Proc. nº 190/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 18 de Setembro de 2014
Descritores:
-Revelia
-Prova
SUMÁRIO:
I - No processo comum de declaração na forma ordinária, a falta de contestação significa revelia do réu, o que implica o reconhecimento dos factos articulados pelo autor (art. 405º, nº1, CPC).
II - Essa revelia só não é operante quando, por exemplo, a prova de determinado facto tiver que ser feita através de documento escrito (art. 406º, al. e), CPC), o que não é o caso quando o autor invoca a celebração de um contrato de subempreitada com o réu.
Proc. Nº 190/2014
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
B, do sexo masculino, titular do BIRM nº XXXXXXX (X), moveu no TJB acção declarativa de condenação com processo ordinário contra C, titular do BIRM nº XXXXXXX (X), ambos com os demais sinais dos autos, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de Mop$ 60.000,00 e juros a título de preço de uma subempreitada realizada a favor da demandada e de que ela apenas pagou Mop$20.000,00 dos oitenta mil acordados.
*
Não houve contestação.
*
Foi na oportunidade proferida sentença que julgou a acção procedente por provada, condenando a ré no pedido.
*
A ré recorre desta sentença, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
«A). O tribunal recorrido não pode dar como provado o tal facto (o Recorrente adjudicou a obra relacionada ao Recorrido no valor de MOP$80.000,00) baseado meramente nos documentos constantes nos autos e no facto de o recorrente não ter contestado, nem pode assim determinar que existia uma relação de subempreitada entre as partes.
B). Conforme o teor do acordo anexo na petição inicial do Recorrido, o acordo só era uma declaração unilateral feita pelo Recorrido, como o Recorrente nunca tinha assinado no acordo.
C). Obviamente, os factos determinados pelo tribunal recorrido (facto: o Recorrente adjudicou a obra do caso ao Recorrido no valor de MOP$80.000,00) não correspondem aos factos registados nos autos. Conforme os documentos dos autos, não indicaram que o Recorrente concordou e aceitou o teor do “acordo” entregue pelo Recorrido, ao mesmo tempo, não verificaram que as partes já estipularam o contrato de subempreitada sobre a prestação de serviços.
D). Por outro lado, mesmo que o Recorrente não fizesse a contestação contra o teor da petição inicial, não podem concluir: o Recorrente admitiu que ele já tinha estipulado o contrato de subempreitada acima referido com o Recorrido.
E). O Recorrido entregou o “acordo” acima referido como prova documental da estipulação do contrato de subempreitada entre o Recorrido e o Recorrente, isto significa que o Recorrido queria estipular o contrato supracitado com o Recorrente, na forma escrita. O Recorrido indicou claramente que o contrato de subempreitada supracitado foi estipulado na forma escrita, em vez de outras formas. O Recorrido também queria provar o facto de: o Recorrente adjudicou a obra do caso no valor de MOP$80.000,00 ao Recorrido, por via da prova documental.
F). Por isso” na falta da assinatura do recorrente no acordo acima referido, o tribunal recorrido não pode entender que o Recorrente tinha uma intenção de assinar o contrato acima referido.
G). Assim, existem erros notórios na apreciação da prova feita pelo tribunal recorrido.
Pelos expostos, pede-se ao tribunal colectivo do TSI a aceitar este recurso e julgar deferimento da causa, pede-se à derrogação do acórdão recorrido feito pelo tribunal colectivo, pede-se ao tribunal a comutar: não existe o contrato de subempreitada citado pelo tribunal colectivo neste caso, o Recorrente não atrasa ao Recorrido as dívidas, pede-se à absolvição do pedido do Recorrido».
*
O autor respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
«I. Nos termos do artigo 405º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se reconhecidos os factos articulados pelo autor.”
II. Faltando a contestação por parte do réu, o tribunal a quo, ao apreciar os factos constantes na petição inicial do autor, formou a convicção nos termos das disposições legais supra referidas e tendo como base as provas documentais constantes nos autos, como a descrição feita pelo tribunal a quo na 1 a página da sentença: “Conforme a confissão do Réu e os documentos nos autos, determina os seguintes factos…”
III. No entanto, o Réu negou a existência da relação do contrato de serviços entre o Autor e o Réu, com causa de - o Autor não assinou no “acordo”.
IV. O Réu ignorou que - quando fez a respectiva conclusão, o tribunal a quo já considerou os factos relacionados relatados na petição inicial.
V. Conforme os factos mencionados no artigo IV: 1. o contexto do Autor e do Réu; 2. o Autor e as outras pessoas trabalharam na obra; 3. o Autor recebeu MOP$20.000,00 do Réu em 31 de Março de 2011 como a verba para ala fase da obra; 4. Depois de completar a obra, o Réu era responsável por trazer funcionários do Departamento de Engenharia do construtor geral para realizar a examinação da obra, conforme os factos supracitados, confirmaram que desde o início da obra até ao fim da obra, a relação do contrato de serviços entre o Autor e o Réu nunca se mudou.
