Processo nº 586/2014 Data: 23.10.2014
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “furto (qualificado)”.
Erro notório.
Pena.
SUMÁRIO
1. “Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova.
2. Tendo o arguido agido com dolo directo e intenso, motivos não há para censurar uma pena que corresponde a um terço do seu limite máximo.
O relator,
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Processo nº 586/2014
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar (1°) A, arguido com os restantes sinais dos autos, como autor material da prática de 1 crime de “furto qualificado (na forma tentada), p. e p. pelos art°s 198°, n.° 2, al. a) e 21° e 22° do C.P.M., na pena de 2 anos e 3 meses de prisão e a pagar ao ofendido dos autos uma indemnização no montante de MOP$220.000,00; (cfr., fls. 293 a 298).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, a final, concluir afirmando em síntese que padecia o Acórdão recorrido de “erro notório na apreciação da prova” e “violação dos art°s 40°, 48° e 65° do C.P.M.”; (cfr., fls. 314 a 320).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 322 a 323-v).
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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, pugnando também pela improcedência do recurso.
Tem o dito Parecer o teor seguinte:
“Na Motivação de fls.314 a 320 dos autos, o recorrente assacou, ao douto Acórdão em crise, o erro notório na apreciação de prova, a violação do preceituado nos arts. 40° e 65° do CP por desproporcional severidade da pena imposta, a nulidade em virtude de não fundamentar a não concessão da suspensão da execução da mesma, e o preenchimento dos pressupostos da concessão da suspensão da execução da dita pena.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.322 a 322 verso), no sentido do não provimento do presente recurso.
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No que diz respeito ao «o erro notório na apreciação de prova» consagrado na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada a seguinte jurisprudência (cfr. Acórdãos do Venerando TUI nos Processo n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014):
O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
No caso sub iudice, o recorrente argumentou:1.根據獲證明的事實指上訴人所盜竊的電纜的價值估算約合人民幣22萬元,但是上訴人未發現在卷宗中載有相關估算的依據或價值鑑定文件,而該等電纜的價值或受害人的損失不應單憑某一些證人、受害人或其代表人予以證實。事實上,證人或受害人的代表人也未能在庭審中對有關電纜的價值或受害人的損失的金額以予確定。
6.因此,獲證明的事實指上訴人所盜竊的電纜的價值估算約合共人民幣22 萬元是沒有充足的鑑定證據的支持,因而違反«刑事訴訟法典»第139條第1款的規定以及沾有第400條第2款c)項所指的審查證據方面明顯有錯誤的瑕疵。
O raciocínio do recorrente dá-se a entender que na sua óptica, o «erro notório na apreciação de prova» consiste em não existir prova segura para suportar o 12° facto provado enumerado no Acórdão em questão. O que toma patente e líquido que a argumentação do recorrente não integra em nenhuma das modalidades delineadas reiteradamente pelo TUI.
Bem, os argumentos aduzidos em sede do «erro notório na apreciação de prova» mostram nitidamente que ele pretendeu pôr em crise, no fundo, a apreciação e livre convicção do Tribunal a quo sobre os vários meios de prova, tentando sobrepor a sua valorização sobre a do Tribunal.
O que justifica que se recordar o ensinamento do Venerando TUI no seu Processo n.°13/2001: O recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador.
De outro lado, interessa não olvidar (Acórdão do Venerando TSI no Processo n.°132/2004): A invocação do vício de erro notório na apreciação da prova não pode servir para pôr em causa a livre convicção do Tribunal, pois que o mesmo nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o recorrente.
E mais (Acórdão do Venerando TSI no Processo n.° 470/2010): Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
Em conformidade com tais sensatas jurisprudências, afigura-se-nos inquestionável que não se verifica o invocado «erro notório na apreciação de prova», sendo os argumentos do recorrente supra transcritos vedado pelo preceito no art.114° do CPP.
Ora, o instrumento aludido no 2° facto provado demonstra indubitavelmente a premeditação. E por sua vez, o 8° facto provado constata que um indivíduo desconhecido tentou a agredir o apanhador B para libertar o recorrente que estava apanhado - O que toma absolutamente firme que eles se pertenciam ao mesmo grupo. Acontece que de cabo a rabo, o recorrente nunca revelou seus comparticipantes.
Tudo isto comprova suficientemente o elevado grau de ilicitude e a forte intensidade do dolo. Nestes termos, e tomando como parâmetro a moldura penal consignada na a) do n.°2 do art.198° do Código Penal, não se descortina, com efeito, a assacada desproporcional severidade da pena de 2 anos e 3 meses de prisão aplicada, pelo que cai necessariamente a arguida violação do preceituado nos arts.40° e 65° do CP.
