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Processo n.º 484/2010
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 13/Novembro/2014


ASSUNTOS:

- Parte vencida e legitimidade para recorrer do despacho que julgou extinta a instância;
- Inutilidade superveniente da lide;
- Legitimidade substantiva e regularidade de representação;
- Vício invalidante da participação de um sócio indevidamente representado;
- Competência para deliberação sobre matérias de gestão por parte da Assembleia Geral;
- Fixação do valor de acção e impugnação da liquidação de guias em conformidade com o valor fixado.
    
    
    SUMÁRIO :
1. A Ré, na sua contestação, pugna, em primeira linha pela sua absolvição do pedido - tratava-se de um pedido de anulação de uma deliberação de constituição de uma sociedade em Hong Kong para integração da mesma por parte dos sócios de uma sociedade operadora de jogo na RAEM para fins de cotação em Bolsa - e só em linha subsidiária pede a sua absolvição da instância. Isto é, a recorrente, sendo parte principal, é também parte vencida num despacho que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, porque quer ver na relação jurídico-processual mantida com as AA., em que sobreleva o concreto litígio entre as partes, a questão definitivamente dirimida sobre a validade da deliberação proferida em Assembleia Geral da sociedade e, nessa medida, tem legitimidade para recorrer de um despacho que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
2. A inutilidade superveniente da lide dá-se quando a acção judicial em curso deixa de ser idónea à obtenção do efeito jurídico pretendido pelo autor e não é uma cotação em Bolsa na vizinha Hong Kong que torna inútil uma deliberação cujo objecto não se esgotava naquela cotação.
3. Não é o acto de admissão da cotação em Bolsa, mas sim a deliberação que levou a participada da Ré a um conjunto de actos e procedimentos, com implicações eventuais em alterações no capital e estrutura social, sendo a cotação em Bolsa um acto executório e consequente de uma deliberação social habilitante e potencialmente lesiva interna e externamente, passível de abertura de um litígio que desencadeou a acção e que a Ré pretende ver dirimido, ainda que, por ora, as AA. se contentem com tal desfecho da acção.
4. A cotação em bolsa é apenas uma das vertentes, uma consequência da deliberação anulanda que, a nosso ver, não a esgota, seja em termos de irreversibilidade dessa mesma cotação, seja em termos de outros efeitos decorrentes da deliberação, seja ainda em termos de efeitos indirectos e dos prejuízos daí advenientes para sócios ou terceiros.
5. Importa não confundir a regularidade de representação de um sócio com direito a participar na AG e com direito de voto com a legitimidade substantiva resultante de esse representante dever ser um outro sócio com direito de voto.
6. Justifica-se esta exigência em função de fazer intervir alguém que esteja ligado à sociedade, conheça as questões e os seus problemas, que, no fundo, partilhe do interesse societário exactamente por também ela ter direito a voto e não se dever desviar dos fins que a habilitam na participação de uma dada deliberação. Ao invés, permitir a participação social na formação da vontade a alguém que não tivesse uma particular ligação à sociedade, desintegrado do interesse comum dos sócios e da sociedade, poderia fazer perigar o interesse colectivo, fosse por via da sua intervenção activa, fosse até pelo acesso a informação reservada societária, não havendo razão para distinguir entre sócios pessoas individuais ou sócios pessoas colectivas.
7. Os efeitos dessa irregularidade representativa externa, perante a sociedade, situar-se-ão ao nível da validade ou invalidade da deliberação tomada com base em tal participação. Não estando perante uma invalidade substantiva, o vício de que padece essa intervenção traduz-se numa invalidade de natureza procedimental, ou seja, se a votação efectuada pelo representante não respeitou um requisito que os Estatutos previam, tal vício formal irá afectar a eficácia da deliberação, importando identificar qual o tipo de vício invalidante que se observa em consequência da inobservância de tal requisito.
8. A situação recairá sobre a possibilidade dessa inobservância formal e regulamentar fulminar a deliberação de nulidade ou anulabilidade. Excluindo-se a primeira dessas situações, face ao carácter nuclear e estruturante dos interesses protegidos por essa via - haja em vista o disposto no artigo 228º do C.Com. -, resta a integração do vício observado na anulabilidade, face ao disposto no artigo 229º, n.º 1, a) do C.Com.
9. Tratando-se de deliberação da AG tomada a pedido do órgão de gestão, como foi o caso, a questão da invalidade - por força do âmbito das competências do órgão próprio para administrar, o Conselho de Administração - já não se coloca, passando o problema a ser o da natureza vinculante ou não dessa deliberação, questão esta que passa a interferir naquela que vem colocada, qual seja a da inocuidade da deliberação da AG em relação aos efeitos do acto anulando, cujo objectivo final seria a participação em sociedade que permitisse a cotação em bolsa na vizinha RAEHK.
10. Os accionistas só podem deliberar sobre matérias de gestão a pedido do órgão de administração, casos em que se afigura, na esteira da melhor doutrina, ser vinculante tal deliberação.
11. Se as recorrentes interpuseram recurso da decisão que julgou improcedente a respectiva reclamação quanto à emissão de guias de preparos para julgamento e despesas e não da decisão que julgou procedente o incidente de verificação do valor da acção deduzido pela ora recorrida, a decisão que fixou o valor mostra-se transitada e os preparos são devidos em conformidade com as guias que foram liquidadas.
    
