o reconhecimento de habilitações académicas em relação aos cursos obtidos fora de Macau ou nos diferentes sistemas de ensino não oficiais no Território (art. 1º do DL 14/89/M e art. 2º do DL 39/93/M); depois, continua a exigir o reconhecimento em relação à generalidade das instituições, públicas ou privadas que desenvolvam ensino superior no território de Macau (art. 1º DL 11/91/M); remete, aligeirando, a mera verificação das habilitações invocadas para as respectivas entidades requestadas (art. 2º do Reg. Adm. n.º 26/2003).
     É de recordar que até à publicação do Regulamento Administrativo n.º 26/2003, a AAM já tinha sido criada há mais de dez anos, encontrando-se a actividade de advocacia regulada por um sistema constituído pelo Estatuto aprovado por Decreto-lei, Regulamento emanado da AAM e outros estatutos. Em harmonia com o art.º 3.º do Regulamento Administrativo n.º 26/2003, a “verificação de habilitações académicas”, a realizar pela entidade pública, tutelar do exercício de determinada actividade profissional, em relação aos indivíduos que queiram exercer essa actividade consiste em dois aspectos: na “confirmação de que as habilitações invocadas são as adequadas ao exercício de determinada ... actividade profissional” (verificação que confirma habilitações académicas) e na “na aferição da idoneidade e autenticidade dos documentos comprovativos das habilitações académicas invocadas” (verificação que afere documentos comprovativos de habilitações académicas).
    Pensamos, contudo, que não há que recorrer a este diploma, bem como aos anteriores, acima referidos, respeitantes ao reconhecimento e verificação de habilitações, na exacta medida em que a previsão dessas normas continua a não abranger o exercício da advocacia, no quadro legislativo geral de total autonomia que rege o exercício da advocacia.
    Este diploma, pretensamente disciplinador da verificação de habilitações de todos os cursos não deixa de salvaguardar, no artigo 6º, os regimes especiais, como será o previsto para o exercício da advocacia.
    Não estamos perante o exercício de uma actividade de exercício de uma profissão liberal que seja condicionada por intervenção de entidade pública. Essa independência está plasmada nos artigos 27º, n.º 2, 30º, 32º, 33º do EA e art. 1º, n.º 1 dos Estatutos da AAM e os diplomas sobre o reconhecimento das habilitações de curso superior sempre tiveram como objecto as actividades públicas e as profissionais ou liberais tuteladas pela Administração. Foi assim com o art. 2º do DL n.º 14/89/M, com o art. 1º do DL n.º 39/93/M e o art. 30º, n.º 6 do DL n.º 11/91/M.
    
    12. Se assim é, qual o regime que lhe é aplicável?
     Do acima exposto não deixa de resultar que, para além dos requisitos gerais do ensino superior, previstos em diploma próprio, os cursos de Direito em Macau, tanto públicos como privados, não deixaram de ter uma regulamentação própria, enquadramento e autorizações específicas, sendo-lhes conferidos os respectivos títulos académicos, nos termos da legislação especial aplicável.
    O reconhecimento da licenciatura em Direito dimana da aprovação nas diversas cadeiras que integram os respectivos planos de estudo, devidamente aprovados pelas autoridades académicas competentes.
    Por outro lado, o reconhecimento das habilitações académicas para efeitos de adequação ao exercício profissional está previsto pelo EA e pelo RAA, no sentido de que os “licenciados em Direito por universidade de Macau”, não podem deixar de ter a sua licenciatura reconhecida pela AAM, estando ainda dispensados do “curso prévio”, porque o regime acima mencionado recorre à distinção entre os “licenciados em Direito por universidade de Macau” e os “licenciados em Direito por universidade que não seja de Macau” para determinar se as respectivas habilitações académicas serão adequadas ao exercício da advocacia no Território e dispensarão a frequência do curso prévio.
    Enquanto este regime não for modificado, não será permitido que a AAM, com fundamento no disposto no art.º 3.º do Regulamento Administrativo n.º 26/2003, actue fora do âmbito definido pelo Estatuto e Regulamento, no sentido de não reconhecer as habilitações académicas de qualquer um dos “licenciados em Direito por universidade de Macau” com base na “verificação de habilitações académicas”.
    