Atendendo ao elevado grau de ilicitude, à forte intensidade do dolo e à ainda personalidade do recorrente, temos por patente e concludente que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da prisão.
Daí decorre forçosamente que não pode deixar de ser descabida a opinião (do recorrente) de se preencher in casu o pressuposto material da concessão da suspensão da execução da pena de 2 anos e 3 meses de prisão, sendo manifestamente inviável a suspensão da execução da mesma.
É verdade que não se encontra, no Acórdão recorrido, a exposição expressa das razões pelas quais não foi concedida ao recorrente a suspensão da execução da aludida pena de prisão. O que gera uma aparente falta de fundamentação de decisão implícita (contida no Acórdão em causa) de não conceder a suspensão da execução.
Todavia, o n.°4 do art.48° do Código Penal exige apenas a especificação dos fundamentos da suspensão, não impondo ao julgador o dever de fundamentar a decisão, quer explícita quer implícita, de não conceder a suspensão da execução.
Nestes termos, e atentas todas as circunstâncias (ilicitude, dolo e personalidade) que constatam a inviabilidade da suspensão da execução, a apontada «aparente falta de fundamentação» terá de ser, na nossa óptica, inoperante e inócua – não produzindo nulidade do Acórdão recorrido.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 334 a 336).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 295 a 296, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “furto qualificado” (na forma tentada), p. e p. pelos art°s 198°, n.° 2, al. a) e 21° e 22° do C.P.M., na pena de 2 anos e 3 meses de prisão e a pagar ao ofendido dos autos uma indemnização no montante de MOP$220.000,00.
É de opinião que a decisão recorrida padece de “erro notório na apreciação da prova” e “violação dos art°s 40°, 48° e 65° do C.P.M.”.
–– Comecemos, como é lógico, pelo assacado “erro”.
Pois bem, aqui, como – bem – notam os Exmos. Magistrados do Ministério Público, cremos que não se pode acolher o entendimento do arguido ora recorrente.
Vejamos.
Repetidamente tem este T.S.I. afirmado que: “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 03.07.2014, Proc. n.° 375/2014 do ora relator).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 03.07.2014, Proc. n.° 375/2014).
Dito isto, e constatando-se do Acórdão recorrido que o Colectivo a quo se limitou a apreciar a prova em conformidade com o “princípio da livre apreciação da prova” (cfr., art .114° do C.P.P.M.), não tendo violado nenhuma norma sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, mais não e preciso dizer para se concluir que o recorrente limita-se a tentar sindicar a apreciação da prova efectuada pelo Tribunal, tentando impor a sua versão, o que, como é óbvio, não colhe.
–– Da alegada violação dos art°s 40°, 48°e 65° do C.P.M..
Pois bem, com sabido é, no invocado art. 40° consagram-se os “fins das penas”, no art. 48°, os “pressupostos para a suspensão da execução da pena”, e no art. 65°, os “critérios para a determinação da pena”.
Como se deixou relatado, no caso, foi o arguido condenado como autor material da prática de 1 crime de “furto qualificado (na forma tentada), p. e p. pelos art°s 198°, n.° 2, al. a) e 21° e 22° do C.P.M., na pena de 2 anos e 3 meses de prisão.
Ao crime de “furto” (qualificado) cometido cabe a pena de 2 a 10 anos de prisão.
Considerando que o foi na “forma tentada”, (cfr., art. 21° e 22° do C.P.M.), de aplicar é o art. 66° do mesmo Código onde se prevê o instituto da “atenuação especial da pena”, cujos “termos” vem estatuídos no art. 67°, que prescreve o seguinte:
“1. Sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável:
a) O limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço;
b) O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior;
c) O limite máximo da pena de multa é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal;
d) Se o limite máximo da pena de prisão não for superior a 3 anos pode a mesma ser substituída por multa, dentro dos limites referidos no n.º 1 do artigo 45.º
2. A pena especialmente atenuada que tiver sido em concreto fixada é passível de substituição e suspensão, nos termos gerais”.
Ora, atento o estatuído nas alíneas a) e b) do n.° 1 do transcrito comando legal, cremos que se mostra de confirmar a pena aplicada de 2 anos e 3 meses de prisão aplicada.
De facto, o arguido agiu com dolo directo e muito intenso, elevada sendo também a ilicitude da sua conduta, não se podendo esquecer que o “furto” dos autos, se não oportunamente neutralizado, (e daí cometido na forma tentada), causaria um prejuízo de “valor consideravelmente elevado”.
