Processo nº 570/2011
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas que lhe indeferiu a renovação da licença de ocupação temporária da Ponte-Cais nº 23 do porto interior e que lhe determina, no prazo de 30 dias, retirar os objectos desmontáveis ai existentes e a devolução da Ponte-Cais ao Governo da RAEM, concluindo e pedindo que:
1. O acto recorrido enferma de ilegalidades que, conforme se demonstrará, o tornam inválido e anulável;
2. O regime jurídico geral da fundamentação dos actos administrativos consta actualmente dos artigos 114º. e 115º. do Código do Procedimento Administrativo;
3. A fundamentação deve proporcionar ao administrado (destinatário normal) a reconstituição do denominado iter cognoscitivo e valorativo do autor do acto para que este fique a conhecer o motivo por que se decidiu naquele sentido; para que conscientemente o aceite ou o impugne, ao mesmo tempo que se deseja que aquele decida com ponderação o que, em princípio se conseguirá com a externação dos respectivos fundamentos, prática que, normalmente, conduz à sua reflexão;
4. Do exposto flui, que a Recorrente tinha o direito de conhecer a respectiva e verdadeira fundamentação, para os fins legalmente previstos. Era necessária uma exposição dos fundamentos de facto e de direito que se apresentasse clara, congruente e suficiente, ainda que sucinta, e esclarecesse concretamente a motivação da decisão, o que não se verifica no acto impugnado, que por isso é ilegal;
5. Com efeito, do acto recorrido não constam quaisquer factos precisos que permitam saber da concreta motivação, nem da justeza das subsunções;
6. Todavia, e por forma a demonstrar a boa vontade do ora Recorrente para a resolução do conflito que o opõe à Administração, foram requeridos atempadamente os documentos necessários à preparação da sua defesa e à instrução do presente recurso contencioso.
7. Deixou assim de enfemar o Despacho do Exm.o Senhor Secretário Para as Obras Públicas e Transportes de Macau do vício de forma, por insuficiente fundamentação porquanto o Parecer que serviu de base para a emissão do despacho ora recorrido ter sido prontamente suportado pelo ora Recorrente.
8. Acresce que, no modesto entendimento da ora Recorrente, o acto recorrido viola igualmente os princípios da colaboração entre a Administração e os particulares, o princípio da protecção da confiança legítima, o princípio da boa fé e o princípio da proporcionalidade;
9. Apesar da rejeição do pedido de emissão de licença de construção de um edifício no espaço relativo às pontes-cais n.º 23 e 25, o ora Recorrente foi sendo sempre autorizado pelo Governo a efectuar obras na ponte-cais n.º 23 designadamente as obras de reconstrução;
10. Tal autorização para a realização de obras de reconstrução de grande dimensão, por si só, deverá ser entendida como uma espécie de garantia de que o investimento efectuado na reconstrução da ponte-cais poderia ser recuperado com a exploração daquela durante os anos que se lhe seguiam;
11. Assim, face à actuação da Administração Pública ao longo dos anos, a inesperada decisão de indeferimento da renovação da licença de ocupação precária e consequente desocupação da Ponte Cais é claramente lesiva dos interesses do Recorrente e manifestamente injusta, desajustada e desproporcional face aos objectivos que pretende alcançar;
12. Ao decidir como decidiu, o Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Publicas desrespeitou os mais elementares princípios fundamentais do direito que regem a actividade da Administração Pública, nomeadamente o princípio da colaboração entre a Administração e os particulares, o princípio da protecção da confiança legítima, corolário do princípio da boa fé, bem como o princípio da proporcionalidade;
13. Pelo que, o aludido acto configura uma enfermidade do acto por violação de lei, o que gera a anulabilidade do mesmo acto, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do nº 1 do artigo 21º do CPAC;
14. No despacho n.º 58/DAPE/ATJ/2011 da Capitania dos Portos de Macau, refere-se também que "O cais n.º 23 do Porto Interior é constituído por dois edifícios e por uma plataforma de madeira, o rés-do-chão e o segundo andar dos edifícios encontram-se actualmente desocupados. Normalmente não há barcos estacionados no cais." (tradução da responsabilidade do Recorrente);
15. O que não corresponde de todo à verdade dos factos;
16. Daí que a decisão recorrida está eivada do vício do erro sobre os pressupostos de facto que por si só constitui uma das causas de invalidade do acto administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material, pois é a própria substância do acto administrativo que contraria a lei;
17. Assim sendo, o pressuposto de que o acto recorrido partiu - de que a Ponte Cais não tinha qualquer actividade - apesar da aparência, não se mostrava verificado, pelo que o mesmo se encontra inquinado do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do nº 1 do artigo 21º do CPAC;
18. Refere ainda o despacho n.º 58/DAPE/ATJ/2011 da Capitania dos Portos de Macau que a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), no seu relatório n.º 2065/DDPDT/2010 de 15 de Dezembro de 2010, "comunicou a intenção de criar uma via exclusiva para autocarros desde as Portas do Cerco até à Barra e sugeriu que o espaço compreendido entre os cais n.º 23 e 25 deveria ser reservado à via pública” ;
19. No entender do ora Recorrente também este argumento da Capitania dos Portos de Macau torna o acto administrativo que indeferiu o pedido de renovação da exploração da Ponte Cais n.º 23 anulável, porquanto viola, de forma grosseira o princípio da igualdade, que se encontra plasmado no artigo 5.º do CPA;
20. Daí que teremos de concluir que o acto recorrido padece ainda do vício de violação da lei, para além de se traduzir numa decisão desproporcional, inadequada e injusta relativamente aos direitos e interesses que o ordenamento jurídico da RAEM confere ao Recorrente.
21. Ao decidir como decidiu, o Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Publicas desrespeitou também nesta parte os mais elementares princípios fundamentais do direito que regem a actividade da Administração Pública, nomeadamente o princípio da igualdade e bem como o princípio da proporcionalidade;
22. Configurando uma enfermidade do acto por violação de lei, o que gera a anulabilidade do mesmo acto, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do nº 1 do artigo 21º do CPAC;
23. Acresce que, o conceito de interesse público a que alude o art.º 20.º do supra aludido normativo (que prevê a possibilidade de extinção das licenças quando existirem motivos que de interesse público que o justifiquem) é um conceito jurídico indeterminado, gozando a Administração, neste domínio, de liberdade de escolha do elemento ou elementos atendíveis para o preenchimento de tal tipo de conceito, apenas "sancionável" pelo Tribunal no caso de assentar em erro patente ou critério inadequado;
24. Por si só, a opção pelo indeferimento do pedido de renovação da licença de ocupação da Ponte-cais n.º 23 e do seu consequente abandono por parte do ora Recorrente, da autoria da Capitania dos Portos de Macau, por se considerar de interesse público a obtenção daquele espaço, para a futura incorporação "numa via exclusiva para autocarros a construir desde as Portas do Cerco até à Barra", não revela nenhum erro patente ou uso de critério inadequado;
25. Sucede que, a actuação da Administração i) no que concerne às restantes pontes-cais existentes no Porto Interior - às quais continua a renovar as licenças de ocupação - e bem assim, ii) no que concerne ao licenciamento de novas construções recentemente edificadas no espaço físico onde alegadamente deveria ser construída a nova via pública exclusiva para autocarros;
26. Demonstra que não existe qualquer vontade efectiva da Administração em prosseguir com a implementação da via referida no relatório da DSAT com o n.º 2065/DDPT/2010 de 15 de Dezembro, porque se assim fosse, não teria sido deferido nenhum pedido de renovação da licença de ocupação das restantes pontes-cais que integram o Porto Interior;
27. Ora, pelas razões acima expostas e na modesta opinião do ora Recorrente, o indeferimento do pedido de renovação da licença de ocupação da Ponte-cais n.º 23 da administração configura um vício de desvio de poder;
28. Pelo que, confrontada a fundamentação do despacho n,º 58/DAPE/ATJ/2011 da Capitania dos Portos de Macau anexo ao despacho do Sr. Secretário das Obras Públicas e Transportes de que ora se recorre, verifica-se que não poderá existir, por parte da administração, uma verdadeira intenção de prosseguir com a construção da via exclusiva para autocarros, pelo que deverá julgar-se procedente o vício de desvio de poder;
29. Finalmente, como referido supra, o acto em apreço viola directamente direitos fundamentais reconhecidos pela RAEM;
30. O essencial é o direito de propriedade do ora Recorrente sobre as edificações existentes no local. Na verdade, ao contrário do que a entidade recorrida pretende demonstrar, o Recorrente adquiriu a referida ponte cais por Declaração de cessão dos equipamentos e a respectiva propriedade bem como do direito de utilização do espaço hídrico, da Ponte-Cais n.º 23 do Porto Interior” datada de 20 de Outubro de 1992;
31. Foi, portanto, por acto inter vivos e oneroso que o Recorrente assumiu a propriedade da referida ponte e suas edificações já existentes;
32. É que, essas edificações já existiam antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho;
33. Ao suceder na posse da referida Ponte-cais por acto inter vivos, a posse do Recorrente deverá ser considerada como posse formal existente desde o primeiro possuidor da aludida Ponte-cais, ou seja, pelo menos desde 1944;
34. O que perfaz uma posse de cerca de 67 anos;
35. Durante todo esse período possessório, e tendo exercido pelo menos desde 1992 a mesma, sobre o referido imóvel, todos os actos inerentes ao direito de propriedade, o Recorrente encontra-se em condições de ver o seu direito reconhecido judicialmente;
36. Do exposto resulta que a qualificação do ora Recorrente como proprietário das edificações existentes da ponte em causa, é incompatível com o efeito útil que se pretende com o acto recorrido, que configura uma verdadeira expropriação gratuita e injustificada;
37. Considerando que, como se demonstrou supra, o ora Recorrente é possuidor da referida Ponte Cais cujas edificações foram construídas antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho.
