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Processo nº 419/2014
(Autos de recurso civil)

Data: 9/Outubro/2014

Assunto: Marca
Capacidade distintiva
“AT THE CENTRE OF XXXXX”

SUMÁRIO
    - A marca é um sinal distintivo que tem por função distinguir produtos ou serviços.
    - Não são susceptíveis de protecção os sinais descritivos e genéricos.
    - A marca nominativa “AT THE CENTRE OF XXXXX”, por conter elementos que servem para designar exclusivamente a proveniência geográfica, é destituída de capacidade distintiva.
    - Para além de que não se descortina ter a marca, analisada na sua imagem global, adquirido um “secondary meaning” que lhe confira eficácia distintiva, pelo que não é susceptível de registo.
       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 419/2014
(Autos de recurso civil)

Data: 9/Outubro/2014

Recorrente:
- B Entertainment Licensing Limited

Recorridas:
- C Macau S.A.
- D Corp.
- F Agents Limited

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B Entertainment Licensing Limited, sociedade comercial constituída nas Ilhas Virgens Britânicas, melhor identificada nos autos, interpôs junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM recurso da decisão do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia, de 26.11.2012 e publicada no Boletim Oficial, de 19.12.2012, que indeferiu o registo da marca N/......, - “AT THE CENTRE OF XXXXX” – destinada para assinalar serviços e produtos da classe 35ª.
Por sentença do Tribunal Judicial de Base proferida em 5 de Março de 2014, foi julgado improcedente o recurso, tendo sido confirmada a decisão que indeferiu o registo da referida marca.
Inconformada com a decisão, recorreu a recorrente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Sendo distintas a marca daqueles autos e a marca ora pretendida registar, o entendimento do douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 20 de Junho de 2013, proferido no âmbito do processo 304/2013, não tem necessariamente que ser aplicável à marcas dos presentes autos, carecendo de confirmação que a marca pretendida registar pela ora Recorrente viole, ipso facto, os comandos legais dos artigos 199º e n.º 3 do artigo 214º do RJPI, conjugados, nos termos em que o douto Tribunal de Segunda Instância entendeu serem aplicáveis naquele citado Acórdão.
2. Cremos ainda que a marca N/......, assim como quaisquer outras que pouco ou nada vão além do uso de vocábulos como p. ex. “Central”, “Center”, “Centre”, “Arena”, “Ticket”, “Ticketing”, “Strip”, “Style”, “Plaza” etc., são marcas fracas – i.e., marcas com fraco carácter distintivo e que marcas que recorram aos vocábulos acabados de citar são aliás ainda mais fracas quando meramente associadas ou acopladas a meras designações geográficas, como sucede com os termos “Cotai”, “Macau” ou “Macao”.
3. Assim, ainda que haja um registo de marca anterior usando vocábulos do mesmo género, cremos que não podem esses registos ser susceptíveis de impedir registos de outros que, usando os mesmos vocábulos, os façam com uma construção frásica diferente.
4. A possibilidade de ser requerida e registada uma marca recorrendo aos mesmos termos de uma marca fraca anterior, mas com outro arranjo frásico, é um risco que terá de suportar aquele que, à partida, escolheu para si uma marca fraca, ao invés de optar por uma marca forte, fantasiosa, com uma componente gráfica (e não meramente nominativa). De certa maneira se dirá: Ubi commoda, ibi incommoda.
5. Em Macau e em Hong Kong convivem diferentes marcas fracas, com diferentes arranjos frásicos, cujos termos nucleares têm fraco carácter distintivo e são iguais – incluindo diversas marcas que fazem uso da palavra “CENTRAL” e “CENTER”, conforme os muitos exemplos citados nos artigos acima.
6. Cremos portanto de rejeitar a argumentação de que a marca N/......, em causa nestes autos, pretendida registar pela B ENTERTAINMENT LICENSING LIMITED, é incompatível com as marcas “XXXXX CENTRAL / XXXXX中心”, na medida em que cremos que não se verifica in casu o requisito de semelhança que induza o consumidor em erro, confusão ou associação com outra marca registada, previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 214º do RJPI.
7. Tanto a marca N/...... como a marca N/......, distintas, são marcas fracas, pelo que aquela não pode impedir a existência desta, antes devendo coexistir no mercado, limitadas pela intrínseca fraca capacidade distintiva por que optaram os seus criadores/titulares.
Conclui, pedindo que se conceda provimento ao recurso, e em consequência, revogando-se a decisão recorrida e deferindo-se o pedido de registo da marca N/.......
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Notificadas as partes interessadas, respondeu apenas ao recurso a própria Direcção dos Serviços de Economia.
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II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte matéria de facto:
A) Em 04/07/2011, a Recorrente requereu o registo da marca N/...... para a classe de produtos n.º 35 qual consiste no seguinte: (fls. 1 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
AT THE CENTRE OF XXXXX