              O Relator,
              João A. G. Gil de Oliveira









Processo n.º 484/2010
(Recurso Cível)
Data : 13/Novembro/2014

RECORRENTES :
Recurso Final
- C

Recursos Interlocutórios
- C
- A
- B

RECORRIDAS :
- As Mesmas
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - As AA. A e B propuseram acção de anulação de deliberação social contra a R. C, pedindo que todo o deliberado na Assembleia Geral Extraordinária de 25 de Setembro de 2006 da Ré C, fosse anulado.
     Visava essa deliberação a constituição de uma sociedade em Hong Kong, “F”, cujo capital seria detido pelos accionistas à data da deliberação da D, na proporção dos respectivos direitos, que o capital e o benefício económico da participação na D passavam a ser titularidade da “F” e que fossem implementados os procedimentos necessários e adequados para a admissão daquela sociedade à cotação na Bolsa de Valores de Hong Kong e sucessivamente uma oferta pública de subscrição (IPO) em aumento de capital, reservada a novos sócios (público) pela qual estes deverão vir a tornar-se titulares de acções representativas de entre 20% a 25% (eventualmente acrescido de 15º sobre o valor a ser disperso em cumprimento de requisitos legais e regulamentares) do capital da F.
     A Ré C contestou e pediu a sua absolvição do pedido, baseada na ilegitimidade substantiva do n.º 1 do art. 230º do Cód. Com., ou, subsidiariamente, na sua absolvição da Ré da instância, por falta de interesse em agir, ou, sucessivamente, por litispendência, ou absolvição do pedido, por não provada e juridicamente infundada a acção.
     Mais pede a ré que seja julgado o incidente do valor da acção em MOP 11.250.000.000,00 (onze mil duzentos e cinquenta milhões de patacas).
     Vêm interpostos três recursos que importa conhecer, sendo que dois deles subiram conjuntamente com aquele que devia subir imediatamente e nos próprios autos.
    
     Vejamos quais os recursos interpostos e se mostram em aberto:
     - Despacho saneador - na parte das excepções deduzidas – recorrente, a R. C;
    - Despacho de fls. 620 e ss - na parte que indeferiu a reclamação: - recorrente, a A;
    - Despacho de fls 813 e v. que julgou extinta a instância - recorrente, a Ré C.
    Esses recursos foram alegados nos termos adiante referidos.
    Foram colhidos os respectivos vistos
    II - Recurso do despacho que julgou extinta a instância (fls 813 e v.)

1. Este recurso assume-se como o primeiro que deve ser conhecido, dele dependendo tudo o mais, com excepção da determinação do valor da causa, em vista da sua tributação, prévia e posterior à prática dos diferentes actos que reclamem pagamento ou adiantamento de custas.
Trata-se do despacho da Mma Juíza que declarou extinta a instância com base no facto de se ter entendido que a anulação da deliberação social de 25/Set./06, objecto do pedido de anulação dos presentes autos, já ter sido executada com a cotação da respectiva empresa «D Holdings Limited» na bolsa de Valores de Hong Kong.
Se dizemos que deste recurso depende tudo o mais que se coloca no seio da presente instância é porque se ela se mostra extinta não importará mais conhecer das questões que se prendem com a instrução e demais questões tendentes ao conhecimento de meritis; ao invés, se assim se não entender, então há que conhecer das questões colocadas e que devam ser conhecidas neste momento e nesta fase recursória.

2. A ré C interpôs o recurso de que ora se cura, sustentando em síntese conclusiva:
     1. A conclusão do Tribunal a quo pela extinção da instância fundada em inutilidade supervenientes da lide instaurada com vista à anulação da deliberação aprovada pelo colectivo de sócios da ora Recorrente em 25 de Setembro de 2006 contraria jurisprudência multi-milenar, indisputada à escala global em solução que, no ordenamento da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China jamais teve, ou poderia ter, acolhimento;
     2. A consumação, por actos de execução ou independentemente dela, dos efeitos jurídicos de um qualquer facto jurídico (negócios jurídicos em particular, actos jurídicos em geral em especial, deliberações sociais) não preclude o interesse ou a utilidade na apreciação da validade desse mesmo facto e no respectivo sancionamento, já como nulo, á como anulável;
     3. Entendimento diverso – justamente o seguido pelo Tribunal a quo – representaria a aceitação de uma ordem de não - Direito e, mais concretamente, a declarada violação do disposto no Artigo 282º do Código Civil ao instituir este e eficácia retroactiva – retro-valorativa (BAPTISTA MACHADO) – e o efeito repristinatório quer da declaração de nulidade, quer da anulação do factos produtor de consequência de direito que venha a ser julgado inválido.
     4. De resto, se outro devesse ser, ou pudesse ter sido o entendimento da lei no que à anulação de deliberações sociais especificamente diz respeito, careceria de sentido a norma do n.º 4 do Artigo 231º do Código Comercial e a previsão expressa na mesma da protecção de terceiros de boa fé cujos direitos se tenham formado com causa em deliberação social executada e que, posteriormente, tenha vindo a ser declarada nula ou a ser anulada em processo judicial próprio;
     5. Independentemente das conclusões enunciadas nos parágrafos anteriores, mas em prejuízo delas, a simples circunstância de que a constituição da D HOLDINGS LIMITED e a sua admissão à cotação no mercado regulado de valores mobiliários de Hong Kong não constituam efeitos jurídicos (ou, tão pouco, muito menos, actos de execução ou consequências da prática de actos de execução) da deliberação impugnada nos presentes Autos, revela, igual ou concorrentemente, a ausência de fundamento legal para a declaração de extinção da instância com fundamento em inutilidade superveniente da lide.

NORMAS LEGAIS EM CUJA VIOLAÇÃO A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA INCORRE, PARA CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO N.º 2 DO ARTIGO 589º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL : - ARTIGO 282º DO CÓDIGO COMERCIAL E ARTIGO 229º DO CÓDIGO DE PROCEOSSO CIVIL.
    
    Nestes termos, se requer seja a douta sentença recorrida revogada e ordenada a baixa dos Autos ao Tribunal Judicial de Base para re-agendamento da audiência de julgamento e, a final, prolação de decisão quanto ao mérito do pedido, sem prejuízo de tal se poder mostrar prejudicado pela procedência do recurso interposto pela ora Recorrente da decisão que, em fase de saneamento dos Autos, julgou improcedentes as excepção deduzidas
    Com a consequente condenação das ora Recorridas na custas de lei.

3. As AA. respondem dizendo que o recurso não é admissível, pois a recorrente, ainda que parte principal, não é parte vencida, não se observando os requisitos do art. 558º, n.º 1 do CPC, pois logrou o objectivo prosseguido na prática com a contestação.
Enfatizando a natureza épica e telúrica das alegações e apodando de inanidade assustadora a alegação da recorrente - não sem que se avance, desde já, que, pela forma, a Ré não se deixou de se pôr a jeito nesta bravata -, contesta a leitura da recorrente, sustentando que a decisão proferida não belisca com a esfera jurídica da recorrente, pois que a cotação das acções da “D Holdings Limited” na Bolsa de Hong Kong é uma decisão irreversível.

