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Processo nº 513/2014


Acordam em conferência no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da providência cautelar de restituição provisória de posse, requerida por A, devidamente identificada nos autos, e registada sob o nº CV2-14-0003-CAO-A, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, após a audiência em que foram inquiridas algumas testemunhas arroladas pela requerente e o exame das provas documentais por ela apresentada, foi proferida, em 12DEZ2013, sem audição dos requeridos, a seguinte decisão decretando o arresto:

  A, com os demais elementos de identificação nos autos, requereu o presente procedimento cautelar especificado de restituição provisória de posse contra Sociedade Comercial “B SOCIEDADE LIMITADA”, com sede em Macau; C; D; E e F; todos também com mais elementos de identificação nos autos.
  
  Pretende a requerente ser restituída e reinvestida na posse do rés-do-chão do prédio nº XX da Rua da XX, em Macau e que sejam os requerido notificados para se absterem de praticar quaisquer actos de esbulho ou turbação da posse, sob pena de incorrerem na prática do crime de desobediência.

       Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que, por si e seus antecessores, tem estado na posse do referido prédio há várias décadas, na convicção de ser a respectiva proprietária, tendo pendente uma acção judicial onde pretende ver reconhecida a aquisição da propriedade por usucapião e que mantinha arrendado o rés-do-chão, tendo o inquilino deixado de utilizar o locado e dito que o ia restituir à requerente, não o tendo feito e tendo colocado um cadeado na respectiva porta, pelo que a requerente colocou também um cadeado que os requeridos cortaram e colocaram outros dois que abrem quando pretendem ir ao rés-do-chão onde levam a cabo obras de decoração.
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  Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pela requerente  e nada relativamente ao tribunal, ao processo e às partes, que cumpra conhecer, obsta ao conhecimento do mérito.
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  Estão sumariamente provados os seguintes factos:
1.º
  O rés-do-chão do n.º XX da Rua da XX, em Macau, esteve até há alguns meses ocupado por uma loja, sendo sua senhoria a aqui requerente e seu inquilino o Sr. G.
2.º
  O referido n.º 65, bem como o demais bloco urbano correspondente aos n.os XX e XX da Rua da XX e aos n.os XX, XX e XX do Pátio da XX, tem sido utilizado e ocupado pela requerente, e, antes dela, pelos seus antepassados, todos tendo actuado com a convicção de serem os seus legítimos proprietários, desde há já mais de 74 anos, encontrando-se aí instalado o HOTEL H, de que a autora é dona e titular, não fazendo actualmente parte do hotel o rés-do-chão do nº XX arrendado a G.
3.º
   Tal utilização e ocupação relativamente ao indicado bloco urbano ao longo destes anos têm consistido, nomeadamente, nos seguintes actos: hospedar pessoas a troco de dinheiro, obter o devido reconhecimento perante as entidades administrativas, suportar despesas de funcionamento, pagar tributos (impostos, taxas, contribuições, etc), contribuir para o Fundo criado para o bairro conhecido, à altura, como B, assegurar a realização de obras, pagar salários, promover a defesa dos prédios e proceder à cedência do gozo de uma parte mediante contrapartida pecuniária.
4.º
   A requerente intentou uma acção em 5 NOV 2012, que corre os seus termos sob o n.º CV3-12-0087-CAO junto do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, em sede da qual pediu, entre o mais, o reconhecimento judicial da aquisição, por usucapião, de 85,276% do domínio útil do prédio urbano nº 65º e o reconhecimento da mera posse em relação ao domínio útil do mesmo prédio.
5.º
   Tal acção, que foi registada na Conservatória do Registo Predial sob a inscrição n.º XXXX0F à descrição n.º XXXX, foi intentada contra 42 Réus, de entre os quais a aqui 1.ª requerida, Sociedade comercial B, e o aqui 3.º requerido, Sr. D.
6.º
   O domínio útil referente ao Prédio Urbano n.º 65, sito na Rua da XX, que confronta do N. com a Travessa da XX, do S com o prédio n.º 63, de L com a referida Rua e de O com o n.º 1 da Travessa da XX, está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXX do livro BXX e inscrito na matriz predial sob o artigo 1826, tendo o respectivo terreno sido concedido por aforamento.
7.º
   O prédio urbano n.º 65 está fisicamente dividido em 2 prédios urbanos, tendo cada um, respectivamente, a denominação policial n.º XX e n.º XX.
8.º
  O Arrendamento do rés-do-chão do nº XX da Rua da XX foi inicialmente celebrado na década de 50 entre o avô materno do Sr. G – residente em Macau, na Rua da XX, n.º XX, R/c (澳門XX街XX號R/c) e/ou XX廣場XX樓XX座 - e o pai da requerente, Sr. I, a fim de aquele aí explorar um Café de nome J.
9.º
  Após a morte do avô materno do Sr. G, a renda passou a ser paga directamente ao HOTEL H pela mãe do mesmo Sr. G e, após o óbito desta, o pagamento continuou a ser feito directamente pelo referido Sr. G.
10.º
   Desde dia indeterminado, mas por volta de Agosto de 2013, até ao presente, o Sr. G, ou a pessoa a quem este subarrendou a loja do rés-do-chão do nº XX da Rua da XX, que não abrem ao público a loja ali existente.
29.º
   O Sr. G retirou alguns dos seus haveres da loja do rés-do-chão do nº XX da Rua da XX.
30.º
   O Sr. G, não devolveu ou entregou o referido rés-do-chão do n.º XX à requerente.
32.º
   O Sr. G fechou a porta da loja e colocou-lhe um cadeado exterior, não entregando à requerente qualquer cópia de ambas as chaves para, desta forma, impedir o seu acesso.
33.º
   A par do mero acesso ao rés-do-chão do n.º XX, ficou também a requerente impedida de obter quaisquer rendimentos ou frutos civis do mesmo bem, designadamente através do seu arrendamento.
34.º
   Perante tal situação, visando agir em defesa do n.º XX, por si reputado como sua legítima propriedade, e agindo com o animus de defesa da respectiva posse, a requerente colocou em 27 de Setembro de 2013 um outro cadeado na porta do n.º XX.
35.º
   Em simultâneo, a requerente colocou também do lado interior da grade da porta do n.º XX um papel com o seu contacto e a respectiva data e atou ainda ao cadeado da porta um aviso escrito em língua chinesa com o seguinte teor: “Propriedade privada. Proibido o acesso. Os infractores serão responsabilizados” .
36.º
   Em 28 de Setembro de 2013, pelas 17:42, o 5.º requerido, Sr. F, dirigiu-se ao n.º 65 e, aí chegado, riscou o aviso escrito pela requerente.
37.º
   Posteriormente, em 19 de Outubro de 2013, pelas 16:00, o 5.º requerido e um terceiro homem não identificado, que a requerente crê ser o dono ou um funcionário de uma loja de artigos electrónicos da R. XX - dirigiram-se ao n.º XX.
38.º
   Aí chegados, o 5.º requerido, Sr. F, cortou o cadeado que em 27 de Setembro de 2013 a requerente havia colocado na porta do n.º 65.
39.º
   Seguidamente, o 5.º requerido e o terceiro indivíduo não identificado colocaram dois cadeados com correntes na porta do n.º 65, impedindo e vedando o acesso ao n.º 65.
40.º
   Em 4 de Novembro de 2013, pelas 20:02, o 4.º requerido, Sr. E, e três indivíduos não identificados – seguidamente designados por indivíduos A, B e C - deslocaram-se ao n.º 65, tendo o 4.º requerido aberto com as chaves que trazia consigo os cadeados instalados na respectiva porta.
41.º
   Seguidamente, tanto o 4.º requerido como os indivíduos B e C entraram para dentro do n.º 65, entrando posteriormente o indivíduo A, todos permanecendo no interior do n.º 65 por cerca de 10 minutos.
42.º
   À saída, a porta foi fechada com os mesmos cadeados e correntes, permanecendo impedido e vedado o acesso ao n.º 65.
43.º
   Em 5 de Novembro de 2013, pelas 19:04, o 5.º requerido, Sr. F, parou a sua bicicleta em frente ao n.º 65 e dirigiu-se à respectiva porta a fim de a fechar completamente.
44.º
   Em 6 de Novembro de 2013, pelas 16:11, os indivíduos A e B e ainda um terceiro indivíduo não identificado – que se designará doravante por indivíduo D - deslocaram-se ao n.º 65, tendo aberto com as chaves que traziam consigo os cadeados instalados na respectiva porta e entrado no espaço.
45.º
   Tendo a requerente acedido ao interior do local, pediu a identificação dos três indivíduos – que traziam e empunhavam 2 lanternas - e perante a recusa destes em o fazer, solicitou a dois agentes da P.S.P. que passavam pela Rua da XX que procedessem à identificação dos mesmos na esquadra.
46.º
   Os mencionados agentes concordaram e solicitaram aos mesmos indivíduos que fossem ao 1.º Comissariado Policial da P.S.P., sito na Calçada do Gamboa, para aí serem identificados.
47.º
   Aí chegados, os indivíduos A e D bem como o C - este entretanto aí chegado -, foram identificados pela P.S.P., identificações e contactos vertidos para um Relatório, datado de 6.11.2013, a que foi atribuído o n.º 8716/2013/C1.
48.º
   Em 7 de Novembro de 2013, pelas 17:46, os indivíduos A e D bem como duas outras pessoas não identificadas – que se designarão por indivíduo E e indivíduo F -, deslocaram-se ao n.º 65, tendo aberto com as chaves que traziam consigo os cadeados instalados na respectiva porta e entrado no espaço.
49.º
  Estando lá dentro, os indivíduos A, D, E e F ligaram a luz e, recusando-se sempre a identificar-se, disseram à requerente, que estavam a proceder a “renovações” dentro do n.º 65.
50.º
  Os mesmos os indivíduos A, D, E e F permaneceram dentro do n.º 65 até cerca das 18:19, momento em que saíram todos e fecharam a porta com os mesmos cadeados e correntes, permanecendo impedido e vedado o acesso ao n.º 65.
51.º
   Em 12 de Novembro de 2013, pelas 15:00, a requerente constatou que duas pessoas não identificadas – que se designarão por indivíduo G e indivíduo H -, estavam dentro do n.º 65.
52.º
   A requerente constatou que os indicados indivíduos G e H estavam a desenvolver trabalhos e obras de construção civil, designadamente picando e descamando as paredes e o chão, removendo o tecto falso, mexendo na estrutura das vigas de madeira do tecto, de tudo resultando grande volume de entulho, detritos, madeiras e lixo variado, tudo transportado por um camião, pelas 16:27.
53.º
   Entretanto, chegaram e entraram também no n.º 65 o indivíduo A bem como uma outra pessoa não identificada – que se designará por indivíduo I.
54.º
   Instados a responder a mando de quem estavam a desenvolver os referidos trabalhos e obras, recusaram-se a indicar quem fosse tal mandante.
55.º
   Relativamente a tais trabalhos e obras de construção civil dentro do n.º 65, a aqui requerente promoveu logo em 12 de Novembro de 2013, através dos seus advogados, o seu embargo extrajudicial tendo já requerido, entretanto, a respectiva ratificação judicial, tudo nos termos e ao abrigo do artigo 356.º e seguintes do C.P.C., tendo igualmente participado para os devidos efeitos tal situação junto do Instituto Cultural bem como da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
56.º
   Em 13 de Novembro de 2013, desde cerca das 08:47 até cerca das 18:18, acederam e entraram no n.º 65 pelo menos 10 (dez) pessoas.
57.º
   De tal grupo de pessoas, é possível identificar, pelas 16:56 e pelas 17:29, o 5.º requerido, o indivíduo A, o indivíduo D e o indivíduo E, sendo que quanto aos demais 7, todos não identificados, se designarão por indivíduos J, L, M, N, O, P e Q.
58.º
   A actividade desenvolvida dentro do n.º 65 em 13 de Novembro de 2013 consistiu na continuação dos trabalhos e obras anteriormente aí iniciados, tendo sido possível à requerente aperceber-se que, entre o mais, as paredes interiores foram raspadas e descamadas e que a montra em vidro da entrada foi removida.
59.º
   Em 14 de Novembro de 2013, também desde cerca das 08:48 até cerca das 18:10, entraram e permaneceram no n.º 65 os indivíduos J e L, sendo que pelas 10:30 um camião parou junto ao n.º 65 e descarregou sacas de cimento para o seu interior e, mais tarde, um outro camião transportou entulho, madeiras, vidro e detritos, tudo proveniente das obras feitas no interior do n.º 65.
60.º
   Na data em que deu entrada a presente providência, as situações acima descritas relativamente ao n.º XX da Rua da XX – abertura, acesso, entrada e fecho da porta e grades com chaves, cadeados e correntes próprios, permanência no seu interior e realização de obras e trabalhos, feitas sem autorização e com a oposição tanto da requerente – perduram e continuam em ininterrupta execução.
   