Assim, e estando a pena a cerca de 1/3 da sua moldura penal, cremos pois que motivos não há para qualquer redução.
Quanto à “suspensão da execução da pena”.
Nos termos do art. 48° do C.P.M.:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Diz o arguido recorrente que o Tribunal a quo omitiu por completo qualquer justificação para não suspender a execução da pena de 2 anos e 3 meses de prisão que decretou.
Ora, é verdade que assim é.
Com efeito, lendo-se o Acórdão recorrido, nada se encontra sobre tal aspecto.
Assim, quid iuris?
Pois bem, entende a maioria deste Colectivo que nada obriga o Tribunal a expor o porquê da não suspensão da execução de uma pena (de prisão não superior a 3 anos), pois que importa atentar na diferente redacção do art. 44° e 66° do C.P.M.; (“substituição da pena de prisão” e “atenuação especial da pena”) e do art. 48°, aqui em questão.
E, assim, tendo presente o estatuído no mencionado art. 48°, e vistas as necessidades de prevenção criminal, adequada se mostra igualmente a decisão de não suspensão da pena única de 2 anos e 3 meses de prisão decretada, desta forma se constatando da total improcedência do presente recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o arguido recorrente a taxa de justiça de 5 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$2.000,00.
Macau, aos 23 de Outubro de 2014
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José Maria Dias Azedo
(Relator)
(seguir declaração)
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
(entendo que não sendo obrigatória a concessão do benefício de suspensão da execução da pena de prisão aplicada em duração não superior a três anos (pois o art.º 48.º, n.º 1, do C.P. fala do poder suspender), o Tribunal recorrido não precisa de justificar, na sua decisão final condenatória, o não uso de uma faculdade decisória conferida pelo Legislador Penal com confiança no prudente e livre arbítrio do julgador judicial).
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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo nº 586/2014
(Autos de recurso penal)
Declaração de voto
Não obstante ter relatado o acórdão que antecede, não subscrevo o segmento decisório com o qual – por maioria – se entendeu que o Tribunal a quo não necessita de fundamentar a decisão de não suspensão da execução de uma “pena de prisão não superior a 3 anos”, como é a dos presentes autos.
Em síntese, eis os motivos que me levaram a divergir do entendimento dos meus Exmos. Colegas.
Pois bem, é sabido que nos termos do art. 48° do C.P.M.:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Por sua vez, em matéria de “fundamentação”, e (para além de no art. 87°, n.° 4 do C.P.P.M. se prescrever que “os actos decisórios são sempre fundamentados”), em causa estando um (a “sentença” ou) “acórdão” (do T.J.B.), importa ponderar no estatuído no art. 356° do C.P.P.M.:
“1. A sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, indicando nomeadamente, se for caso disso, o início do seu cumprimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social.
2. Após a leitura da sentença condenatória, o juiz que preside ao julgamento, quando o julgar conveniente, dirige ao arguido breve alocução, exortando-o a corrigir-se.
3. Para efeitos do disposto neste Código, considera-se também sentença condenatória a que tiver decretado dispensa de pena”; (sub. nosso).
Tratando de questão relacionada com este art. 356° do C.P.P.M., teve já este T.S.I oportunidade de consignar que “a falta de fundamentação à escolha e à medida da pena nos termos do artigo 356° n° 1 do Código de Processo Penal não conduz a nulidade da decisão prevista no artigo 360° do Código de Processo Penal”, considerando-se que o vício em questão seria o de mera irregularidade; (cfr., v.g., Ac. de 09.11.2006, Proc. n.° 321/2006).
Mais recentemente, entendeu também o Vdo T.U.I. que “a falta, na sentença condenatória, dos elementos previstos na primeira parte do artigo 356.°, n.° 1 do Código de Processo Penal (fundamentos que presidiram à escolha e à medida da pena), constitui mera irregularidade, sujeita ao regime do artigo 361.°, n.os 1, alínea b) e 2 do mesmo diploma legal”; (cfr., Ac. do T.U.I. de 23.09.2009, Proc. n.° 25/2009).
