Processo nº 505/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 23 de Outubro de 2014
Recorrente: A (Ré)
Recorrido: B (Autor)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
Por sentença de 30/04/2014, julgou-se a acção parcialmente procedente e em consequência condenou-se a Ré A a pagar ao Autor B na quantia de MOP$260,268.27, com os juros de mora legais.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
a) O julgamento que incidiu sobre o ponto da matéria de facto proveniente do quesito 14º da base instrutória escorou-se no depoimento da testemunha D;
b) No respeitante à matéria do aludido ponto da matéria de facto, quando perguntado pelo Ilustre Mandatário do A. sobre se este alguma vez teria faltado sem autorização, a testemunha D começa (nas declarações gravadas sob o ficheiro "Recorded on 24-Jan-2014 at 10.52.46 (1#O)JM0W00711270).WAV") por afirmar que "ele também não podia fazer isso" (a partir de 02:48 da aludida gravação);
c) Após o que, perguntado ainda pelo Ilustre Mandatário do A. sobre se achava que este o teria feito, a testemunha afirmou ainda que "ele nunca fez isso" (a partir de 02:55 da mesma gravação);
d) Seguidamente, quando perguntado pelo mandatário da R. sobre como sabia que o A. nunca tinha faltado sem autorização, a testemunha D (nas declarações gravadas sob o ficheiro "Recorded on 24-Jan-2014 at 11.13.03 (1#O@BFG00711270).WAV") respondeu "porque era a política da companhia" (a partir de 00:55);
e) Acrescentando que os trabalhadores da R., caso não observassem essa política, poderiam ter descontos na sua remuneração, receber cartas de advertência e até, em casos extremos, ser despedidos (ficheiro "Recorded on 24-Jan-2014 at 11.14.34 (1#O-BACW00711270).WAV");
f) Sendo que, quando perguntada sobre se sabia se o A. alguma vez recebera alguma carta de advertência, a testemunha responde que "não, porque ele nunca chegou a faltar sem avisar a companhia" (ficheiro Recorded on 24-Jan-2014 at 11.15.09 (1#O-C2$G00711270).WAV);
g) O que constitui um raciocínio circular, demonstrativo de que a testemunha não tem efectivo conhecimento da matéria sobre que responde;
h) Face a todo o exposto, pela reapreciação da prova constante dos autos, nomeadamente do depoimento prestada pela testemunha D, deverá ser alterada a resposta ao facto acima identificado, julgando-se aquele não provado, com as devidas consequências quanto aos pedidos formulados pelo A.;
i) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
j) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
k) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
l) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
m) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
n) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3° e 9°;
o) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
p) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
q) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como "contratos de prestação de serviços";
r) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.;
s) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
t) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
u) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações;
v) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
w) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
x) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
y) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
z) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
aa) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400°/2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest);
bb) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
cc) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
dd) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
ee) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A, de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
ff) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400°/2 e 437º do Código Civil;
gg) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
hh) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
ii) Mesmo que não se acolha tal qualificação jurídica, ainda assim haverá que concluir que os montantes de diferenças salariais em cujo pagamento a R. vem condenada se mostram incorrectamente calculados;
jj) O Tribunal recorrido entendeu não ser possível que o contrato n° 02/94 tivesse sido aprovado pela DSTE ao longo de todo o período da relação laboral entre as partes, na medida em que, em Janeiro e Março de 2001, foram celebrados contratos de prestação de serviços distintos entre a R. e a C;
kk) Da matéria factual assim estabelecida, a conclusão a retirar é que, tendo o sido o contrato n° 02/94 aquele que serviu de base ao recrutamento do A. pela R., tal contrato não vigorou durante a totalidade da relação laboral do A.;
ll) Sendo que, após a celebração dos novos contratos de prestação de serviços nºs 1/1 e 14/1, passaram a ser estes os instrumentos contratuais aplicáveis;
mm) Sendo que, no que tange ao putativo nível mínimo de salário devido ao R., esses contratos estipulam o montante de MOP$2,000.00, pelo que nenhuma diferença se verifica no confronto com os valores que, no mesmo período, lhe foram pagos a esse título pela R.;
nn) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário;