     13. As disposições do «Estatuto do Advogado» e do «Regulamento do Acesso à Advocacia»
    Com a elaboração do Decreto-Lei n.º 31/91/M de 6 de Maio, foram confiados à AAM, que goza do estatuto de pessoa colectiva pública, os assuntos relacionados com o exercício da advocacia em Macau, designadamente o estágio profissional, a obtenção da habilitação de advogado, a deontologia, as atribuições e a disciplina. Criou-se ainda o Conselho Superior da Advocacia, que se encarrega de estabelecer e implementar as regras disciplinares.
     O Decreto-Lei acima referido aprovou ainda o Estatuto do Advogado. Em conformidade com o art.º 11.º do EA, “só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na Associação dos Advogados de Macau podem praticar actos próprios da profissão”. E à luz do art.º 19.º, n.º 1 do Estatuto, a inscrição na AAM como advogado depende, da verificação de dois requisitos: 1. Licenciatura em Direito por universidade de Macau ou qualquer outra licenciatura em Direito reconhecida no Território; 2. Frequência de estágio de advocacia. E o n.º 2 do mesmo artigo confere à AAM a competência para regulamentar o acesso à profissão, designadamente a duração do estágio e eventuais provas de admissão.
    No art.º 31.º do Estatuto, estipula-se que compete à Associação dos Advogados de Macau organizar e dirigir o estágio profissional.
    Decorrido quase um ano após a publicação do Estatuto, tendo em vista introduzir nele alguns aperfeiçoamentos18, o Decreto-Lei n.º 26/92/M de 4 de Maio deu nova redacção a diversos artigos do Estatuto, incluindo o art.º 19.º que se reporta ao acesso à profissão.
    Manteve-se o conteúdo dos dois requisitos básicos previstos no n.º 1 (i. e. 1. Licenciatura em Direito por universidade de Macau ou qualquer outra licenciatura em Direito reconhecida no Território; 2. Frequência de estágio de advocacia.). Ao passo que no n.º 2, fixou-se nova regra relativa ao acesso dos licenciados em Direito por universidade que não seja de Macau: “Os licenciados em Direito por universidade que não seja de Macau poderão ser obrigados a frequentar um curso prévio de adaptação ao sistema jurídico de Macau, em termos a definir pela Associação dos Advogados de Macau.” O n.º 3 herdou a redacção anterior do n.º 2: “Cabe à Associação dos Advogados de Macau regulamentar o acesso à profissão e o estágio, podendo prever eventuais provas de admissão.”
    Enquanto a competência da AAM para organizar e dirigir o estágio profissional, prevista no art.º 31.º do Estatuto, não sofreu alteração.
    No mesmo ano, a AAM emanou o RAA, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 48.º de 30 de Novembro de 1992, publicado no B.O. n.º 24 de 14 de Junho de 1993.
     A propósito da obtenção da habilitação de advogado, este Regulamento segue o quadro determinado pelo Estatuto. Conforme o art.º 1.º, n.º 1 do Regulamento, a inscrição como advogado em Macau depende, em regra, da reunião de dois requisitos: 1) Licenciatura em Direito por universidade de Macau ou qualquer outra licenciatura em Direito reconhecida no Território; 2) Frequência de estágio de advocacia. Aliás, o n.º 2 do mesmo artigo preceitua: “Os licenciados em Direito por universidade que não seja de Macau deverão frequentar um curso prévio de adaptação ao sistema jurídico de Macau nos termos do presente regulamento.” E o art.º 4.º, n.º 2 do Regulamento estabelece “podem requerer a inscrição como advogado estagiário os licenciados em Direito, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do Estatuto do Advogado...”. No art.º 14.º, n.º 1 também se refere: “Os licenciados em Direito por universidade que não seja de Macau e não tenham estágio realizado pela A.A.M. deverão frequentar o curso prévio de adaptação.”
     Em 1999, a AAM aprovou novo Regulamento do Acesso à Advocacia, publicado no B.O. n.º 50 de 15 de Dezembro de 1999, nos termos do qual só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na AAM podem praticar actos próprios da profissão em Macau (art.º 1.º, n.º 1); e as habilitações académicas exigidas para a inscrição consistem na “Licenciatura em Direito por universidade de Macau ou qualquer outra licenciatura em Direito reconhecida no Território” - art.º 4.º, n.º 1, al. a); ao passo que “Os licenciados em Direito por universidade que não seja de Macau devem frequentar um curso prévio de adaptação ao sistema jurídico do Território nos termos do presente regulamento...” - art.º 4.º, n.º 2; “Os licenciados em Direito por universidade que não seja de Macau, que queiram exercer a advocacia no Território, devem frequentar o curso prévio de adaptação,” - art.º 16.º, n.º 1; “Todos os licenciados em Direito por universidade que não seja de Macau são sujeitos a provas de admissão ao estágio...” - art.º 19.º, n.º 1.
    Constata-se aqui uma diferença que não será de somenos e respeita ao facto de o EA estipular que os licenciados em Direito por universidade que não seja de Macau “poderão” ser obrigados a frequentar um curso prévio de adaptação ao sistema jurídico de Macau, enquanto o RAA refere que “deverão”. É, no entanto uma questão que não interessa agora discutir por não estar em causa o exame do recorrente, mas tão-somente o preenchimento do requisito respeitante à sua licenciatura.
    Mais se constata um pormenor que pode ter alguma relevância. Quando a lei aqui fala em reconhecimento dos cursos que não sejam por universidade de Macau, fala num reconhecimento desse curso no Território, o que aponta para uma ideia de reconhecimento estranho à AAM.
    O certo é que a lei é muito clara ao definir o requisito da licenciatura em Direito, não sujeitando esse requisito por qualquer forma de reconhecimento especial. Aliás, é a própria entidade recorrida que vem dizer que não está em causa o reconhecimento da licenciatura em Direito do recorrente, mas sim o reconhecimento da sua aptidão ao exercício profissional.
    O problema é que a AAM não pode restringir um requisito de admissibilidade previsto na lei que se imporá à sua vontade.
    Deparamo-nos com realidades diferentes: uma, é reconhecer que um candidato à advocacia é licenciado em Direito por uma universidade de Macau; (diverso seria o caso, que não vamos agora relevar, por não ter interesse, de a AAM poder ter aí um papel interventor, de não reconhecer a licenciatura por falsidade do diploma); outra é a da pronúncia sobre a valia do curso obtido por universidade de Macau, ainda que a pretexto da aferição da sua aptidão ao exercício profissional da advocacia.
    Ora, afigura-se-nos que a AAM, em relação a este requisito, como se frisou, por melhores e compreensíveis que sejam as suas intenções, percebendo-se facilmente que está em causa a dignificação e valorização profissional do exercício da advocacia, de que a sociedade em geral será primeira beneficiária, não tem poderes de reconhecimento que se traduzam na recusa de uma licenciatura conferida por universidade de Macau, devidamente autorizada, conferindo um grau académico aprovado pelas entidades próprias, a pretexto de que aí não se ensina Direito de Macau, que o ensino é deficiente, que os professores não são competentes ou o curso não habilita com a necessária preparação técnica e científica para o efeito.
    
