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Recurso nº 385/2013
Data: 23 de Outubro de 2014


Assuntos: - Recurso de revisão interposto pelo Procurador
- Fases intermédia
  - Novos factos
  




SUMÁRIO
1. O artigo 447° do Código de Processo Penal é uma excepção do regime geral do recurso de revisão que afasta uma segunda oportunidade da revisão, atribuindo ao próprio Procurador o privilégio de accionar novo pedido, ainda que com o mesmo fundamento da primeira revisão.
2. O instituto da revisão visa estabelecer um mecanismo de equilíbrio entre a imutabilidade de uma decisão transitada em julgado e a necessidade de respeito pela verdade material.
3. Em princípio, o recurso extraordinário de revisão, comporta 3 fases: Uma “preliminar”, onde se processa, instrui e se informa sobre o peticionado pelo recorrente, outra “intermédia”, onde se aprecia e decide do pedido, e, a “final”, para efectivação do novo julgamento no caso de ser aquele autorizado.
4. Na fase intermédia, importa não olvidar que a autorização da pretendida revisão não implica uma (automática) alteração ou revogação da sentença revidenda, pois que é no novo julgamento que se irão apreciar e julgar dos motivos para tal.
5. Para invocar o fundamento previsto no artigo 431° n° 1 al. d) do Código de Processo penal, os alegados “factos ou meios de prova” devem ser “novos” no sentido de não terem sido apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo recorrente no momento em que o julgamento teve lugar.
O Relator,
Choi Mou Pan













Recurso nº 385/2013
Recorrente: O Procurador da RAEM



Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:

No processo nº CR2-10-0746-PCT Contravencional do 2º Juízo criminal do Tribunal Judicial de Base, este decidiu em 14 de Junho de 2011, tendo apurado os factos de que “em 27 de Maio de 2010, cerca das 16:27 horas, o arguido conduzia o automóvel ligeiro com chapa de matrícula MF-XX-XX na Avenida XXXX, a 96km/h e o arguido praticou as contravenções referidas na ficha de cadastro juntos nos autos de fls 3 a 4”, julgou a acusação procedente por provada e, em consequência, condeno arguido A na multa de três mil quinhentas patacas (MO$3,500), a que correspondem seis (6) dias do prisão subsidiária (art.º 47º, nº 1 do Código Penal) pela prática de uma contravenção prevista e punida pelo art.º 98º, nº 2 do Código de Estrada e ainda puniu o arguido com a pena acessória de suspensão da validade da licença de condução por um período de seis (6) meses, devendo o arguido proceder à entrega de carta de condução ou o documento ao CPSP no prazo de 10 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão, sob pena de prática de crime de desobediência (art.º 121º, nº 7 e art.º 143º, nº 1 do L.T.R.).
Em 16 de Setembro de 2011, o condenado foi detido e notificado a sentença, da q ual ficou ciente e depois procedeu voluntariamente o pagamento da multa condenada.
Em 4 de Novembro de 2011, o condenado interpôs recurso extraordinário de revisão da sentença condenatória, com o fundamento de que foi o seu irmão B quem tinha usado o veículo, mormente no momento da contravenção pela qual foi condenado, juntando, para tal a declaração assinada pelo seu irmão.
Subido o mesmo recurso ao TSI, que foi registado sob o número do processo 470/2012, em que, pelo acórdão datado em 21 de Junho de 2012, o pedido de revisão não foi autorizado.
O procurador do Ministério Público da Região Administrativa Especial de Macau, a pedido do A, e usando o poder consagrado no artigo 447° do Código de Processo Penal, interpôs o presente recurso de revisão, concluindo que:
1. Por sentença de 14/6/2011, A, sem estar presente na audiência por não ser obrigatória, foi condenado em MOP3.500,00 convertível em 6 dias de prisão alternativa e na pena acessória de inibição de condução por 6 meses, pela prática de uma contravenção p.p. pelo art. 98º nº. 2 da Lei do Trânsito Rodoviário, decisão que transitou em julgado;
2. Por Acórdão de 21/6/2012, o douto Tribunal de Segunda Instância negou provimento mantendo a sentença recorrida;
3. Juntou novo meio de prova, certidão do registo de entrada e saída da RAEM, emitido pelos Serviços de Migração da PSP, onde indica que o arguido estava ausente da RAEM aquando da verificação da conduta contravencional;
4. O conteúdo do novo meio de prova, tanto de per si, como combinado com a prova anterior mormente as declarações da testemunha aquando da revisão, é bastante para suscitar dúvida sobre a justiça da decisão condenatória previsto no art. 431º nº. l al. d);
5. Pelo que, deve dar provimento ao presente recurso autorizando a revisão e determinar o reenvio dos autos a TJB para novo julgamento ao abrigo do art. 439º nº. 1 do CPPM.
Nesses termos e nos demais de direito, deve Vossas Excelências Venerandos Juizes autorizar a revisão e determinar o reenvio dos autos a TJB para novo julgamento.

Notificado do recurso, o condenado A não respondeu.
Nesta instância, o Digno Procurador-Adjunto deu parecer no sentido de deferir o recurso de revisão.