38. Ao contrário da aludida Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho, a Lei 6/73 de 13 de Agosto só estabelecia a reversão gratuita das construções em casos de violação do particular das suas obrigações;
38. Nesta medida, o acto é anulável, por violar directamente o direito Recorrente, enquadrável no âmbito do n.º 4 do artigo 5º da Lei de Terras; Por violar i) o artigo 17º da Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho e ii) a Lei 6/73 de 13 de Agosto (a contrário).
NESTES TERMOS e nos melhores de direito requer-se seja proferido Douto Acórdão por esse Venerando Tribunal, que anule o acto recorrido de indeferimento do pedido de renovação de licença de ocupação precária da Ponte-Cais n.º 23 do porto interior e da desocupação no prazo de 30 dias da referida Ponte - Cais, nos termos do disposto no artigo 21º, nº 1 do CPAC, por se mostrar inquinado de:
a) do vício de violação de lei por violação dos princípios da colaboração entre a Administração e os particulares, do princípio da protecção da confiança legítima, do princípio da boa fé e do princípio da proporcionalidade;
b) do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de Facto;
c) do vício de desvio de poder, e
d) do vício de violação de lei por erro de direito.
PARA TANTO, requer a V.Ex.a se digne ordenar a citação da Entidade Recorrida, para responder querendo, no prazo legal, e juntar aos autos o original do processo administrativo respectivo.
Citado, vem o Secretário para os Transportes e Obras Públicas contestar pugnando pela improcedência do recurso – vide as fls. 133 a 157 dos p. autos.
Produzidas provas testemunhais requeridas pelo recorrente, foram o recorrente e a entidade recorrida notificados para apresentar alegações facultativas.
Apresentou o recorrente alegações facultativas concluindo e pedindo que:
I. O acto recorrido enferma de ilegalidades que, conforme se demonstrará, o tornam inválido e anulável;
II. O regime jurídico geral da fundamentação dos actos administrativos consta actualmente dos artigos 114º. e 115º. do Código do Procedimento Administrativo;
III. A fundamentação deve proporcionar ao administrado (destinatário normal) a reconstituição do denominado iter cognoscitivo e valorativo do autor do acto para que este fique a conhecer o motivo por que se decidiu naquele sentido; para que conscientemente o aceite ou o impugne, ao mesmo tempo que se deseja que aquele decida com ponderação o que, em princípio se conseguirá com a externação dos respectivos fundamentos, prática que, normalmente, conduz à sua reflexão;
IV. Do exposto flui, que a Recorrente tinha o direito de conhecer a respectiva e verdadeira fundamentação, para os fins legalmente previstos. Era necessária uma exposição dos fundamentos de facto e de direito que se apresentasse clara, congruente e suficiente, ainda que sucinta, e esclarecesse concretamente a motivação da decisão, o que não se verifica no acto impugnado, que por isso é ilegal;
V. Com efeito, do acto recorrido não constam quaisquer factos precisos que permitam saber da concreta motivação, nem da justeza das subsunções;
VI. Todavia, e por forma a demonstrar a boa vontade do ora Recorrente para a resolução do conflito que o opõe à Administração, foram requeridos atempadamente os documentos necessários à preparação da sua defesa e à instrução do presente recurso contencioso.
VII. Deixou assim de enfermar o Despacho do Exmo. Senhor Secretário Para as Obras Públicas e Transportes de Macau do vício de forma, por insuficiente fundamentação porquanto o Parecer que serviu de base para a emissão do despacho ora recorrido ter sido prontamente suportado pelo ora Recorrente.
VIII. No despacho n.º 58/DAPE/ATJ/2011 da Capitania dos Portos de Macau, refere-se também que "O cais n.º 23 do Porto Interior é constituído por dois edifícios e por uma plataforma de madeira, o rés-do-chão e o segundo andar dos edifícios encontram-se actualmente desocupados. Normalmente não há barcos estacionados no cais." (tradução da responsabilidade do Recorrente);
IX. O que não corresponde de todo à verdade dos factos;
X. Daí que a decisão recorrida está eivada do vício do erro sobre os pressupostos de facto que por si só constitui uma das causas de invalidade do acto administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material, pois é a própria substância do acto administrativo que contraria a lei;
XI. Assim sendo, o pressuposto de que o acto recorrido partiu - de que a Ponte Cais não tinha qualquer actividade - apesar da aparência, não se mostrava verificado, pelo que o mesmo se encontra inquinado do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do nº 1 do artigo 21º do CPAC;
XII. Refere ainda o despacho n.º 58/DAPE/ATJ/2011 da Capitania dos Portos de Macau que a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), no seu relatório n.º 2065/DDPDT/2010 de 15 de Dezembro de 2010, "comunicou a intenção de criar uma via exclusiva para autocarros desde as Portas do Cerco até à Barra e sugeriu que o espaço compreendido entre os cais n.º 23 e 25 deveria ser reservado à via pública" ;
XIII. No entender do ora Recorrente também este argumento da Capitania dos Portos de Macau torna o acto administrativo que indeferiu o pedido de renovação da exploração da Ponte Cais n.º 23 anulável, porquanto viola, de forma grosseira o princípio da igualdade, que se encontra plasmado no artigo 5.º do CPA;
XIV. A decisão de indeferimento das licenças de ocupação não se estendeu aos ocupantes das restantes ponte-cais do Porto Interior - conforme resulta da certidão junta pelo ora Recorrente em 10/05/2012, as quais, nomeadamente a Ponte Cais n.º 26, 29, 30 e 31, se encontram exactamente nas mesmas condições que a Ponte Cais n.º 23, ou seja,
XV. As pontes cais n.ºs 23 e 25, estão perfeitamente alinhadas, nomeadamente, com as pontes cais n.º 26 e 29, sendo que a via que passa em frente a todas elas tem a mesma largura, tal como foi confirmado pelas testemunhas ouvidas por esse douto Tribunal, e resulta quer das fotografias juntas pelo ora Recorrente aos presente autos em 27.06.2012, quer da planta cadastral junta pela entidade Recorrida com a sua contestação e da qual ainda se consegue confirmar que a Ponte Cais n.º 26 se encontra alinhada com a Ponte Cais 23 e 25,
XVI. A decisão ora em recurso, prejudica exclusivamente o direito do ora Recorrente e da Companhia Tat Hou, enquanto detentores da licença de ocupação da Ponte n.º 25 e 23, respectivamente, porquanto só estes serão atingidos no seu direito de explorarem as respectivas ponte-cais, não obstante outras pontes-cais estarem nas mesmas exactas condições que a ponte-cais do ora Recorrente.