4. A questão afigura-se-nos simples e vamos ser frugais na economia das palavras, o que não é razão bastante para, ainda que divergindo do decidido, deixar de censurar uma imputação descabida à sentença prolatada de ter subvertido a Ordem de Direito com a decisão proferida.
O Tribunal não dispõe, infelizmente, dos arquivos históricos e multimilenares de que a recorrente parece dispor, ao afirmar que o decidido afrontou Jurisprudência, pelo menos, com mais de dois milhares de anos.
Mas também não precisamos de tanto. Basta uma leitura atenta do artigo 282º do Código Civil para se chegar à conclusão de que não é uma cotação em Bolsa na vizinha Hong Kong que torna inútil uma deliberação cujo objecto não se esgotava naquela cotação. Basta ler o que deliberado foi, já acima concretizado, e que as próprias AA. bem identificam no artigo 29º da p.i.
5. Mas vamos por partes.
A Ré não teria qualquer interesse no recurso, porquanto logrou o efeito prático deduzido na sua contestação.
Não é verdade. A Ré, na sua contestação, pugna, em primeira linha pela sua absolvição do pedido, nos termos acima vistos. Só em linha subsidiária pede a sua absolvição da instância. Isto é, a recorrente, sendo parte principal, é também parte vencida porque quer ver na relação jurídico-processual mantida com as AA., em que sobreleva o concreto litígio1 entre as partes, a questão definitivamente dirimida sobre a validade da deliberação proferida.
A parte contestante, a não ser que o expresse, no sentido de se contentar com uma mera absolvição de instância, não tem interesse apenas em se livrar daquela acção. Tem ou pode ter todo o interesse de se livrar do litígio, em ver definitivamente decidida a questão que a separa das AA. e assim será se do teor da contestação se alcança esse desiderato. Foi o caso. Sofreu gravame. Tem o direito em não voltar a ser incomodada pelas AA. sobre a questão da validade das ditas deliberações.2 Não terá, pois, logrado o efeito prático que pretendia.
6. Da insusceptibilidade de repristinar a situação que teria ocorrido não fosse o ter-se praticado um acto viciado, passível de anulação.
A cotação em bolsa teria tornado inútil a acção, extinguindo a instância.
“A impossibilidade ou inutilidade dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.”3
Tal impossibilidade ou inutilidade pode ter que ver com o perecimento da coisa ou objecto da lide, perspectivam-se essencialmente em função do efeito jurídico que por via da lide se pretende alcançar.4
A inutilidade superveniente da lide dá-se quando a acção judicial em curso deixa de ser idónea à obtenção do efeito jurídico pretendido pelo autor.
Sustentam as AA. que a cotação em Bolsa é irreversível. Esse sempre seria um facto quoad demonstrandum…Não seria a primeira nem seguramente a última das saídas da Bolsa de Hong Kong.
Não é assim, no entanto, que a questão se deve colocar, na exacta medida em que o que se pede não é o acto de admissão da cotação em Bolsa, mas sim a deliberação que levou a participada da Ré a um conjunto de actos e procedimentos, com implicações eventuais em alterações no capital e estrutura social, sendo a cotação em Bolsa um acto executório e consequente de uma deliberação social habilitante e potencialmente lesiva interna e externamente, passível de abertura de um litígio que desencadeou a acção e que a Ré pretende ver dirimido, ainda que, por ora, as AA. se contentem com tal desfecho da acção.
7. Anulabilidade é uma forma de invalidade de um negócio jurídico ( a deliberação) originariamente válido, que assim permanece até que o tribunal, a pedido da parte interessada, o anule5, sendo os seus efeitos retroactivamente destruídos. Daqui se retira que, ao facultar-se a destruição do negócio a qualquer interessado, cujo interesse é configurável não apenas num dos efeitos do acto, autonomizado na sentença como fundamento extintivo da lide, possa haver muitos outros que afectem a esfera jurídica dos impetrantes da anulação, sendo legítimo que a contraparte queira cortar cerce a discussão sobre o vício invalidante na deliberação tomada.
    As partes não individualizam as situações concretas que podem configurar uma alteração das esferas jurídicas em presença - porventura na óptica de não conceder trunfos à parte contrária -, por isso também não vamos nós além da conceptualização abstracta dessa possibilidade.
    Uma coisa é certa: a cotação em bolsa é apenas uma das vertentes, uma consequência da deliberação anulanda que, a nosso ver, não a esgota, seja em termos de irreversibilidade dessa mesma cotação, seja em termos de outros efeitos decorrentes da deliberação, seja ainda em termos de efeitos indirectos e dos prejuízos daí advenientes para sócios ou terceiros.
    Daí que seja legítimo pretender a ora recorrente ver-se absolvida do pedido e já não da mera absolvição de instância e pugnar por isso pelo conhecimento de meritis, pretendendo que a questão controvertida respeitante à relação material subjacente seja conhecida.
    Donde sermos a concluir no sentido de que assiste razão à recorrente neste recurso que, assim, não se deixará de julgar procedente.
    