    14. Repisando o tema e projectando esta análise no caso concreto
    Pretende a entidade recorrente interpretar o ensino de Direito como reportando-se a Direito de Macau, pois era esse o quadro, aquando da criação do diploma respectivo em 1991, sendo esse o único curso de Direito ministrado por universidade de Macau.
    Esta visão imobilista do Direito - que nada tem que ver nem com uma interpretação histórica, nem actualista, consentida pelo n.º 1 do art. 8 do CC - não é aceitável, por não ter na letra da lei o mínimo de correspondência; por o enquadramento do ensino de Direito, ao tempo, não ter deixado de ser transitório; porque o legislador não podia deixar de prever que outras universidades poderiam aparecer; porque o legislador permaneceu inerte neste sector em particular, perante a evolução sobrevinda do ensino superior, enquanto tal não aconteceu noutros domínios e sectores, nomeadamente para efeitos de ingresso no sector público.
    Tanto assim, que sentiu necessidade de corrigir o que estava mal, ao alterar o artigo 19.° do RAA, já na pendência do recurso contencioso de anulação que subjaz a este recurso jurisdicional, conforme Aviso publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 45, II série, de 9 de Novembro de 2011, passando este preceito a determinar que todos os licenciados em direito com habilitações reconhecidas pela Associação dos Advogados de Macau são sujeitos a provas de admissão ao estágio, de natureza e conteúdo a definir pela A.AM., sem prejuízo do acordado em protocolos de reciprocidade com entidades congéneres de outros ordenamentos jurídicos, quando até aí se previa apenas todos os licenciados em Direito por universidade que não seja de Macau são sujeitos a provas de admissão ao estágio, de natureza e conteúdo a definir pela A.A.M., sem prejuízo do acordado em protocolos de reciprocidade com entidades congéneres de outros ordenamentos jurídicos.
    Não se deixa de anotar que só aí, pela primeira vez se vem falar em reconhecimento pela AAM.
    Por outro lado, estranha-se que só passados mais de doze anos da criação de uma outra Universidade em Macau, que não reuniria o nível científico adequado na avaliação que a AAM houve por bem fazer, se tenha introduzido esta limitação. Isto significa a confirmação da interpretação que vimos fazendo. Se o quadro normativo vigente anterior fosse suficiente não havia necessidade de intervir, impondo limites que há muito se vinham fazendo sentir, aliás, como o legislador foi fazendo, ao longo do tempo, para o ingresso na função pública e actividades profissionais por si tuteladas, como por exemplo pode ser o caso dos médicos.
    