XVII. A prossecução do interesse público obedece a regras, e a critérios que terão de ser aplicados a todos aqueles que poderão ter direitos conflituantes com o alegado interesse público, sem excepção.
XVIII. A construção da supra mencionada via pública seria um dos projectos de maior envergadura da RAEM, por esse facto, a sua implementação estender-se-ia ao longo de vários meses, não se vislumbrando porque razão não foi o pedido de renovação da licença temporária de ocupação da Ponte-cais n.º 23, deferido, uma vez que dificilmente a construção da via exclusiva à circulação de autocarros estaria concluída antes de Dezembro de 2011 (aliás ainda nem sequer se iniciou), que seria o período de duração da licença a conceder à ora Recorrente, caso o supra aludido pedido tivesse sido deferido.
XIX. A decisão do Sr. Secretário para as Obras Públicas e Transportes, a ser confirmada pelo douto Tribunal, afecta de forma quase irremediável a existência da ora Recorrente, impedindo a continuação da actividade da ora Recorrente, como inclusivamente a localização da sua sede social, estão dependentes da continuação daquela no edifício existente na Ponte-cais n.º 23, porquanto a exigência da Administração de retirada daquele local, não é compaginável com a própria actividade comercial da Recorrente.
XX. A prossecução do projecto de construção da via pública exclusiva para autocarros, que fundamentou o interesse público que justifica a extinção da licença de ocupação em causa, esse não parece minimamente afectada porquanto poderá certamente prosseguir, mesmo que seja deferido o pedido de renovação da dita licença que foi efectuado pela ora Recorrente.
XXI. Não existe uma verdadeira adequação e ou proporcionalidade entre os objectivos a realizar, e os prejuízos que a decisão da Administração poderá provocar na esfera jurídica da ora Recorrente, porquanto a curto médio prazo, apenas subsistirão prejuízos desta última, e não necessariamente, a prossecução do fim público pretendido.
XXII. Daí que teremos de concluir que o acto recorrido padece ainda do vício de violação da lei, para além de se traduzir numa decisão desproporcional, inadequada e injusta relativamente aos direitos e interesses que o ordenamento jurídico da RAEM confere ao Recorrente.
XXIII. Ao decidir como decidiu, o Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Publicas desrespeitou também nesta parte os mais elementares princípios fundamentais do direito que regem a actividade da Administração Pública, nomeadamente o princípio da igualdade e bem como o princípio da proporcionalidade;
XXIV. Configurando uma enfermidade do acto por violação de lei, o que gera a anulabilidade do mesmo acto, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do nº 1 do artigo 21º do CPAC; XXV. Finalmente, o conceito de interesse público a que alude o art.o 20.º do supra aludido normativo (que prevê a possibilidade de extinção das licenças quando existirem motivos que de interesse público que o justifiquem) é um conceito jurídico indeterminado, gozando a Administração, neste domínio, de liberdade de escolha do elemento ou elementos atendíveis para o preenchimento de tal tipo de conceito, apenas "sancionável" pelo Tribunal no caso de assentar em erro patente ou critério inadequado;
XXVI. Por si só, a opção pelo indeferimento do pedido de renovação da licença de ocupação da Ponte-cais n.º 23 e do seu consequente abandono por parte do ora Recorrente, da autoria da Capitania dos Portos de Macau, por se considerar de interesse público a obtenção daquele espaço, para a futura incorporação "numa via exclusiva para autocarros a construir desde as Portas do Cerco até à Barra", não revela nenhum erro patente ou uso de critério inadequado;
XXVII. Sucede que, a actuação da Administração i) no que concerne às restantes pontes-cais existentes no Porto Interior - às quais continua a renovar as licenças de ocupação, pese embora as mesmas estejam perfeitamente alinhadas com a Ponte-Cais 23 e a via que passa à sua frente seja a mesma e com a mesma largura daquela que passa à frente da Ponte-Cais 23 - e bem assim, ii) no que concerne ao licenciamento de novas construções recentemente edificadas no espaço físico onde alegadamente deveria ser construída a nova via pública exclusiva para autocarros;
XXVIII. Demonstra que não existe qualquer vontade efectiva da Administração em prosseguir com a implementação da via referida no relatório da DSAT com o n.º 2065/DDPT/2010 de 15 de Dezembro, porque se assim fosse, não teria sido deferido nenhum pedido de renovação da licença de ocupação das restantes pontes-cais que integram o Porto Interior;
XXIX. Ora, pelas razões acima expostas e na modesta opinião do ora Recorrente, o indeferimento do pedido de renovação da licença de ocupação da Ponte-cais n.º 23 da administração configura um vício de desvio de poder;
XXX. Pelo que, confrontada a fundamentação do despacho n,º 58/DAPE/ATJ/2011 da Capitania dos Portos de Macau anexo ao despacho do Sr. Secretário das Obras Públicas e Transportes de que ora se recorre, verifica-se que não poderá existir, por parte da administração, uma verdadeira intenção de prosseguir com a construção da via exclusiva para autocarros, pelo que deverá julgar-se procedente o vício de desvio de poder.
XXXI. Finalmente, como referido supra, o acto em apreço viola directamente direitos fundamentais reconhecidos pela RAEM;
XXXII. O essencial é o direito de propriedade da ora Recorrente sobre as edificações existentes no local.
XXXIII. Foi por acto inter vivos e oneroso que o Recorrente assumiu a propriedade da referida ponte e suas edificações já existentes;
XXXIV. É que, essas edificações já existiam antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho;
XXXV. Ao suceder na posse da referida Ponte-cais por acto inter vivos, a posse do Recorrente deverá ser considerada como posse formal existente desde o primeiro possuidor da aludida Ponte-cais, ou seja, pelo menos desde 1944;
XXXVI. O que perfaz uma posse de cerca de 67 anos;
XXXVII. Durante todo esse período possessório, e tendo exercido pelo menos desde 1992 a mesma, sobre o referido imóvel, todos os actos inerentes ao direito de propriedade, o Recorrente encontra-se em condições de ver o seu direito reconhecido judicialmente;
XXXVIII. Do exposto resulta que a qualificação do ora Recorrente como proprietário das edificações existentes da ponte em causa, é incompatível com o efeito útil que se pretende com o acto recorrido, que configura uma verdadeira expropriação gratuita e injustificada;
XXXIX. Considerando que, como se demonstrou supra, o ora Recorrente é possuidor da referida Ponte Cais cujas edificações foram construídas antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho.
XL. Ao contrário da aludida Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho, a Lei 6/73 de 13 de Agosto só estabelecia a reversão gratuita das construções em casos de violação do particular das suas obrigações;
XLI. Nesta medida, o acto é anulável, por violar directamente o direito do Recorrente, enquadrável no âmbito do n.º 4 do artigo 5º da Lei de Terras; Por violar i) o artigo 17º da Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho e ii) a Lei 6/73 de 13 de Agosto (a contrário).
NESTES TERMOS e nos melhores de direito requer-se seja proferido Douto Acórdão por esse Venerando Tribunal, que anule o acto recorrido de indeferimento do pedido de renovação de licença de ocupação precária da Ponte-Cais n.º 23 do porto interior e da desocupação no prazo de 30 dias da referida Ponte - Cais, nos termos do disposto no artigo 21º, nº 1 do CPAC, por se mostrar inquinado de:
a) do vício de forma por falta de fundamentação;
b) do vício de violação de lei por violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade;
c) do vício de desvio de poder,
d) do vício de violação de lei por erro de direito.
Ao passo que nas alegações facultativas apresentadas pela entidade recorrida, foram grosso modo reiterados os mesmos fundamentos já deduzidos na contestação.
Em sede da vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer que o recurso não merecia provimento – vide as fls. 236 a 238 dos p. autos.
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e inexiste nulidades.
Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.
Inexistem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito do presente recurso.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Confrontando as conclusões formuladas no petitório do recurso, com as formuladas nas alegações facultativas apresentadas pelo recorrente, verifica-se que o recorrente já não insiste na invocada questão da violação do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares.
Assim, ao abrigo do disposto no artº 68º/4 do CPAC, é de concluir que o recorrente não quer manter no objecto do recurso esta questão.