61.º
   Para a requerente, é a 1.ª requerida, Sociedade comercial B, a mandante constante e permanente, nunca assumida, de todas as situações acima descritas em relação ao n.º XX da Rua da XX.
67.º
   Os 2.º, 3.º e 4.º requeridos são administradores da 1ª requerida.
73.º
   Em 25 de Maio de 2012 o 4.º requerido, Sr. E, bem como o indivíduo A e outro indivíduo não identificado deslocaram-se ao HOTEL H e, apresentando-se como vindo da parte da 1.ª requerida, Sociedade comercial B, exigiram num tom de voz exaltado e de uma forma agressiva ao staff do Hotel que a requerente entrasse em contacto com a aqui 1.ª requerida a propósito do direito ao espaço onde o mesmo Hotel está instalado.
74.º
   Esse mesmo dia 25 de Maio de 2013 foi exactamente o dia em que o 4.º requerido, Sr. E, adquiriu uma quota na 1.ª requerida, no valor de MOP$10.000,00, procedeu a um aumento de capital e subscreveu integralmente tal aumento, logo de imediato passando, assim, a agir em defesa dos interesses da mesma 1.ª requerida.
75.º
Foram também a 1.ª requerida, Sociedade comercial B, e o 3.º requerido, Sr. K, juntamente com L, que intentaram em finais de 2012 contra a aqui requerente a acção de despejo n.º CV1-12-0197-CPE, arrogando-se na qualidade de locadores da ora requerente, desde Maio de 1999, do espaço onde está instalado o Hotel H, ou seja, dos prédios urbanos n.ºs XX e XX da Rua da XX e XX, XX e XX do Pátio da XX.
76.º
  Contestou a ré, aqui requerente, que, face às certidões do registo predial juntas pelos próprios autores nessa acção, só a partir de 5 JUN 2012 o Sr. D (administrador da Sociedade comercial B que se dirigiu à esquadra em 6 NOV 2013) ficou inscrito no registo predial como titular de 1/120 dos prédios urbanos n.os 67 e 65 e que a 3.ª autora e aqui 1.ª requerida Sociedade comercial B não está nem nunca esteve inscrita no registo predial como titular de qualquer um dos prédios urbanos n.os 67, 65, 13, 15 ou 17.
77.º
   Tal acção de despejo n.º CV1-12-0197-CPE encontra-se presentemente suspensa por decisão de Setembro de 2013, ex vi do n.º 1 do art. 223.º do C.P.C., isto em virtude da questão prejudicial invocada pela aí ré e aqui requerente de só ser retomado o seu curso quando sobrevier a decisão final com trânsito em julgado a proferir nos autos onde se discute a aquisição por usucapião (n.º CV3-12-0087-CAO).
78.º
   Em 4 de Novembro de 2013, o 4.º requerido, Sr. E e o mesmo indivíduo A (bem como os indivíduos B e C) acederam ao interior do n.º 65.
79.º
   Também em 6 de Novembro de 2013 - dia em que entrou no n.º 65 o indivíduo A (bem como os indivíduos B e D) e todos os 3 foram ao 1.º Comissariado Policial da P.S.P. - acorreram à dita esquadra, logo de imediato e de forma espontânea, o 3.º requerido, Sr. D, o 4.º requerido, Sr. E – ambos administradores da 1.ª requerida, Sociedade comercial B – bem como ainda o Sr. M, sendo este um pretenso cobrador da mesma Sociedade comercial B.
83.º
   A requerente e os seus antepassados têm utilizado a loja do nº XXº da Rua da XX ininterruptamente, com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de não lesarem direitos alheios desde há décadas.
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  Em síntese útil temos sumariamente provado que a requerente e seus antecessores vêm utilizando, desde há várias décadas e com a convicção de dele serem proprietários, o prédio número XX da Rua da XX em Macau e que na década de 50 do século passado arrendaram, para comércio, o rés-do-chão daquele prédio tendo, desde há cerca de 4 meses, o actual inquilino mantido fechado ao público o estabelecimento que explorava no locado. Temos também sumariamente provado que o inquilino não entregou o rés-do-chão à requente, antes tendo colocado um cadeado na porta sem ter fornecido a respectiva chave à requerente e que a requerente colocou, depois, um outro cadeado a impedir a abertura da porta do rés-do-chão guardando para si a respectiva chave. Temos ainda sumariamente provado que os requeridos cortaram o cadeado colocado pela requerente, e colocaram outros dois sem entregarem as chaves à requerente e que vêm acedendo ao rés-do-chão e aí levam a cabo obras de decoração abrindo com as respectivas chaves os dois cadeados que aí colocaram e o que havia colocado o inquilino.
  
   A posse beneficia de tutela cautelar a dois níveis: comum e especificado (arts. 338º e 340º do Código de Processo Civil).
   A posse beneficia da tutela cautelar comum quando é ofendida sem violência e a espera pela tutela definitiva pode causar lesão grave e de difícil reparação. A ofensa não violenta da posse pode ser por mera perturbação ou por desapossamento/esbulho. Não está nestes autos em causa este tipo de tutela da posse, uma vez que não foi alegada qualquer lesão grave e de difícil reparação decorrente da alegada ofensa da posse da requerente, nem tal lesão qualificada de grave e dificilmente reparável resulta dos factos provados.
   A posse beneficia de tutela especificada quando é ofendida pela aquisição de outra posse através de uma actuação violenta de terceiro que irá causar a perda da posse anterior por esbulho ou desapossamento. Neste caso, a violência do acto que fez adquirir a posse ao novo possuidor justifica que se conceda tutela cautelar, sem audiência do esbulhador, mesmo que não haja qualquer prejuízo para o anterior possuidor (art. 1204º do Código Civil). A violência para aquisição da posse não é tolerada e é aquele que usa de violência que deve abrir mão da coisa de que se apossou enquanto espera a decisão definitiva sobre o conflito de posses ou dos direitos que as concedem.
   O tribunal pode decretar providência cautelar diversa da requerida (art. 326º, nº 3 do Código de Processo Civil). Para isso, é necessário que se mostrem alegados e provados os pressupostos de procedência da providência que o tribunal possa decretar. Assim, se o requerente pede a restituição provisória com fundamento em esbulho violento não necessita de alegar qualquer lesão grave e de difícil reparação, mas o tribunal, se não conceder a restituição provisória, não pode decretar qualquer outra medida cautelar comum por falta de um requisito – o “periculum in mora”. Mesmo tendo em conta que o tribunal não está vinculado à providência requerida, podendo decretar outra mais adequada (arts. 326º, nº 3 e 337º do CPC.), faltando um dos pressupostos de procedência de providência comum (o periculum in mora), não pode o tribunal decretar qualquer providência de natureza não especificada.
  
  Por falta de alegação e prova do “periculum in mora”, cabe apenas apreciar se haverá lugar à restituição provisória em consequência de esbulho violento. Neste caso, cabe à requerente demonstrar que tinha a posse que invoca e que dela foi esbulhada por actuação violenta dos requeridos. A posse da requerente, o esbulho dessa posse e a violência do acto de esbulho são, pois, os pressupostos de procedência da presente providência cautelar.
  
  Vejamos.
  Quanto à posse.
  A posse é o exercício de poderes de facto sobre uma coisa, daqueles poderes que correspondem ao exercício dos direitos reais, agindo aquele que os exerce por si próprio ou através de outrem, com a intenção de actuar como beneficiário do direito correspondente aos poderes que exerce sobre a coisa (arts. 1175º a 1177º do CC).
  A requerente demonstrou que, por si e antepossuidores, tem utilizado e ocupado o rés-do-chão do nº XX da Rua da XX, o qual desde a década de 50 do século passado foi arrendado a terceiros, sendo as rendas recebidas pelos senhorios. E provou que o têm feito na convicção de serem titulares de um direito real de gozo que lhes faculta aquelas utilização, ocupação e arrendamento – o direito de propriedade.
  A requerente provou, pois, que tinha a posse que invocou. Não interessa saber se se trata de posse causal ou de posse formal, uma vez que a lei não as distingue, para efeitos da sua defesa. A primeira depende de saber se a requerente é efectivamente proprietária ou titular de um direito real menor, de gozo, correspondente à sua posse. Já a segunda é independente dessa titularidade. A requerente refere apenas a titularidade do domínio directo, portanto uma posse causal não reportada à propriedade plena, mas refere também a convicção de propriedade plena no exercício da posse, uma posse formal, portanto, reportada à propriedade plena. Não se pode esquecer que a aquisição por usucapião só pode ser considerada pelo tribunal, mesmo sumariamente em sede cautelar, se for invocada e aqui não foi (arts. 1217º e 296º do CC), embora, como se disse, isso não releve para a defesa da posse porquanto esta se basta com a posse formal. O que não nos pode é fazer confundir a veste em que a requerente se apresenta: possuidora apenas e não, também, proprietária.
  A requerente alegou a existência de um contrato de arrendamento já extinto sobre o rés-do-chão do nº XX da Rua da XX. Não provou a alegada extinção de tal contrato por revogação unilateral do inquilino e a extinção por resolução só pelo tribunal pode ser decretada (art. 1017º, nº 2 do CC). Assim, a sobrevivência de tal contrato de arrendamento constitui um limite à posse da requerente, pois que o locatário pode usar contra o locador os meios de defesa da posse (art. 982º do CC). Daqui decorre que a requerente não pode defender mais do que a posse que efectivamente tem, isto é, limitada pelo arrendamento. A requerente, invocando apenas a posse e não o direito de propriedade, não pode pedir a restituição pura e simples, uma vez que isso implicaria a completa desconsideração do contrato de arrendamento. Em defesa da posse, a ré pode pedir apenas a restituição dos poderes de facto que o proprietário tem na pendência do arrendamento. Já em defesa da propriedade a situação é diversa. Porém, como se disse, aqui a requerente ocupa apenas a qualidade de possuidora, embora de uma posse formal correspondente ao direito de propriedade. Ocorre porém que a posse da requerente está limitada pelo arrendamento. Em defesa da posse correspondente ao direito de propriedade, o possuidor locador pode pedir apenas que terceiro seja impedido de exercer posse sobre a coisa que estorve a sua posse limitada ao exercício de determinados poderes de facto, como sejam o exame da coisa e a execução de reparações urgentes (art. 983º, als. a) e e) do CC). Pode pedir também que sejam impedidas obras ou modificações na coisa que possui, pois que isso também ao inquilino está vedado e contende com a posse do possuidor locador. Já em defesa da propriedade, o proprietário locador, pode reivindicar a coisa de qualquer terceiro. Ora, caso a posse do rés-do-chão do nº XX fosse restituída integralmente à requerente esta ficaria com “melhor” posse que a que tinha (limitada pelo arrendamento).
  A posse é o conjunto dos poderes de facto que um direito real de gozo proporciona ao seu titular. Mas esse direito real de gozo pode estar limitado por outro direito real menor ou por um direito pessoal de gozo de terceiro. Logo, a posse que espelha o direito real de gozo assim limitado, também ela é limitada. É o que ocorre no caso em apreço. A posse da requerente espelha o direito real de gozo que é a propriedade, mas este encontra-se limitado por um arrendamento, entendido por uns como um direito pessoal de gozo e por outros como um direito real.
  
  Cabe concluir que a requerente demonstrou ser possuidora, mas com os limites de um contrato de arrendamento que a obriga a facultar a outrem o gozo da coisa locada.
  
