Proc. nº 393/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 09 de Outubro de 2014
Descritores:
-Marcas
-Elementos geográficos
SUMÁRIO:
I - A marca visa, entre outras funções, distinguir um produto ou serviço de outro, de modo a que ele se impute a uma empresa e não a outra e, portanto, evitando-se um uso enganoso perante o público. A marca indica uma origem de base pessoal e desempenha uma função de garantia de qualidade não enganosa.
II - Uma marca em caracteres chineses constituída somente pelos vocábulos B nada especifica, nada caracteriza, nada indica ou sugere acerca do produto a divulgar, sendo por isso absolutamente neutra ou anódina. Pode dizer-se, então, que ela é simultaneamente geográfica, genérica e imprecisa, sendo insusceptível de registo.
Proc. nº 393/2014
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A CORP. (“LVS”), sociedade comercial com sede em XXX5, XX, XX, Nevada XXX09, USA, recorreu no TJB da decisão da Direcção dos Serviços de Economia que indeferiu o registo da marca N/XXX83 a XXX85 (B) e N/XXX89 a XXX91 (B1).
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Na oportunidade foi proferida sentença que julgou improcedente o recurso e manteve a decisão da DSE.
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Contra essa sentença recorre “A”, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«a) A decisão recorrida faz tábua rasa do que é pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência e tem assento na lei: a aptidão distintiva de uma marca deverá aferir-se em concreto, considerando os produtos ou serviços que visa assinalar.
b) Requisito indispensável para que uma marca possa ser registada é que seja adequada a assegurar a função distintiva que lhe é inerente, como afirma, e bem, o Tribunal a quo, nas palavras de Coutinho de Abreu (“as marcas são Signos (ou sinais) susceptíveis de representação gráfica destinados sobretudo a distinguir certos produtos idênticos ou afins”).
c) A função distintiva é assegurada quando uma marca consegue distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de 0utras empresas (artigo 197.º do RJPI).
d) Uma marca nominativa genérica é uma marca constituída exclusivamente por sinais que indicam os produtos ou serviços marcados e que, por esse mesmo facto, não permite ao consumidor distinguir os produtos ou serviços, no que respeita à sua origem empresarial.
e) O registo de sinais ou figuras comummente utilizados no mercado deve ser negado apenas quando os sinais ou indicações de que a marca for exclusivamente composta se tiverem efectivamente tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio em relação aos produtos ou aos serviços para que tiver sido requerido o registo da referida marca, podendo ser concedido se não existir essa relação.
f) Isto é, para que a marca seja recusada, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 199.º do RJPI, necessário é que, a marca seja exclusivamente composta por tais sinais e que exista uma relação entre esses sinais e os produtos ou serviços que coma marca se pretende proteger.
g) Os serviços que a Recorrente pretende assinalar com as marcas objecto do presente recurso não têm origem em 巴黎 (Paris), pelo que as marcas B e B1 não servem para designar a proveniência geográfica dos serviços prestados pela Recorrente, que, naturalmente, têm a sua proveniência em Macau.
h) A actividade nuclear da Recorrente prende-se com a prestação de serviços na área do jogo em casino e Paris, cidade capital da França, não é, de modo algum, conhecida pela existência de casinos, os quais, de resto, não se encontram naquela cidade; isto é, Paris nenhuma reputação tem, nacional ou internacional, na área dos serviços prestados em casino, pelo que não existe qualquer ligação entre o nome geográfico e os serviços que a Recorrente pretende proteger.
i) O público consumidor nunca irá pensar que os serviços oferecidos pela Recorrente nos seus estabelecimentos de Macau têm a sua origem em Paris, França, pelo que em nenhum erro incorrerá.
j) A marca composta por indicação geográfica apenas será genérica quando a referência geográfica que integra designe a proveniência geográfica dos serviços que se pretendem assinalar com as marcas em causa.
k) Uma marca descritiva é uma marca composta por um sinal “que indica, exclusiva e directamente, a produção (espécie, lugar. e tempo), qualidade, quantidade, destino, valor, ou qualquer outra característica do produto ou serviço”.
l) A sentença recorrida violou as normas ínsitas nos artigos 197.º e 199.º, n.º 1, al. b) do RJPI.