Portanto são as seguintes questões que constituem o objecto do presente recurso:
1. Da falta de fundamentação;
2. Da violação de princípios de igualdade, proporcionalidade, justiça e desrazoabilidade;
3. Do desvio de poder; e
4. Da violação da lei e direitos constituídos.
De acordo com os elementos existentes nos autos e as provas produzidas, é tida por assente a seguinte matéria de facto:
* O recorrente é titular da licença de ocupação temporária nº 256/2009, referente à Ponte-Cais nº 23 do Porto Interior, com validade de um ano compreendido entre 01JAN2010 e 31DEZ2010;
* A partir de 1993, ao ora recorrente ia sendo sucessivamente emitida e renovada a licença de ocupação temporária, com validade de um ano, para a utilização da Ponte-Cais nº 23 do Porto Interior;
* Em 14OUT2010, o recorrente formulou junto da então Capitania dos Portos o pedido de renovação da licença;
* Por despacho datado de 05JUL2011 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, exarado na informação nº 58/DAPE-ATJ/20111, ora constante do processo instrutor e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, foi indeferido pedido da licença de ocupação temporária para a utilização da Ponte-Cais nº 23 do Porto Interior;
* O mesmo despacho mais determina-lhe a retirada no prazo de 30 dias, dos objectos desmontáveis da ponte-cais e a devolução da ponte-cais ao Governo da RAEM, nos termos da informação supra identificada; e
* Inconformado com o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, o recorrente interpôs o presente recurso contencioso de anulação para este TSI.
Então apreciemos.
1. Da falta de fundamentação;
Como se sabe, o acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Sob outro prisma, considera-se cumprido o dever de fundamentação, quer na forma da exposição directa das razões de facto e de direito, quer através da declaração da concordância ou da remissão para os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas nos termos autorizados pelo artº 115º/1 do CPA, quando o acto encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.
In casu, o despacho recorrido foi exarado numa informação elaborada pelo pessoal da então Capitania dos Portos.
Ao concordar com o proposto nessa informação, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas acolhe e faz integrar no seu despacho todas as razões de facto e de direito nela expostas.
Isto aliás é uma das formas do cumprimento de dever de fundamentação do acto administrativo, expressamente autorizadas pela parte final do disposto no artº 115º/1 do CPA, à luz do qual “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.”.
Ora, basta uma simples leitura da informação onde foi exarado o despacho recorrido é de concluir que foi cabalmente cumprido o dever de fundamentação pela entidade recorrida, uma vez que o mesmo acto em si encerra os fundamentos de facto e de direito que nos permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação concreta da pena aplicada.
Improcede também esta parte do recurso.
Sobre as questões idênticas às restantes questões acima elencadas que constituem o objecto do presente recurso, e colocadas em termos idênticos aos termos em que o foram no presente o recurso, este TSI já se pronuncia no Acórdão tirado em 14JUN2012 no processo nº 569/2011 nos termos seguintes:
2- Vícios de violação de princípios de igualdade, proporcionalidade, justiça e desrazoabilidade
No que a estes vícios respeita, a censura que a recorrente dirige ao acto centra-se na circunstância de ele, enquanto atenta contra os seus interesses, deixa intocados os interesses de outros ocupantes de ponte-cais no mesmo local e em igualdade de circunstâncias. Ou seja, insurge-se contra o sacrifício do equipamento que explora, enquanto o de outros permanece em actividade por outros operadores. E nisso estaria o desrespeito pelo princípio do art. 5º do CPA na vertente da igualdade ali estabelecida.
Não nos parece. Com efeito, embora as restantes ponte-cais continuem a sua laboração, a verdade é que os elementos do procedimento administrativo fornecem a razão para o sacrifício desta: o alargamento da via a fim de permitir um corredor exclusivo para autocarros com destino à Barra e origem nas Portas do Cerco. É certo que outras estruturas deste tipo existem no local e, por isso, aparentemente todas haveriam de ser atingidas pelo mesmo sacrifício. Todavia, só mesmo aparentemente é possível tal raciocínio.
Se o princípio da igualdade visa acautelar e proteger os cidadãos da actuação administrativa discricionária, ele por outro lado só lhes acode se as situações de facto forem realmente as mesmas. Isto é, a igualdade de situações materiais (cfr. ainda art. 25º da Lei Básica), visando a proibição do arbítrio, impõe igualdade de tratamento, enquanto a desigualdade de situações já não obsta a diferentes soluções administrativas. A diversidade de situações – mesmo que com fortes pontos de contacto – não pode gerar a violação do princípio. É o que a mais representativa jurisprudência local vem defendendo2.
Ora, como resulta do processo administrativo, a situação de todas as ponte-cais não é exactamente igual. Umas encontram-se instaladas em zonas da via em que esta é mais larga, não sendo necessária a ocupação do seu espaço para vir a poder suportar o fluxo exclusivo de veículos pesados de passageiros. Mas as pontes 23 e 25 situam-se num ponto onde a via tem pouco mais de 3 metros de largura, o que do ponto de vista técnico, e atendendo ao fim rodoviário a que ela tende, se mostra ser escasso. Foi essa a justificação para somente estas duas pontes deverem ser removidas, algo que se não mostra desrazoável, nem ofensivo sequer do senso comum imanente a qualquer cidadão normal minimamente atento à problemática do trânsito rodoviário no meio citadino. Portanto, sendo diferentes os casos em que se encontram estas duas estruturas relativamente às outras, não encontramos motivo para poderem ser salvas da demolição, apenas porque as outras se manterão de pé. E, o que vai dar no mesmo, não se entende que a violação do princípio (art. 5º, nº1, CPA; 25º da Lei Básica) se mostre verificado, apenas por não terem sido renovadas as licenças relativas a estas duas.
Mas a recorrente ainda defende que a solução tomada prejudica exclusivamente o seu direito e o de A, detentores das referidas pontes 25 e 23, respectivamente. No seu critério, a decisão impugnada é desproporcional, inadequada e injusta.
Ora, como a recorrente reconhece, o quadro da actuação administrativa em causa é de discricionariedade. A solução que a Administração encontrou tem assento no exercício de poderes discricionários, no respeito pelo interesse público por ela prosseguido e na ponderação dos interesses particulares que com aquele outro possam estar em conflito.
O que a recorrente pensa, mesmo que o não tenha expressado com esta carga, é que, para realizar o interesse público subjacente, a Administração se excedeu, foi além do que devia e podia, atingiu um núcleo de direitos e interesses que mereciam outra atenção, outro cuidado, outro sopesamento que evitasse tamanhos prejuízos na sua esfera. E isso traduziria a hipótese da norma que conforma o princípio da proporcionalidade (art. 5º, nº2, do CPA), segundo a qual “As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
Em boa verdade, tanto quanto nos é dado perceber, a recorrente dificilmente conseguiu concretizar a imputada violação, por difícil lhe ser contornar o peso maior que o interesse público nesta disputa parece merecer. Com efeito, esta proporcionalidade levada ao princípio acolhe a noção de solução plúrima, isto é, transmite a ideia de que só é desproporcional a medida se outra pudesse ter sido tomada com menor gravame ao interesse privado conflituante, se diferente e com melhor equidade de meios e de resultados pudesse ser adoptada a resolução do caso. E isto porque, deste modo, a prossecução deste projecto de construção de via apenas para autocarros não só afectou a renovação da licença de ocupação das pontes, como impede a continuação de toda a actividade da recorrente e a manutenção da sua sede social no local. Coisa que, em seu entender, parece ir além dos limites da adequação e da proporcionalidade, como até da própria justiça.
Compreendemos, sinceramente, a posição da recorrente. O que sucede é que, se a Administração no uso dos seus poderes discricionários e para não ferir o princípio da proporcionalidade, tem que ser comedido e procurar a solução de menor dano ao interesse particular – reconhecendo-se-lhe, assim, a escolha da boa solução – ela aqui não teria outra opção que pudesse tomar em prejuízo desta. Isto é, para a via passar neste local, os estudos terão certamente levado em consideração tanto o local de partida, como o da chegada. Terá sido o trajecto mais aconselhável, o menos danoso: a não ser este, muito provavelmente outro não haveria, ou se o houvesse, teria que ser muito mais gravoso aos interesses envolvidos. Isto é o que pensamos ter acontecido. Mas para que não pudéssemos assim pensar, deveria a recorrente ter trazido aos autos uma outra leitura da situação, uma configuração diferente da satisfação do interesse público, que se haveria de bastar com um trajecto diferente deste ou com um traçado que não implicasse o sacrifício das pontes em apreço.