III- Do recurso interposto do despacho saneador pela Ré C (despacho recorrido de fls 321, interposição de recurso de fls. 338 e alegações de fls 422)
1. É do seguinte teor o despacho recorrido:
“I.1 Da legitimidade substantiva para a acção de anulação.
    Vem a Ré invocar a excepção peremptória de ilegitimidade substantiva das Autoras, por força do disposto no artigo 230° do Código Comercial, mormente do seu n.º 1 e suas alíneas a) e b), em conjugação com o disposto no artigo 18° dos Estatutos da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (C).
    Estabelece o artigo 230° do Código Comercial:
    «1. Tem legitimidade para impugnar uma deliberação:
    a) Qualquer sócio que nela tenha participado, a menos que tenha votado no sentido que obteve vencimento;
    b) Qualquer sócio que tenha sido irregularmente impedido de participar na assembleia, ou que nesta não tenha comparecido, tendo ela sido irregularmente convocada».
    E o artigo 18° da C prevê:
    «Um: Aos accionistas com direito a participar na Assembleia Geral é permitida a representação por mandato conferido a outro accionista que nelas tenha direito de voto.
    Dois: Os incapazes e pessoas colectivas são representados pelas pessoas a quem essa representação incumbir.
    Três: O mandato pode ser conferido por simples carta assinada pelo mandante, dirigida ao presidente da Mesa da Assembleia Geral, e da qual conste a identidade do representante, e que deve ser entregue no escritório da sociedade, pelo menos, cinco dias antes da data fixada para a assembleia geral»
*
I. 1.1 Da qualidade de sócio das 1ª e 2ª Autoras.
    Quanto à primeira Autora, cremos que dúvidas inexistem da sua qualidade como sócia da Ré, aliás sobejamente por esta reconhecida.
    Se parece óbvio a qualidade de sócio da primeira Autora, o mesmo já não se dirá em relação à segunda Autora.
    No entanto, mesmo assim, dúvidas não devem haver que a primeira Autora havia transmitido parte das suas acções que detinha na Ré à segunda Autora, com a ressalva de que tal transmissão não era e não é reconhecida pela Ré.
    Além disso, se é certo que a Ré não reconhece a segunda Autora como sua sócia também não é menos verdade que a sua qualidade de sócia não está afastada, tudo dependendo da decisão judicial que sobre tal matéria virá pronunciar, aliás é o que vem defendendo a Ré nos vários litígios em que esta questão se coloca.
    Aí chegados, parece-nos que, e até decisão em contrário, não temos fundamentos bastantes para decidir com segurança que esta segunda Autora não é accionista da Ré.
*
I 1.2. Do direito de participação do Sr. E como representante das Autoras.
    Desde logo, e apesar das ressalvas que se fez constar na acta, por aprovação com voto unânime dos accionistas presentes, o Sr. E foi efectivamente admitido a participar na Assembleia Geral Extraordinária em representação da primeira e segunda Autoras.
    E este, no decorrer da assembleia, fez questão de manifestar a sua oposição, em nome das suas representadas, da única proposta apresentada para deliberação.
    Oposição que igualmente se fez constar na respectiva acta.
    O que temos que concluir que lhe foi reconhecido a qualidade de representante das duas autoras, mesmo a título precário, até decisão final dos Tribunais.
    I. 1.3. Da legitimidade para a propositura da presente acção de anulação.
    De acordo com o acima já exposto, não havendo decisão que afaste definitivamente a qualidade da segunda autora como accionista da Ré nem qualquer outra que ponha em causa a deliberação acima referida (I.1.2.); coerente será que seja também permitido às Autoras o exercício dos demais direitos como sócio, nomeadamente o direito de impugnar a deliberação contrária ao seu sentido de voto, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 230° do Código Comercial.
    Além disso, sempre se dirá que o artigo 18° do Estatuto da C não nos oferece uma leitura tão linear como aquela exposta pela Ré na sua douta contestação.
    Aliás, o próprio formulário da C para efeitos de representação em Assembleia Geral, deu outra interpretação à tal norma.
    Sendo certo que, da leitura dos três números desse artigo 18°, não nos permite concluir com segurança que a representação na assembleia da primeira Autora tem que ser obrigatoriamente feita por outro accionista com direito a voto e no caso da segunda Autora ainda poderá através dos seus legais representantes.
    Nesta conformidade, é julgado improcedente a excepção deduzida.
*
I-2 Da falta de interesse processual.
    Alega a Ré que as deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária de 25 de Setembro de 2006, por constituírem matéria da exclusiva competência deliberativa do Conselho de Administração, e não tendo o CA transmitido essas suas competências, as deliberações da Assembleia Geral não vinculam o C.A., pelo que são insusceptíveis de impugnação por parte das Autoras.
    Vejamos.
    Estabelece o artigo 216º do Código Comercial (C.Com) (Da competência deliberativa dos sócios - Assembleia Geral):
    «Além das matérias que lhes são especialmente atribuídas por lei, compete aos sócios deliberar sobre as seguintes matérias:
    a) Eleição e destituição da administração e do órgão de fiscalização;
    b) O balanço, a conta de ganhos e perdas e o relatório da administração referentes ao exercício;
    c) O relatório e o parecer do conselho fiscal ou do fiscal único;
    d) Aplicação dos resultados do exercício;
    e) Alteração dos estatutos;
    f) Aumento e redução do capital social;
    g) Cisão, fusão e transformação da sociedade;
    h) Dissolução da sociedade;
    i) As que não estejam, por disposição legal ou estatutária, compreendidas na competência de outros órgãos da sociedade.»
    (sublinhado nosso)
    E O n.º l do artigo 235° do C.Com prevê: «À administração das sociedades compete gerir e representar a sociedade, nos termos fixados para cada tipo de sociedade.»
    (sublinhado nosso)
    Em matéria das sociedades anónimas estatui ainda o artigo 465° do C.Com:
    «1. Compete ao conselho de administração gerir as actividades da sociedade e representá-la, devendo subordinar-se às deliberações dos accionistas ou às intervenções do conselho fiscal ou do fiscal único, excepto nos domínios para os quais tenha competência específica.
    2. É da competência do conselho de administração, além do mais previsto na lei, deliberar sobre:
    a) Relatórios e contas anuais;
    b) Aquisição, alienação e oneração de quaisquer bens;