Nestes termos e nos demais de Direito que Vªs Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência ser a sentença recorrida substituída por decisão que conceda o registo das marcas B (N/XXX83 a N/XXX85) e B1 (N/XXX89 a N/XXX91), fazendo-se desta forma a desejada JUSTIÇA.».
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A entidade administrativa limitou-se a concluir as suas alegações de resposta ao recurso da seguinte maneira:
«As marcas B ou na sua versão B1 não são assim registáveis porque são compostas pela proveniência geográfica do serviços prestados pela Recorrente, que naturalmente tem a sua proveniência em 澳門 (Macau) e a utilização do sinal 巴黎 (Paris) não acrescenta nada mais à marca em termos de distintividade.
Não tendo a Recorrente acrescentado facto novo ou fundamento legal que altere a sentença recorrida, deve ser negado provimento ao recurso e mantido o despacho recorrido de recusa».
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«- A recorrente, em 25 de Julho 2012, requereu junto da DSE o registo das marcas a que foram atribuídos os N/XXX83 a XXX85 e N/XXX89 a XXX91.
- Tais marcas são constituídas pelos seguinte sinais: N/XXX83 a XXX85 (B) e N/XXX89 a XXX91 (B1).
- As referidas marcas destinam-se a assinalar serviços e produtos das classes 35º, 41ª e 43a.
- Por despacho de 30 de Outubro de 2013, a DSE recusou os pedidos de registo das aludidas marcas, nos termos do disposto nas al. b) do nº 1 do artº 199, conjugadas com a al. a) do nº1 do artº 9, ex vi al. a) do nº 1 do artº 214, todos do RJPI».
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Acrescenta-se ainda o seguinte:
- As marcas B e B1 (esta segunda apresentada em chinês simplificado) traduzem a expressão “B”.
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III – O Direito
1 - Está em causa no presente recurso saber se as marcas B e B1 podem ser registadas, ao contrário do que o decidiu a DSE, no que foi secundada pelo Tribunal “a quo”.
Por uma questão de economia, transcrevemos o que este TSI teve oportunidade de dizer por mais do que uma vez:
«Decorre do art. 197º do RJPI, aprovado pelo DL n. 97/99/M, de 13 de Dezembro, que só pode ser objecto de protecção, mediante um título de marca, …”o sinal ou conjunto de sinais de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
A forma ampla com que a noção é vertida na norma tem sido objecto de estudo diverso, mas para o caso que aqui nos interessa, importa apenas que nos fixemos nos seus aspectos jurídicos mais essenciais.
Assim, genericamente, a marca visa, entre outras funções aqui menos prestáveis, distinguir um produto ou serviço de outro, de modo a que ele se impute a uma empresa e não a outra e, portanto, evitando-se um uso enganoso perante o público. A marca indica uma origem de base pessoal e desempenha uma função de garantia de qualidade não enganosa1.
O consumidor, em defesa de quem a marca em última instância é registada, através dela associa, rápida, fácil e comodamente o produto e as suas qualidades a uma determinada origem ou proveniência. Isto é, sabe que está perante um produto que procede de uma empresa determinada. Embora a marca não tenha por missão garantir a qualidade do produto (embora o empresário procure mantê-la de forma a defender, conservar ou ampliar a sua clientela), ao menos permite que o produto ou serviço seja imediatamente associado ao produtor ou ao prestador2. A última palavra na escolha pertence ao consumidor, é certo, mas para tanto ele deve ter a certeza de que está a fazer a opção consciente e livre. Ou seja, ele tem que saber o que compra e a quem3 compra.