E havia essa possibilidade? Não sabemos. A ser assim, teremos que aceitar como boa a solução do trajecto e do traçado da via, e nem outra poderá ser a posição do tribunal ante o carácter técnico da opção. E porque assim é, difícil ou impossível seria a salvaguarda dos interesses da recorrente na medida em que se não vê como pudesse ser desenhada uma nova via para o local e para aqueles fins sem o alargamento no ponto onde ela é actualmente mais estreita. Dito por outras palavras, a decisão da Administração é idónea, porque permite a circulação naquele trajecto de autocarros de passageiros entre dois pontos nevrálgicos da cidade, descongestionando outras artérias (eventualmente, atenuando até os efeitos da poluição). Por outro lado, a recorrente não pôs em crise a ideia de que a medida é necessária, isto é, não demonstrou que outras havia com menor sacrifício. E não o tendo feito, admite-se que ela seja fundamental à resolução do desiderato que presidiu à sua tomada. Neste sentido, a recorrente não conseguiu evidenciar nenhum grave desequilíbrio de interesses na correlação de forças envolvidas, porque o sacrifício dos seus não é desmesurado em relação ao imenso benefício que para a cidade e para os seus cidadãos resulta do alargamento da via. Portanto, não sufragamos a ideia de desproporcionalidade que defendeu.
E, para terminar este item, para densificar a violação do princípio não basta dizer que a obra poderá demorar a ser iniciada e a ser concluída, como se quisesse a recorrente relevar o argumento de que não havia pressa na não renovação da licença. É que, como opina o digno Magistrado do MP, as obras de grande envergadura, como esta, precisam de tempo. Tempo para a ideia, para eventual estudo de impacte ambiental, para o plano; tempo para o projecto propriamente dito, para o concurso de adjudicação, para a selecção do adjudicatário; tempo para a ultimação de preparativos no local com realojamentos eventuais, demolições prévias, estabelecimento de estaleiros, aterros, etc, etc. Tudo tem que ser feito com planeamento e com tempo. A não renovação enquadra-se nesta perspectiva, isto é, mesmo que o termo da renovação em curso não coincida com o início da obra, isso não significa que estejamos perante um “tempo morto” que pudesse ser aproveitado pela recorrente para a manutenção da sua actividade na ponte.
E a mesma razão leva-nos a rechaçar a ideia de injustiça que a recorrente aponta ao acto, como se entrevisse na actuação administrativa a violação do art. 7º do CPA.
Quanto a nós, injusto seria que os utentes dos transportes públicos que se deslocam da Barra para as Portas do Cerco, e vice-versa, não pudessem percorrer o trajecto em condições mais rápidas (a intenção também é a de transformar a artéria, na medida do possível, em via rápida para autocarros) e com outro conforto; injusto seria que os condicionamentos na zona do Porto Interior não fossem resolvidos e se arrastassem sem solução, com congestionamentos no trânsito e atropelos até à saúde dos utentes, transeuntes e moradores; injusto seria se, havendo uma solução que a todos beneficia, não pudesse ela ser adoptada por causa de poucos por ela prejudicados. Não é que a justiça se meça por padrões aritméticos ou de quantificação de lesados, mas sem dúvida que esse aspecto também tem que entrar na equação consoante os casos.
E se isto dizemos da justiça, tautologicamente o assimilamos à desrazoabilidade invocada, cujo assento se teria que colher do art. 21º, nº1, al. d), do CPAC. Quer dizer, as razões expostas para consideramos não injusto o acto sindicado são as mesmas que ora invocamos para não o acharmos desrazoável. Não cremos necessário desenvolver mais a ideia, sob pena de inutilmente nos repetirmos.
*
3- Desvio de poder
Este foi outro dos vícios de que, segundo a recorrente, o acto está inquinado.
Como se sabe, para fazer vingar este vício o recorrente tem que demonstrar uma actuação administrativa motivada por interesses contrários ao interesse público para cuja satisfação a lei concedeu à Administração poderes discricionários. Além disso, forçoso é também que demonstre que aqueles “interesses contrários” foram determinantes, ou que pesaram decisivamente, na decisão3.
Ora bem. O interesse público tem ínsita a ideia de interesse comum, que favorece a totalidade ou pelo menos uma parte significativa de uma determinada comunidade. Como diz, por exemplo, M. REBELO DE SOUSA, e nisto outros autores estão de acordo, que «só estamos perante um interesse público quando as necessidades a satisfazer são colectivas e o processo de satisfação é assumido pela colectividade, ela própria»4. Ou, como se exprime RAMON PARADA, «o interesse de um ou de alguns indivíduos não é de natureza pública»5.
O interesse público é, assim, aquele que respeita à existência, conservação e desenvolvimento da colectividade política e socialmente organizada, daí que esteja presente em todas as normas jurídico-administrativas6. É o interesse colectivo, o interesse geral de uma comunidade, é o bem comum (bem comum que representa «aquilo que é necessário para que os homens vivam, mas vivam bem», segundo São Tomás de Aquino) que se associa à satisfação de necessidades colectivas. Sendo assim, trata-se de uma noção que acentua a ideia de interesse geral ou interesse comum de modo a favorecer a totalidade ou pelo menos uma parte importante de uma comunidade. Um interesse público, geral, colectivo, comum, é assim um interesse objectivo, insusceptível de individualização: por pertencer a um grupo indiferenciado, não se identifica com os interesses próprios dos seus membros.
Contrapondo-se a ele, existe o interesse privado, ligado a necessidades individuais, subjectivamente sentidas, expressas em tendências, desejos ou atitudes pessoais. O interesse privado é, desta maneira, um interesse do indivíduo singularmente considerado. Daí, também, que na função administrativa a Administração se paute por directivas positivas e negativas, devendo ser no diálogo permanente que estabelece com os membros da comunidade que se deve encontrar o justo equilíbrio entre os interesses de cada um dos pólos da relação, procurando no fundo uma composição de interesses ou um acerto nos conflitos.
Parece entender a recorrente que a Administração se subjugou a um interesse principalmente determinante não consentâneo com o fim depositado na norma ao conceder à Administração aqueles poderes discricionários (art. 20º da Lei nº 6/86/M, de 26/07: segundo o qual as licenças podem ser extintas, mediante acto fundamentado, se os terrenos dominiais forem considerados necessários à utilização pelo público sob a forma de uso comum ou se outro motivo de interesse público assim o exigir).
E para assim concluir, disse inexistir qualquer vontade efectiva da Administração em prosseguir com a implementação da referida via, porque, caso contrário, não teria deferido nenhum pedido de renovação da licença de ocupação das restantes pontes-cais que integram o Porto Interior.
Mas, se esta é a sua opinião a respeito da caracterização concreta do vício, parece que ele terá mesmo que improceder. Em primeiro lugar, porque não se colhe da alegação se, para a recorrente, o fim principalmente determinante é outro interesse público ou o interesse privado dos restantes titulares de licenças para ocupação das pontes-cais. E era preciso dizer e provar qual ele era, com recurso a factos. Por outro lado, como já vimos, o sacrifício dos interesses privados não teria que estender-se a todos os ocupantes das ponte-cais, mas sim e apenas aos que exploram as que têm os nºs 23 e 25. Não vemos, pois, onde foi a recorrente deduzir que a nova via implica a destruição da totalidade ou da maioria das pontes-cais, se tal não resulta do p.a., nem dos autos. Daí que o facto de continuar a renovar as licenças aos restantes ocupantes não significa, nem que a Administração tenha abandonado o projecto, nem que queira favorecer aqueles ocupantes, muito menos que queira dolosamente prejudicar a recorrente.