  Quanto ao esbulho.
  O esbulho é um acto de constituição de uma posse que provocará, decorrido um ano (art. 1192º, nº 1, al. d( do CC), a perda de outra posse anterior. É um desapossamento porquanto impede ao desapossado que continue a exercer poderes de facto sobre a coisa, como vinha exercendo. Ao mesmo tempo coloca a coisa sob o domínio do esbulhador, sendo este que passa a reunir as condições materiais para exercer poderes de facto sobre aquela.
  Uma vez que a posse reclama um animus, o esbulho constitutivo da nova posse tem também de ser voluntário e com a intenção de o esbulhador agir como beneficiário do direito real correspondente.
  A requerente alega que o inquilino do rés-do-chão do nº XX da Rua da XX fechou a porta de acesso ao mesmo rés-do-chão com um cadeado, assim lhe impedindo o acesso. Mas a requerente, tendo considerado que o contrato de arrendamento já se havia extinguido, não visa, através do presente procedimento, esta actuação do inquilino, a qual configura o normal exercício do direito de gozo da coisa arrendada. Na verdade, o acto de fechar a porta do locado para comércio, mesmo não a reabrindo para acesso do público, é um acto que cabe dentro dos direitos do arrendatário. Enquanto se mantiver o contrato de arrendamento, como ocorre no caso em apreço, o fecho da porta do locado e a permissão de acesso a terceiros não contende com a posse do proprietário senhorio, não a perturba nem a esbulha. Já se o senhorio pretender examinar o locado, aí fazer reparações e tal lhe for impedido, há perturbação ou esbulho da posse do proprietário locador e, talvez, inversão no título da posse (art. 1190º do CC). A requerente é que não pode, enquanto vigorar o arrendamento, colocar o cadeado que colocou “por cima” do que colocara o inquilino, pois tal actuação extravasa os direitos do senhorio e contende com a “posse” do inquilino, a qual pode ser defendida mesmo contra o locador, como se disse. Já no caso de ter terminado o contrato de arrendamento, a requerente poderia licitamente ter colocado o seu cadeado no locado. Porém, não se provou tal extinção do contrato.
  Consideremos agora o acto do inquilino como esbulho.
  O possuidor locador tem uma posse limitada de forma que a alegada, mas não provada, cessação do contrato de arrendamento faria o acto do ex-inquilino mais ofensivo da posse e a vigência do contrato dá outra relevância ao facto de a requerente ter pendente o procedimento de ratificação de embargo de obra nova contra os requeridos.
  A entender-se que a colocação de um cadeado por parte do inquilino configura esbulho da posse da requerente locadora, na medida em que lhe impede o exercício dos poderes de facto que tinha enquanto possuidora limitada por um direito de gozo alheio criado pelo arrendamento, então não são os requeridos os esbulhadores, mas sim o inquilino aqui não demandado. A requerente, além de não demandar o seu inquilino, alega ainda que ela própria colocou outro cadeado e guardou a respectiva chave. Significa isto que quem “esbulhou” a requerente dos poderes de facto que tinha (limitados pelo arrendamento) foi o seu inquilino. Com efeito, a entender-se que a requerente foi privada do exercício dos poderes de facto que tinha, foi com a colocação do cadeado pelo seu inquilino que a requerente foi esbulhada. E a requerente não restaurou a sua posse ao colocar outro cadeado sem retirar o do seu inquilino. A sua posse continua perturbada ou esbulhada. A requerente apenas impediu o inquilino de exercer a sua posse, quer a que o arrendamento lhe proporcionava, quer a que ele próprio ampliou pelo seu acto de esbulho ao colocar um cadeado na porta, caso se considere este acto do inquilino não um normal exercício do direito do locatário mas um acto de esbulho do locador.
   Do que se disse, a considerar-se o acto do inquilino como esbulho, haverá que concluir que a actuação dos requeridos não esbulha a requerente porquanto a mesma não tinha o direito de impedir que o locatário colocasse o cadeado que colocou e já se encontrava esbulhada pelo inquilino quando os requeridos actuaram. É certo que a posse da requerente só se extingue depois de decorrido um ano sobre a data do esbulho e é apenas nesse ano que pode ser defendida (art. 1192º, nº 1, al. d) do CC.). Porém a requerente, mantendo a sua posse, ou estava dela esbulhada pelo inquilino aquando da actuação dos requeridos ou não estava sequer ofendida pela colocação do cadeado do inquilino, sendo a requerente que ofendeu a posse do inquilino quando colocou o seu cadeado, o qual não conferiu à requerente melhor posse que a que tinha, pois que o cadeado do inquilino se manteve. Na verdade, a posse adquire-se, entre outros modos, pela prática reiterada, com publicidade, de actos materiais correspondentes ao exercício do direito (art. 1187º, al. a) do CC). Ora, a colocação de um cadeado “por cima” de outro alheio e “esbulhador” não é um daqueles actos materiais e, por isso, não confere nem amplia a posse.
   Há que concluir que a colocação do cadeado por parte da requerente não lhe ampliou a sua posse, apenas perturbou a do inquilino, pelo que o corte do cadeado da requerente não configura acto de esbulho em relação a uma posse que exceda a que é limitada pelo arrendamento. Na verdade, cortar apenas o cadeado da requerente não retira a posse à requerente nem a concede aos requeridos. Foi necessário abrir o cadeado do inquilino, aqui, apenas para efeitos de análise, considerado como “esbulhador”.
  
  A requerente tem arrendado o referido rés-do-chão, uma vez que o contrato não se mostra extinto por qualquer das formas admitidas, designadamente a revogação real por restituição do inquilino, que a requerente alegou mas não logrou provar (art. 1013º e segs. do CC) nem por resolução, a qual só pode ser decretada pelo tribunal (art. 1017º, nº 2 do CC).
  Depois de o inquilino colocar um cadeado e a requerente colocar outro, iniciou-se a actuação dos requeridos. Cortaram o cadeado da requerente e colocaram outros dois, os quais, juntamente com o do inquilino, abrem, com utilização de chaves, para ter acesso ao rés-do-chão.
  
  Retomemos a conclusão a que se chegou que a colocação do cadeado pelo inquilino não configura esbulho da requerente mas um normal acto do âmbito dos poderes do locatário com vista ao gozo da coisa locada.
  Há então que perspectivar a actuação da requerente ao colocar ela o seu cadeado sobre o cadeado não “esbulhador” do inquilino.
  Este acto da requerente, na medida em que impede o gozo do locado ao inquilino configura um claro acto de esbulho da “posse” do inquilino, embora sem que a requerente tenha acesso ao interior do locado sem a participação do inquilino. Porém, porque pacífico e anterior, o esbulho que a requerente praticou vence o dos requeridos.
   Aqui chegados, cabe interpretar a actuação dos requeridos. Porém, dos factos provados, não se sabe se o inquilino consentiu, ou não, na actuação dos requeridos. De todo o modo, no caso de não ter consentido, só ele tem legitimidade para defender a sua posse contra os requeridos, não podendo a requerente fazê-lo. Repete-se que a requerente não está a defender o seu direito de propriedade, que aqui não pode tomar-se por demonstrado. O que se provou sumariamente foi que os requeridos cortaram o cadeado que havia sido colocado pela requerente e abriram com chaves os que eles próprios colocaram e o que havia colocado o inquilino.
  Temos, pois, que os requeridos, com a sua actuação, impedem a requerente de exercer os poderes de facto sobre o locado que a sua posse lhe confere (com o limite de facultar ao inquilino o gozo da coisa). Temos, pois, que a actuação dos requeridos configura esbulho da posse da requerente. Dado que a posse só se extingue decorrido um ano sobre o esbulho, o que ocorre na situação dos autos é um conflito de posses entre o inquilino, a requerente e os requeridos. E tal conflito resolve-se a favor de quem tiver melhor posse, in caso, a que não foi constituída com violência e, entre estas, a mais antiga (arts. 1201º, nºs 2 e 3, 1204º do CC.). Mas o inquilino não está aqui a defender a sua posse, pelo que o conflito a considerar é apenas entre as posses da requerente e dos requeridos.
  
  Quanto à violência.
  É unânime a opinião que a violência do esbulho a que se reporta o art. 1204º do CC e o art. 338º do CPC. tanto pode ser exercida sobre pessoas como sobre coisas e pode consistir no uso da força física.
  No caso dos autos, provou-se que os requeridos cortaram o cadeado que a requerente colocara a impedir a abertura da porta do rés-do-chão aqui em litígio. Cortar o cadeado configura a sua inutilização rompendo a sua integridade física que lhe assegura as funções que desempenha. E isso constitui violência sobre coisas.
  
  Temos, pois, que os requeridos esbulharam com violência a posse da requerente.
  
  Dispõe o artº 338º do C.P.C. que “No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”. E o artº 339º do mesmo código dispõe que se se “reconhecer... que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente”, ordenar-se-á a restituição.
  
  Do que ficou exposto, cabe concluir que ficaram demonstrados os pressupostos de procedência do presente procedimento cautelar, que a requerente tinha posse e dela foi esbulhada com violência pelos requeridos, razão por que lha devem restituir provisoriamente até que se decida em definitivo quem nela deve ser mantido. Porém, esta restituição não poderá ser de ordem a restituir à requerente mais que a posse que tinha (limitada pelo arrendamento), devendo a requerente facultar ao inquilino o gozo da coisa locada caso este lho requeira após a restituição da posse.
*
  Pelo exposto, decide-se ordenar a restituição provisória da posse sobre o imóvel identificado no requerimento inicial à requerente.
  
  Custas a cargo da requerente, mas a atender na acção principal caso não haja oposição (artº 382º do CPC).
  
  Registe e notifique.

Efectuada a restituição temporária nos termos ordenada nessa decisão, o Exmº Juiz titular do processo ordenou a notificação dos requeridos nos termos e para efeitos do disposto nos artºs 330º/5 e 337º do CPC.

Notificados os requeridos C, F, B – Sociedade Limitada, e D e E, da decisão que determinou a restituição provisória da posse, vieram os requeridos C e F recorrer da decisão, concluindo e pedindo que:

IV. CONCLUSÕES
A. Mesmo dando como verdadeiros os factos julgados sumariamente provados o que os Requerentes, sem conceder, equacionam por ser esse o âmbito legal do presente recurso -, não se encontram preenchidos os pressupostos de facto e de direito para que possa ser deferida à Requerente a restituição da posse sobr o Imóvel dos Autos.
B. A Requerente deu o Imóvel dos Autos de arrendamento a um terceiro, seu inquilino, não sendo, portanto, a titular da posse directa que o presente procedimento pretende acautelar.
C. Enquanto senhoria do Imóvel dos Autos, a Requerente mantém na sua esfera jurídica um complexo limitado de direitos sobre o mesmo, designadamente o direito de exame e de execução de reparações urgentes, o direito de impedir obras ou modificações no aludido Imóvel e o direito de o reivindicar de qualquer terceiro.
D. A Requerente apenas pode reclamar para sobre o Imóvel dos Autos o exercício destes direitos, na qualidade de senhoria, não podendo reclamar para si a posse do mesmo, que pertence ao seu inquilino.
E. O facto de vários terceiros terem acesso ao Imóvel dos Autos sem o conhecimento ou consentimento da Requerente não é idóneo para violar qualquer dos seus direitos, enquanto senhoria.
F. O facto de terem sido desenvolvidas obras de decoração no Imóvel dos Autos também não significa uma violação dos seus direitos enquanto senhoria. Não está quem mandou realizar tais obras, logo, deverá presumir-se que foram realizadas por conta do possuidor do Imóvel dos Autos, o inquilino da Requerente, que, nos termos do artigo 987.º do Código Civil, tem uma margem (ainda que reduzida) de liberdade para reàlização obras de no locado.
G. Também não está provado que a Requerente, enquanto senhoria, tenha notificado ou, de qualquer outra forma, interpelado o seu inquilino para que este mandasse parar quaisquer obras eventualmente não autorizadas.
H. Assim, e não tendo o aludido inquilino da Requerente sido, sequer, demandado, não está demonstrado que tais obras consubstanciem uma violação de quaisquer direitos da Requerente.
I. Quanto ao facto de estar sumariamente provado que o 5.º Requerido, F, cortou um cadeado colocado pela Requerente no Imóvel dos Autos, o mesmo é igualmente inconclusivo. Considerando que a Requerente não logrou provar por conta de quem o 5.º Requerido praticou tal acto, deve equacionar-se a possibilidade de o ter feito por conta do inquilino da Requerente, auxiliando-o na defesa da respectiva posse, que prefere à da Requerente.
J. A Requerente não alegou (nem, logicamente, provou) que tenha requerido ao seu inquilino o exame do Imóvel dos Autos (ou o exercício de outro direito) e lhe tenham sido apresentados quaisquer obstáculos.
K. Não tendo ficado provado que à Requerente alguma vez tivesse negado o exercício de algum dos seus direitos enquanto senhoria do Imóvel dos Autos, não pode considerar-se que tenha ocorrido um esbulho dos mesmos.
L. Assim, não está provado que o acto do 5.º Requerido (ou qualquer acto dos Requeridos) tenha levantado um obstáculo efectivo ao exercício da posse (limitada) da Requerente sobre o Imóvel dos Autos.
M. Faltando o esbulho de qualquer direito da Requerente, não pode apreciar-se se o mesmo foi, ou não violento.
N. Ainda que, em abstracto, o acto de cortar um cadeado possa ser consubstanciar a violência a que se refere o artigo 338.º do CPC, esse acto não poderá ser considerado violento quando seja praticado por conta ou no interesse do detentor da melhor posse sobre o Imóvel. ln casu, se o 5.º Requerido cortou o cadeado da Requerente por conta, no interesse ou com o consentimento do inquilino desta (cenário que a factualidade provada, por motivos exclusivamente imputáveis à Requerente, não afasta), então esse acto é legítimo e inatacável, nos mesmos termos em que o seria se tivesse sido praticado pelo aludido inquilino.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo, em consequência, revogada a douta decisão de fls. 813 a 837, ora recorrida, por violação do artigo 338.º do CPC, e substituída por outra que indefira o presente procedimento cautelar,
assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA!