oo) Por outro lado, reiterando-se o exposto supra acerca da aplicação dos contratos de prestação de serviços nºs 1/1 e 14/1, também no tocante às supostas diferenças relativas à remuneração de trabalho extraordinária haverá que concluir que a decisão recorrida errou no respectivo cálculo;
pp) Na medida em que tais diferenças têm por base as supostas diferenças do valor do salário, as quais deixam de existir no âmbito dos contratos de prestação de serviços nºs 1/1 e 14/1;
qq) Do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta também a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
rr) Por outro lado, por via da já sustentada aplicação dos contratos de prestação de serviços nºs 1/1 e 14/1, e verificando-se que no clausulado desses contratos não existe qualquer previsão respeitante a subsídio de alimentação, terá que considerar-se que, no âmbito de aplicação desses contratos, o A. não tem direito a tal subsídio;
ss) Acresce que, como é entendimento unânime na jurisprudência e na doutrina, o pagamento de subsídio de alimentação depende da prestação efectiva de trabalho;
tt) Porém, na decisão recorrida parece ter sido propugnado o entendimento de que as faltas justificadas ou autorizadas que o A. tenha dado ao trabalho em nada relevam para aferição do subsídio de alimentação que lhe será devido;
uu) Ao decidir nesse sentido, o Tribunal recorrido fez errada interpretação da estipulação dos Contratos sobre o subsídio de alimentação, violando o art. 228°/1 do Código Civil;
vv) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade;
ww) Assim sucederá também pela procedência da reapreciação requerida quanto ao ponto da matéria de facto objecto do presente recurso, por falta de suporte factual susceptível de integrar o direito do A. a perceber tal subsídio;
xx) Acresce que, nos termos dos Contratos, o subsídio de efectividade é um mecanismo destinado a premiar a efectiva prestação de trabalho;
yy) Nesse sentido, é para o empregador irrelevante que o empregado, faltando, o faça por motivo atendível e justificado, ou até sob autorização prévia;
zz) Assim, ao decidir no sentido de que as faltas justificadas ou autorizadas não devem ser tidas em conta para a aferição do subsídio de efectividade, a decisão a quo violou uma vez mais o disposto no art. 228°/1 do Código Civil.
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O Autor respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 431 a 442, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (alíneas A) dos factos assentes)
Desde o ano de 1994, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de 《guarda de segurança》, 《supervisor de guarda de segurança》, 《guarda sénior》, entre outros. (alíneas B) dos factos assentes)
A Ré celebrou com a C, um acordo que denominaram de 《contrato de prestação de serviços》 n.º 2/94 e que tem o seguinte teor parcial:
“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO NO. 02/94
Considerando que o Governo de Macau, por Despacho No. SAEF. De 11/12/93, autorizou a A(adiante designada por 1a. outorgante) a admitir novos trabalhadores vindos do exterior.
Nos termos do Despacho acima mencionado e do Despacho no. 12/GM/88 a 1a. outorgante e C (adiante designada por 2a. outorgante), celebram o presente contrato…
1. Recrutamento e cedência de trabalhadores.
A pedido da 1a. outorgante, a 2ª. contratou a prestação de mão-de-obra oriunda da num total de trabalhadores, …, os quais são por este contrato cedidos à 1ª. outorgante, por um período de 1 ano devendo previamente sujeitar-se a uma prova de aptidão a ser realizada pela 1ª. outorgante, como condição de admissão ao trabalho.
2. Despesas relativas à admissão.
…
3. Remuneração dos trabalhadores.
3.1. Os trabalhadores a que se refere o presente contrato auferirão salário idêntico ao nível médio dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $90,00 patacas diárias, acrescida de $15,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação.
3.2. O salário será pago pela 1ª. outorgante directamente a cada trabalhador.
3.3. Decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador, este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1ª. outorgante paga aos operários residentes no Território.
3.4. Além das retribuições já mencionadas, cada trabalhador terá direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.
4. Horário de trabalho e alojamento.
4.1. O horário de trabalho é de 8 horas diárias, a prestar durante o período fixado pela 1a. outorgante, sendo a prestação de trabalho extraordinário remunerado de harmonia com o disposto na legislação do trabalho em vigor em Macau para os operários residentes.
4.2. Os trabalhadores terão direito a faltar durante dez dias por ano para poderem visitar os seus familiares nos países acima referidos.
4.3. …
5. Assistência
5.1. …
6. Deveres dos trabalhadores.
Os trabalhadores objecto do presente contrato estão sujeitos aos seguintes deveres:
a) de cumprimento da legislação em vigor em Macau;
b) de cumprimento escrupuloso das orientações internas da 1ª. outorgante e quaisquer directrizes ou instruções por aquela transmitidas e bem assim das cláusulas do presente contrato que lhes respeitem directamente;
c) de não se afastarem das instalações da 2ª. outorgante, sem motivo justificado.
7. …
8. ...