E também não acode à recorrente a alegação de que, tal como sucedeu para a implementação do metro ligeiro, haveria que proceder a uma consulta ou discussão pública à população, a qual se iria arrastar por um período muito superior à duração da licença, uma vez que a construção da via em questão obriga a uma profunda alteração da estrutura viária e habitacional de uma parte significativa da península de Macau. Trata-se de um argumento compreensível à luz do pensamento comum, mas pouco sustentável à luz do pensamento jurídico. Ainda não existe em Macau um regime legal geral, nem sectorial, que saibamos, que determine e defina os casos de consulta pública necessária e o modo de processamento7. Logo, não é possível afirmar que ela tivesse que existir no caso presente e que, havendo-a, haveria tempo para a pretendida renovação.
Sendo assim, não vemos que a Administração tenha exercido aqueles poderes discricionários para uma finalidade diversa da depositada na norma. O que equivale a dizer que se não pode dar por procedente o correspondente vício.
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4- Violação de Lei e direitos constituídos
Vem, por fim, a recorrente invocar a propriedade sobre as edificações existentes no local, na sequência de trespasse com os anteriores titulares da licença de uso precário. Para o efeito, diz que elas já existiam há mais de 75 anos e, portanto, antes do Código Civil de 1966 e até mesmo da Lei nº 6/86/M, de 26 de Julho e eram propriedade daqueles a quem as tomaram de trespasse. Acha, por isso, que se encontra com direito a ver reconhecido o direito de foreiro no âmbito de uma concessão por arrendamento, uma vez que tanto o permite o nº4, do art. 5º da Lei de Terras.
Em 1º lugar, segundo resulta do p.a., a ocupação das pontes-cais em apreço era feita sob licença a título precário. A própria reconhece isso, o que em tese fecharia a porta à posição jurídica substantiva reclamada por si. E se a questão que agora suscita a respeito da propriedade da edificação ou, até mesmo, do domínio útil usucapível a encaminha para a densificação de mais um vício, antes de mais nada cumprir-nos-ia dizer que tal questão se nos apresentaria prévia e eventualmente prejudicial à solução do presente pleito, circunstância que nos aconselharia o accionamento do princípio da devolução facultativa a que se refere o art. 14º do CPAC.
Todavia, a tanto não nos leva a observância do poder ali inscrito, uma vez que sobre este tema concreto pode este tribunal emitir pronúncia e dispositividade desde já.
A questão só pode ter uma solução. É aquela que a entidade recorrida defende e à qual o digno Magistrado do MP adere nos seguintes termos:
«Dispondo, alem do mais, o art. 7º da LBRAEM que “Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Maca” e tendo o acórdão do Venerando TUI, proferido no âmbito do proc. nº 32/2005, publicado no BO, II série, de 2/08/06, consignado que “Após o estabelecimento da Região, não se pode obter o reconhecimento de propriedade privada ou domínio útil a favor dos particulares, dos referidos terrenos através de decisão judicial, independentemente de acção a ser proposta antes ou depois da criação da Região”, todo o argumentado pela recorrente, sendo estimável, se revela inócuo, já que, não tendo, quer antes, quer depois do estabelecimento da RAEM, logrado estabelecer o registo a seu favor do direito de propriedade, ou outro qualquer direito real, designadamente de concessão por aforamento ou qualquer outro direito real sobre a dita ponte-cais, constatando-se a existência, apenas, de mera licença de ocupação a título provisório emitida pela Capitania dos Portos, nada lhe permitindo arrogar-se, como o faz, neste domínio»8.
Remetemos para a transcrita posição a nossa decisão. Todavia, reforçamo-la com um expressivo aresto deste mesmo TSI (Ac. de 27/05/2010, Proc. nº 662/2009), que se debruçou sobre a propriedade e dominialidade das pontes-cais. E, por isso, face à especificidade do tema ali tratado, dele nos socorremos com a devida e respeitosa deferência, transcrevendo o trecho que ao caso melhor serve:
“ (…) De acordo com o art. 1 ° da Lei n° 6/86/M, de 26 de Julho (Lei de Domínio Público Hídrico), pertencem ao domínio público hídrico do Território os leitos e margens das águas navegáveis ou flutuáveis confinantes com o Território, as praias e os cais, pontes-cais, rampas de alagem e crenagem e planos ou carreiras de construção e reparação (sublinhado nosso).
É evidente, assim, que a Ponte-cais n.º … pertencia ao domínio público do então Território de Macau, por comando da Lei promulgada em 1986.9
Como se sabe, estão fora do comércio todos os bens pertencentes ao domínio público (art. 202°, n.º 2 do C. Civi1 66, e art. 193°, n.º 2 do C. Civi1 99). Tendo assim definido a natureza do terreno em causa, passaremos a examinar se a Ré, ora recorrente, tem razão.
(…)
Prevê o art. 1524° do C. Civil 66 (art. 1417° do C. Civil 99) que "O direito de superfície consiste na faculdade de construir ou manter; perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações."
E o direito de superfície pode ser constituído por contrato, testamento ou usucapião e pode resultar da alienação de obra já existente, separadamente da propriedade do solo. (art. 1528° do Civil 66, e art. 1421º do Civil 99).
Da matéria de facto dada como provada, é patente não haver contrato ou testamento que puderam criar o direito de superfície a favor da Ré. Mas a verdade é que a Ré ocupava o terreno em causa por força da licença passada pela Administração, e até continua a ocupá-lo, não obstante a não renovação da licença.
Resta assim a terceira possibilidade de aquisição.
3. Da usucapião do direito de superfície
A Ré veio sustentar a sua aquisição originária por via de usucapião.
Resulta claramente do art. 1287º do C. Civil 66 (art. 1212º do C. Civil 99) que o que é relevante no instituto de usucapião é a posse, que deve ser correspondente a determinado direito do gozo objecto da aquisição por usucapião, mantida por certo lapso do tempo, e a qual se consiste em dois componentes -, um destes, é o corpus, e o outro é o animus.
Deste modo, só quando se logram provar simultaneamente, a existência deste dois componentes, com duração do certo período de tempo, é que é possível a usucapião.
O corpus traduz-se em actos exercidos pela Ré correspondentes ao exercício do direito de superfície, que são idóneas de concretizar o seu poder de facto, enquanto o animus traduz na convicção na mente da mesma de que é titular do direito.
Importa acrescentar ainda um elemento indispensável para que a usucapião possa operar. Trata-se da sua invocação, elemento este que tem sido negligenciado nos nossos Tribunais, mas esse elemento não deixa de ser o detonador da demonstração da situação jurídica que se visa patentear. O que tem assento legal no requisito da activação da prescrição aquisitiva positiva – art. 296º (invocação) e 1213º (“Invocada a usucapião...”) do CC. 10
Antes de fazer uma abordagem quanto a verificação da posse, convém examinar o instituto do domínio público hídrico, o qual regia os direitos e obrigações entre o Governo e a Ré, sendo certo que estava sujeita a este instituto.
Neste diploma legal preceitua-se que os terrenos pertencentes ao domínio público hídrico podem ser objecto de uso privativo nas modalidades de concessão por arrendamento ou de uso ou ocupação a título precário. (art. 11º da Lei de Domínio público Hídrico).
Sustenta a Ré que, "tratando-se os mencionados edifícios, como efectivamente se tratam, de infraestruturas sólidas, fixas e indesmontáveis, a autorização para a sua reconstrução ou aplicação faz presumir a existência de qualquer outro direito que não uma simples licença, dada a precariedade desta."
O art. 12º do mesmo diploma, que indica que são objecto de concessão por arrendamento os usos privativos que exijam a realização de investimentos em instalações fixas e indesmontáveis e sejam considerados de utilidade pública, e são objecto de licença todos os restantes usos privativos.
Assim sendo, o exercício de actividades adstritas à função económica dos portos (art. 12°, n.° 2, al. b) levado a cabo pela Ré, para além de ser considerado como sendo de utilidade pública, exige realização de investimentos em instalações fixas e indesmontáveis, isto, como o que sucede neste caso, a construção de dois edifícios. Por essa natureza, uma concessão por arrendamento afigurar-se-ia mais adequada a fim de conformar a actividade da Ré.
Seja como for, a verdade é que à Ré nunca foi concedida uma concessão por arrendamento. Quanto a este é ainda pertinente o art. 25º da Lei de Domínio público Hídrico.