VI. Como o Autor relatou no artigo 1º da petição inicial, o Autor só é um técnico especializado da obra à prova de fogo, não foi recrutado por ninguém, se o Autor não obtivesse o consentimento do Réu, o Autor nunca podia trabalhar na obra da construção.
VII. Por isso, se pretenda que não existir a relação de serviço entre o Autor e o Réu, então, não podem explicar claramente os seguintes factos: 1. O Autor podia entrar (na forma privada) na obra da construção; 2. O Autor recebeu a verba no valor de MOP$20.000,00 paga pelo Réu como a verba da obra.
VIII. Além disso, o Autor indicou no artigo 10º da petição inicial que “o Autor já recebeu MOP$20.000,00 paga pelo Réu em Março de 2011, como a verba da obra (para a 1ª fase da obra) ”.
IX. Confirmaram (via o ponto supracitado) que a motivação da entrega do documento do Autor é para provar que o Autor já recebeu a verba da obra paga pelo Réu no valor de MOP$20.000,00.
X. Se entre o autor e o réu existia ou não um contrato de subempreitada, que é uma relação laboral, deve ser determinado após a análise sintética de todos os factos provados e das provas documentais constantes nos autos.
XI. Nos termos do artigo 1080º ao artigo 1082º, artigo 1133º ao artigo 1139º do Código Civil, não há regulamentação formal particular do contrato de empreitada e o contrato de subempreitada. Assim, o contrato de subempreitada entrou em vigou mesmo que exista meramente um acordo verbal entre o autor e o réu.
XII. Por isso, o Réu, quer assinar o “acordo” ou não, a relação laboral ainda existe, o contrato de subempreitada ainda produz efeitos.
Nestes termos, pede-se ao MM.º Dr. Juiz a julgar deferimento do teor da resposta do Autor, ao mesmo tempo a julgar rejeição do recurso do Réu (Recorrente)».
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
1 - O autor é técnico profissional de obra de modificação, dedicado a obras interiores de impermeabilização e de prevenção contra incêndio em construções grandes.
2 - A ré é chefe da Companhia de Construção YY, Limitada (YY工程有限公司).Às vezes, essa Companhia adjudica directamente uma parte da sua empreitada à ré e a última, após encontrar técnico profissional adequado, adjudica em seu nome próprio a obra ao respectivo técnico.
3 - Em 2010, foi adjudicada uma parte da “Empreitada das 5ª e 6ª Fases de Cotai Strip do Hotel Venetian, Macau” à Companhia de Construção YY, Limitada, e a ré obteve dessa Companhia uma subempreitada de areia de prevenção contra incêndio nas barras metálicas de tipo H do estaleiro da “Empreitada das 5ª e 6ª Fases de Cotai Strip do Hotel Venetian, Macau” (adiante designada por “obra”).
4 - Na obra, obrigou-se a, durante a construção do estaleiro da Empreitada das 5ª e 6ª Fases de Cotai Strip do Hotel Venetian, Macau, examinar os materiais de prevenção contra incêndio na superfície de todas as barras metálicas de tipo H nas traves interiores e repará-los se os materiais originais na superfície sofrerem qualquer dano.
5 - Em meados de Janeiro de 2011, a ré adjudicou directamente ao autor a obra referida pelo preço de MOP$80.000,00, do qual ala prestação se realiza um mês depois da iniciação da obra. No processo da obra, se o empreiteiro geral fizer pagamento, a ré paga o autor em prestação e completa todo o pagamento restante quando a obra terminada e recebida. O autor aceitou.
6 - Em consequência, o autor e o seu filho D (D) começaram a realizar a obra no fim de Janeiro do mesmo ano. Primeiro, o autor examinou cerca de mil barras metálicas de tipo H do estaleiro.
7 - Como tinha sido encerrado o estaleiro por 2 anos, os materiais de prevenção contra incêndio de aproximadamente 90% das barras metálicas de tipo H precisavam de ser reparados.
8 - Assim sendo, o autor e o seu filho repararam os materiais de prevenção contra incêndio das respectivas barras metálicas de tipo H, com assistência dum trabalhador convidado pelo autor em 1 a 2 dias.
9 - Deste modo, toda a obra foi completada pelo autor, o seu filho D e esse trabalhador.
10 - Durante a realização da obra, o autor recebeu da ré em Março de 2011 um montante de MOP$20.000,00, a título de 1ª prestação. (documento 2)
11 - Em seguida, o autor continuou a fazer a obra. Embora o autor e a ré não tivessem resolvido por acordo que em cada mês se realizava uma prestação, o autor pedia à ré respectivo pagamento em cada mês conforme as práticas dessa área e cada vez a ré adiava a prestação com pretexto de não ter recebido o pagamento do empreiteiro geral.