    c) Prestação de garantias pessoais ou reais pela sociedade;
    d) Abertura ou encerramento de estabelecimentos;
    e) Extensões ou reduções importantes da actividade da sociedade;
    f) Modificações na organização da empresa;
    g) Projectos de fusão, de cisão e de transformação da sociedade;
    h) Qualquer outro assunto sobre o qual algum administrador requeira deliberação do conselho.»
    (sublinhado nosso)
    Determina ainda o artigo 26° do Estatuto da C :
    «Um. O Conselho de Administração tem os mais amplos poderes para administrar os negócios da sociedade e exercerá, em nome desta, os que não forem da competência da Assembleia Geral ou contrários à lei ou aos presentes estatutos, competindo-lhe, nomeadamente:
    a) Representar a sociedade em juízo ou fora dele;
    b) Orientar superiormente a actividade da sociedade e fixar as despesas gerais da administração;
    c) Aprovar os planos de desenvolvimento e financiamento, os programas anuais de trabalho e os respectivos orçamentos, assim como as modificações necessárias introduzir pela evolução dos negócios sociais;
    d) Alienar, obrigar ou onerar bens móveis, imóveis ou equiparados, quaisquer direitos, nomeadamente de concessão ou outros de natureza semelhante, dentro do condicionalismo legal;
    e) Contrair empréstimos, pactuar com devedores e credores em juízo e fora dele, desistir de quaisquer pleitos, transigir, confessar e assinar compromissos arbitrais;
    f) Assinar, aceitar, sacar, endossar e receber letras, cheques, livranças e todos os títulos mercantis;
    g) Prestar caução, aval bem como quaisquer outras garantias nos termos e nas condições indicadas na lei;
    h) Autorizar empréstimos, créditos ou adiantamentos;
    i) Celebrar e executar contratos e praticar os actos relativos à aquisição de equipamentos, à realização de obras e aos programas de trabalho da sociedade;
    j) Deliberar sobre a criação ou supressão de Comissões Consultivas, definir os seus poderes e regular o seu modo de funcionamento, nos termos legais;
    k) Deliberar sobre a colocação de fundos disponíveis e o emprego de capitais que constituam o fundo de reserva, fundos de previdência e amortização, sem prejuízo das obrigações legais;
    j) Autorizar a participação na constituição, subscrição do capital, assumpção de interesses ou tomada de participações em outras sociedades, empresas, agrupamentos complementares ou associações de qualquer espécie, bem como a cooperação, colaboração e consórcio com quaisquer outras entidades e designar as pessoas que entender para o exercício de cargos em outras sociedades, agrupamentos ou qualquer tipo de associações nas quais a sociedade participe;
    m) Escolher, de entre os accionistas da sociedade, quem deve preencher até à primeira reunião da Assembleia Geral que posteriormente se realizar, as vagas que ocorrerem entre os Administradores eleitos;
    n) Preparar e submeter anualmente à Assembleia Geral os relatórios e contas da sociedade bem como a proposta de aplicação de resultados;
    o) Organizar as contas que devam ser submetidas à Assembleia Geral e apresentar ao Conselho Fiscal os mais documentos.»
    Com interesse para a questão ainda o artigo 449º do C.Com. que dispõe o seguinte:
    «Só a pedido do órgão de administração podem os accionistas deliberar sobre matéria de gestão da sociedade»
    A matéria de que nos debatemos é uma proposta apresentada pelo Conselho de Administração relativa à constituição de uma nova subsidiária e sua admissão à cotação na Bolsa de Valores de Hong Kong, designada por «F», de cujo capital seria detido por todos os actuais accionistas da D («D»), na proporção do direito que cada um tem de quinhoar nos lucros, em razão do número e do tipo de acções de que é titular no capital social da D, passando o capital e o benefício económico da participação na D a ser titularidade da «F», nos termos do Anexo 1 da proposta e será feita uma oferta pública de subscrição (IPO) em aumento de capital, reservada a novos accionistas (público) que virão a tornar-se titulares de acções representativas de entre 20% a 25% do capital da «F».
    Da análise da proposta apresentada pelo Conselho de Administração e dos preceitos que regem esta e a Assembleia Geral (AG), afigura-se-nos, desde logo, que a matéria que se coloca em deliberação na AG não se trata de uma qualquer matéria de mera gestão da sociedade.
    Pois, vem colocar à deliberação da AG um projecto novo e totalmente inovador, de importância nuclear para a sociedade.
    E que consistia' em alterações quer embora não sejam nos próprios estatutos ou em aumento do capital social ou bem assim em transformação da própria sociedade (C), dado à actividade, pelo menos na presente conjuntura, de longe a principal, ser, por via da D, enquanto sócio maioritário, a de exploração do jogo de fortuna e azar, e passando agora para a «F», em que haverá um aumento de capital social desta, consistindo numa oferta pública de subscrição (IPO), reservada a novos accionistas (público) que virão a tornar-se titulares de acções representativas de entre 20% a 25% do seu capital, seguramente terão enorme impacto na própria C.
    Certo ainda que, não se enquadrando em domínios para os quais o Conselho de Administração tenha competência específica, porque nem a lei nem os próprios estatutos assim estatui, dado à importância que tal mudança poderá vir provocar na própria sociedade, afigura-se-nos dever tal deliberação ser da competência dos sócios da sociedade, ou, pelo menos, não se devendo ser da competência específica do CA, pelo que impugnável contenciosamente pelas Autoras.
    Pelo exposto, improcede igualmente a excepção arguida nesta parte.”
2. Como dissemos acima, o facto de a recorrente C ter pugnado em primeira linha pela absolvição do pedido e, subsidiariamente, pela absolvição de instância, em sede de defesa por excepção, confere-lhe legitimidade para recorrer, podendo por isso considerar-se parte vencida nesse segmento, afigurando-se-nos que o deixa de ser a partir do momento em que pede a absolvição da instância, pois foi isso que, ao fim e ao cabo, acabou por lograr com essa absolvição, ainda que por efeito do despacho que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Anota-se que pugna pela improcedência do pedido, em termos subsidiários, caso naufrague a sua defesa exceptiva que reconduz à excepção peremptória da ilegitimidade substantiva da 2º autora e à excepção decorrente da falsa de interesse em agir.