    15. Da aferição do nível científico dos curso de Direito
    No caso sub judice, até ao momento em que acto ora recorrido foi praticado, o requisito de “licenciatura em Direito” exigido pelo Estatuto e Regulamento para o exercício da advocacia não sofreu alteração, apesar da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 26/2003, continuando a prever: “Os licenciados em Direito por universidade que não seja de Macau, que queiram exercer a advocacia no Território, devem frequentar o curso prévio de adaptação, ...” (art.º 16.º, n.º 1 do Regulamento de 1999); “... Todos os licenciados em Direito por universidade que não seja de Macau são sujeitos a provas de admissão ao estágio, ...” (art.º 19.º, n.º 1 do Regulamento de 1999).
    Por isso, os “licenciados em Direito por universidade de Macau” continuam dispensados do curso prévio, tendo acesso directo ao estágio de advocacia.
    Trata-se de uma vinculação da entidade ora recorrente em acatar o diploma que estabelece aquela licenciatura em Direito como habilitante. Se confere competência ou não, se o candidato estudou Direito de Macau ou não, se estudou Direito do Vanuatu, ou não estudou, ou passou sem saber, essas são questões que preocupam, sem qualquer dúvida, mas devem preocupar sobremaneira e responsabilizar quem tutela o ensino superior ministrado em Macau.
    Não pode é a AAM substitui-se a essa tutela.
    É, aliás, um problema que campeia por esse Mundo fora. Sejam os problemas derivados do processo de Bolonha, seja o abaixamento de nível científico e curricular desta e daquela universidade que conferem licenciaturas só com três, se não com dois anos, se instalam em vãos de escada ou em sítio nenhum, como é o caso da net, para já não falar nos cursos de Direito por correspondência. O que fazer perante esse avanço da incompetência? Cerrar fileiras, fechar as portas, redobrar as exigências. Como têm feito aqui e noutras paragens tantas instituições.
    O caminho, contudo, não é subverter a lei, mas fazendo da lei um instrumento dessa batalha.
    Não nos vamos pronunciar, como é bem de ver, da valia científica deste ou daquele curso. Mas não deixamos de apontar que, no caso, após troca de consultas, entre a UCTM e a AAM, esta consultou o Gabinete de Apoio ao Ensino Superior (GAES), a quem competia na altura o reconhecimento de habilitações académicas de nível superior, em termos gerais, sobre o curso de licenciatura em Direito da UCTM, no intuito de saber se tal curso versava sobre o Direito da China ou o Direito de Macau (fls. 648) e este departamento respondeu que o curso em apreço tinha sido aprovado pela Ordem Executiva n.º 20/2000, e que, conforme as informações adquiridas junto da UCTM, o plano de estudos englobava o Direito da China, o Direito de Macau e o Direito Internacional (fls. 649).
    Em Dezembro de 2004, recebido o pedido de inscrição como advogado estagiário, a AAM voltou a consultar a UCTM sobre o conteúdo do curso, as habilitações dos docentes, as qualificações dos docentes e os manuais adoptados, entre outros (fls. 652 e 653).
    Mais tarde, em Fevereiro de 2005, a AAM, de novo, consultou o GAES no sentido de saber se os licenciados em Direito pela UCTM tinham ou não capacidade para exercer funções jurídicas que exigiam o conhecimento efectivo das diferentes áreas especializadas do Direito de Macau (fls. 655). Na sua resposta datada de 16 de Março de 2005, o GAES, para além de ter entendido que os licenciados em Direito pela UCTM eram “licenciados em Direito por universidade de Macau”, até considerou o respectivo curso como “parte integrante do sistema de ensino oficial da RAEM” (fls. 293).
    Estes factos que ora se respigam da documentação junta aos autos serve apenas para acentuar que a obtenção da licenciatura em Direito por parte do candidato não é posta em crise, nem sequer pela AAM, como já se disse.
    Perante o que se vem dizendo, não interessa mais debruçarmo-nos sobre os conteúdos curriculares e científicos do curso de Direito da UCTM, não se deixando de assinalar que dos elementos dos autos não resulta um apartamento total das matérias concernentes ao Direito de Macau, mesmo da análise do acervo de módulos disciplinares do próprio candidato. Mas não enveredaremos por aí, na certeza de que esse curso foi obtido dentro do quadro regulador respectivo, sabendo dos termos em que foi autorizado e em que se concedeu o respectivo grau de licenciatura.
     16. Revisitando os argumentos expendidos pela recorrente
     Sobre o Direito de Macau
    No entender da entidade ora recorrente, o recorrido não preenche os requisitos necessários para a inscrição em causa, nos termos do artigo 19.º do Estatuto do Advogado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31/91/M, de 6 de Maio (EA), bem como nos termos dos artigos 4.º, 16.º, 19.º e 20.º do RAA, na medida em que a sua licenciatura não corresponde a uma licenciatura sobre Direito de Macau, nem é a mesma reconhecida para efeitos de inscrição na AAM, o que se viu não ser correcto, quer no que respeita à interpretação de que o curso de Direito deva incidir sobre Direito de Macau - não sem que não se concorde que esse devia ser de jure condendo um pressuposto a ser considerado pelo legislador -, nem que esse requisito faça pressupor um reconhecimento adicional por banda da AAM de adequação ao exercício da advocacia.
    Quanto ao argumento que se pretende retirar do ponto IV do Anexo I da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China Sobre a Questão de Macau, onde se pode ler: "Com base no sistema previamente vigente em Macau, o Governo da Região Administrativa Especial de Macau poderá estabelecer, por si próprio, disposições para o exercício da profissão forense dos advogados locais e dos advogados de fora de Macau na Região Administrativa Especial de Macau.",
    bem como do artigo 129.º da Lei Básica: "O Governo da Região Administrativa Especial de Macau determina, por si próprio, o sistema relativo às profissões e define, com base no princípio da imparcialidade e da razoabilidade, os regulamentos respeitantes a avaliação e à atribuição de qualificação profissional nas várias profissões e de qualificação para o seu exercício. (...) O Governo da Região Administrativa Especial de Macau reconhece, nos termos dos respectivos regulamentos, as profissões e as associações profissionais que tenham sido reconhecidas antes do estabelecimento da Região e pode reconhecer novas profissões e associações profissionais, de acordo com as necessidades de evolução da sociedade e mediante consulta aos sectores respectivos.", importando não esquecer o artigo 92º daquela Lei Fundamental
    “Com base no sistema anteriormente vigente em Macau, o Governo da Região Administrativa Especial de Macau pode estabelecer disposições para o exercício da profissão forense, na Região Administrativa Especial de Macau, por advogados locais e advogados vindos do exterior de Macau.”,
    (não deixando de anotar aqui que há quem defenda, a partir da versão chinesa da norma e da articulação com outras disposições, nomeadamente com o art. 129º da LB, que estaremos aqui perante uma lei atributiva de competência para a regulação do exercício da advocacia, com todas as consequências daí advenientes),
    determinando ainda o n.º 3 do artigo 19.° do EA que "Cabe à Associação dos Advogados de Macau regulamentar o acesso à profissão e o estágio" e
    estabelecendo o RAA, também, no artigo 18.°, que
    "1. O estágio destina-se à preparação do ingresso dos estagiários no exercício da advocacia, através da aprendizagem e da prática progressiva das regras técnicas e deontológicas da profissão. (...) 3. Compete à Direcção da A.A.M. a orientação geral do estágio.",
    da concatenação das diferentes normas se extrai exactamente o argumento de que a AAM, com base no quadro legal actualmente vigente, não está impedida de aferir da preparação técnica e científica em nome da qualidade dos seus profissionais, dessa exigência beneficiando toda a sociedade.
    Não lhe cabe, contudo, porque inaplicáveis ao caso, como se viu, reconhecer os cursos superiores para esse efeito, enquanto licenciaturas em Direito, nos termos do n.º 6 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 11/91/M e do artigo 3º do Regulamento Administrativo n.º 26/2003, não obstante a qualidade de entidade responsável pelo controlo do acesso à profissão de advogado, no quadro normativo vigente.
    É verdade que a competência do Chefe do Executivo para reconhecer instituições de ensino e aprovar cursos superiores não se pode confundir com a competência das entidades responsáveis pelo controlo do acesso a profissões legalmente condicionadas, mas também não se pode confundir este controlo com aquele reconhecimento.
    Repare-se que falamos sempre do quadro legal em vigor, o que é diferente de reconhecer à AAM competência para o alterar, discussão em que não entraremos, por desnecessária, na resolução do presente caso.
    Se não é a existência e validade da licenciatura que está aqui em causa, como reconhece a recorrente, será a lei que nos vai dizer qual a licenciatura que é suficiente para ser reconhecida para efeitos de inscrição na AAM, nos termos dos requisitos legalmente exigidos. O papel da AAM, nesse particular aspecto, deve cingir-se a uma verificação das habilitações e se ela corresponde a uma licenciatura em Direito.
    No que diz respeito ao requisito da "Licenciatura em Direito por universidade de Macau", a entidade recorrente defende que o mesmo é, e só pode ser, entendido como Licenciatura em Direito de Macau por universidade de Macau.
    No entanto, o Tribunal a quo não partilhou da mesma opinião, na medida em que tal entendimento não consta do teor literal do EA e do RAA, dizendo ainda que se fosse essa a intenção do legislador, este tê-la-ia expressado com palavras adequadas.
    Somos a acompanhar a posição vertida na douta sentença, ainda que pelas razões acima desenvolvidas. Nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do Código Civil, a interpretação literal da lei é apenas o primeiro passo para a sua interpretação completa e correcta e a mesma não se pode cingir ao elemento literal, sob pena de se chegar a conclusões absurdas.
     Como à data da elaboração do EA havia apenas um curso de Direito em Macau e o mesmo versava, obviamente, sobre o sistema jurídico de Macau, como assim o exigia a Portaria n.º 86/89/M - daí que o legislador não tenha sentido a necessidade de especificar que a licenciatura exigida seria sobre Direito de Macau, pretende a recorrente perpetuar uma norma que deixa de ter a mínima correspondência na sua letra com o sentido que daí se pode retirar.
    Contrariamente ao afirmado, àquela data, como já se viu, não era a Universidade de Macau que leccionava o curso de Direito, mas sim a Universidade da Ásia Oriental, uma universidade privada, ainda que obedecendo a um plano de estudos jurídicos de genética local. Ora, se o que releva é o conteúdo dos estudos e não já a referência geográfica, como resulta do texto das normas, então, ter-se-ia de admitir que um qualquer curso do exterior que promovesse um curso de Direito de Macau, integrava o requisito em vista, tese que não faz nenhum sentido.
    Não faz sentido essa interpretação porque não reconhece a característica do Direito enquanto uma superestrutura que dimana da própria sociedade, devendo reflectir a sua evolução, ainda que ele própria possa ser instrumento dessa transformação. Seria, perdoe-se a rudeza do exemplo, como pretender licenciado um automóvel pelas regras da aprovação de um carro de bois, invocando que à data da lei ainda não havia aquele tipo de veículos.
     A ser válido esse argumento interpretativo, o da finalidade da norma ou circunstâncias da sua feitura, ter-se-ia de ser coerente e concluir, em bom rigor, que o tatbestand normativo do requisito sob interpretação não respeitava à Universidade de Macau, mas sim a uma outra universidade não integrante do ensino oficial de Macau, ficando por explicar o passo de mágica que permite passar a abranger no conceito apenas esta Universidade.
    Se se argumenta que, ao tempo, havia um plano de estudos de Direito que obrigava ao estudo do Direito local em relação à UAO (Universidade da Asia Oriental) também o mesmo se descortina na aprovação dos estudos da UCTM.
    Para além de que o legislador não devia deixar de configurar a possibilidade de aparecerem outros cursos de Direito no Território de Macau.
    Para além de que o Direito de Macau traduz uma especialização que a licenciatura em Direito não confere, sendo difícil a densificação do requisito enquanto tal. Passe o exagero, mas em que se traduziria uma licenciatura em Direito de Macau? Seria ela aferida pelo número de disciplinas versando ramos do ordenamento local? Sendo a matriz do Direito de Macau, tanto na perspectiva positivada, como na sua referência doutrinária, inspirado no Direito português, por que não exigir a formação em Direito Português, ou no Direito Romano ou Germânico que estão, por sua vez, na génese daquele?
    Por que não estender esta argumentação ao tempo de duração do curso, argumentando que, à data, a licenciatura era de 5 anos, não mais se permitindo o encurtamento, ainda que o novo curso fosse completamente absorvido por disciplinas de Direito local?
    Por que não utilizar o argumento de que também os professores deixaram de ser professores vindos de fora, como acontecia à data?
    A ser um requisito que não se mostra expresso na letra da lei parece que sempre teria de ser determinado o seu alcance, Ora, essa preocupação não compete à AAM, mas sim ao Governo que deve assegurar que o ensino superior vise “garantir uma sólida formação científica, cultural e técnica que prepare para o exercício de actividades profissionais e culturais, através da difusão de conhecimentos científicos de índole teórica e prática e fomente o desenvolvimento das capacidades de concepção, de investigação científica, de inovação, de análise crítica e de criatividade artística.”- art. 2º, n.º 1 do DL n.º 11/91/M.
    Não se põe em causa que os conhecimentos de Direito de Macau se imponham, desde logo, pelas competências (incluindo forenses) que são atribuídas aos advogados estagiários no âmbito do seu estágio profissional, tal como determinado no artigo 28.º do Regulamento do Acesso à Advocacia:
    "1. O advogado estagiário pode exercer as seguintes funções:
    a) Praticar actos próprios da profissão de advogado, em causa própria, do seu cônjuge, ascendentes ou descendentes;
    b) Exercer a advocacia em quaisquer processos aquando de nomeação oficiosa;
    c) Exercer a advocacia em processos penais da competência do tribunal singular;
    d) Exercer a advocacia em processos não penais em que não seja admissível recurso ordinário;
    e) Exercer a advocacia em processos de execução de valor que não exceda a alçada do Tribunal de Segunda Instância ou, quando sejam opostos embargos ou tenha lugar qualquer outro procedimento que siga os termos do processo declarativo, de valor que não exceda a alçada dos tribunais de primeira instância.
    f) Prestar consulta jurídica."
    