Ao passo que os requeridos B – Sociedade Limitada, D e E, deduziram oposição, impugnando alguns segmentos da matéria de facto dada sumariamente provada na decisão e apresentando para o efeito provas testemunhais e documentais.

Por despacho de 06FEV2014 do Exmº Juiz titular do processo, lançado a fls. 1079 dos autos, foi admitida a oposição deduzida pelos requeridos B – Sociedade Limitada, D e E e determinada a realização em 18FEV2014 da audiência para a inquirição das testemunhas arroladas pelos oponentes.

Cumprido o contraditório e produzidas na audiência as provas testemunhais e examinadas as documentais, foi proferida a seguinte decisão em 12MAR2014 mantendo a providência cautelar de restituição provisória de posse:

1) 案件敍述:
  聲請人A針對
  第一被聲請人B有限公司、
  第二被聲請人C、
  第三被聲請人D、
  第四被聲請人E,及
  第五被聲請人F提起本臨時返還占有案。
*
  聲請人的事實及法律理據載於卷宗第2至36頁的最初聲請狀,當中內容在此視為全部轉錄。
*
  根據載於卷宗第813至837頁在2013年12月12日作出的判決,本院在未經聽取被聲請人陳述的情況下命令採取占有之臨時返還的保全措施。
*
  在進行保全措施後,根據«民事訴訟法典»第330條第5款結合第337條之規定對被聲請人作出傳喚。
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  第二及第五被聲請人針對命令採取保全措施的判決向中級法院提起上訴。
*
  第一、第三及第四被聲請人根據«民事訴訟法典»第333條第1款b)項之規定,提交了載於第1010至1045頁之申辯。
*
  根據«民事訴訟法典»第331條的規定進行了最後聽證。
***
2) 訴訟前提:
  本院對此案有管轄權。
  本案訴訟形式恰當及有效。
  訴訟雙方具有當事人能力及正當性。
  不存在待解決之無效、抗辯或其他先決問題。
***
3) 事實部份:
  本院認定以下事實:
1. A acção de despejo que foi movida contra a Requerente por, entre outros, os ora Requeridos D e B — Sociedade Limitada foi intentada em 28 de Setembro e distribuída em 4 de Outubro de 2012, ao passo que a acção de usucapião sob o n.º CV3-12-0087-CAO foi intentada pela Requerente em 5 de Novembro de 2012.
2. A Requerente, até ao ano 2007, sempre pagou uma quantia mensal à Associação B, relativamente ao n.º XX da Rua da XX.
3. Em 2001, os corpos gerentes da Associação B constituíram a sociedade comercial B — Sociedade Limitada (a “B”), ora Requerida.
4. A B pagou a Contribuição Predial do prédio n.º XXº da Rua de XX relativamente aos anos de 2006, 2010, 2011 e 2012, respectivamente em 23/07/2007, 27/07/2011, 30/07/2012 e 25/06/2013.
5. No dia 13 de Julho de 2007, a Requerente dirigiu a carta a fls. 1060 a 1062 dos autos (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) aos representantes da “B”, e em anexo à mesma carta, foram juntos os documentos a fls. 1621 a 1628 dos autos.
6. Nessa carta, a Requerente intitula-se de “二房東” e solicita que a B promova obras de recuperação nos n.os 13, 15 e 17 do Pátio da XX, afectados por um incêndio em 15 de Julho de 2006.
7. Em anexo a mesma carta, a própria Requerente junta uma comunicação da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, datada de 1 de Março de 2007, que reconhece à Requerente a qualidade de arrendatária dos n.os XX, XX e XX do Pátio da XX.
8. Em 2007, a Requerente deixou de pagar as quantias mensais que pagavam a “B”.
9. A Requerente efectuou o último pagamento em 27 de Abril de 2007.
10. No decurso do ano de 2012, G e “B” acordaram a celebração dum contrato de arrendamento do aludido imóvel — cfr. contrato de arrendamento de 7 de Junho de 2012.
11. Assim, desde 7 de Junho de 2012 que G paga à B as rendas devidas pela utilização do Imóvel dos Autos.
12. Em 04 de Novembro de 2013, conforme solicitação de G, foi celebrado um acordo para a revogação de tal arrendamento.
13. G entregou o imóvel n.º XX da Rua de XX à “B”.
14. Foi G quem entregou à B as chaves dos cadeados que aquele tinha colocado grade exterior da loja sita no n.º XX da Rua de XX.
15. Pelo menos desde Junho de 2012 a Requerente não recebe qualquer renda referente ao imóvel n.º XX da Rua de XX.
16. Relativamente ao Facto Provado n.º 40º da Sentença de 12/12/2013, quando o Requerido E entrou no Imóvel dos Autos, no dia 04 de Novembro de 2013, fê-lo munido das chaves que haviam sido entregues por G.
  ***
  法庭根據卷宗內的書證及證人證言,在本保全程序中,認為有跡象認定以上事實。
  具體而言,透過聲請人的當事人陳述,以及證人M的證言,足以認定聲請人一方在2007年以前的確一直每月有一筆款項交予“B”。然而,本院無法認定有關款項屬於租金。
  聲請人否認有關款項名義為租金。相對而言,證人M表示一直以來其替“B”工作,從各不動產佔用人收取的款項一直是以租金名義收取,而並非如聲請人所指般屬於街坊會的互助或慈善基金供款。
  誠然,本案所涉及的事實問題年代久遠,且物業登記對於涉案不動產的所有權歸屬並不清晰。雖然證人M長期替“B”工作,但對於上述每月由聲請人提交的款項在法律上或事實上的真正性質,法院認為該證人的證言並非至關重要。
  本院認為,倘若我們要認定有關款項乃租金,那麼必然會存在出租人及租賃關係。然而,本案沒有足夠證據證明誰為出租人(尤其是“B”)、租賃關係何時訂立、以何條件訂立、誰為最原始的承租人,也無證據顯示“B”在幾十年前受一批業主所委託而管理該區大批的不動產(那些所謂的委託“B”管理物業的業主的身份在本案中亦充滿疑問)。在此基礎下,聲請人與“B”間存在租賃關係的說法較為脆弱。
  其次,結合兩方提供的證人證言,本院相信聲請人一方自其祖父一輩已開始使用涉案的65號不動產,且G的祖父一輩及G亦在一段長時間內為聲請人一方的承租人。
  平心而論,考慮到聲請人長期使用單位並能夠長期將之出租予他人使用,而其管領在一段長時間內未曾受到他人質疑的情況下,本院傾向否定聲請人一方只是承租人的說法。
  為了支持租賃關係的存在,被聲請方提交了卷宗第1060至1062頁由聲請人簽署的信件,當中聲請人曾以“二房東”自居。在作出當事人陳述時,聲請人解釋,信內提及的“B”為舊有之“B”,並非B有限公司(第一被聲請人);至於其以“二房東”自稱的原因,是因為考慮到自2006年發生有關火警後,“B”之人員遲遲不肯應其要求出來會面商討解決維修問題,故其認為事態嚴重且自己不認識法律,所以打算在信內自稱“二房東”,以求相約對方商討有關情況。聲請人尚表示,其自稱“二房東”是因為對方一直表示收取的是租金,以及自稱為業主,故聲請人認為只要配合對方承認自己為“二房東”就能夠相約對方前來處理有關維修事情。
  表面上看來聲請人的說法牽強。但本院認為上述信件及聲請人在2007年期間向“B”繳交的“租金”,尚不足以認定租賃關係的存在。首先,本案的證據反映雙方之間的爭論在時間上的確是隨2006年的火警而出現。其次,細心閱讀聲請人提交的信件,其雖以“二房東”自稱,但當中亦不難發現其對“B”以業權人的名義收租的質疑及保留,例如,信中曾提及“……提醒他們既然自稱乃上述樓宇的業權人,聲稱有權以業權人的名義收租,便應履行業權人的責任,替該些他們聲稱屬於他們名下的物業……”,以及“本人身為奉公守法的公民,有責任查找出並將租金交予真正願意承擔責任的業權人”。
  綜合上述兩個因素,考慮到2006年發生的火警而引起的維修問題,以及被聲請方只能出示2006年以後的“租金”單據(即雙方發生爭執之後)而被聲請方聲稱一直以來存在的已維持數十多年的租賃關係相關的證明文件卻完全欠奉,本院對於該筆款項是“租金”的講法確有重大疑問。
  被聲請方提供的書證亦無法直接證明聲請人與“B”之間有租賃關係。另一方面,卷宗內並無任何一張書面的租約以證明“B”與其聲稱存在的眾多租客訂立租賃關係以供參考。
  最終,在面對“B”收取的是租金,又或“B”是以該區互助會的名義而收取一定數量的款項,並提供保安、清潔、物業維修及管理服務的兩個明顯對立的事實版本時,縱然本保全程序內現存的證據無法完全排除兩種說法的其中之一,但在權衡所有證據的價值後,尤其考慮上述理由,本院不能認定聲請人向他人承租有關的65號物業,又或其在2007年以前向“B”所交的是租金等的事實。
  本案另一爭議點涉及聲請人與證人G之間的租賃關係。聲請人提供的證人及證人G均足以證明雙方的租賃關係自兩方的祖父一輩已開始,該關係是長久以來的。換言之,可以合理預期的是,證人G不會貿貿然在2012年6月,在未有謹慎地了解到底誰為真正有權出租單位的人以前,便立刻在毫無先兆的情況下,立刻轉為與“B”建立租賃關係,並斷然否定與其已有數十年租賃關係的聲請人。
  雖然如此,但卷宗確附有一份聲稱在2012年6月簽署的租賃合同,以及證人G力證其與“B”訂立的租賃關係的真實性,即使存在值得懷疑之處,但在無法否定書面合同的情況下,本院仍認定上述事實第10至12條。
  至於申辯狀第43至45條的事實,即聲請人是否知悉及容忍G與“B”間的關係的問題,本院不能認定聲請人在2013年6月以前已知悉有關問題。
  本院認為聲請人首兩名證人的證言可信,並採納該兩名證人的證言:證人G只曾在2013年6月至7月份向聲請人一方表示其已與“B”簽署“契約”,故不會將不動產交還予聲請人。
  由此可以顯示,在2013年6月至7月份以前,該2012年6月訂立的租賃關係一直未曾外顯或對外(尤其向聲稱人)宣示。
  再者,雖然聲請人一直知悉G沒有交租的事實,但透過分析卷宗第1530至1577頁由聲請人一方交予證人G的通知信顯示,聲稱人一方不斷向G表示“B”非單位的所有人,並要求G繳交尚欠的租金。
  本院相信聲請人確實不知道證人G是否已與“B”達成任何協議,否則聲請人絕不會一直等待至2013年9月27日才在65號物業門外裝上自己的鐵鏈。
  實際上,本院相信聲請人在2012年至2013年6月份以前不過視證人G為租客欠繳租金,但從未得知證人G已轉為承認“B”的權利,並改為向“B”交租,從而否定聲請人的權利。
  申辯狀第85至86條亦未能獲得證實,本院認為本案沒有足夠具說服力的證據證明與事件有利害關係的被聲請方與聲請人所放置的鎖被除去一事沒有關聯,又或他們僅僅是在G許可下除去該鎖。
  申辯狀第112至118條的事實亦未能獲得證實。被聲請方最有力的證據是證人M的證言,然而,雖然其在約1980年開始為“B”工作,但從其擔任的職務及從“B”成立的年代更為久遠兩個方面作考慮,該證人的證言不足以證明有關事實。更何況,有關事實的證明單憑證人證言難以證明,在缺乏穩妥書證的情況下,有關事實不能成立。
  其餘在卷宗第813至837頁判決書中的事實,除了與上述事實有所矛盾的部份,其均沒有被變動。
  申辯狀內其餘的事實因沒有足夠證據而未能獲得證實。此外,申辯狀內的結論性、法律性陳述或無重要性的事實陳述也沒有獲得證實。
***
4) 法律適用:
  法庭必須適用已獲證明的事實,以處理當事人間的爭端。
  - 訴權失效的問題:
  三名被聲請人提出失效的問題,其認為根據«民法典»第1207條的規定,聲請人沒有在一年內提出占有返還的聲請,即使其過往確有占有,但其權利已失效。
  三名被聲請人主張,至少至2012年6月7日起,由於聲請人的租客G轉為與“B”訂立另一租賃關係並將租金交予後者,即聲請人在該日起其對單位的權利已被否定,但聲請人卻在知情的情況下不作任何行動,基於其怠慢,其提出本保全措施的權利已於2013年6月7日失效。
  首先,本院認為聲請人的占有並未在2012年6月份失去。實際上,雖然G與“B”訂立另一租賃關係,但在聲請人從未被告知該事實,亦未得知G將租金交予“B”的情況下,對聲請人而言,G沒有向其交租的事實只可以視為是G對租賃合同的不履行,但聲請人對65號不動產的占有卻未見得如何被人侵奪。
  簡而言之,G與“B”私下間的協議並不開始計算有關失效期間,只有當聲請人知悉其原有的租客轉為否定其對不動產的權利,並轉而承認他人為不動產的權利人之時,有關失效期間方會根據«民法典»第1186條及1207條第2款的規定開始計算。
  基於上述理由,由於申辯狀第43至45條的事實不獲證實,本院裁定被聲請人的抗辯理由不成立。
*
  - 聲請人的占有:
  三名被聲請人主張聲請人僅為第67號不動產的租客,並同時佔用第65及65-A不動產,故此聲請人並非第65號不動產的占有人。
  就三名被聲請人稱聲請人為單純租客,並不具有第65號不動產占有的相關事實,該等事實不能獲得證實,故三名被聲請人此部份的理由不能成立。
  根據第813至837頁判決中所認定的事實,以及現在所能認定的事實,本院認為無條件變更第813至837頁判決中所作的事實方面的認定,即聲請人為有關第65號不動產的占有人。
*
  - 侵奪行為:
  三名被聲請人表示,由於該單位是G向其交還的,且有關不動產門外由聲請人於2013年9月27日放置的鎖是在G的同意下移除,故不存在對聲請人的占有的侵奪。
  透過本案的所有已證事實,本院難以認同三名被聲請人的理解。
  如上所言,聲請人為有關不動產的占有人。
  即使曾存在租賃關係,承租人G對單位的享益的限度僅限於其承租人身份所可以享受的限度。
  故此,如果承租人G承認聲請人的身份,則被聲請人的行為不單侵奪聲請人的占有,亦同時妨害承租人對單位的享益。
  相反,恰如本案的承租人G,其否定聲請人的身份,並將單位轉為交付予被聲請人。基於此,不單止被聲請人的行為,G將單位交付予被聲請人的行為,均是對聲請人占有的挑戰及侵奪。
  承租人G既然否定聲請人作為不動產合法權利人的身份,其不再可以以承租人的身份對抗聲請人。因為其否定聲請人的身份,等同於一併否定其本人與聲請人之間的租賃合同的有效性。
  事實上,不可能同一時間既接受G與聲請人訂立租賃合同而享益單位,而又同時接受G可以因為租賃之故,而有權將單位的占有返還予其認為真正是單位所有人的“B”。
  綜上所述,被聲請人一方,作為聲請人及G租賃關係以外的第三者,其對65號物業作出的行為,必須定性為侵奪行為。
  對於G及各個被聲請人的行為,本院認為基於G否定聲請人的權利,並試圖將單位的占有返還予“B”,G已不能主張其因與聲請人一方有承租關係而受到保護,故此,根據«民法典»第1202條,聲請人有權以自力救濟方式保持其占有。而其於2013年9月份對不動產加上鐵鎖及放置字條等行為,目的是旨在維護其占有。
*
  - 暴力:
  就此要件,本院認為綜合分析所有已證事實,無條件變更第813至837頁判決中所作的法律認定。事實上,本院認同對物件作出的行為也可以構成暴力的要件的成立。
*
  綜合上述所有理由,經聽取三名被聲請人所提出的理由後,本院認為不存在條件變更第813至837頁判決中已裁定的保全措施。
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5) 裁決:
  綜上所述,本院判處三名被聲請人的申辯不成立,並完全維持第813至837頁判決中已裁定的保全措施。
  訴訟費用由三名被聲請人負擔。
  著令通知及登錄本判決。