9. Provisoriedade
9.1. A 1ª. outorgante declara que a autorização de permanência ao seu serviço dos trabalhadores objecto do presente contrato foi concedida a título precário, podendo ser cancelada a qualquer tempo pelo Governo de Macau, caso em que devolverá à 2ª. outorgante, no prazo que lhe for indicado, o número de trabalhadores para o qual deixe de ter autorização bastante ou aquele ou aqueles cuja permanência no Território seja pela via competente declarada como indesejável.
9.2. Verificadas as ocorrências previstas no número anterior, a 2ª. outorgante obriga-se a receber os trabalhadores considerados excedentários, cedendo-os a outras unidades produtivas autorizadas a contratá-los, ou promovendo o seu imediato repatriamento, conforme o caso.
10. Repatriamento.
11. Prazo do Contrato
11.1. Sem prejuízo do disposto no precedente no nº.9.1, o presente contrato terá duração de 1 ano renovável por igual período, mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do Governo do Território, a obter até 30 dias antes do seu termo.
11.2. Não se verificando a sua renovação, o presente contrato caduca no seu termo ficando a 2ª. outorgante responsável pelo repatriamento dos trabalhadores para os países acima referidos dos trabalhadores, e sendo as despesas com essa deslocação suportadas pela 1ª. outorgante.
11.3. Este contrato vigorará desde a data da sua aprovação e até à data em que se extinguir a primeira validade do título de identificação de trabalhador não - residente, emitido pelas Forças de Segurança de Macau. (Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau).
12. Disposições finais.
…
Macau, 3 de Janeiro de 1994” (alíneas C) dos factos assentes)
O Autor trabalhou sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré, exercendo as funções de guarda de segurança, entre 24/03/1994 e 14/03/2006. (alíneas D) dos factos assentes)
Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (alíneas E) dos factos assentes)
Foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (alíneas F) dos factos assentes)
O referido contrato de prestação de serviço n.º 2/94 foi objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE). (alíneas G) dos factos assentes)
Ao longo da relação laboral, a Ré apresentou ao Autor vários contratos individuais de trabalho que foram assinados pelo Autor. (alíneas H) dos factos assentes)
Em 03/01/2001, a Ré celebrou com a C, um acordo que denominaram de 《contrato de prestação de serviços》 n.º 1/1 e que tem o seguinte teor parcial:
“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO NO. 1/1
Considerando que o Governo da R.A.E.M., por Despacho No. 02420/IMO/SEF/2000 de 30/11/2000, do Exmo. Secretário para a Economia e Finanças, autorizou a A (adiante designada por 1a. outorgante) a renovar 204 trabalhadores não-residentes. Nos termos do Despacho acima mencionado e do Despacho no. 12/GM/88 a 1ª. outorgante e C (adiante designada por 2ª. outorgante), celebram o presente contrato…
1. Recrutamento e cedência de trabalhadores.
A pedido da 1ª. outorgante, a 2ª. contratou a prestação de mão-de-obra oriunda da Filipinas, Birmânia, Nepal. num total de 204 trabalhadores, com idade compreendida entre os 18 e os 60 anos, boa saúde e bom comportamento, os quais são por este contrato cedidos à 1ª. outorgante, por um período de 1 ano devendo previamente sujeitar-se a uma prova de aptidão a ser realizada pela 1ª. outorgante, como condição de admissão ao trabalho.
2. Despesas relativas à admissão.
…
3. Remuneração dos trabalhadores.
3.1. Os trabalhadores a que se refere o presente contrato auferirão salário idêntico ao nível médio dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $2,000.00 patacas mensais, acrescida de -- patacas mensais por pessoa, a título de subsídio de alimentação. (conforme as funções referidas em anexo II)
3.2. O salário será pago pela 1a. outorgante directamente a cada trabalhador.
3.3. Decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador, este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1ª. outorgante paga aos operários residentes no Território.
3.4. Além das retribuições já mencionadas, cada trabalhador terá direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.
4. Horário de trabalho e alojamento.
4.1. O horário de trabalho é de 8 horas diárias, a prestar durante o período fixado pela 1ª. outorgante, sendo a prestação de trabalho extraordinário remunerado de harmonia com o disposto na legislação do trabalho em vigor em Macau para os operários residentes.
4.2. Os trabalhadores terão direito a faltar durante dez dias por ano para poderem visitar os seus familiares nos países acima referidos.
4.3. …
5. Assistência.
5.1. …
6. Deveres dos trabalhadores.
Os trabalhadores objecto do presente contrato estão sujeitos aos seguintes deveres:
a) de cumprimento da legislação em vigor em Macau;
b) de cumprimento escrupuloso das orientações internas da 1ª. outorgante e quaisquer directrizes ou instruções por aquela transmitidas e bem assim das cláusulas do presente contrato que lhes respeitem directamente;
c) de não se afastarem das instalações da 2ª. outorgante, sem motivo justificado.