    Não obstante o que se diz, enfatiza-se, não se deixa de compreender a importância da vertente do conhecimento sobre o ordenamento local, que assim deve ser porque os advogados de Macau, tal como os tribunais de Macau, operam o Direito de Macau e é o Direito de Macau que lhes é exigido que conheçam para que possam exercer a sua actividade.
    Será por essa razão, por se entender que o requisito da "licenciatura em Direito por Universidade de Macau" corresponde a uma licenciatura em Direito de Macau, que não se exige, no RAA, a frequência no curso de adaptação ao sistema jurídico de Macau a quem preencha esse requisito, avança a recorrente.
    Mas pior do que não saber Direito de Macau é não saber Direito nenhum.
    De qualquer modo, se assim é, devia a AAM, precatar-se, como o fazem outras instituições, dentro e fora da RAEM, seja para o ingresso nas magistraturas, profissões jurídicas e também da advocacia, impondo ou promovendo a criação de um crivo na sua admissão aos respectivos estágios a fim de aferir da qualidade habilitante da formação académica concretamente evidenciada por cada um dos candidatos ao desempenho da respectiva profissão. Como o fez, aliás, somente em 2012, independentemente da posição que se tome sobre o enquadramento legal dessa intervenção.
    Se a AAM entende que os licenciados em Direito pela Universidade de Macau lhes dão uma garantia habilitante, sem dispensa de exame, tudo bem. Se entendem que outros cursos de Direito, por outas universidades de Macau, já não lhe dão essa garantia, também tudo bem; só que aí terão de implementar ou promover a alteração da lei ou de regular o acesso, impondo provas ou outros meios de controle. Não podem é distorcer um requisito que não tem o alcance pretendido sem mínima expressão na letra da lei.
    O limite da interpretação é a letra, o texto da norma.19
    O Direito, tendo por objecto uma norma jurídica, e esta, como objecto, um comando, com determinado conteúdo e destinado à observância de uma generalidade de pessoas, revela-se através da compreensão que dela mesma venham a ter os seus destinatários. Dir-se-á, então, que ele se revela, ou revela os seus conteúdos, através da língua e mediante uma operação de interpretação dos conceitos. “A língua faz parte da pré-compreensão jurídica, uma vez que é ela o meio dentro do qual se formam aquelas reflexões prévias. A língua é o meio para o homem criar a sua realidade, é o seu meio de pensar, de entender os problemas e de fazer a sua avaliação, influindo nesta as experiências vividas e transmitidas” - Cfr. Heinrich Horster, A Parte Geral de C.C.Português, 1992, pág. 26. 20Assim sendo, ela não deixará de ser instrumento de fidelidade à lei - artº 8º, nº1, 2 e 3 do Código Civil - e deste enunciado decorrem as cautelas e as responsabilidades da sua utilização para os juristas e para os intérpretes.
    São anódinas as alusões que a recorrente faz aos chumbos do recorrido.
    17. Ainda sobre a avaliação de um curso de Direito em função do sistema jurídico de Macau
    Quanto ao facto de a própria decisão recorrida reconhecer que podem ser actualmente ministrados em Macau cursos de Direito além do Direito do sistema jurídico de Macau e de questionar como se poderá avaliar se o curso aprovado pela Ordem Executiva n.º 36/2000 vai para além do sistema jurídico de Macau, também já tomámos posição no sentido de que não nos cabe apurar - aí tem razão a recorrente -, tal como dissemos, até porque prejudicada a questão, se aquela licenciatura, seja no plano abstracto, seja ao nível concreto do interessado, contempla essa vertente jurídica.
    Mas se não nos cabe, também, em sede do requisito do art. 19º do EA, relativo à “licenciatura em Direito por universidade de Macau”, não cabe à AAM fazê-lo, tanto mais que a licenciatura do recorrente também não deixa de caber na segunda parte do n.º 1 da norma “ou qualquer outra licenciatura em Direito reconhecida no Território”, o que aponta exactamente no sentido de que esse reconhecimento não pertence à AAM.
    Interpretação que sai reforçada pelo facto de constar no n.º 2 dessa norma que “os licenciados em Direito por universidade que não sejam de Macau poderão ser obrigados a frequentar um curso prévio…”, redacção que aponta no elemento geográfico como destrinçador das diferentes situações.
    Na alínea a) do n.º 1 o requisito é o da licenciatura em Direito, seja em Macau ou fora de Macau, seja de Direito de Macau ou não, ficando-se bem sem saber, também como já se assinalou, o que seja uma licenciatura de Direito de Macau, tal como não existe uma licenciatura de Direito de Portugal, da China, da Alemanha ou do Reino Unido.
    No entanto, não cabe ao Tribunal fazer tal avaliação, nem esta se faz por via das entidades referidas no Decreto-Lei n.º 11/91/M.
    Tal avaliação deverá ser feita pela AAM, quanto à existência do curso, sem dúvida. Para além disso, quanto à validade e capacidade habilitante do mesmo, se a licenciatura tiver sido obtida em Macau, parece que só por via das provas em sede estágio, face ao direito positivo aplicável ao caso.
    18. Jurisprudência Comparada
    Também não vamos aqui comentar a Jurisprudência Comparada citada na sentença recorrida, exactamente na medida em que não a citamos para reforçar eventualmente os fundamentos que aí foram expendidos e na parte em que os sufragamos, em particular, na falta de competência da AAM para reconhecer ou deixar de reconhecer uma licenciatura em Direito, nos termos expostos, não lhe retirando, porém, toda a competência para poder implementar ou promover a introdução de outros critérios restritivos ao estágio - consoante a posição que se venha a tomar sobre a sua competência na matéria face ao disposto na LB, sem que passem pela deturpação dos requisitos que se mostram consagrados na lei.
    Fosse por si, como o veio a fazer em 2012 ou como o legislador ordinário já devia ter implementado, como se assinalou.
    O que se respiga da decisão citada21, não obstante o voto de vencido, é a afirmação que se aproxima “mutatis mutandis” do caso sub judice, no nosso entendimento: “Mas, o que não se prevê é que possa não admitir a essas provas candidatos licenciados em arquitectura, isto é, que possa não avaliar sequer os candidatos que possuam licenciaturas em arquitectura reconhecidas pelo Governo, o que se compreende, pois sem uma avaliação em concreto dos conhecimentos dos candidatos não é materialmente possível assegurar que eles não possuem os conhecimentos necessários.
    São coisas diferentes avaliar em concreto se um determinado candidato possui ou não os conhecimentos profissionais necessários para o exercício da actividade de arquitecto e saber se a licenciatura de que é titular é adequada a fornecer-lhe esses conhecimentos.
    Só a primeira tarefa cabe nas atribuições da Ordem dos Arquitectos; a seguida insere-se nas atribuições do Governo.
    Assim, pode um candidato titular de licenciatura em arquitectura vir a não ser admitido como arquitecto se se vier a entender, na sequência de provas de admissão, que não possui os conhecimentos necessários para o exercício dessa actividade profissional. Mas, não pode, sob pena de estar a invadir-se as atribuições do Governo, deixar de admitir um candidato à prestação de provas de admissão, pelo facto de possuir uma licenciatura, reconhecida pelo Governo, que a Ordem dos Arquitectos entende que não deveria ser reconhecida, pois ao fazê-la esta está a sobrepor o seu próprio critério sobre o reconhecimento de cursos de arquitectura ao critério do Governo.”
    