Não se conformando com essa decisão, vieram os requeridos B – Sociedade Limitada, D e E recorrer dela para este Tribunal, concluindo e pedindo que:

A. A Requerente, mesmo na sua própria tese, abriu mão da detenção do Imóvel dos Autos a favor de G (G), seu putativo inquilino, pelo que o seu pedido de "restituição e reinvestidura da requerente na posse do rés-da-chão do n.º XX da Rua da XX" sempre seria necessariamente improcedente, sob pena de deferir à Requerente uma posse melhor do que aquela de que anteriormente gozava.
B. O douto Tribunal a quo, porém, entendeu que o senhorio mantém na sua esfera jurídica um complexo de direitos sobre o locado, como sejam o direito de exame da coisa e de execução de reparações urgentes (cfr. artigo 983.º do Código Civil), o direito de impedir obras ou modificações na coisa e o direito de reivindicar a coisa de qualquer terceiro. São apenas estes os direitos que, em teoria, a Requerente, demonstrando a sua qualidade de senhoria, poderia exercer e, consequentemente, poderiam ser objecto de esbulho violento.
C. Porém, atenta a prova, documental e testemunhal produzida nos autos, o douto Tribunal a quo deveria ter julgado como não provada a alegada posse da Requerente sobre o Imóvel dos Autos, a título de proprietária.
D. No entanto, desde logo, o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova testemunhal produzida em sede de inquirição e audiência final quanto à alegada posse da Requerente, cuja reapreciação ora se requer.
E. Considerando o depoimento da testemunha da Requerente N (filha da Requerente), o depoimento de parte da Requerente, o depoimento da testemunha dos Requerentes M e o depoimento da testemunha dos Requerentes G, maxime, nos excertos transcritos nestas alegações, ficou demonstrado que a Requerente não é proprietária do Imóvel dos Autos, não tendo qualquer direito sobre o mesmo que mereça a tutela que lhe foi deferida ao abrigo do presente procedimento cautelar. Consequentemente, a decisão do douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto deve ser alterada e, nessa sequência:
i. o facto n.º 3 julgado sumariamente provado na douta decisão ora recorrida deverá passar a ter a seguinte redacção: "A Requerente, até ao ano 2007, sempre pagou uma renda mensal à Associação B, relativamente ao n.º XX da Rua da XX." (destaque nosso);
ii. o facto n.º 8 julgado sumariamente provado na douta decisão ora recorrida deverá passar a ter a seguinte redacção: "Em 2007, a Requerente deixou de pagar as rendas mensais que pagava à "B"." (destaque nosso);
iii. deverá ser julgado sumariamente provado o facto alegado no artigo 17.º da oposição: "Tal como os seus antepassados, que tomaram de arrendamento o n.º XX da Rua da XX, ainda que por contrato verbal, a Requerente sempre foi arrendatária desse imóvel."; e
iv. deverão ser julgados não provados os factos n.os 1, 2, 3, 8 (não se podendo julgar provado, neste conspecto, mais do que uma sublocação), 34, 35 e 83, julgados sumariamente provados na douta decisão de fls. 813 a 837, infirmados que foram pela prova testemunhal produzida em sede de inquirição e de audiência final.
F. Acresce que, o documento de fls. 1060 a 1062 dos autos é uma carta assinada pela Requerente e dirigida à B (a este propósito, e apesar da profusa confusão da Requerente sobre a origem da Requerida B, está sumariamente provado que "Em 2001, os corpos gerentes da Associação B constituíram a sociedade comercial B – Sociedade Limitada (a "B"), ora Requerida"), na qual esta se intitula de "principal arrendatária" de um Bloco XX que inclui o Imóvel dos Autos. Na estrita medida em que aí se refere que a Requerente não é proprietária do Imóvel dos Autos, essa carta, que constitui um documento particular dirigido pela Requerente a uma Requerida, é uma confissão extrajudicial que goza de força probatória plena. Não tendo a Requerida logrado fazer prova do seu contrário, a douta decisão ora em crise deveria, nos termos do número 2 do artigo 351.º do CC, ter julgado provado que a Requerente é a "principal arrendatária" do Imóvel dos Autos.
G. Pelo exposto, no que toca à questão da alegada posse da Requerente sobre o Imóvel dos Autos, o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova testemunhal produzida em sede de inquirição e audiência final, que deve ser reapreciada pelo douto Tribunal ad quem, com as consequências elencadas supra, e, por outro, a douta decisão recorrida a douta decisão recorrida viola o número 2 do artigo 351.º e, ao deferir a providência cautelar requerida sem que se verifique a existência de esbulho, viola, salvo o respeito devido por opinião diversa, o artigo 338.º do CPC, devendo ser revogada e substituída por outra que, alterando a decisão sobre a matéria de facto, indefira o presente procedimento cautelar.
H. Ainda que a Requerente fosse senhoria do Imóvel dos Autos, o que não ficou demonstrado e não se concede, equacionando-se nesta sede por mera cautela de patrocínio, esta teria que ter alegado e provado a violação de algum dos direitos elencados supra – o direito de exame da coisa e de execução de reparações urgentes (cfr. artigo 983.º do Código Civil), o direito de impedir obras ou modificações na coisa e o direito de reivindicar a coisa de qualquer terceiro –, o que, manifestamente, não fez. A Requerente não alegou nem provou ter notificado G para lhe permitir o acesso ao Imóvel dos Autos ou para executar ou suspender quaisquer obras no mesmo, assim como não provou ter notificado terceiros para lhe restituírem a posse desse imóvel.
I. Não está demonstrado nos autos que G ou qualquer dos Requeridos tenham negado à Requerente o exercício de qualquer direito a título de senhoria (qualidade que, reitera-se, não lhe é reconhecida pelos Requeridos).
J. A douta decisão de fls. 813 a 837 julgou sumariamente provado que o 5.º Requerido, F, cortou um cadeado colocado no Imóvel dos Autos pela Requerente
K. No entanto, o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova testemunhal produzida em sede de inquirição e audiência final quanto ao alegado esbulho, cuja reapreciação ora se requer.
L. Considerando o depoimento da testemunha dos Requeridos G e da testemunha (e empregado) da Requerente, O, maxime, nos excertos transcritos nestas alegações, ficou demonstrado que o 5.º Requerido, F, retirou o aludido cadeado que a Requerente havia colocado no Imóvel dos Autos sob instruções e na presença de G. Consequentemente, a decisão do douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto deve ser alterada e, nessa sequência:
i. deverá ser julgado sumariamente provado o facto alegado no artigo 85.º da oposição: "Quem mandou cortar o cadeado que a Requerente colocou no Imóvel dos Autos foi G.";
ii. o facto n.º 37.º julgado sumariamente provado na douta decisão na decisão de fls. 813 a 837 deverá passar a ter a seguinte redacção: "Posteriormente, em 19 de Outubro de 2013, pelas 16:00, o 5.º requerido e G dirigiram-se ao n.º 65.º ." (destaque nosso);
iii. o facto n.º 38.º julgado sumariamente provado na douta decisão na decisão de fls. 813 a 837 deverá passar a ter a seguinte redacção: "Aí chegados, o 5.° requerido, Sr. F, cortou o cadeado que em 27 de Setembro de 2013 a requerente: havia colocado na porta do n.º 65.º, conforme instruções de G." (destaque nosso);
iv. o facto n.º 39.º julgado sumariamente provado na douta decisão na decisão de fls. 813 a 837 deverá passar a ter a seguinte redacção: "Seguidamente, o 5.º requerido e G colocaram dois cadeados com correntes na porta do n.º 65.º, impedindo e vedando o acesso ao n.º 65.º ." (destaque nosso);
v. deverá ser julgado não provado o facto n.º 61 julgado sumariamente provado na douta decisão de fls. 813 a 837, infirmado que foi pela prova testemunhal produzida em sede de inquirição e de audiência final; e
vi. o facto n.º 33.º julgado sumariamente provado na douta decisão na decisão de fls. 813 a 837 deverá passar a ter a seguinte redacção: "O Sr. G fechou a porta da loja e colocou-lhe um cadeado exterior, não entregando à requerente qualquer cópia de ambas as chaves.".
M. Pelo exposto, no que toca ao alegado esbulho, o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova testemunhal produzida em sede de inquirição e audiência final, que deve ser reapreciada pelo douto Tribunal ad quem, com as consequências elencadas supra, e, por outro lado, a douta decisão recorrida, ao deferir a providência cautelar requerida sem que se verifique a existência de esbulho, viola, salvo o respeito devido por opinião diversa, o artigo 338.º do CPC, devendo ser revogada e substituída por outra que, alterando a decisão sobre a matéria de facto, indefira o presente procedimento cautelar.
N. Faltando o esbulho de qualquer direito da Requerente, não pode apreciar-se se o mesmo foi, ou não violento. Ainda que, em abstracto, o acto de cortar um cadeado possa ser consubstanciar a violência a que se refere o artigo 338.º do CPC, esse acto não poderá ser considerado violento quando seja praticado por conta ou no interesse do detentor da melhor posse sobre o Imóvel. ln casu, se o 5.º Requerido cortou o cadeado da Requerente por conta, no interesse ou com o consentimento de G, esse acto é legítimo e inatacável, nos mesmos termos em que o seria se tivesse sido praticado por G.
O. Salvo o respeito devido por opinião diversa, a douta decisão recorrida, ao decretar a providência cautelar requerida sem estar demonstrada a existência de qualquer violência (por acção, omissão ou comissão) dos Requeridos, viola o artigo 338.º do CPC, acabado de citar, devendo ser revogada e substituída por outra que indefira o presente procedimento cautelar.
P. O douto Tribunal a quo socorreu-se do depoimento de parte da Requerente para formar e justificar a sua convicção, em sentido favorável à mesma, sobre a prova de factos relevantes para os presentes autos. Designadamente, partindo do depoimento de parte da Requerente, o douto Tribunal a quo decidiu não retirar qualquer consequência do facto de a mesma ter enviado à B uma missiva intitulando-se de "principal arrendatária".
Q. Porém, nos termos dos artigos 477.º e seguintes do CPC, a prova por depoimento de parte tem como objectivo obter a confissão de factos por parte do depoente, não podendo a parte depor sobre factos que lhe sejam favoráveis. Acresce que, o douto Tribunal a quo não determinou, como podia, desde que respeitando os princípios processuais da igualdade e cooperação, nos termos do número 1 do artigo 477.º do CPC, a comparência pessoal das partes para prestarem o seu depoimento, nem, nos termos do número 2 do artigo 8.º do CPC, requereu esclarecimentos das partes.
R. Considerando que o depoimento de parte foi requerido pelos Requeridos com respeito a determinados factos alegados na oposição, então, nos termos do número 1 do artigo 485.º do CPC, tal depoimento deveria ter-se circunscrito aos mesmos, estando ao douto Tribunal a quo está vedado, em qualquer caso, apreciar o depoimento de parte da Requerente, excepto na parte em que dele resulte a confissão de um facto que lhe é desfavorável. Ao fazer expressamente essa valoração, o douto Tribunal a quo conheceu de questão que de não podia tomar conhecimento.
S. Também pelos motivos ora expostos, e salvo o respeito devido por opinião diversa, a douta decisão recorrida violou o princípio da igualdade, consagrado no artigo 4.º, bem como o número 2 do artigo 8.º, o número 1 do artigo 477.º e o número 1 do artigo 485.º, todos do CPC, e, tendo o douto Tribunal a quo acabado por conhecer de questão que lhe estava, a sua douta decisão enferma da nulidade prevista na segunda parte da alínea d) do número 1 do artigo 571.º do mesmo diploma.
T. Atenta a prova, documental e testemunhal produzida nos autos, o douto Tribunal a quo deveria ter julgado como provado que, pelo menos desde Outubro de 2012, a Requerente tem conhecimento que G paga à B as rendas devidas pela ocupação do Imóvel dos Autos.
U. Consequentemente, o direito de acção da Requerente caducou em Outubro de 2013, nos termos do artigo 1207.º do CC.
V. No entanto, o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova testemunhal produzida em sede de inquirição e audiência final quanto à excepção de caducidade alegada pelos Requeridos, cuja reapreciação ora se requer.
W. Considerando o depoimento da testemunha (e filho) da Requerente P, o depoimento da testemunha (e filha) da Requerente N e o depoimento da testemunha dos Requeridos G, maxime, nos excertos transcritos nestas alegações, a decisão do douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto deve ser alterada e:
i. na sequência do facto alegado no artigo 43.º da oposição, deverá ser julgado sumariamente provado que: "Desde, pelo menos, Outubro de 2012 que a Requerente sabe que G paga à B as rendas devidas pela ocupação do Imóvel dos Autos.";
ii. na sequência do facto alegado no artigo 44.º da oposição, deverá ser julgado sumariamente provado que: "Desde, pelo menos, Outubro de 2012 que à Requerente é negado o exercício de qualquer direito sobre o Imóvel dos Autos."; e
iii. na sequência do facto alegado no artigo 45.º da oposição, deverá ser julgado sumariamente provado que: "Desde, pelo menos, Outubro de 2012 que a Requerente conhece e se conforma com essa situação.".
X. Pelo exposto, no que toca à excepção de caducidade, por um lado, o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova testemunhal produzida em sede de inquirição e audiência final, que deve ser reapreciada pelo douto Tribunal ad quem, com as consequências elencadas supra, e, por outro lado, a douta decisão recorrida, ao indeferir a excepção de caducidade invocada pelos Requeridos, violou o artigo 1207.º do CC.
Y. Não está provado (nem alegado) nos autos nenhum facto que indicie que a Requerente pretendeu, sem sucesso, exercer algum direito sobre o Imóvel dos Autos. Em sentido contrário, está provado que G é o inquilino do Imóvel dos Autos e que entregou o Imóvel dos Autos à B e até que um dos Requeridos, E, entrou no Imóvel dos Autos, no dia 4 de Novembro de 2013, munido das chaves que haviam sido entregues por G. Assim, considerando que o deferimento da presente providência cautelar implica a prova da ocorrência de esbulho violento, o presente procedimento cautelar deveria, necessariamente, ser indeferido, por não provado qualquer esbulho (ou, sequer, violência).
Z. Pelo exposto, salvo o respeito devido, ao decidir deferir uma medida cautelar sem qualquer suporte na matéria de facto julgada sumariamente provada, a douta decisão ora em crise é nula por contradição entre os respectivos fundamentos, designadamente de facto, e decisão, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 571.º do CPC.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo, em consequência, revogada a douta decisão de fls. 1680 a 1685 v., ora recorrida, por ser nula nos termos da alínea c) e da segunda parte da alínea d), ambas do número 1 do artigo 571.º do CPC, por violação do artigo 4.º, do número 2 do artigo 8.º, do artigo 338.º, do número 1 do artigo 477.º e do número 1 do artigo 485.º, todos do mesmo diploma, e por violação do número 2 do artigo 351.º e do artigo 1207.º, ambos do CC, e, consequentemente, substituída por outra que, modificando a decisão sobre a matéria de facto nos termos expostos supra, indefira o presente procedimento cautelar,
assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA!