O que acaba de dizer-se entronca numa questão nem sempre presente na discussão em torno da marca. Tem que ver com evicção do erro, com a confundibilidade no espírito do destinatário da marca, o homem médio, o cidadão comum eventualmente interessado no bem ou no serviço. Claro está que há cidadãos que são minuciosos, que por natureza perscrutam em detalhe, mais do que é regra geral, o sentido e a função das coisas e que, por isso, dificilmente se deixam enganar. Não é bem para esse tipo de pessoas que a marca exerce o seu papel primordial, mas sim para o conjunto de pessoas que se inscrevem no universo da regra4.
É para este somatório alargado de consumidores que o princípio da singularidade ganha relevância quando a norma fala em sinais adequados a distinguir os produtos5.
Mas, o próprio diploma desce mais fundo de forma a reduzir o leque de eventuais dificuldades resultantes da amplitude da norma do art. 197º. E assim é que, na alínea b), do número 1, do art. 199º dispõe, que “Não são susceptíveis de protecção os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos” (negrito nosso).
Assim é que, em princípio, não se pode considerar uma marca constituída apenas por indicações geográficas, nem genéricas, nem ambas as coisas associadas. Por exemplo, “Macau Pearls” ou “Portuguese Wine”, do mesmo modo que não é possível a marca “Parfum de Paris”, porque não são indicativos para o consumidor de um determinado ou especial produto ou, então, porque induziriam o público a pensar que só aquelas eram pérolas de Macau ou que só aquele perfume era verdadeiramente parisiense, sendo certo que outros há com a mesma origem de Paris (quanto aos perfumes) ou de Portugal (no que respeita aos vinhos)»6.
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2 - Ora, introduzir na marca o vocábulo MACAU é remeter o consumidor para um produto ou serviço fabricado ou prestado nesta região administrativa e especial da RPC. “Macau” representa assim uma referência estratégica de índole geográfica. Não mais do que isso.
Por outro lado, diferente intenção não tem a marca com a adição do segundo vocábulo PARIS. Também aqui o que a marca visa é criar a ideia de que o produto ou serviço tem algo a ver com a capital francesa. É essa associação que a marca pretende criar no espírito do destinatário da marca.
MACAU e PARIS, isoladamente, são referências de carácter geográfico somente, que não perdem quando associadas na mesma marca.
Mas, ao mesmo tempo que a marca, nesse sentido, apenas contém sinais indicativos de cidades do mundo, também ela nada especifica, nada caracteriza, nada indica ou sugere acerca do produto a divulgar. É absolutamente neutra ou anódina. Então podemos dizer que ela é simultaneamente geográfica, genérica e imprecisa.
Consequentemente, não é susceptível de protecção (art. 199º, nº1, al. b), do RJPI), até por não ter adquirido capacidade distintiva (art. 214º, nº3).
Significa isto que a sentença não merece qualquer censura.
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IV – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 9 de Outubro de 2014
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José Cândido de Pinho
(Relator)
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Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Luis M. Couto Gonçalves, in “Função da Marca”, na obra colectiva Direito Industrial, Vol. II, Almedina, pag. 99 e sgs.
2 Neste sentido, Alberto Francisco Ribeiro de Almeida, in “Denominações Geográficas e marca”, na citada obra, a pag.371 e sgs.
3 Não nos referimos, obviamente, à relação directa entre comprador e imediato revendedor, mas sim, à indirecta estabelecida entre o adquirente final e o produtor ou fabricante.
4 Sobre o assunto, Adelaide Menezes Leitão, in “Imitação servil, concorrência parasitária e concorrência desleal”, na obra colectiva citada, Vol. I, pag. 122/128.
5 José Mota Maia, Propriedade Industrial, Vol. II, Código da Propriedade Industrial Anotado, Almedina, 2005, pag.393
6 Ac. TSI, de 17/03/2011, Proc., nº 172/2008
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