7. …
8. ...
9. Provisoriedade.
9.1. A 1ª. outorgante declara que a autorização de permanência ao seu serviço dos trabalhadores objecto do presente contrato foi concedida a título precário, podendo ser cancelada a qualquer tempo pelo Governo da R.A.E.M., caso em que devolverá à 2ª. outorgante, no prazo que lhe for indicado, o número de trabalhadores para o qual deixe de ter autorização bastante ou aquele ou aqueles cuja permanência no Território seja pela via competente declarada como indesejável.
9.2. Verificadas as ocorrências previstas no número anterior, a 2a. outorgante obriga-se a receber os trabalhadores considerados excedentários, cedendo-os a outras unidades produtivas autorizadas a contratá-los, ou promovendo o seu imediato repatriamento, conforme o caso.
10. Repatriamento.
10.1. …
10.2. O repatriamento a que se refere o presente contrato será da responsabilidade da 2ª. outorgante que se compromete a efectivá-lo imediatamente.
11. Prazo do contrato.
11.1. Sem prejuízo do disposto no precedente no nº 9.1., o presente contrato terá duração de 1 ano renovável por igual período, mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do Governo da R.A.E.M., a obter até 30 dias antes do seu termo.
11.2. Não se verificando a sua renovação, o presente contrato caduca no seu termo ficando a 2ª. outorgante responsável pelo repatriamento dos trabalhadores para os países acima referidos , e sendo as despesas com essa deslocação suportadas pela 1a. outorgante.
11.3. Este contrato vigorará desde a data da sua aprovação e até à data em que se extinguir a primeira validade do título de identificação de trabalhador não - residente, emitido pelas Forças de Segurança de Macau. (Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau).
12. Disposições finais.
…
Macau, 03 de Janeiro de 2001.” (alíneas I) dos factos assentes)
Em 23/03/2001, a Ré celebrou com a C, um acordo que denominaram de 《contrato de prestação de serviços》 n.º 14/1 e que tem o mesmo teor que o referido em I), com excepção do número de trabalhadores, que é 70, e da data referida a final, que é 26 de Março de 2001. (alíneas J) dos factos assentes)
O Autor é um trabalhador não residente. (alíneas K) dos factos assentes)
Foi ao abrigo do Contrato de prestação de serviços n.º 2/94, que o Autor foi recrutado pela C e ingressou na Ré como seu trabalhador. (Resposta ao quesito 1º da base instrutória)
Entre Abril de 1994 e Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,500.00, mensais. (Quesito 3º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,700.00, mensais. (Quesito 4º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,800.00, mensais. (Quesito 5º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$2,000.00, mensais. (Quesito 6º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$2,100.00, mensais. (Quesito 7º da base instrutória, aceite pelas partes)
Em Março de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$2,288.00, mensais. (Quesito 8º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre 24 de Março de 1994 e 30 de Junho de 1997, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia, tendo a Ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$8.00, por dia. (Resposta ao quesito 9º da base instrutória, aceite pelas partes quanto ao valor de remuneração à titulo de trabalho extraordinário)
Entre Julho de 1997 e Junho de 2002, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia, tendo a Ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$9.30, por dia. (Resposta ao quesito 10º da base instrutória, aceite pelas partes quanto ao valor de remuneração à titulo de trabalho extraordinário)
Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia, tendo a Ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$10.00, por dia. (Resposta ao quesito 11º da base instrutória, aceite pelas partes quanto ao valor de remuneração à titulo de trabalho extraordinário)
Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia, tendo a Ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$11.00, por dia. (Resposta ao quesito 12º da base instrutória, aceite pelas partes quanto ao valor de remuneração à titulo de trabalho extraordinário)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca a Ré pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (Resposta ao quesito 13º da base instrutória)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia pela Ré – deu qualquer falta ao trabalho. (Resposta ao quesito 14º da base instrutória)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de 《subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias. (Resposta ao quesito 15º da base instrutória)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
1. Da impugnação da decisão da matéria de facto
O Tribunal a quo considerou como provado o facto vertido no quesito 14º da Base Instrutória, a saber:
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho?
Na óptica da Ré, não existe prova suficiente para o efeito, uma vez que a testemunha inquirida limitou-se a fazer uma descrição do procedimento geral implementado na sociedade para a autorização de falta dos seus funcionários, sem conhecimento directo da situação concreta do Autor.
Ouvida novamente a gravação da audiência de julgamento, não cremos que a Ré tenha razão.
Em primeiro lugar, a testemunha ouvida foi colega do Autor, que chegou a trabalhar nas mesmas condições daquele, daí que os seus depoimentos não deixarão de ser credíveis.