12 - Como o autor conhece a ré há vários anos, mesmo sendo adiada a prestação por várias vezes pela última com pretextos diferentes, o autor continuou a realizar a obra e achava que a ré iria concluir afinal o pagamento integral.
13 - O autor completou em Junho de 2011a obra, que foi examinada e recebida pelos funcionários, juntamente com a ré, do Departamento de Obras do empreiteiro geral.
14 - O autor gastou cerca de 155 dias em terminar toda a obra.
15 - Em Junho de 2011, completada a obra, o autor pediu à ré o pagamento restante no montante de MOP$60.000,00, mas a ré alegou que a Companhia de Construção YY, Limitada, ainda não lhe deu dinheiro e recusou de pagá-lo.
16 - Após a 1ª prestação, o autor nunca recebeu da ré mais nada. Portanto, a ré atrasou o pagamento devido ao autor desde Junho de 2011.
17 - Até Junho de 2011, terminada a obra, a ré ainda não realizou o pagamento restante no montante de MOP$60.000,00 ao autor.
18 - No início de 2012, a telemóvel da ré já ficou indisponível, assim sendo, o autor foi ter com ela em sua casa, mas não conseguiu, até o marido dela não sabia o seu paradeiro.
19 - De acordo com as palavras do marido, a ré já se afastou por longo tempo. Por conseguinte, o autor tentou encontrar a ré na Companhia de Construção YY, Limitada, foi informado de que a ré já não trabalhou porque deveu dívida em jogos e o pagamento já foi concluído em meados de 2011, só que a ré não fez a prestação ao autor.
20 - Até o dia de instauração de acção, a ré nunca realiza o pagamento restante ao autor.
***
III – O Direito
1 - Segundo a ré, ora recorrente, o tribunal não podia dar por provado que ela acordou atribuir ao autor, pelo valor de 80.000,00 patacas, a subempreitada em apreço.
De acordo com o documento junto aos autos, diz a recorrente, apenas se encontra aposta a assinatura do autor, não a sua. Tratar-se-ia, na sua opinião, de uma mera declaração unilateral.
Por outro lado, continua a recorrente, a circunstância de não ter contestado a acção não pode ter a virtualidade de dar por provado aquele facto.
Assim, não podia o tribunal julgar o facto provado. Ao fazê-lo, teria o tribunal “a quo” incorrido em erro de julgamento na matéria de facto.
Esta, portanto, a única questão a resolver.
*
2 - Não tem razão a recorrente.
Efectivamente, o documento em apreço foi apenas um mero elemento de prova que o autor da acção juntou aos autos no quadro do seu ónus probatório. Cabia-lhe, efectivamente, demonstrar o contrato celebrado com a ré da acção, por ser constitutivo do direito invocado (art. 335º, nº1, do CC).
Para o caso, não havia que oferecer nenhuma prova especial, nomeadamente através de documento (art. 356º, nºs 1 e 2 e 1139º, do CC; cfr, tb. 406º, al. d) e 549º, nº4, do CPC). E, assim, não estava impedido o autor de anexar um mero documento particular, como aquele que o autor juntou (doc. fls. 7).
Claro que para melhor e mais tranquila aquisição dos factos, numa situação normal de prova e contra-prova, melhor seria para o autor que ele estivesse assinado por ambas as partes. Todavia, enquanto elemento de suporte, nada obrigaria a tal. O tribunal de 1ª instância, caso tivesse havido lugar a prova testemunhal, por exemplo haveria de fazer o balanço de todos os dados recolhidos e, na altura própria, haveria de conferir ao referido documento o valor que ele merecesse ter.
Mas, acontece, por outro lado, que a ré não contestou a acção. E, por isso mesmo, nos termos do art. 405º, nº1, do CPC o tribunal não podia deixar de considerar reconhecidos os factos articulados pelo autor. É este um dos efeitos da revelia operante, cuja cominação semi-plena se mostra adequada como contrapartida da inacção do réu em cumprir com o seu ónus de contestar.
Assim sendo, o documento apresentado nem sequer foi imprescindível ao reconhecimento dos factos.
Por conseguinte, não se pode dizer que o tribunal andou mal, nem no julgamento desse facto, nem no de qualquer outro dos restantes invocados pelo autor na petição inicial, improcedendo, pois, o recurso.
E, porque o contrato celebrado não foi pontualmente cumprido (art. 400º, nº1 e 752º, nº1, do CC), não podia a sentença deixar de proceder à condenação da parte do preço ainda por pagar por parte da ré, acrescida de juros por a ter achado constituída em mora (art. 787ºe e 793º do CC).
Improcede, pois, o recurso.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio concedido pela Comissão.
TSI, 18 de Setembro de 2014
José Cândido de Pinho (Relator)
Lai Kin Hong (Primeiro Juiz-Adjunto)
João A. G. Gil de Oliveira (Segundo Juiz-Adjunto)
190/2014 1