Recebidos os autos neste TSI, o Relator primitivo ordenou colher as informações junto da PSP no sentido de apurar se a saída da RAEM do recorrente A em 26 MAIO2010, pelas 23H22M19S e a sua entrada na RAEM em 27MAIO2010, pelas 17H40M16S foram registadas por via da passagem automática nos postos fronteiriços (Canal-e) ou por qualquer outra via nomeadamente por via das passagens para veículos, ao que foi informado que a passagem foi registada por via das passagens para veículos (fls 123-124).

Foram colhidos os vistos legais.

Conhecendo.
O presente recurso de revisão foi interposto pelo Procurador, em uso do poder e competência exclusivas conferidas pelo artigo 447° do Código de Processo Penal.
Trata-se de uma excepção do regime geral do recurso de revisão que afasta uma segunda oportunidade da revisão, atribuindo ao próprio Procurador o privilégio de accionar novo pedido, ainda que com o mesmo fundamento da primeira revisão.1
Com esta nota, vejamos então a questão da revisão.

Como se sabe, o instituto da revisão visa estabelecer um mecanismo de equilíbrio entre a imutabilidade de uma decisão transitada em julgado e a necessidade de respeito pela verdade material. Reside na ideia de que a ordem jurídica deve, em casos extremos, sacrificar a intangibilidade do caso julgado por imperativos de justiça, de forma a que se possa reparar uma injustiça e proferir nova decisão.2
Em princípio, o recurso extraordinário de revisão, comporta 3 fases: Uma “preliminar”, onde se processa, instrui e se informa sobre o peticionado pelo recorrente, outra “intermédia”, onde se aprecia e decide do pedido, e, a “final”, para efectivação do novo julgamento no caso de ser aquele autorizado.
E no presente recurso, estamos na fase intermédia, em que esta Instância é chamada a emitir o apelidado juízo rescindente e decidir pela autorização ou pela denegação da pretendida revisão.
Nesta fase, importa não olvidar que a autorização da pretendida revisão não implica uma (automática) alteração ou revogação da sentença revidenda, pois que é no novo julgamento que se irão apreciar e julgar dos motivos para tal, sendo igualmente de notar que o sistema tem, obviamente, os seus mecanismos para responder a eventuais condutas incompatíveis com a boa fé processual.
A autorização do recurso exige-se a verificação de qualquer um dos pressupostos legais estabelecidos. O artigo 431° do Código de Processo Penal estatui os pressupostos do recurso de revisão que:
“1. A revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
2. Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.
3. Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
4. A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida”.
Está em causa nitidamente se se consubstancia um “novo facto e meio de prova” o facto alegado pelo condenado de não estar em Macau no momento da condenada contravenção e não ser ele quem conduzia o veículo, que, combinados com os que foram apreciados no processo – (expedientes elaborados pela P.S.P. e uma fotografia da parte traseira da viatura MF-XXXX, que não permite identificar o seu condutor), pelo qual suscitam, efectivamente, graves dúvidas sobre a justiça da decisão condenatória proferida.
Neste Tribunal, tem-se entendido que, para invocar o fundamento previsto no artigo 431° n° 1 al. d) do Código de Processo penal, os alegados “factos ou meios de prova” devem ser “novos” no sentido de não terem sido apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo recorrente no momento em que o julgamento teve lugar.3
Resulta dos autos, o condenado foi julgado à revelia, logicamente os factos agora alegados nunca tinham sido objecto de apreciação, que consubstanciam obviamente novo facto e pelo qual suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Pelo que, nesta fase não podemos deixar de julgar procedentes os fundamentos da revisão, autorizando-se a pretendida revisão, no sentido de proceder o novo julgamento a fazer pelo Tribunal de 1ª instância.

Decidindo.
Acordam neste Tribunal de Segunda Instância em autorizar a revisão da sentença, devendo o Tribunal de 1ª instância proceder o novo julgamento sobre o mérito da causa.
Sem custas.
RAEM, aos 23 de Outubro de 2014
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
Lai King Hong
   Vencido por entender que in casu se não verificaram os pressupostos exigidos pelo artº 431º/1-d) do CPP para conceder a autorização de revisão, dado que o facto alegadamente novo nunca pode ser considerado como tal por se trata de um facto pessoal, que por natureza não pode deixar de ser conhecido pelo próprio condenado, mas curiosamente não foi alegado no recurso extraordinário de revisão interposto pelo próprio condenado, e que o meio de prova, de per si, não comprova mais do que o BIRM de que é titular o condenado foi utilizado por alguém para a saída e a entrada da RAEM, respectivamente em 26MAIO2010 e 27MAIO2010.



1 Vide Manual Leal-Henriques, Anotação e Comentário ao Código de Processo Penal de Macau, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, Vol. III, 2014, p.529.
2 Vide os acórdãos, entre outros, deste T.S.I. de 03.05.2001, Proc. nº 60/2001 e de 21.02.2002, Proc. nº 207/2001.
3 Neste sentido, vd, v.g., E. Correia in, “Para quem são novos os factos ou elementos de prova que fundamentam a revisão das decisões penais?”, estudo publicado na separata da R.D.E.S., VI; Maia Gonçalves in, “C.P.P. Anot.”, 15° ed., pág. 920 e segs.; e, L. Henriques in, “Manual de Formação de Dto Proc. Penal de Macau”, II, pág. 215
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