B) Foi publicado no Boletim Oficial, n.º 38 da II Série de 21 de Setembro de 2011, o pedido de registo de marca. (fls. 12 e 13 do P.A.)
C) Em 21/10/2011, D CORP. e C MACAU S.A. apresentaram as suas reclamações contra a concessão do pedido do registo do marca N/....... (fls. 14 a 25; 35 a 62 do P.A.)
D) Em 21/11/2011, F AGENTS LIMITED apresentou a sua reclamação contra o pedido do registo da marca N/....... (fls. 90 a 116 do P.A.)
E) Em 24/11/2011 e 13/12/2011, a Recorrente apresentou as suas contestações contra as reclamações apresentadas pela D CORP., C MACAU S.A. e F AGENTS LIMITED respectivamente. (fls. 127 a 132; 205 a 214 do P.C.)
F) Por despacho de 26/11/2012 proferido a fls. 230 do P.A., foi recusado o pedido de registo de marca N/...... com base nos fundamentos constantes da informação de fls. 230 a 240 do P.A. e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
G) O despacho referido na alínea F) foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, n.º 51, II Série, de 19/12/2012. (fls. 241 do P.A.)
H) Encontram-se registadas as marcas N/...... (classe 16), N/...... (classe 18), N/...... (classe 35) que consistem no seguinte: “XXXXX CENTRAL XXXXX中心” em nome da D Corp. e da C Macau S.A. (fls. 237 do P.A.)
I) Em 21/01/2013, foi apresentado neste Tribunal o presente recurso.
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A questão que se coloca neste recurso consiste em saber se a marca nominativa constituída pelas palavras “AT THE CENTRE OF XXXXX” está dotada de eficácia ou capacidade distintiva susceptível de protecção, e, em caso afirmativo, saber se se verifica o requisito de semelhança que induza o consumidor em erro, confusão ou associação com outra marca registada, previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 214º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
Como sinal distintivo, a marca tem por função distinguir produtos ou serviços.
Ao abrigo do artigo 197º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, “só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”
É um sinal que serve para individualizar os produtos ou serviços, objecto do comércio do comerciante.1
Quanto à sua composição, a marca pode ser nominativa, figurativa ou mista, consoante seja constituída por palavras, ou tenha carácter plástico, tendo apresentação visual própria, ou composta por palavras e formas.2
Nestes termos, a marca goza, na sua composição, do chamado princípio da liberdade, salvo condicionalismos impostos por lei.
Consistindo um desses condicionalismos em a marca dever estar necessariamente dotada de eficácia ou capacidade distintiva suficiente, i.e., há-de ser apropriada para diferenciar de outros produtos idênticos ou semelhantes.
Com isto pretende a lei afastar do domínio da marca todos os elementos chamados genéricos ou descritivos.
Diz-se genérico quando o sinal, no seu significado originário e próprio, designa exclusivamente o nome do género de produtos ou serviços marcados ou, ainda, o sinal, bi ou tridimensional, que representa unicamente, a forma comum e ordinária do produto marcado.3
Enquanto descritivo aquele sinal que indica, exclusiva e directamente, a produção (espécie, lugar e tempo), qualidade, quantidade, destino, valor, ou qualquer outra característica do produto ou serviço.4
Assim, prevê-se nos termos do artigo 199º, nº 1, alínea b) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI) que não possuem eficácia distintiva as marcas compostas exclusivamente por “indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos...”.
A marca só é efectivamente descritiva se for exclusiva e directamente descritiva. Uma marca pode ser distintiva se não for exclusivamente descritiva, ou seja, se, sendo composta por elementos descritivos e não descritivos, a combinação oferecer um conjunto distintivo e, ainda, se não for directamente descritiva, ou seja, se só se limitar a sugerir ou evocar por forma inabitual e invulgar uma característica do produto ou serviço designando-se, nesta última hipótese, por marca sugestiva, expressiva ou significativa.5
Na apreciação da marca, convém atender-se à sua imagem global e não na análise individualizada de cada um dos seus elementos.
No presente caso, as marcas nominativas em causa são constituídas pelas palavras “AT THE CENTRE OF XXXXX”.
Entende a recorrente que tanto a marca registanda como a marca registada são marcas fracas, não podendo esta impedir a existência daquela, antes devendo coexistir no mercado.
Vista a marca no seu conjunto, somos a entender que as palavras “AT THE CENTRE OF XXXXX” fazem referência a um conceito de localização geográfica, isto é, uma referência específica daquela faixa ou tira mais atraente situada entre as Ilhas da Xxxpa e de Xxloane ― XXXXX.
Por serem meras designações descritivas que indicam exclusivamente o local onde os produtos e serviços da recorrente são prestados, efectivamente numa zona ou avenida situada entre as ilhas da Xxxpa e de Xxloane, mas não se sabendo a que bens e serviços pretende ela dar destaque dentre aqueles que no XXXXX se praticam, tal sinal distintivo, por não possuir capacidade distintiva, não é susceptível de protecção, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 199º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