    19. Reconhecimento do curso pelo Governo
    Sustenta a recorrente que o reconhecimento a que se refere o EA não corresponde à aprovação prévia de funcionamento de um curso superior na RAEM, mas sim ao reconhecimento de licenciaturas para efeitos de acesso à advocacia. A licenciatura em Direito da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau foi apenas objecto de autorização prévia de funcionamento pelo Chefe do Executivo, o que é muito diferente de ser reconhecida para os efeitos do EA.
    Não se acompanha esta tese. A autorização prévia dada a uma determinada instituição para ministrar e atribuir uma licenciatura em Direito, sob determinado plano e condições, não deixa de encerrar o reconhecimento dessa licenciatura, na exacta medida em que o Governo confere honorabilidade a uma determinada instituição para a conferir, estando ela sujeita a uma fiscalização, podendo ver cassada a sua licença se não cumprir as obrigações.
    Aliás, não deixa a recorrente de se contradizer, na medida em que não deixa de reconhecer que está perante uma licenciatura em Direito.
    Cita também a recorrente Jurisprudência deste Tribunal22, sobre a confirmação discricionária, a verificar caso a caso, e não em termos abstractos, de habilitações académicas para efeitos de aplicação do Regulamento Administrativo n.º 26/2003: "A verificação de habilitações académicas de nível superior para o exercício de actividade condicionada, como é o caso da actividade de farmácia, compete à Direcção de Serviços de Saúde, nos termos do art. 3º, n.º 1, do Regulamento Administrativo n.º 26/2003, de 25/08/2003. III - A verificação consiste na confirmação de que as habilitações são as adequadas ao exercício de determinada actividade profissional e na aferição da idoneidade e autenticidade dos documentos comprovativos das habilitações académicas invocadas (art. 1º citado Regulamento Administrativo). IV - Essa confirmação implica, portanto, uma análise concreta e casuística, isto é, caso a caso, pessoa a pessoa e habilitação a habilitação, o que necessariamente envolve apreciações de natureza discricionária técnica, que não se compadecem com critérios objectivos administrativamente pré-fixados, cuja verificação obrigariam automaticamente ao reconhecimento e confirmação das referidas habilitações.".
    Trata-se de uma situação diferente, não sendo o Regulamento Administrativo n.º 26/2003 aplicável à AAM, também como supra dito.
    A utilidade que se retira todavia dessa comparação é que pode ser muito injusto que um departamento público tenha poderes para reconhecer os cursos de fora de Macau ou de fora do sistema de ensino oficial de Macau e a AAM não o possa fazer, para mais quando tem uma autonomia total sem qualquer vinculação ou tutela pelos poderes da Administração. Parece realmente muito injusto e há qualquer coisa que parece não estar bem. Mas o que se dirá sobre a matéria, na medida em que quer o EA quer o RAA não falam em qualquer reconhecimento, antes vinculam a AAM à aceitação de uma licenciatura desde que obtida em Macau, é que, permita-se-nos ir um pouco além da chinela, o que se observa é uma inércia e falta de resposta do legislador em matéria dessa mui nobre, quão ingrata, profissão que é a do Advogado, inércia esta a que a AAM não se terá deixado de acomodar ao longo dos tempos, deixando permanecer imutável a legislação e os regulamentos que enquadram o exercício da advocacia. Então não entra pelos olhos dentro que o legislador não tem deixado de estar atento à evolução da sociedade, às transformações que se têm observado, não tendo deixado de intervir copiosamente, a cada momento, em sede de reconhecimentos dos cursos, nomeadamente para efeitos do exercício da função pública e demais profissões por si condicionadas?
    