Em segundo lugar, não obstante cada caso ser um caso autónomo, já temos vários processos congéneres, pelo que o Tribunal já não está alheio quanto à política interna da Ré respeitante à forma de prestação de trabalho dos seus guardas de segurança ao longo dos anos anteriores.
A posição da Ré não deixa de ser um “ataque” infundado à livre convicção do julgador.
Improcede, portanto, esta parte do recurso.
2. Da imperatividade do Despacho nº 12/GM/88 e da natureza dos Contratos de Prestação de Serviço
Sobre as questões em causa, este Tribunal já se pronunciou de forma reiterada e unânime em vários processos do mesmo género (a título exemplificativo: cfr. Procs. nºs 722/2010, 876/2010, 805/2010, 837/2010, 574/2010, 774/2010, 838/2010, 396/2012 e 322/2013, de 07/07/2011, 02/06/2011, 30/06/2011, 16/06/2011, 12/05/2011, 19/05/2011, 16/06/2011, 13/09/2012 e 25/07/2013, respectivamente), tendo concluído pela improcedência dos referidos argumentos do recurso.
Com a devida vénia e a propósito de situações iguais às que ora nos ocupam, consideramos aqui por reproduzidos os fundamentos já exarados nos arestos acima referidos, dispensando-se da respectiva transcrição, por ser uma jurisprudência já bem conhecida, especialmente por parte da Ré.
3. Das diferenças salariais e do trabalho extraordinário
Com a improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto e dos argumentos do recurso referidos no ponto 2, não temos qualquer margem de dúvida em afirmar que o Autor tem direito a receber da Ré as quantias condenadas àqueles títulos.
4. Do subsídio de alimentação
Para além de invocar a ineficácia do Despacho nº 12/GM/88 e dos Contratos de Prestação de Serviço para atribuir ao Autor o direito a este subsídio (matéria esta que já foi julgada improcedente nos termos anteriores), invoca ainda a Ré que o referido subsídio carece de uma efectividade de serviço, pelo que não estando provados os dias em que o trabalho foi efectivamente prestado, não podia a sentença tê-la condenado no pagamento de todos os dias por que durou a relação laboral.
Sobre esta questão, este Tribunal tem entendido em processos congéneres no sentido de que a atribuição do referido subsídio depende da prestação efectiva do serviço (cfr. Ac. do TSI, de 25/07/2013, Proc. nº 322/2013).
No caso em apreço, não se sabe o número de dias de trabalho efectivo, mas isto não determina a absolvição da Ré tal como é pretendida, uma vez que não temos qualquer dúvida de que a Ré tem a obrigação de pagar, só que não sabemos, por falta de elementos nos autos, qual a sua quantia exacta.
Nesta conformidade e tendo em conta o disposto do nº 2 do artº 564º do CPCM, ex vi do artº 1º do CPT, a Ré deve ser condenada no que se liquidar em execução da sentença.
5. Do subsídio de efectividade
Entende a Ré que o Tribunal a quo não a podia ter condenado no pagamento do mesmo pelas seguintes razões:
- ineficácia do Despacho nº 12/GM/88 e dos Contratos de Prestação de Serviço para atribuir ao Autor o direito a este subsídio;
- falta de suporte factual susceptível de integrar o direito do Autor a perceber tal subsídio, como consequência da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto; e
- por o Autor ter dado faltas, ainda que justificadas e autorizadas.
Para os primeiros dois argumentos, decidimos já que os mesmos são improcedentes nos termos invocados anteriormente.
Em relação ao último fundamento, é já jurisprudência assente ao nível deste TSI, no sentido de que a sua atribuição não está excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho.
Pois, “se o patrão autoriza uma falta seria forçado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade.” (cfr. Ac. do TSI, de 25/07/2013, Proc. nº 322/2013)
Ora, tendo sido dado como provado que o Autor nunca, sem conhecimento e autorização prévia da Ré, deu qualquer falta ao trabalho, andou bem o Tribunal a quo em reconhecer a sua atribuição.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.
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IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- conceder parcial provimento ao recurso da Ré, revogando a sentença na parte em que condenou a recorrente a pagar ao Autor a quantia de MOP$65,610.00, a título de subsídio de alimentação, passando a condenar a Ré a pagar ao Autor o montante que vier a liquidar-se em execução de sentença; e
- confirmar a sentença na parte restante.
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Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido ao Autor.
Notifique e D.N.
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RAEM, aos 23 de Outubro de 2014.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, conforme as declarações de voto, dadas anteriormente em processos congéneres.
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505/2014