3. Atentemos nas suas conclusões de recurso:
    “1. A aferição da legitimidade substantiva para a propositura de acção de anulação de deliberação social não pode, nos termos da lei, bastar-se com a invocação não provada da qualidade de accionista, tão pouco sendo compatível com a subsistência de dúvidas quanto a que determinada Autora não seja sócia da sociedade Ré.
    2. Pressuposto da acção de anulação de deliberação social não é aparência da existência de uma relação societária nos termos em que o Autor a invoque ou configure mas, antes, a efectiva verificação dessa mesma relação.
    3. A lei vedou a terceiros a possibilidade de discutir a validade ou a eficácia de deliberações sociais pois não descortinou um interesse atendível em que terceiros relativamente ao grémio societário fossem investidos no direito ou faculdade de disputar a validade ou a eficácia deliberações sociais e visou a protecção do interesse da sociedade na reserva e integridade das deliberações pela mesma tomadas relativamente a terceiros, estranhos ao grémio societário.
    4. Sobre as Autoras impendia o ónus de prova da verificação de um requisito substantivo da existência do direito subjectivo de que se reclamam titulares;
    5. Por isso, a não demonstração da verificação da qualidade de accionista relativamente à ora Segunda Recorrida tem como consequência a procedência da excepção deduzida, com a absolvição da ora Recorrente do pedido.
    6. O entendimento seguido pelo Tribunal a quo conduziria, aliás, no limite, à consequência juridicamente intolerável de que pudesse ser promovida a anulação de uma deliberação por quem, após a decisão anulatória, se viesse, a final, a concluir não ser sócio da sociedade emitente da deliberação.
    7. Para o Juízo sobre o mérito da excepção de ilegitimidade substantiva das ora Recorridas, é irrelevante a decisão quanto à questão de saber se o Senhor E é, ou não, representante legal da ora Segunda Recorrida, ou a questão de saber qual a correcta interpretação a dar às estipulações estatutárias da ora Recorrida relativamente aos requisitos de válida e regular participação nas reuniões da respectiva assembleia geral de sócios pessoas colectivas.
    8. Tal questão só chega a poder ter qualquer relevância na medida em que o Tribunal a quo houvesse podido concluir, e tivesse efectivamente concluído, que a ora Segunda Requerida era sócia da ora Recorrente, o que não se verifica (atente-se no Artigo 1º da Base instrutória), tornando-se, assim, salvo o devido respeito, tendencialmente irrelevantes as considerações tecidas no § I.1.2. do douto despacho recorrido.
    9. A questão de saber se um accionista se achou, ou não, devidamente representado em determinada reunião de assembleia geral não se resolve na mera constatação de que, ou por decisão da mesa da assembleia geral, ou por decisão dos sócios, alguém que para si reclame o título de representante tenha efectivamente estado presente.
    10. De acordo com as estipulações estatutárias a participação em reunião da assembleia de sócios da ora Recorrente só pode ser feita, por duas formas: por um sócio em seu nome próprio ou por outro sócio como representante de um sócio ausente.
    11. E o entendimento seguido pelo Tribunal a quo tem como consequência inelutável, não consentida, nem pelos Estatutos da ora Recorrente, nem pela lei comercial, a instituição de um tratamento discriminatório e de favor para os sócios pessoas colectivas. Isto porque, enquanto que os sócios individuais teriam como alternativa a sua presença ou a representação por um outro sócio, os sócios pessoas colectivas teriam como alternativa adicional àquelas a da sua representação por terceiro não sócio.
    12. Aquilo de que trata o n.º 2 do Artigo 18° dos Estatutos da ora Recorrente é da representação legal, quer do sócio incapaz, quer do sócio pessoa colectiva, concretizando o critério, único e geral, previsto no n.º 1 do mesmo Artigo;
    13. O Tribunal a quo tem como assente (Alíneas L) e N) dos Factos Assentes) que o Senhor E não é representante legal da ora Segunda Recorrida. Facto esse que o Tribunal assentou, e bem, não obstante os considerandos que, no despacho ora Recorrido, veio a tecer sobre os termos por que o colectivo de sócios da ora Recorrida admitiu a presença do Senhor E na reunião da assembleia geral de sócios da ora Recorrente.
    14. Porque assim é, independentemente, pois, da resposta à questão de saber se a Segunda Recorrida pode ser ou não qualificada como sócia da ora Recorrente, há que forçosamente concluir que, quer esta, quer a Primeira Ré não se encontravam devidamente representadas em termos estatutários - uma vez que o pretenso representante não é representante legal daquela nem é sócio da ora Recorrente - , tendo sido tal evidência consignada em acta e achando-se provada nos Autos.
    15. O formulário de representação em Assembleias Gerais não procede, nem poderia proceder, a uma reinterpretação dos Estatutos da ora Recorrente. O formulário terá de ser lido, interpretado e aplicado de acordo com as normas legais e estatutárias, às quais não se sobrepõe.
    16. Não tendo existido qualquer impedimento irregular à participação na Assembleia Geral, ambas as Autoras estiveram ausentes, falhando o pressuposto substantivo de atribuição de legitimidade substantiva, nos termos do artigo 230º do Código Comercial.
    17. Quanto ao indeferimento da excepção dilatória de falta de interesse processual reitera-se a ineficiência ou o carácter não vinculante das deliberações dos sócios no domínio de matérias da competência do órgão de administração.
    18. As matérias sobre as quais incidiram as deliberações tomadas em reunião extraordinária da assembleia geral dos sócios da ora Ré no passado dia 25 de Setembro, são da competência deliberativa própria do respectivo Conselho de Administração.
    19. Nos termos do Artigo 449º do Código Comercial, (sic) "Só a pedido do órgão de administração podem os accionistas deliberar sobre matéria de gestão da sociedade."
    20. Nos termos do artigo 465º do mesmo Código, nessa esfera de competência, a deliberação dos sócios, tomada a partir de proposta do Conselho de Administração, não determina a perda ou transferência de competência para o colectivo de sócios.
    21. Tal deliberação, a menos que o contrato de sociedade o preveja, não vincula a administração, sob pena de subversão do esquema legal de repartição de competências e a desresponsabilização do órgão de administração.
    22. Não se mostrando, atenta a respectiva configuração legal, adequada a evitar a produção ou a consolidação dos efeitos daquelas deliberações, constitui esta uma actuação relativamente à qual as ora Recorridas não têm um interesse processual atendível.
    23. Na medida em que, a final, a presente acção viesse a ser julgada procedente - o que só por exigência de exposição coerente do raciocínio se cogita - os actos e deliberações do Conselho de Administração da ora Ré, praticados no exercício da competência geral que a lei àquele defere, não ficariam, nem prejudicados, nem precludidos, ou, tão pouco, muito menos, a validade ou a eficácia dos mesmos seriam, por tal circunstância, afectadas, porque a prática de tais actos não está dependente da emissão de qualquer deliberação por parte do colectivo de sócios da ora Ré, não estando, por isso, a validade e a eficácia da actuação por parte do Conselho de Administração dependentes ou condicionados pela validade ou pela eficácia das deliberações do colectivo de sócios que para aquele não sejam vinculantes.
    24. Deste modo, os actos sobre os quais incidiu a deliberação de 25 de Setembro e a cuja execução as Autoras pretendem obstar, serão de qualquer forma executados pela mão da administração.
    25. A caracterização de uma determinada matéria objecto de deliberação social como de gestão ou de administração, nada tem que ver com a distinção civilística entre actos de administração e actos de disposição, como parece pressupor o douto Despacho ora recorrido.
    26. Matéria de gestão é, para o direito das sociedades anónimas em vigor em Macau, toda e qualquer matéria relativamente à qual a lei não haja reservado a competência deliberativa aos sócios da sociedade.
    27. Ora, a lei não comete qualquer atribuição específica à administração da sociedade anónima, fazendo-o, antes, e ao contrário, relativamente aos demais órgãos da sociedade anónima.
    28. As Autoras pretendem, assim, obter pela presente acção um efeito que não pode ser por essa via alcançado, o que determina a falta de interesse processual.
    INDICAÇÃO DAS NORMAS LEGAIS EM CUJA VIOLAÇÃO A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA INCORRE, OU CUJA INTERPRETAÇÃO SE ENTENDE INCORRECTA, PARA CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO N.º 2 DO ARTIGO 598°. DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL:
     Artigos 230°, 216°, 449°, 235° e 465° do Código Comercial, artigos 18°, 12°, 3° e 26° dos Estatutos da ora Recorrente, a sociedade anónima C, e os artigos 416° e 417° do Código de Processo Civil.”