Notificada das alegações de ambos os recursos, contra-alegou a requerente pugnando pela improcedência dos recursos.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Tendo em conta o alegado no recurso da decisão de 12DEZ2013 que decretou, sem audiência dos requeridos, a restituição provisória da posse e o alegado no recurso da decisão de 12MAR2014 que, cumprido o contraditório, manteve a restituição, assim como a alteração da matéria facto entretanto efectuada após a audição dos requeridos, é de crer que com o conhecimento desse segundo recurso, as questões colocadas naquele primeiro recurso ou ficarão apreciadas ou se tornarão superveniente inócuas.

Assim, passemos a conhecer primeiro desse segundo recurso que manteve a providência após a audição dos requeridos.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

De acordo com o sintetizado nas conclusões do recurso, e tendo em conta os pressupostos de cuja verificação depende a restituição provisória da posse, nos termos estatuídos no artº 338º do CPC, são as seguintes questões que constituem o objecto do presente recurso:

1. Da alegada posse pela requerente;

2. Do esbulho;

3. Da violência; e

4. Da caducidade do direito do meio possessório

Então apreciemos.

Antes de entrarmos na apreciação, convém relembrar os factos que foram sumariamente dados provados na primeira instância.

Na decisão de 12DEZ2013 sem audição dos requeridos:

1.º
  O rés-do-chão do n.º XX da Rua da XX, em Macau, esteve até há alguns meses ocupado por uma loja, sendo sua senhoria a aqui requerente e seu inquilino o Sr. G.
2.º
  O referido n.º 65, bem como o demais bloco urbano correspondente aos n.os XX e XX da Rua da XX e aos n.os XX, XX e XX do Pátio da XX, tem sido utilizado e ocupado pela requerente, e, antes dela, pelos seus antepassados, todos tendo actuado com a convicção de serem os seus legítimos proprietários, desde há já mais de 74 anos, encontrando-se aí instalado o HOTEL H, de que a autora é dona e titular, não fazendo actualmente parte do hotel o rés-do-chão do nº 65 arrendado a G.
3.º
Tal utilização e ocupação relativamente ao indicado bloco urbano ao longo destes anos têm consistido, nomeadamente, nos seguintes actos: hospedar pessoas a troco de dinheiro, obter o devido reconhecimento perante as entidades administrativas, suportar despesas de funcionamento, pagar tributos (impostos, taxas, contribuições, etc), contribuir para o Fundo criado para o bairro conhecido, à altura, como B, assegurar a realização de obras, pagar salários, promover a defesa dos prédios e proceder à cedência do gozo de uma parte mediante contrapartida pecuniária.
4.º
   A requerente intentou uma acção em 5 NOV 2012, que corre os seus termos sob o n.º CV3-12-0087-CAO junto do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, em sede da qual pediu, entre o mais, o reconhecimento judicial da aquisição, por usucapião, de 85,276% do domínio útil do prédio urbano nº 65º e o reconhecimento da mera posse em relação ao domínio útil do mesmo prédio.
5.º
Tal acção, que foi registada na Conservatória do Registo Predial sob a inscrição n.º XXXX0F à descrição n.º XXX4, foi intentada contra 42 Réus, de entre os quais a aqui 1.ª requerida, Sociedade comercial B, e o aqui 3.º requerido, Sr. D.
6.º
O domínio útil referente ao Prédio XX n.º XX, sito na Rua da XX, que confronta do N. com a Travessa da XX, do S com o prédio n.º 63, de L com a referida Rua e de O com o n.º XX da Travessa da XX, está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXX4 do livro BXX e inscrito na matriz predial sob o artigo 1826, tendo o respectivo terreno sido concedido por aforamento.
7.º
O prédio urbano n.º 65 está fisicamente dividido em 2 prédios urbanos, tendo cada um, respectivamente, a denominação policial n.º 65 e n.º 65A.
8.º
  O Arrendamento do rés-do-chão do nº XX da Rua da XX foi inicialmente celebrado na década de 50 entre o avô materno do Sr. G – residente em Macau, na Rua da XX, n.º XX, R/c (澳門XX街XX號R/c) e/ou 宋玉生廣場XX XX樓XX座 - e o pai da requerente, Sr. I, a fim de aquele aí explorar um Café de nome J.
9.º
  Após a morte do avô materno do Sr. G, a renda passou a ser paga directamente ao HOTEL H pela mãe do mesmo Sr. G e, após o óbito desta, o pagamento continuou a ser feito directamente pelo referido Sr. G.
10.º
Desde dia indeterminado, mas por volta de Agosto de 2013, até ao presente, o Sr. G, ou a pessoa a quem este subarrendou a loja do rés-do-chão do nº XX da Rua da XX, que não abrem ao público a loja ali existente.
29.º
O Sr. Q alguns dos seus haveres da loja do rés-do-chão do nº XX da Rua da XX.
30.º
O Sr. G, não devolveu ou entregou o referido rés-do-chão do n.º 65 à requerente.
32.º
O Sr. G fechou a porta da loja e colocou-lhe um cadeado exterior, não entregando à requerente qualquer cópia de ambas as chaves para, desta forma, impedir o seu acesso.
33.º
A par do mero acesso ao rés-do-chão do n.º 65, ficou também a requerente impedida de obter quaisquer rendimentos ou frutos civis do mesmo bem, designadamente através do seu arrendamento.
34.º
Perante tal situação, visando agir em defesa do n.º 65, por si reputado como sua legítima propriedade, e agindo com o animus de defesa da respectiva posse, a requerente colocou em 27 de Setembro de 2013 um outro cadeado na porta do n.º 65.
35.º
Em simultâneo, a requerente colocou também do lado interior da grade da porta do n.º 65 um papel com o seu contacto e a respectiva data e atou ainda ao cadeado da porta um aviso escrito em língua chinesa com o seguinte teor: “Propriedade privada. Proibido o acesso. Os infractores serão responsabilizados” .
36.º
Em 28 de Setembro de 2013, pelas 17:42, o 5.º requerido, Sr. F, dirigiu-se ao n.º 65 e, aí chegado, riscou o aviso escrito pela requerente.
37.º
Posteriormente, em 19 de Outubro de 2013, pelas 16:00, o 5.º requerido e um terceiro homem não identificado, que a requerente crê ser o dono ou um funcionário de uma loja de artigos electrónicos da R. XX - dirigiram-se ao n.º XX.
38.º
Aí chegados, o 5.º requerido, Sr. F, cortou o cadeado que em 27 de Setembro de 2013 a requerente havia colocado na porta do n.º 65.
39.º
Seguidamente, o 5.º requerido e o terceiro indivíduo não identificado colocaram dois cadeados com correntes na porta do n.º 65, impedindo e vedando o acesso ao n.º 65.
40.º
Em 4 de Novembro de 2013, pelas 20:02, o 4.º requerido, Sr. E, e três indivíduos não identificados – seguidamente designados por indivíduos A, B e C - deslocaram-se ao n.º 65, tendo o 4.º requerido aberto com as chaves que trazia consigo os cadeados instalados na respectiva porta.
41.º
Seguidamente, tanto o 4.º requerido como os indivíduos B e C entraram para dentro do n.º 65, entrando posteriormente o indivíduo A, todos permanecendo no interior do n.º 65 por cerca de 10 minutos.
42.º
À saída, a porta foi fechada com os mesmos cadeados e correntes, permanecendo impedido e vedado o acesso ao n.º 65.
43.º
Em 5 de Novembro de 2013, pelas 19:04, o 5.º requerido, Sr. F, parou a sua bicicleta em frente ao n.º 65 e dirigiu-se à respectiva porta a fim de a fechar completamente.
44.º
Em 6 de Novembro de 2013, pelas 16:11, os indivíduos A e B e ainda um terceiro indivíduo não identificado – que se designará doravante por indivíduo D - deslocaram-se ao n.º 65, tendo aberto com as chaves que traziam consigo os cadeados instalados na respectiva porta e entrado no espaço.
45.º
Tendo a requerente acedido ao interior do local, pediu a identificação dos três indivíduos – que traziam e empunhavam 2 lanternas - e perante a recusa destes em o fazer, solicitou a dois agentes da P.S.P. que passavam pela Rua da XX que procedessem à identificação dos mesmos na esquadra.
46.º
Os mencionados agentes concordaram e solicitaram aos mesmos indivíduos que fossem ao 1.º Comissariado Policial da P.S.P., sito na Calçada do XX, para aí serem identificados.
47.º
Aí chegados, os indivíduos A e D bem como o C - este entretanto aí chegado -, foram identificados pela P.S.P., identificações e contactos vertidos para um Relatório, datado de 6.11.2013, a que foi atribuído o n.º 8716/2013/C1.
48.º
Em 7 de Novembro de 2013, pelas 17:46, os indivíduos A e D bem como duas outras pessoas não identificadas – que se designarão por indivíduo E e indivíduo F -, deslocaram-se ao n.º 65, tendo aberto com as chaves que traziam consigo os cadeados instalados na respectiva porta e entrado no espaço.
49.º
  Estando lá dentro, os indivíduos A, D, E e F ligaram a luz e, recusando-se sempre a identificar-se, disseram à requerente, que estavam a proceder a “renovações” dentro do n.º 65.
50.º
  Os mesmos os indivíduos A, D, E e F permaneceram dentro do n.º 65 até cerca das 18:19, momento em que saíram todos e fecharam a porta com os mesmos cadeados e correntes, permanecendo impedido e vedado o acesso ao n.º 65.
51.º
Em 12 de Novembro de 2013, pelas 15:00, a requerente constatou que duas pessoas não identificadas – que se designarão por indivíduo G e indivíduo H -, estavam dentro do n.º 65.
52.º
A requerente constatou que os indicados indivíduos G e H estavam a desenvolver trabalhos e obras de construção civil, designadamente picando e descamando as paredes e o chão, removendo o tecto falso, mexendo na estrutura das vigas de madeira do tecto, de tudo resultando grande volume de entulho, detritos, madeiras e lixo variado, tudo transportado por um camião, pelas 16:27.
53.º
Entretanto, chegaram e entraram também no n.º 65 o indivíduo A bem como uma outra pessoa não identificada – que se designará por indivíduo I.
54.º
Instados a responder a mando de quem estavam a desenvolver os referidos trabalhos e obras, recusaram-se a indicar quem fosse tal mandante.
55.º
Relativamente a tais trabalhos e obras de construção civil dentro do n.º 65, a aqui requerente promoveu logo em 12 de Novembro de 2013, através dos seus advogados, o seu embargo extrajudicial tendo já requerido, entretanto, a respectiva ratificação judicial, tudo nos termos e ao abrigo do artigo 356.º e seguintes do C.P.C., tendo igualmente participado para os devidos efeitos tal situação junto do Instituto Cultural bem como da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
56.º
Em 13 de Novembro de 2013, desde cerca das 08:47 até cerca das 18:18, acederam e entraram no n.º 65 pelo menos 10 (dez) pessoas.
57.º
De tal grupo de pessoas, é possível identificar, pelas 16:56 e pelas 17:29, o 5.º requerido, o indivíduo A, o indivíduo D e o indivíduo E, sendo que quanto aos demais 7, todos não identificados, se designarão por indivíduos J, L, M, N, O, P e Q.
58.º
A actividade desenvolvida dentro do n.º 65 em 13 de Novembro de 2013 consistiu na continuação dos trabalhos e obras anteriormente aí iniciados, tendo sido possível à requerente aperceber-se que, entre o mais, as paredes interiores foram raspadas e descamadas e que a montra em vidro da entrada foi removida.
59.º
Em 14 de Novembro de 2013, também desde cerca das 08:48 até cerca das 18:10, entraram e permaneceram no n.º 65 os indivíduos J e L, sendo que pelas 10:30 um camião parou junto ao n.º 65 e descarregou sacas de cimento para o seu interior e, mais tarde, um outro camião transportou entulho, madeiras, vidro e detritos, tudo proveniente das obras feitas no interior do n.º 65.
60.º
Na data em que deu entrada a presente providência, as situações acima descritas relativamente ao n.º XX da Rua da XX – abertura, acesso, entrada e fecho da porta e grades com chaves, cadeados e correntes próprios, permanência no seu interior e realização de obras e trabalhos, feitas sem autorização e com a oposição tanto da requerente – perduram e continuam em ininterrupta execução.

61.º
Para a requerente, é a 1.ª requerida, Sociedade comercial B, a mandante constante e permanente, nunca assumida, de todas as situações acima descritas em relação ao n.º XX da Rua da XX.
67.º
Os 2.º, 3.º e 4.º requeridos são administradores da 1ª requerida.
73.º
Em 25 de Maio de 2012 o 4.º requerido, Sr. E, bem como o indivíduo A e outro indivíduo não identificado deslocaram-se ao HOTEL H e, apresentando-se como vindo da parte da 1.ª requerida, Sociedade comercial B, exigiram num tom de voz exaltado e de uma forma agressiva ao staff do Hotel que a requerente entrasse em contacto com a aqui 1.ª requerida a propósito do direito ao espaço onde o mesmo Hotel está instalado.
74.º
Esse mesmo dia 25 de Maio de 2013 foi exactamente o dia em que o 4.º requerido, Sr. E, adquiriu uma quota na 1.ª requerida, no valor de MOP$10.000,00, procedeu a um aumento de capital e subscreveu integralmente tal aumento, logo de imediato passando, assim, a agir em defesa dos interesses da mesma 1.ª requerida.
75.º
Foram também a 1.ª requerida, Sociedade comercial B, e o 3.º requerido, Sr. K, juntamente com L, que intentaram em finais de 2012 contra a aqui requerente a acção de despejo n.º CV1-12-0197-CPE, arrogando-se na qualidade de locadores da ora requerente, desde Maio de 1999, do espaço onde está instalado o Hotel H, ou seja, dos prédios urbanos n.ºs XX e XX da Rua da XX e XX, XX e XX do Pátio da XX.
76.º
  Contestou a ré, aqui requerente, que, face às certidões do registo predial juntas pelos próprios autores nessa acção, só a partir de 5 JUN 2012 o Sr. D (administrador da Sociedade comercial B que se dirigiu à esquadra em 6 NOV 2013) ficou inscrito no registo predial como titular de 1/120 dos prédios urbanos n.os 67 e 65 e que a 3.ª autora e aqui 1.ª requerida Sociedade comercial B não está nem nunca esteve inscrita no registo predial como titular de qualquer um dos prédios urbanos n.os 67, 65, 13, 15 ou 17.
77.º
Tal acção de despejo n.º CV1-12-0197-CPE encontra-se presentemente suspensa por decisão de Setembro de 2013, ex vi do n.º 1 do art. 223.º do C.P.C., isto em virtude da questão prejudicial invocada pela aí ré e aqui requerente de só ser retomado o seu curso quando sobrevier a decisão final com trânsito em julgado a proferir nos autos onde se discute a aquisição por usucapião (n.º CV3-12-0087-CAO).
78.º
Em 4 de Novembro de 2013, o 4.º requerido, Sr. E e o mesmo indivíduo A (bem como os indivíduos B e C) acederam ao interior do n.º 65.
79.º
Também em 6 de Novembro de 2013 - dia em que entrou no n.º 65 o indivíduo A (bem como os indivíduos B e D) e todos os 3 foram ao 1.º Comissariado Policial da P.S.P. - acorreram à dita esquadra, logo de imediato e de forma espontânea, o 3.º requerido, Sr. D, o 4.º requerido, Sr. E – ambos administradores da 1.ª requerida, Sociedade comercial B – bem como ainda o Sr. M (M), sendo este um pretenso cobrador da mesma Sociedade comercial B.
83.º
A requerente e os seus antepassados têm utilizado a loja do nº 65º da Rua da XX ininterruptamente, com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de não lesarem direitos alheios desde há décadas.

Na decisão de 12MAR2014 após o cumprimento do contraditório:

1. A acção de despejo que foi movida contra a Requerente por, entre outros, os ora Requeridos D e B — Sociedade Limitada foi intentada em 28 de Setembro e distribuída em 4 de Outubro de 2012, ao passo que a acção de usucapião sob o n.º CV3-12-0087-CAO foi intentada pela Requerente em 5 de Novembro de 2012.
2. A Requerente, até ao ano 2007, sempre pagou uma quantia mensal à Associação B, relativamente ao n.º XX da Rua da XX.
3. Em 2001, os corpos gerentes da Associação B constituíram a sociedade comercial B — Sociedade Limitada (a “B”), ora Requerida.
4. A B pagou a Contribuição Predial do prédio n.º XX da Rua de XX relativamente aos anos de 2006, 2010, 2011 e 2012, respectivamente em 23/07/2007, 27/07/2011, 30/07/2012 e 25/06/2013.
5. No dia 13 de Julho de 2007, a Requerente dirigiu a carta a fls. 1060 a 1062 dos autos (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) aos representantes da “B”, e em anexo à mesma carta, foram juntos os documentos a fls. 1621 a 1628 dos autos.
6. Nessa carta, a Requerente intitula-se de “二房東” e solicita que a B promova obras de recuperação nos n.os 13, 15 e 17 do Pátio da XX, afectados por um incêndio em 15 de Julho de 2006.
7. Em anexo a mesma carta, a própria Requerente junta uma comunicação da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, datada de 1 de Março de 2007, que reconhece à Requerente a qualidade de arrendatária dos n.os XX, XX e XX do Pátio da XX.
8. Em 2007, a Requerente deixou de pagar as quantias mensais que pagavam a “B”.
9. A Requerente efectuou o último pagamento em 27 de Abril de 2007.
10. No decurso do ano de 2012, G e “B” acordaram a celebração dum contrato de arrendamento do aludido imóvel — cfr. contrato de arrendamento de 7 de Junho de 2012.
11. Assim, desde 7 de Junho de 2012 que G paga à B as rendas devidas pela utilização do Imóvel dos Autos.
12. Em 04 de Novembro de 2013, conforme solicitação de G, foi celebrado um acordo para a revogação de tal arrendamento.
13. G entregou o imóvel n.º XX da Rua de XX à “B”.
14. Foi G quem entregou à B as chaves dos cadeados que aquele tinha colocado grade exterior da loja sita no n.º XX da Rua de XX.
15. Pelo menos desde Junho de 2012 a Requerente não recebe qualquer renda referente ao imóvel n.º XX da Rua de XX.
16. Relativamente ao Facto Provado n.º 40º da Sentença de 12/12/2013, quando o Requerido E entrou no Imóvel dos Autos, no dia 04 de Novembro de 2013, fê-lo munido das chaves que haviam sido entregues por G.



1. Da alegada posse pela requerente

Apesar de os requeridos, ora recorrentes, ter em impugnado a matéria de facto na parte que diz respeito à posse por parte da requerente, o certo é que, na nossa óptica, ficou indiciariamente demonstrado na primeira instância, um segmento da matéria de facto, não questionado pelos recorrentes por via do presente recurso, susceptível de sustentar a posse por parte da requerente.

Para os requeridos, o Tribunal a quo deveria ter dado como sumariamente provado que a requerente só deixou de pagar uma renda mensal à B em 2007, até lá sempre pagou relativamente ao imóvel dos autos sito na Rua da XX, e não deveria ter dado por provado apenas que pagou uma “quantia mensal”, sem que tivesse concretizado a sua natureza da “renda mensal”.