Cumpre salientar ainda que o nosso Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar em vários casos análogos, vejam-se, a título exemplificativo, os Acórdãos nos Processos 304/2013, 292/2013 e 672/2013, todos do TSI:
“Mas, se, em vez disso, a vontade da interessada é destacar algo que, sem o público consumidor saber o que é, fica situado na zona vital, bem no centro, enfim no “coração” do XXXXX, então, do mesmo modo, estamos perante um conjunto de elementos nominativos que acentuam o cariz geográfico da marca. “The Heart of Xxxxx”, no fundo, equivaleria a dizer, por outras palavras, “O Centro do Xxxxx”, o que, igualmente, também não escaparia à ideia de reforço de uma lógica inculcadora de localização. E preencheria, sem esforço, a previsão do art. 199º, nº1, al. b), do RJPI.” - Acórdão do TSI, Processo 304/2013
“Assim, sem dúvida se trata de uma designação geográfica.
Quanto as palavras na língua inglesa THE HEART OF, significam literalmente “o coração de” ou metaforicamente “o centro de”.
E portanto, não atribui à expressão XXXXX qualquer capacidade distintiva dos produtos e serviços a que se destina dado que a marca no seu conjunto THE HEART OF XXXXX mais não representa do que uma mera indicação da proveniência geográfica.
Pelo que fica supra dito e face ao disposto no artº 199º/1-b) do RJPI, é de concluir que a marca registanda não é susceptível de protecção por falta de capacidade distintiva dos serviços a que se destina e consequentemente deve ser recusado o registo, e que bem andou a Exmª Juiz a quo ao julgar como julgou procedente o recurso interposto pela ora recorrida A.” - Acórdão do TSI, Processo 292/2013
“No caso em apreço, a marca em causa é composta simplesmente por caracteres “AT THE HEART OF XXXXX”.
A palavra “XXXXX”, na RAEM, tem um significado especial, que se refere a uma localização geográfica específica desta Região Administrativa Especial, isto é, o local situado entre as Ilhas da Xxxpa e de Xxloane.
Aliás, a palavra “XXXXX” resulta da síncope das palavras Xxloane e Xxxpa.
Com a instalação de hotéis luxos e casinos na zona em referência, “XXXXX” é actualmente uma zona específica da RAEM onde se desenvolvem as actividades de jogo, hotelaria, lazer e entretenimento pelos diferentes titulares de licença para a exploração de jogos de fortuna e azar.
Já vimos que a palavra “XXXXX” é uma designação geográfica.
A expressão “AT THE HEART OF XXXXX”, para a tradução directa em português, corresponde “NO CORAÇÃO DO XXXXX”, ressaltando desde logo à vista o seu sentido de localização geográfica: no centro do XXXXX.
Nesta conformidade, um consumidor médio, ao ver a referida expressão “AT THE HEART OF XXXXX”, pode não saber se se tratar duma marca do produto ou duma publicidade ao centro da zona geográfica da RAEM onde se desenvolvem as actividades de jogo, hotelaria, lazer e entretenimento, bem como pode não saber, em concreto, qual a entidade exploradora desse produto ou dessas actividades, uma vez que existem diferentes entidades titulares de licença para a exploração de jogos de fortuna e azar que praticam as mesmas actividades na referida zona.
Face ao expendido, se conclui que a marca registanda (…) não tem capacidade distintiva, pelo que não pode ser objecto do registo.” - Acórdão do TSI, Processo 672/2013
Finalmente, cabe dizer ainda que não se descortina ter a marca em causa, analisada na sua imagem global, adquirido um “secondary meaning” que lhe confira eficácia distintiva.
Consagra-se nos termos do artigo 214º, nº 3 do RJPI que “o facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo.”
Neste aspecto, será possível a concessão de registo da marca, apesar de todos os elementos serem descritivos, se a marca tiver já adquirido um “secondary meaning” que lhe confira eficácia distintiva, ou seja, quando a marca deixa de ser apreendida pelo público pelo seu sentido descritivo, mas sim por um outro sentido não descritivo ligado a determinada empresa.
No caso em apreço, entendemos que, por um lado, sendo a marca composta exclusivamente por elementos descritivos, e por outro, não tendo a marca adquirido qualquer “secondary meaning”, a marca é desprovida de capacidade distintiva para distinguir bens e serviços, daí que somos a entender que andou bem o Tribunal a quo ao manter a decisão de indeferimento do registo da marca N/.......
Uma vez que se conclui pela falta de capacidade distintiva da marca registanda, ficamos dispensados de apreciar a questão relacionada com a eventual reprodução ou imitação da marca anteriormente registada.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
***
Macau, 9 de Outubro de 2014


Tong Hio Fong
(Relator)


Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)


João Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Carlos Olavo, Manual D. Comercial, 1º, pág. 186
2 Prof. Oliveira Ascensão, Direito Comercial Vol. II
3 Luís M. Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, pág. 171
4 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 173
5 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 173
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