Processo nº 540/2013
Data do Acórdão: 18SET2014
Assuntos:
Acto meramente confirmativo
Impugnabilidade contenciosa
SUMÁRIO
1. Não é contenciosamente impugnável o acto meramente confirmativo.
2. Para que um acto possa ser considerado meramente confirmativo, além da recorribilidade contenciosa do acto confirmado e do seu conhecimento pelo interessado, é ainda necessário que entre o acto confirmado e o acto confirmativo haja identidade de sujeitos, de objecto e de decisão.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 540/2013
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
B e C, esta última menor e aqui representada pela sua mãe a aqui primeira recorrente, ambas devidamente identificadas nos autos, inconformadas com o despacho do Secretário para a Economia e Finanças que, em sede da reclamação, manteve o seu despacho anterior que lhes determinou a caducidade da autorização da sua residência temporária, vêm dele recorrer para este Tribunal de Segunda Instância.
Citada a entidade recorrida, vem suscitar a inimpugnabilidade contenciosa do acto ora recorrido por se tratar de um acto meramente confirmativo.
Cumprido o contraditório, vem as recorrentes insistir na recorribilidade do acto recorrido e pede a prossecução da tramitação do recurso até a final.
Por despacho do relator do processo, foi determinada a abertura da vista ao Ministério Público para se pronunciar sobre a excepção da inimpugnabilidade contenciosa suscitada pela entidade recorrida.
Sobre a questão o Ministério Público pronuncia-se em sede de vista defendendo a procedência da excepção suscitada pela entidade recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Dos autos resulta assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão da excepção de inimpugnabilidade contenciosa do acto recorrido:
* Por despacho do Chefe do Executivo datado de 18FEV2006, a D, marido da primeira recorrente e pai da segunda recorrente, foi concedida, a seu pedido, a autorização de residência temporária com fundamento na aquisição de imóveis;
* A mesma autorização foi estendida às ora recorrentes, enquanto membros do agregado familiar de D;
* Autorização essa foi sucessivamente renovada;
* Na última renovação, os termos do prazo de validade das autorizações concedidas a D, à primeira e à segunda recorrentes, são 18FEV2015, 18FEV2015 e 27JUN2013, respectivamente;
* Por acórdão do TSI datado de 31MAIO2012, já transitado em julgado, D foi condenado, pela prática de um crime de abandono ou exposição, p. e p. pelo artº 135º do C.P., na pena de 2 anos de 6 meses de prisão efectiva;
* Por despacho do Secretário para a Economia e Finanças datado de 25JAN2013, as autorizações concedidas a D e às ora recorrentes foram declaradas “caducadas”, com fundamento no comprovado incumprimento das leis da RAEM a que se refere o artº 9º/2-1) da Lei nº 4/2003;
* O despacho foi notificado às recorrentes em 15ABR2013;
* Da notificação consta a seguinte menção: 依據行政程序法典之規定,閣下如對上述決定有異議,可於15天內(自通知日起計算,下同)去函經濟財政司司長聲明異議,或依法在30天內向中級法院提起司法上訴。(i. é, do despacho pode reclamar para o Secretário para a Economia e Finanças no prazo de 15 dias ou recorrer contenciosamente para o TSI no prazo de 30 dias);
* Mediante o requerimento subscrito pelo seu mandatário constituído, as recorrentes reclamaram do despacho de 25JAN2013;
* Em sede de reclamação, o Secretário para a Economia indeferiu, por despacho de 11JUN2013, a reclamação e manteve o despacho de 25JAN2013; e
* Inconformadas, as recorrentes interpuseram o presente recurso contencioso de anulação do despacho de 11JUN2013.
Cumpre agora apreciar a suscitada irrecorribilidade do acto recorrido.
O presente recurso tem por objecto o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que decidiu indeferir a reclamação do seu despacho anterior.
Para a entidade recorrida, a decisão negatória da reclamação se limitou a confirmar o seu despacho anterior de 25JAN2013 que tendo sido proferido no uso do poder delegado por Ordem Executiva do Chefe do Executivo nº 49/2010, é, como tal, desde logo recorrível contenciosamente.
Além disso, para a entidade recorrida, o despacho ora recorrido em nada difere do seu despacho de 25JAN2013.
Assim importa saber se estamos perante um acto meramente confirmativo.
A propósito da recorribilidade contenciosa do acto meramente confirmativo, o CPAC estabelece no seu artº 31º que:
1. O recurso é rejeitado com fundamento na natureza meramente confirmativa do acto recorrido quando o acto confirmado tenha sido objecto de notificação ao recorrente, de publicação imposta por lei ou de impugnação administrativa ou contenciosa interposta por aquele.
2. O acto que decida impugnação administrativa necessária não tem, para os efeitos do disposto no presente Código, natureza meramente confirmativa.
Ora, ante a matéria de facto assente, não temos dúvidas de que o despacho de 25JAN2013 foi objecto de notificação às ora recorrentes e de que o despacho de 11JUN2013, ora recorrido, não se trata de um acto a que se refere o nº 2, por ser uma decisão tomada em sede de uma reclamação que, por natureza e na falta da norma expressa em contrário, é um meio gracioso.
Como se sabe, para que um acto possa ser considerado meramente confirmativo, além da recorribilidade contenciosa do acto confirmado e do seu conhecimento pelo interessado, é ainda necessário que entre o acto confirmado e o acto confirmativo haja identidade de sujeitos, de objecto e de decisão.
Confrontando o despacho de 15JAN2013 com o despacho ora recorrido de 11JUN2013, verifica-se que ambos os despachos decidiram declarar “caducada” a autorização de residência temporária concedida a D e aos dois membros do seu agregado familiar, que são as ora recorrentes, com fundamento no comprovado incumprimento por parte de D das leis da RAEM, que concretamente consiste na condenação por decisão judicial transitada em julgado pela prática por D de um crime de abandono ou exposição, p. e p. pelo artº 135º do C. P..
Havendo portanto identidade de sujeitos, de objecto e de decisão e carecendo consequentemente o despacho ora recorrido de lesividade própria por se ter limitado a repetir aquilo que já foi decidido no despacho de 25JAN2013, é de concluir que o despacho posterior é meramente confirmativo do anterior.
Procede assim a excepção da inimpugnabilidade contenciosa do acto recorrido, suscitada pela entidade recorrida em sede de contestação, o que implica logo a rejeição do presente recurso.
Tudo visto, resta decidir.
Pelos fundamentos expostos e ao abrigo do disposto no artº 46º/2-c) do CPAC, acordam julgar procedente a excepção da irrecorribilidade do acto e rejeitar o recurso.
Custas pelas recorrentes, com taxa de justiça fixada em 4 UC a cargo a cada uma das recorrentes.
RAEM, 18SET2014
Lai Kin Hong Fui presente
(Relator) Mai Man Ieng
João A. G. Gil de Oliveira (Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)