Ora, para saber se, no momento da instauração do presente procedimento cautelar, a requerente está a exercer a posse, digna da tutela jurídica, sobre o imóvel dos autos, é irrelevante o apuramento da natureza da tal quantia mensal que a requerente sempre pagou até 2007 à Associação B.

Ou seja, mesmo que a requerente seja apenas o simples detentor enquanto arrendatária até a esta data, ela pode passar a adquirir a posse sobre o imóvel dos autos com a sua actuação de não efectuar mais pagamento a favor de ninguém a partir daquela data, desde que se verifiquem os demais requisitos exigidos para o efeito, nomeadamente o animus possidendi.

Como se sabe, a lei reconhece as várias formas de aquisição da posse.

Uma das quais é a prevista no artº 1187º/-e) do CC, à luz do qual a posse adquire-se por inversão do título da posse.

Por sua vez o artº 1190º define em termos mais concretos o que entende por inversão do título da posse, rezando que “a inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro abstractamente idóneo para atribuir ao detentor o direito real nos termos do qual, e em virtude do qual, passe a possuir.”.

De acordo com os Doutos ensinamentos do Prof. Orlando de Carvalho, dá-se a inversão do título da posse quando “alguém que exerce poderes de facto sobre uma coisa com simples animus detinendi (detentor ou possuidor precário) converte a sua detenção em verdadeira posse, passando a agir com animus possidendi ou verdadeiro animus.” ……É uma forma de aquisição originária e instantânea de posse. Originária, porque a posse antecedente apenas precede, mas não causa, a posse do inversor – que, ao invés, se adquire apesar dela e contra ela. Instantânea porque se adquire uno actu, quer dizer no preciso momento em que se verifica o processo de inversão. – in Introdução à Posse, RLJ, Nº XXX0, pág. XX.

In casu, até 2007, a requerente já estava, numa situação de detenção, exercendo sobre o imóvel dos autos uma autoridade empírica, pois pelo menos estava a agir como arrendatária.

Assim as circunstâncias de a partir de 2007 ter deixado de pagar aquela quantia mensal a quem quer seja e de continuar a exercer os poderes empíricos sobre o imóvel dos autos e cobrar renda a G, alegadamente arrendatário do rés-do-chão em causa, já nos permitam a tirar ilação judicial, de forma sumária, de que, a partir dai, a requerente passou a agir sobre todo o imóvel dos autos, incluindo o rés-do-chão, com o animus possidendi, ou seja, passou de um simples detentor a ser um verdadeiro possuidor.

Assim, é de manter a decisão recorrida na parte respeitante à posse, embora com fundamento diverso.

2. Do esbulho

Vimos supra que é sumariamente tido demonstrado que a requerente tem posse sobre o imóvel dos autos desde 2007, passemos então a averiguar se o facto sumariamente demonstrado de que o requerido F cortou o cadeado que em 27SET2013 a requerente havia colocado constitui esbulho.

Ora, esbulho é uma privação ilícita da posse de outrem contra a vontade do possuidor – ibidem, nº XXX2, pág. XX.

Aqui os requeridos, ora recorrentes, tentaram por via do presente recurso, impugnar a comprovação sumária dos factos 37º a 39º, constantes da decisão sem audição prévia dos requeridos.

Pois para eles, considerando o depoimento das duas testemunhas, os tais factos devem ser modificados e passar a ser “o 5º requerido F quem cortou o cadeado que em 27SET2013 a requerente havia colocado na porta do nº 65º, conforme instruções de G.”.

No entanto, é-nos irrelevante a reapreciação das provas produzidas na primeira instância, pois essa pretendida modificação em nada pode alterar a decisão jurídica de que a actuação representa uma privação ilícita da posse da requerente.

E é inócua a mando de quem o 5º requerido agiu.

Na verdade, ficou demonstrado nos autos que entre G e B – Sociedade Limitada, foi celebrado em 2012 um contrato de arrendamento que tem por objecto o rés-do-chão do nº 65, ao abrigo do qual G tem pago, desde 07JUN2012, à B – Sociedade Limitada as rendas devidas pela utilização do imóvel.

Assim, tanto a actuação dos requeridos como a de G são ofensivas e incompatíveis com a posse da requerente.

Pois os requeridos não podem por um lado invocar as alegadas instruções que lhes foram dadas por G, na qualidade de arrendatário e ao abrigo do contrato alegadamente celebrado com a requerente para legitimar o exercício do seu direito de usar o imóvel mediante o rompimento do cadeado, e por outro lado aceitar a entrega do imóvel à B ao abrigo de um outro contrato de arrendamento celebrado em 2012 entre G e a B.

G, por sua vez, também não pode por um lado não reconhecer mais a validade do contrato de arrendamento/subarrendamento celebrado com a requerente e a qualidade de locador ou sublocador da requerente, e deixar de pagar a favor dela a renda que ia pagando pelo menos até 2012 e entregar o rés-do-chão a um dos requeridos, e por outro lado está invocar contra a requerente um direito que alegadamente tem, por força daquele contrato celebrado com a requerente, enquanto arrendatário/subarrendatário, de usar o rés-do-chão, autorizando um dos requeridos a romper o cadeado que a requerente colocou na porta do rés-do-chão do imóvel dos autos para defender a sua posse.

Na esteira desse raciocínio, a actuação por parte dos requeridos, globalmente considerada, nomeadamente o rompimento do cadeado colocado pela requerente com vista à defesa da sua reivindicada posse, a introdução e permanência dos requeridos e das pessoas por eles autorizadas e a realização de obras no interior do rés-do-chão, não pode deixar de constituir a privação ilícita da posse da requerente.

3. Da violência

Quanto à violência do esbulho, é de louvar as considerações tecidas na fundamentação jurídica da decisão de 12DEZ2013, onde se afirma que:

“é unânime a opinião que a violência do esbulho a que se reporta o artº 1204º do CC e o artº 338º do CPC, tanto pode ser exercida sobre pessoas como sobre a coisa e pode consistir no uso da força física.
No caso dos autos, provou-se que os requeridos cortaram o cadeado que a requerente colocara a impedir a abertura da porta do rés-do-chão aqui em litígio. Cortar o cadeado configura a sua inutilização rompendo a sua integridade física que lhe assegura as funções que desempenha. E isso constitui violência sobre coisas.”.

Apesar da ligeira alteração da matéria de facto após a audição dos requeridos e a produção das provas por eles requeridas, nomeadamente em vez de todos os requeridos, mas apenas um deles executou o acto material de cortar o cadeado, a alteração em nada afecta a pertinência e a correcção dessas afirmações, que demos aqui integralmente reproduzidas para concluir pela existência da violência do esbulho por parte dos requeridos.

Assim, verificados os pressupostos, que são a posse, o esbulho e a violência, para o decretamento da providência de restituição provisória da posse, nos termos prescritos no artº 338º do CPC, à luz do qual “no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.”.

Todavia, não podemos decidir sem que passemos pela questão que os requeridos colocaram a título subsidiário, que é justamente a invocada caducidade do direito do meio possessório da requerente.

4. Da caducidade do direito do meio possessório

Para os recorrentes, existem provas nos autos que indiciam o conhecimento por parte da requerente de que G celebrou em 2012 outro contrato de arrendamento como o requerido B sobre o rés-do-chão, passou a pagar a este as rendas, mais tarde G removeu os bens do interior do rés-do-chão e entregou as chaves do rés-do-chão ao mesmo requerido B.

Assim sendo, como a requerente já tomou conhecimento desses factos mais do que um ano antes da instauração do presente procedimento cautelar, o seu direito de acção para defender a sua posse já se encontra caducado no momento da instauração do presente procedimento, face ao disposto no artº 1207º do CC.

Todavia, todos estes factos, mesmo que viessem a ser dados por provados, não têm a virtualidade de constituir o esbulho, que implica necessariamente a privação ou usurpação física da posse da coisa mediante uso de poderes de facto sobre a coisa.

Pois estes factos todos não implicam a prática de actos de facto sobre a coisa, mas sim praticados fisicamente fora do rés-do-chão do imóvel dos autos.

Em sintonia com aquilo que vimos supra sobre o esbulho, é de concluir que o esbulho só ocorreu com o rompimento do cadeado em 27SET2013.

E tendo sido o presente procedimento instaurado em 22NOV2013, é obviamente que a requerente, esbulhada, reagiu tempestivamente por este meio de defesa.

Improcede assim esta parte do recurso.

Com o assim decidido, fica prejudicado o conhecimento do primeiro recurso interposto pelos requeridos C e F, uma vez que todas as questões ai colocadas, ou foram já absorvidas ou apreciadas no segundo recurso interposto pelos restantes requeridos, ou perderam o sentido tendo em conta a alteração da matéria de facto entretanto efectuada pelo Tribuanl após o contraditório e a produção das provas requeridas pelos restantes requeridos.

Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em não conhecer o recurso interposto pelos requeridos C e F e julgar improcedente o recurso interposto pelos requeridos B – Sociedade Limitada, D e E, mantendo, com fundamento parcialmente diverso, a decisão recorrida que manteve a restituição provisória da posse ordenada pela sentença de 12DEZ2013, constante das 813 e s.s. dos autos.

Custas do recurso por todos os recorrentes.

Registe e notifique.

RAEM, 25SET2014

_________________________
Lai Kin Hong
(Relator)

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
(Subscrevo a decisão e fundamentação proferidas no pressuposto de que o pagamento das rendas pela requerente respeitava também ao n.º “65”, o que não decorre expressamente da factualidade tida por assente que refere o n.º “67”. A não ser assim, não há que equacionar a inversão do título de posse e sufragaria o decidido em 1ª Instância.)

_________________________
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
(com declaração de voto vencido)

卷宗編號:513/2014

投票落敗聲明
在尊重合議庭多數意見下,本人認為應判處被聲請人B的上訴成立,廢止原審判決並駁回聲請人A之請求,理由如下:
1. 從已證事實中可見,在2007年04月之前,聲請人一直承認自己為有關不動產的承租人,並將之轉租於G,對外聲稱為“二房東”(已證事實6)及7)項)。
2. 有關房產於2006年被火燒後,聲請人曾要求B作出修葺(已證事實6)項)。。
3. 被拒後,於2007年04月開始,停止向B繳付任何款項。
4. 而其不繳交的原因並非是自那刻開始認為自己是有關房產的主人,從而不用繳付款項,而是認為B既然不履行作為房產所有人的責任,根本沒有資格收取租金。其“身為奉公守法的公民,有責任查找出並將租金交予真正願意承擔責任的業權人” (見附隨於卷宗內由其發出之函件)。
5. 申言之,在聲請人的內心深處,仍視自己為房產的承租人,而非主人,只是不承認B為房產所有人而已。
6. 基於此,有關不繳付行為並不構成《民法典》第1190條所規定之占有名義之轉變。
7. 另一方面,G於2012年06月07日和B就有關房產簽立了書面租約,並向後者繳交租金,直至2013年11月04日解除租約。
8. 雖然聲請人聲稱不知道有關事宜,但本人認為並不可信。試問在長達17個月的時間裏沒有如往時般向聲請人交納租金,聲請人會不聞不問,完全不去了解G因何原因而沒有交租?這是有別於常理的。
9. 原審法院認定“聲請人在2012年至2013年06月份以前不過視證人G為租客欠繳租金,但從未得知證人G已轉為承認B的權利,並改為向B交租”,理由在於認為“雖然聲請人一直知悉G沒有交租的事實,但透過分析卷宗第1530至1577頁由聲請人一方交予證人G的通知信顯示,聲請人一方不斷向G表示B非單位的所有人,並要求G繳交尚欠的租金”。
10. 在其中一封日期為2013年08月22日的信函中(卷宗第1543頁),聲請人要求G在未得到其書面同意前,“不可簽署位於澳門XX街XX號《頂手契》或任何涉及業權事宜之合同,也不可向「B」在沒有正當性之情況下交付與上述物業有關的款項,我方委託人不會承認此部份款項及合同”(合同兩字之深黑效果為我們所加)。
11. 在尊重不同見解下,本人認為有關通知信的內容正正是引證了聲請人是知悉上述書面租約的存在,否則為何“不斷向G表示B非單位的所有人”及表明“不會承認此部份款項及合同”?
12. 顯然,其是知悉G正在向B交租,故其強調後者不是單位的所有人,無權收取租金。
13. 再者,有關房產於2006、2010、2011及2012年度的房屋稅是由B所支付(已證事實4)項),而非聲請人。
14. 根據一般經驗法則,支付房屋稅在正常情況下是認定自己為房產所有人的一種體現。
15. 沒有任何關於聲請人繳付相關房產房屋稅的事實。
16. 綜上所述,並沒有充份跡象顯示聲請人為有關房產的合法佔有人。
法官


________________________
何偉寧
2014年09月25日


513/2014-64