4. Da legitimidade substantiva
     A recorrente alega que a não demonstração da verificação da qualidade de accionista relativamente à ora segunda recorrida (a A. B) tem como consequência a procedência da excepção deduzida, com a absolvição da ora recorrente do pedido.
Afigura-se-nos, com todo o respeito pelo douto engenho interpretativo, vertido na sua alegação, que não lhe assiste razão.
    
    Estabelece o artigo 230° do Código Comercial:
    «1. Tem legitimidade para impugnar uma deliberação:
    a) Qualquer sócio que nela tenha participado, a menos que tenha votado no sentido que obteve vencimento;
    b) Qualquer sócio que tenha sido irregularmente impedido de participar na assembleia, ou que nesta não tenha comparecido, tendo ela sido irregularmente convocada».
    E o artigo 18° dos Estatutos da C prevê:
    «Um: Aos accionistas com direito a participar na Assembleia Geral é permitida a representação por mandato conferido a outro accionista que nelas tenha direito de voto.
    Dois: Os incapazes e pessoas colectivas são representados pelas pessoas a quem essa representação incumbir.
    Três: O mandato pode ser conferido por simples carta assinada pelo mandante, dirigida ao presidente da Mesa da Assembleia Geral, e da qual conste a identidade do representante, e que deve ser entregue no escritório da sociedade, pelo menos, cinco dias antes da data fixada para a assembleia geral»
Faz-se radicar a ilegitimidade substantiva da 2ª recorrida no facto de a questão passar por duas sub-questões: uma é a de saber se não foi observado o artigo 230º, n.º 1 do Código Comercial que dispõe:
“Tem legitimidade para impugnar uma deliberação:
a) Qualquer sócio que nela tenha participado, a menos que tenha votado no sentido que obteve vencimento;
(…)”
Insurge-se a recorrente, ainda que de forma imperfeitamente expressa, - porquanto a Mma Juíza, na dúvida sobre a qualidade de sócia da C, tanto assim que terá levado tal facto à Base Instrutória -, pelo facto de não ter decidido a seu contento a questão da ilegitimidade substantiva.
Realça-se o facto de a Mma Juíza não se ter pronunciado, em termos definitivos sobre a questão, precisando de recolher provas sobre esse facto. E nada há a apontar sobre uma decisão que relegue para final essa questão, perdendo sentido todas as dissertações feitas a este propósito, pois que se essa questão da legitimidade substantiva - que é óbvio não se confundir com a legitimidade processual, nem a Mma Juíza parece confundi-las -, se vier a concluir inexistir, então, nessa altura, a ré não deixará de ser absolvida do pedido.
Pretende a recorrente ver na redacção do artigo 18º dos Estatutos da C a obrigatoriedade de o mandatário de um accionista pessoa-colectiva na AG, com poderes representativos, ter de ser um outro accionista que nela tenha direito de voto, como determina o n.º 1. Sem se perceber bem como, reconduz esta questão àquela da ilegitimidade substantiva, quando nos devemos situar aí apenas na problemática decorrente de uma eventual irregularidade de representação, questão essa não abordada pela recorrente ou colocada em termos de a intervenção, por desconforme aos Estatutos, por não ser representativa de um sócio, condição sine qua non para se poder impugnar uma deliberação social.
Tal desconformidade com os Estatutos e inerente à representação da 2ª A. na AG pode ser vista, não apenas na perspectiva do n.º 2 do artigo 261º do CC, quanto à eficácia do acto na esfera do representado - e essa questão não se coloca aqui -, mas também deve ser vista à luz dos interesses da contraparte negocial, neste caso, a recorrente, na perspectiva do n.º 5 do mesmo artigo, que não podia ter deixado de tomar conhecimento sobre essa irregularidade, no respeitante à intervenção do Senhor E, não devendo tê-lo admitido a intervir, não obstante a reserva que foi exarada em acta sobre essa intervenção.
Sob pena de a postura da recorrente raiar a má-fé, na exacta medida em que logo aquando da AG devia e podia ter tomado posição clara que só agora vem tomar, tanto mais que, desde então não terão sobrevindo factos esclarecedores quanto àquela disputada qualidade.
5. De todo o modo não nos furtaremos a ir mais adiante.
Se assim fosse, como pretende a ora recorrente, se se retirasse da leitura da cláusula estatutária 18ª o sentido que ela não comporta, que o interessado na impugnação da deliberação não reúne os requisitos para tal, parece que seria despiciendo o n.º 2, pois tudo aponta para que no n.º 1 se enuncie a regra geral e no caso dos incapazes e pessoas colectivas serão eles representados sem a limitação decorrente da regra do n.º 1.
Atentemos no artigo estatutário referido: “Artigo décimo oitavo – Um: aos accionistas com direito a participar na Assembleia Geral é permitida a representação por mandato conferido a outro accionista que nela tenha direito de voto. Dois: os incapazes e pessoas colectivas são representados pelas pessoas a quem essa representação incumbir. Três: O mandato pode ser conferido por simples carta assinada pelo mandante, dirigida ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral, e da qual conste a identidade do representante, e que deve ser entregue no escritório da sociedade, pelo menos, cinco dias antes da data fixada para a Assembleia Geral”
Perante a referência a uma prática anterior e documentada nos autos, ainda que na sua vertente meramente formulária, de que a minuta que serviu para uma representação congénere no passado não habilita a uma interpretação autêntica do alcance do regime estatutário, ainda aí, a posição da recorrente é demasiado simplista e põe em causa o princípio da confiança e da boa-fé. É verdade que se uma interpretação hermenêutica dos Estatutos não se compagina com uma análise tabelar dos documentos com eles relacionados, já não assim noutra perspectiva, não sendo de desprezar uma praxis interpretativa dos mesmos pela própria Sociedade. Sem pretender ser redutor, onde ficaria, mais uma vez, a boa-fé, se, tal como comprovado nos autos, se não se admitisse hoje alguém à deliberação, quem anteriormente, em iguais circunstâncias foi autorizado a intervir no passado, para mais se essa intervenção está conforme com os formulários disponibilizados pela própria Sociedade para os fins de representação dos accionistas nas assembleias gerais?!
Claro que uma prática ilegal não deve condicionar uma adequada interpretação em conformidade com a lei e com os estatutos. Mas se se nos socorremos dessa prática tal serve tão-somente para sublinhar que a interpretação que ora se sustenta foi também aquela anteriormente adoptada pela Sociedade, afigurando-se-nos ser peregrina a tese ora sustentada pela recorrente e que não se baseia em fundamentação consistente.