Nesta conformidade, das duas uma: ou se considera que a “decisão de não suspender a execução de uma pena (objectivamente) passível de tal medida” não está abrangida pela previsão do art. 356°, n.° 1 do C.P.P.M., ou (então), que não deixa de constituir uma “decisão em matéria de «escolha (e medida) da sanção aplicada»”, e então, a se acompanhar o consignado nos atrás referidos arestos deste T.S.I. de 09.11.2006 e do T.U.I. de 23.09.2009, padeceria a decisão recorrida do vício de “irregularidade”, precisamente, por “falta de fundamentação”; (sobre a questão, e como mera referência, pode-se ver também, v.g., o Ac. do S.T.J. de 14.12.2000, Proc. n.° 2769/2000, in S.A.S.T.J., n.° 46, 54, onde se escreveu que “a fundamentação da decisão de suspender ou não a execução da pena, nos casos em que formalmente ela é possível, é uma fundamentação específica, que é como quem diz mais exigente que a decorrente do dever geral de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente (…). Decorre do exposto o dever de o juiz assentar o incontornável juízo de prognose, favorável ou desfavorável, em bases de facto capazes de o suportarem com alguma firmeza, sem que todavia se exija uma certeza quanto ao desenrolar futuro do comportamento do arguido”, o de 25.05.2005, Proc. n.° 1939/05, in S.A.S.T.J., n.° 91, 154, onde se escreveu “se o tribunal aplica uma pena de prisão não superior a 3 anos, tem sempre de apreciar fundadamente a possibilidade de suspender a respectiva execução, pelo que não pode deixar de indagar a verificação das respectivas condições (prognose e necessidade de prevenção) e exarar o resultado dessa indagação, decidindo em conformidade. Se o não fizer, o tribunal deixa de se pronunciar sobre questão que devia apreciar, pelo que é nula a decisão, que o tribunal superior pode conhecer oficiosamente, designadamente quando vem impugnada a não suspensão da execução da pena e, pela referida omissão, fica prejudicado o reexame pedido de tal questão”, e o Ac. do T. Constitucional português n.° 61/2006, Proc. n.° 492/05, onde se considera igualmente “ilegal” uma interpretação do art. 375° - equivalente ao art. 356° do nosso C.P.P.M. – “no sentido de não impor fundamentação da decisão de não suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos”).
No mesmo sentido pronuncia-se também o Prof. Figueiredo Dias que sobre a mesma questão escreve o que segue:
“Desde logo, num caso como no outro [suspensão simples ou suspensão com imposição de deveres], o tribunal tem de especificar na sentença os fundamentos da suspensão (art. 48.º‑3). O texto deste comando – sugerindo que a fundamentação (específica, é claro, e que em nada contende com o dever geral de fundamentação de toda e qualquer decisão judicial só se torna necessária quando o tribunal se decida pela suspensão – deve ser interpretado em termos amplos e os únicos correctos. O tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a 3 anos, terá sempre de fundamentar especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão, nomeadamente no que toca ao carácter favorável ou desfavorável da prognose e (eventualmente) às exigências de defesa do ordenamento jurídico. Outro procedimento configuraria um verdadeiro erro de direito, como tal controlável mesmo em revista, por violação, para além do mais, do disposto no art. 71.º. Só assim não terá de proceder o tribunal quando, sendo a medida determinada da pena de prisão inferior a 6 ou a 3 meses, ele se decida logo (fundadamente) por outra pena de substituição aplicável (multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, admoestação)”; (in “Direito Penal Português – Parte Geral; II – Consequências Jurídicas do Crime”, Lisboa, 1993, pág. 345).
Aliás, não se pode (ou deve) esquecer que “a fundamentação das decisões judiciais” – e abreviando – tem (também) como finalidade exteriorizar e (assim) permitir aos sujeitos processuais (e público em geral) a cabal compreensão dos motivos da (própria) decisão proferida.
E, dest’arte, se perante uma pena de prisão de medida não superior a 3 anos, e portanto, (objectivamente) passível de suspensão na sua execução, nada diz o Tribunal que a decreta, (limitando-se a condenar o arguido na mesma pena), dificultada está a tarefa daqueles que com ela se não conformam e tenham legitimidade para dela recorrer, visto que, (para além de se poder entender que houve “esquecimento”, e, então “omissão de pronúncia”), desconhecem (por completo) os “motivos” que levaram o Tribunal a não suspender a execução da pena a que chegou, sendo, desta forma, e no mínimo, “mais complexa”, a sua impugnação.
Por fim, devendo ser o processo penal um “processo leal” e “equitativo”, e sendo o “direito ao recurso” um “direito fundamental”, não nos parece que deva o Tribunal dispensar-se (ou abster-se) de esclarecer, (sempre, e cabalmente), os motivos de facto e de direito das suas decisões, (ou “opções”), de forma a permitir uma integral compreensão das razões que o levaram a decidir no sentido que decidiu (e não noutro), desta forma, proporcionando, (também), um pleno exercício do aludido direito ao recurso àqueles a quem assiste legitimidade para tal.
Macau, aos 23 de Outubro de 2014
Proc. 586/2014 Pág. 28
Proc. 586/2014 Pág. 27