Este artigo, por um lado, preceitua que as ocupações por licença autorizadas antes da entrada em vigor desta lei passam a reger-se por esta, sem necessidade de substituição do título. Por outro, abre a porta a que os actuais titulares de licenças de parcelas do domínio público hídrico, que possam ser objecto de concessão por arrendamento, devem requerer, no prazo de seis meses, contado da data da entrada em vigor desta lei, a sua conversão nesta modalidade de uso privativo.
Se se perguntar a razão por que o Governo não autorizou o exercício portuário desenvolvido pela Ré através duma concessão, das duas uma: ou o seu pedido foi indeferido pelo Governo ou nem sequer o tinha formulado.
Não tendo requerido a conversão ao Governo, só poderia continuar, como o que acontece à Ré, a reter um título precário (licença de ocupação), o qual carece de renovação periódica do Governo.
Por isso, enquanto todos os direitos que a Ré gozara tinham por origem a licença, devia ela actuar conforme os seus limites, não podendo, porém, vir questionar retroactivamente se a forma empregada pela Administração (licença) era adequada ou não.
Há-de aceitar, desta feita, que o uso privativo consentido em relação ao terreno em causa é titulado por um acto unilateral da Administração, que reveste a forma de licença11 que não deixa de assumir a forma de um título precário12.
Portanto, o regime da licença tem por natureza a simplicidade do processo, prazo curto, precariedade dos poderes de uso, inexistência de um dever de utilização efectiva, menores direitos e garantias, qualificação de interesse privado13.
(…) é de concluir que todos os actos materiais praticados pela Ré, ao longo dos anos e na dominalidade da ponte-cais n° …, foram praticados completamente em consonância, e, aliás, dentro dos limites da licença de ocupação.
Deste modo, não se pode deixar de concluir que a Ré, enquanto ocupando o terreno, não é mais do que um detentor, que detém todo o prédio, ora a ponte-cais n.º …, apenas em nome do então Território e da R.A.E.M.14
(art. 1177º do C. Civil). Dum ponto de vista objectivo, os actos praticados pela Ré não deixam de ser tão-só os de concretização e execução durante a sua detenção do terreno legitimada pela licença e que nunca se manifestaram como corpus do direito de superfície, nem sequer muito menos, revelam o animus da Ré.
Como é evidente, uma mera detenção em nome de outrem é insusceptível de dar azo a aquisição por usucapião.
Sob outro prisma, não se provou, nem se suscitou qualquer outro meio de aquisição originária da posse, como por exemplo, a inversão da posse, donde seja de excluir a possibilidade de usucapião. Por fim, ainda que se aceitasse que a Ré tem a posse correspondente ao direito de superfície, certo é que este se toma insusceptível de ser adquirido por via de usucapião, depois da entrada em vigor da Lei Básica.
Ora, nos termos do preceito contido no art. 7° da Lei Básica:
"Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.
O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau."
A este respeito, decidiu bem o tribunal a quo ao afirmar que o invocado direito de superfície não foi reconhecido antes de 20 de Dezembro de 1999 e, como tal, torna-se inviável fazê-lo agora.
Deste modo, está legalmente vedada a constituição por usucapião do direito de superfície de que as Rés se arrogam titulares”.
Tudo isto significa que o vício não pode proceder.
Ora, dada a identidade das questões e dos termos em que foram colocadas, a exaustividade da apreciação feita sobre elas e a pertinência e a correcção das soluções dadas a elas, não vemos razão para não acompanhar esta parte transcrita da fundamentação e da decisão constante do Acórdão de 14JUN2012 no processo nº 569/2011.
E portanto, damos aqui por integralmente reproduzida esta parte do Acórdão de 14JUN2012 no processo nº 569/2011, e com isso julgamos improcedente o recurso sobre as questões acima identificadas com os nºs 2 a 4.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 8 UC.
Notifique.
RAEM, 25SET2014
(Relator)
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
João A. G. Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto) Fui presente
Ho Wai Neng Mai Man Ieng
1就內港第23號碼頭的臨時佔用准照續期申請事宜,茲報告如下:
第一部份概況
1.A自1993年起獲發內港第23號碼頭的臨時佔用准照,准照有效期為一年,每年續期。
港務局於2009年12月向A發出最後一份內港第23號碼頭臨時佔用准照(編號256/2009),該准照的資料如下:
- 臨時佔用准照持有人:A;
- 佔用面積: 397.00平方米;
- 准照批准從事之活動:商業及服務業活動;
- 有效期:由2010年1月1日至2010年12月31日。
(見附件一及附件二)
內港第23號碼頭上是由兩層建築物及木建築平台組成,建築物的地層及二樓目前空置。平日無船隻靠泊。
2.臨時佔用准照持有人A透過其受權人B貿易有限公司於2010年10月14日向港務局提出了有關內港第23號碼頭2011年度的臨時佔用准照續期申請。(見附件三)
3.交通事務局2010年12月15日第2065/DDPDT/2010號報告書第6點建議:知會相關權限部門有關關閘至媽閣巴士專道的構想,並建議相關部門將23號和25號碼頭的空間預留作公共道路用地,而當附近建築物發展或進行規劃工作時,亦應一併考慮交通方面預留空間的需要。(見附件四)
4.隨後,於2011年2月25日,交通事務局、土地工務運輸局、地圖繪製暨地籍局及本局的代表就關閘至媽閣巴士專道的構想中涉及內港第23號和第25號碼頭的問題作了討論。基於內港第23號及第25號碼頭均屬公產,均無物業登記,且均以臨時佔用方式交准照持有人使用,故認為將這兩個碼頭預留作公共道路用地是可行的。
5.而交通事務局於2011年3月10日向本局發出第1102017/0621/DPT/2011號公函,其中第5點提及,從澳門整體交通角度考慮,為配合近期及長遠計劃的實施,該局認為將23號及25號碼頭預留作公共道路具有必要性及可行性,並建議本局採取相應跟進措施,配合有關計劃落實。(見附件五)
6.為將內港第23號碼頭預留作公共道路,則不可批准有關內港第23號碼頭臨時佔用准照的續期申請。不僅如此,內港第23號碼頭原臨時佔用准照持有人-A,還需搬離碼頭內可拆除的物件,以便將該碼頭交還予澳門特別行政區政府管理。
鑒於上述個案的特殊性,本局透過2011年3月31日第SATJ1100088Y號公函,對A進行了書面聽證。在書面聽證中,指出:
(1)內港第23號屬公產;