    20. Do Princípio da Proporcionalidade
    Sobre esta questão, afirma-se que entendeu (mal) o Tribunal a quo que o recorrido preenchia o requisito da "licenciatura em Direito por universidade de Macau", pelo que se estaria perante um dever vinculado de inscrição, sem margem para aplicação do princípio da proporcionalidade.
    No entanto, continua dizendo o Tribunal a quo, se se entendesse que o recorrido preenchia apenas o critério de "qualquer outra licenciatura em Direito reconhecida no Território", então, a entidade recorrente teria violado o princípio da proporcionalidade, pois havia outras opções menos gravosas para o interessado, em alternativa à recusa de inscrição na AAM.
    Reitera que o recorrido não tem uma licenciatura em Direito (de Macau) por universidade de Macau, nem a licenciatura em causa é reconhecida para efeitos de inscrição na AAM, pelo que esta não tinha qualquer margem para admitir a inscrição do candidato, não havendo, assim, qualquer violação do princípio da proporcionalidade.
    Cremos não assistir razão ao Mmo Juiz neste particular aspecto.
    A AAM, bem ou mal, apreciou a candidatura do recorrente por referência à 1ª parte da al. a) do n.º 1 do art. 19º do EA, arrogando-se poderes de reconhecimento da licenciatura e, concluindo que ela não preenchia o alcance desse requisito - por não ser uma licenciatura em Direito de Macau -, fazendo mais do que uma interpretação restritiva da norma no segmento “Direito”, não consentida nos termos acima expostos. Nesse quadro, não tinha outra alternativa. Isto é, se o candidato não tinha uma licenciatura em Direito para os efeitos que a AAM entendia dever reconhecer em termos do ingresso no estágio da advocacia, não lhe restava se não exclui-lo.
    Donde, nesse pressuposto e quadro de interpretação, não advir daí qualquer violação do princípio da proporcionalidade, não havendo que contemporizar com outra solução.
    
    21. Do excesso de pronúncia na condenação da AAM
    A sentença sob escrutínio termina condenando a entidade ora recorrente a verificar se o ora recorrido preenche ou não os restantes requisitos para inscrição e a tomar uma decisão administrativa legal.
    É verdade que o contencioso administrativo é de mera legalidade, devendo o Tribunal Administrativo cingir-se à análise e verificação dos vícios do acto administrativo recorrido.
    Contrariamente ao sugerido, o Tribunal não impôs a inscrição do candidato, apenas considerou que a entidade recorrida estava vinculada a considerar verificado o requisito da licenciatura em Direito - não estando em causa a necessidade de um qualquer reconhecimento - e foi por isso que fez aplicação do art. 24º, n.º 1, a) do CPAC, ainda aí, restringindo o pedido que fora formulado.
    Este entendimento, o do preenchimento do referido requisito, não implica a prática de nenhum acto vinculado, competindo apenas à entidade recorrida dar execução à sentença de anulação expurgando-o da parte que se considera inquinada. Tal não implica a prática de um qualquer acto administrativo, pelo que, em bom rigor, não se encaixa na previsão do art. 24º, n.1, a), donde, ainda que na execução do decidido se deva ter esse requisito por verificado, a imposição dessa postura não deixa de ser excrescente.
    No que tange à afirmação de que os licenciados em Direito pela UCTM têm capacidade para trabalhar na área jurídica em Macau, trata-se apenas de um argumento vertido na sentença, fruto da interpretação das normas, não sendo proferida aí qualquer decisão vinculante, pelo que se mostra descabido imputar tal vício a essa segmento da sentença sob escrutínio.
     Nesta conformidade concede-se razão à recorrente, considerando que houve excesso de pronúncia nos termos considerados pelo que a decisão é nula nessa parte.
    22. Efeitos dos vícios do acto recorrido
     Actualiza-se aqui a posição do MP, que subscrevemos, ao dizer que “O arrogado poder de verificação das habilitações académicas pretendido pela recorrente, nos termos por esta pretendidos colidirá sempre, inevitavelmente, com o respeito e acatamento das normas que concedem ao C.E. a competência para a aprovação e reconhecimento de cursos superiores. E se, neste específico, nos não atreveríamos a ir tão longe quanto a nulidade anunciada pela douta sentença, por violação das atribuições de outra entidade, já que, bem vistas as coisas, esta não põe verdadeiramente em causa a atribuição do grau académico em questão, mas sim o reconhecimento, por ela própria, do mesmo, para efeitos de admissão ao estágio profissional no seu seio, nunca poderá a decisão sujeita a escrutínio no recurso contencioso deixar de ser anulada por violação de lei, nos termos supra mencionados.”
    