(2)利害關係人對於內港第23號碼頭不具有地上權,故不可向澳門特別行政區政府主張內港第23號碼頭上蓋建築物的物權權利;
(3)如澳門特別行政區政府在臨時佔用准照失效後收回內港第23號碼頭,利害關係人將無權索取賠償。
(見附件六)
7.C律師事務所D律師於2011年4月15日代表A,向港務局遞交了書面意見。 (見附件七)
第二部份分析
8.A自1993年起獲發內港第23號碼頭臨時佔用准照。
A於內港第23號碼頭的臨時佔用法律關係受當時已生效的7月26日第6/86/M號法律(水域公產法)規範。
根據第1/1999號法律(回歸法)附件二的規定,第6/86/M號法律不採用為澳門特別行政區法律,但澳門特別行政區在制定新的法律前,可按《澳門特別行政區基本法》規定的原則和參照原有做法處理有關事務。
9.目前,沒有任何文件證明內港第23號碼頭於1870年7月1日已為私人財產或為私人占有,亦沒有前澳葡政府根據第6/86/M號法律確認內港第23號碼頭屬私人財產的文件。
另一方面,前澳葡政府及澳門特別行政區政府一直持續地向內港第23號碼頭發出臨時佔用准照。
根據7月31日第122/89/M號訓令的規定,內港第23號碼頭處於水域公產範圍內。
基於上述事實,認定內港第23號碼頭屬公產。
10.《澳門特別行政區基本法》第七條規定,澳門特別行政區境內的土地和自然資源, 除在澳門特別行政區成立前已依法確認的私有土地外,屬於國家所有,由澳門特別行政區政府負責管理、使用、開發、出租或批給個人、法人使用或開發,其收入全部歸澳門特別行政區政府支配。
由於內港第23號碼頭屬公產,故屬於國家所有,並由澳門特別行政區政府管理。
11.交通事務局在2010年12月15日第2065/DDPDT/2010號報告書中提及關閘至媽閣巴士專道的構想,並建議相關部門將內港第23號和第25號碼頭的空間預留作公共道路用地,而當附近建築物發展或進行規劃工作時,亦應一併考慮交通方面預留空間的需要。
12.交通事務局在2011年3月10日第1102017/0621/DPT/2011號公函提及,從澳門整體交通角度考慮,為配合近期及長遠計劃的實施,將內港第23號及第25號碼頭預留作公共道路具有必要性及可行性,並建議採取相應跟進措施,配合有關計劃落實。
13.參照第6/86/M號法律第二十條一款的規定,倘公產土地被認為須用於公眾共用,或者因為其他公共利益而需要使用公產土地,批給及准照得透過具依據的行為而被撤銷。
相應地,基於公眾使用或其他公共利益的需要,澳門特別行政區政府同樣得不對水域公產的臨時佔用准照作出續期。
14.基於上述理由,為將內港第23號碼頭預留作公共道路以配合澳門整體交通發展,澳門特別行政區政府顯然不可批准有關內港第23號碼頭臨時佔用准照的續期申請。
如果不批准內港第23號碼頭臨時佔用准照的續期,則A將因臨時佔用准照失效而喪失繼續使用內港第23號碼頭的權利。屆時,A將必須搬離碼頭內可拆除的物件,以便將該碼頭交還予澳門特別行政區政府管理。
15.不論是1966年《民法典》(第202條第2款),或者現行《民法典》(第193條),均規定屬公產之物為非融通物,不可成為私法標的,亦不可由個人據為己有。
由於內港第23號碼頭屬公產,故該碼頭的物權(包括地上權)不可由私人取得或轉移。
由於利害關係人對於內港第23號碼頭不具有地上權,故不可向澳門特別行政區政府主張內港第23號碼頭上蓋建築物的物權權利。
16.參照第6/86/M號法律第二十條一、二款的規定,倘公產土地被認為須用於公眾共用,或者因為其他公共利益而需要使用公產土地,批給及准照得透過具依據的行為而被撤銷;准照的廢止不給予利害關係人索取任何賠償的權利,但可取回不影響澳門經濟利益的改善物。
現行《土地法》第七十五條亦規定,不論佔用的終止原因為何,佔用人無權取回在地段上所作的改善物,亦無權基此獲得損害賠償,但應獲償還相應於其仍有權佔用地段期間的費用。
基於上述規定,如澳門特別行政區政府在臨時佔用准照失效後收回內港第23號碼頭,利害關係人將無權索取賠償。
17.對於D律師於2011年4月15日代表A作出的書面回覆,我們認為:
(1)關於書面回覆中第2、3點所指的“……不能說陳述人對於23號碼頭是臨時佔用”、“多年以來,無論經濟環境怎樣,陳述人都一直經營著該碼頭,並在上面蓋起了兩層高的永久性建築。”等。
根據港務局的檔案資料,不論是A,或者是之前的使用人,均是以臨時佔用准照為還證、以臨時佔用的方式使用內港第23號碼頭。因此,該觀點並不成立。
A與在其之前的佔用准照持有人是各自獨立的個體,而在水域公產的臨時佔用事宜上也是不同的佔用准照持有人。A在1993年開始以臨時佔用方式使用內港第23號碼頭,應充份考慮有關碼頭及其上蓋建築物的法律性質。
(2)關於書面回覆中第4、5、6點所指的內港規劃事宜。
由第218/90/M號訓令核准、並經第171/95/M號訓令及第5/2002號行政命令修改的《內港重整計劃》對內港各碼頭的用途作了整體規劃。但顯然,《內港重整計劃》並不賦予任何人永遠以臨時佔用的方式使用碼頭的權利。
(3)關於書面回覆中第7、8、9點所指的建築初研計劃及更改/合法化工程等事。
有關的建築初研計劃並沒有獲得正式的批准。
而在臨時佔用的公產土地上進行何種改善工程,都不會改變有關土地及其上蓋建築物的法律性質。
(4)關於書面回覆中提及的“陳述人請求重新考慮收回23號碼頭的決定,或者換另外一塊土地給陳述人發展……”
內港第23號碼頭屬於公產。基於開闢關閘至媽閣巴士專道的需要,特區政府可以在有關臨時佔用准照失效後收回有關碼頭另作規劃使用。
關於換另外一塊土地予陳述人發展之請求,並沒有相應的法律依據可援引。
(5)小結:
對於港務局書面聽證中述及的“內港第23號屬公產”、“利害關係人對於內港第23號碼頭不具有地上權,不可向澳門特別行政區政府主張內港第23號碼頭上蓋建築物的物權權利”、“如澳門特別行政區政府在臨時佔用准照失效後收回內港第23號碼頭,利害關係人將無權索取賠償”等幾個重要的觀點,書面回覆中並沒有提出具法律及事實依據的反駁。
至於書面回覆中述及的各項請求或陳述,也缺乏法律或事實依據。
第三部份建議
18.為了開闢關閘至媽閣巴士專道,有需要將內港第23號碼頭預留作公共道路。在綜合上文各項陳述與分析後,因此建議:
18.1不批准有關內港第23號碼頭臨時佔用准照的續期申請;
18.2要求內港第23號碼頭原臨時佔用准照持有人-A,在三十日內搬離碼頭內可拆除的物件,以便將該碼頭交還予澳門特別行政區政府管理。
呈上批示。
2 Ac. do TUI, de 12/05/2010, Proc. nº 5/2010; mais recentemente, Ac. de 16/05/2012, Proc. nº 27/2012.
3 Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, pag. 394.
4 Lições de Direito Administrativo, I, pag. 146.
5 Derecho Administrativo, I, pag. 342.
6 Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, I, pag. 49.
7 A necessidade de um estudo de impacte ambiental (art. 28º da Lei de Bases do Ambiente: Lei nº 2/91/M, de 11/03), embora implique uma certa demora, não pode servir de amparo à alegação do recorrente, uma vez que nem sequer foi alegada a sua inexistência até ao momento. E mesmo que se entrevisse no art. 29º da mesma lei a necessidade de uma consulta pública (mas nem isso é seguro), tal não seria motivo para nos pormos ao lado da recorrente, pela simples razão de que ela pode já ter acontecido ou estar até em curso. Quer dizer, não pode ser a necessidade de observância de certos trâmites procedimentais mais ou menos demorados que haveriam de servir de apoio à defesa da tese da recorrente, de que, enquanto eles durassem, a licença poderia ser renovada. Sobre isto, apenas nos cumpre dizer que a oportunidade e a conveniência são conceitos e factores que só à administração cabe prosseguir na sua actuação concreta, sem que os possamos sindicar.
8 Ver tb. Ac. TUI, de 30/05/2012, Proc. nº 12/2012
9 1 As ponte-cais pertenciam sempre ao domínio público hídrico de Macau por força do art. 1º da Lei de Domínio público Hídrico. Daí que esta qualificação nunca mudou antes do estabelecimento da R.A.E.M., nem tão pouco por via dos diplomas legislativos invocados pelas partes (como a Portaria 122/89/M, de 31 de Julho), que respeita às margens, as quais não se confundem com as ponte-cais.
10 - Cfr. Pinto Duarte, ob. cit., 295; José Alberto Gonzalez, Dtos Reais, Dto Registral Imobiliário, 2001, 102; por todos, Oliveira Ascensão, ob. cit., 300.
11 FREITAS DO AMARAL, A Utilização do Domínio Público pelos Particulares, Lisboa, 1965, pág. 170 e ss.
12 4 MÁRIO TAVARELA LOBO, Manual do Direito de Águas, Vol. 1, Coimbra Editora, 1989, pág. 220.
13 FREITAS DO AMARAL, ibid, pág. 250-251.
14 Para o BERTHÉLEMY, os poderes de uso privativo derivado de licenças não passavam de meros poderes de facto, consentidos por um acto de pura tolerância; citado na obra do Prof. FREITAS DO AMARAL, ibid, pág. 254,
onde o próprio autor fez alguma crítica a tese do BERTHÉLEMY.
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570/2011-20