    Entendemos que não houve neste segmento qualquer usurpação de poder e invasão de competência pertencente a outra entidade ou prática de actos estranhos às competências da entidade recorrida, razão por que nos fixamos no vício de violação de lei, nos termos expostos, ao abrigo do disposto no artigo 124º do CPA.
    
    23. Em suma:
    A AAM (Associação dos Advogados de Macau), em sede de preenchimento do requisito constante do EA (Estatuto do Advogado), aprovado por decreto-lei, em relação ao acesso à profissão, que só fala em “Licenciatura em Direito por universidade de Macau” não pode, com base no argumento de que o candidato licenciado em Direito por uma universidade de Macau, como é a UCTM (Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau), - curso esse devidamente autorizado e aprovado pelo Governo, não pondo a própria AAM em causa a existência da licenciatura -, a pretexto de que aquela licenciatura não corresponde a uma licenciatura em Direito de Macau - requisito este não contemplado na norma -, negar a inscrição por falta daquele apontado requisito, não se lhe retirando, pelo menos, no quadro legal anteriormente existente, poder e competência, enquanto pessoa colectiva de utilidade pública autónoma e não tutelada pela Administração de pôr em prática o que está regulado sobre o acesso e aferir da preparação técnica e científica dos candidatos, nos termos estabelecidos, em termos de conhecimento jurídico, para o exercício da advocacia a operar no ordenamento jurídico de Macau, exigência essa que só beneficia a sociedade em geral.
    Não obstante o sentido da decisão que ora se toma neste caso concreto, não se deixa de reconhecer, porém, que o conhecimento do Direito de Macau assume relevo de forma decisiva para o exercício das profissões jurídicas da RAEM, nomeadamente o da advocacia.
    Tudo visto e ponderado, resta decidir.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao presente recurso jurisdicional, declarando nula a sentença na parte em que extravasou o pedido de nulidade ou anulação, e, embora considere este Tribunal que inexiste nulidade do acto recorrido, revoga-se, no entanto, a sentença, anulando o acto recorrido por violação de lei, tudo nos termos e fundamentos expostos.
    Sem custas, por delas estar isenta a entidade ora recorrente e fixa-se a taxa de justiça em 2 UCs, pelo ora recorrido, beneficiando ele do apoio judiciário.
               Macau, 23 de Outubro de 2014
               João A. G. Gil de Oliveira
               Ho Wai Neng (com voto de declaração)
               José Cândido de Pinho
               
               Presente
 Victor Manuel Carvalho Coelho
               
               
               
卷宗編號:664/2013

投票聲明
本人同意裁判的決定方向以及相關之理據,但認為根據《基本法》第92條和第129條第1款的規定23,澳門律師公會在回歸後不再具有權限對求取律師職業及其實習課程作出規範,有關權限依照上述《基本法》的規定,屬澳門特別行政區政府所有。
基於此,第31/91/M號法令第19條第2和3款給予律師公會上述規範權限的規定因違反《基本法》的規定而不能再生效。
申言之,在1999年12月20日後,律師公會不能再自行變更求取律師職業及其實習課程之原有法律制度,茲因有關規範權限,如上所述,屬特區政府所有。
法官


________________________
何偉寧
2014年10月23日

1 [Nota do texto original] cit.: “Macao Administrative Law”, “Macao Civil Law”, “Macao Criminal Law”, “Macao Business Law”, “Macao Civil Procedure Law” e “Macao Criminal Procedure Law”.

2 - José Santos Botelho, Cont. Adm., 4ª ed., Almedina, 2002,888
3 - Palavras a abrir O Novo Regime Do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2003, 11.
4- V.g. Acs. do STA, Proc. n.º 01019/13, de 25/9/2013; 0685/08, de 2/4/2009; TCAN 00611/12.1BEBRG, de 12/10/2012; 01041/04.4BEBRG, de 3/4/2008

5 - Freitas do Amaral, in A execução das sentenças dos Tribunais administrativos, 2ª ed., 45; tb. Ac do STA de 01/10/97, Rec. n° 39205, in Ap. ao DR de 12/06/2001, 5261
6 - Ac. do STA, Rec. n° 34044-A, de 02/10/2001.
7 - Ac. do STA/Pleno, Rec. nº 40821-A)de 08/05/2003.

8 - Ac. do STA, Rec. n.º 43 680, de 14/03/2000, entre outros..
9 - M. Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., 621 e 622.
10 - TCAS, 2436/03, 21/10/2004
11 - cfr. Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças..., pág. 90 e segs e Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 2ª ed., pág. 276 e segs.

12 - obra citada, 284
13 - ob. cit. 284
14 - Mário Aroso de Almeida, Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, 565 e segs
15 - Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos , 2ª ed. 980 e segs
16 - Vd. Ac. do Pleno do STA , Proc. n.º 01328ª/03, de 2/7/2008
17 [Nota do texto original] vide a descrição sobre o Curso de Direito reconhecido pelo Decreto-Lei n.º 13/89/M, constante do preâmbulo da Portaria n.º 126/93/M de 10 de Maio.
18 [Nota do texto original] Vide o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 26/92/M de 4 de Maio.
19 - - Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 61/91, de 14 de Maio de 1992
20 ” - Cfr. Heinrich Horster, A Parte Geral de C.C.Português, 1992, pág. 26.
21 - Acórdão do STA n.º 0217/06
22 - Ac.do TSI, Proc. n.º 401/2009, de 22/9/de 2011
23 《基本法》第92條規定如下:
“澳門特別行政區政府可參照原在澳門實行的辦法,作出有關當地和外來的律師在澳門特別行政區執業的規定”。
從上述轉錄的法規文本及中文的語法中,可見其主句為“澳門特別行政區政府作出有關當地和外來的律師在澳門特別行政區執業的規定”,而有關規範內容可以是“參照原在澳門實行的辦法”而作出,這與葡文譯本(“Com base no sistema anteriormente vigente em Macau, o Governo da Região Administrativa Especial de Macau pode estabelecer disposições para o exercício da profissão forense, na Região Administrativa Especial de Macau, por advogados locais e advogados vindos do exterior de Macau”)有明顯的出入。
第129條第1款規定如下:
“澳門特別行政區政府自行確定專業制度,根據公平合理的原則,制定有關評審和頒授各種專業和執業資格的辦法”。

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