6. Também não tem razão a recorrente ao dizer que pode ser promovida a anulação de uma deliberação por quem não seja sócio. Com todo o respeito, mas, tendo visão, só não vê quem não quer ver. No caso, a recorrente não pode ignorar que o diferimento de conhecimento da qualidade de sócio não deixará de ser prévio, ainda que em momento final ao do fundamento eventualmente anulatório da referida deliberação.

7. Irrelevante se mostra assim a questão suscitada relativa à representação legal das autoras, primeira e segunda ora recorridas, pelo Senhor E, que interveio nessa qualidade e como tal foi admitido a intervir.
A questão passa pela interpretação do artigo 18º dos Estatutos.
Somos a considerar que o disposto no n.º 1 respeita à representação voluntária dos accionistas em Assembleia Geral, enquanto o n.º 2 respeita à representação legal das pessoas colectivas, se presentes na assembleia. Se não estiverem presentes, estarão sujeitas ao condicionalismo do n.º1, isto é, a sua representação deve ser feita por outro accionista com direito de voto.
Não se vê razão para distinguir entre os accionistas pessoas singulares e os accionistas pessoas colectivas.
Justifica-se esta exigência em função de fazer intervir alguém que esteja ligado à sociedade, conheça as questões e os seus problemas, que, no fundo, partilhe do interesse societário exactamente por também ela ter direito a voto e não se dever desviar dos fins que a habilitam na participação de uma dada deliberação. Ao invés, permitir a participação social na formação da vontade a alguém que não tivesse uma particular ligação à sociedade, desintegrado do interesse comum dos sócios e da sociedade,6 poderia fazer perigar o interesse colectivo, fosse por via da sua intervenção activa, fosse até pelo acesso a informação reservada societária.
Somos, pois, nesta conformidade, a interpretar o referido artigo 18º dos Estatutos, com o sentido que a recorrente lhe dá, mas essa interpretação não legitima se sufrague que por essa irregularidade de representação se extraia que aquelas accionistas não estivessem representadas.
Em bom rigor nem sequer se pode dizer que não houve representação. No domínio das relações internas, entre representante e representado, não deixam de se observar todos os requisitos da representação voluntária: atribuição do representante a outrem dos necessários poderes representativos. O que fica a faltar, no domínio externo, é que essa representação não observou um requisito de que os Estatutos faziam depender essa representação, qual fosse a de que o representado teria de ser um accionista com direito de voto.
Qual o efeito desta irregularidade externa?
Seguramente não o podemos reconduzir a uma representação sem poderes, com os efeitos do art. 261º do CC.
Os efeitos dessa irregularidade representativa externa, perante a sociedade, situar-se-ão ao nível da validade ou invalidade da deliberação tomada com base em tal participação. Não estando perante uma invalidade substantiva, o vício de que padece essa intervenção traduz-se numa invalidade de natureza procedimental, ou seja, a votação efectuada pelo Senhor E não respeitou um requisito que o artigo 18º dos Estatutos previa. Tal vício formal irá afectar a deliberação, importando identificar qual o tipo de vício invalidante que se observa em consequência da inobservância de tal requisito. Deixando de lado a situação de uma deliberação aparente ou ineficaz stricto sensu, inaplicáveis ao caso7 a situação recairá sobre a possibilidade dessa inobservância formal e regulamentar fulminar a deliberação de nulidade ou anulabilidade. Excluindo-se a primeira dessas situações, face ao carácter nuclear e estruturante dos interesses protegidos por essa via - haja em vista o disposto no artigo 228º do CCom. -, resta a integração do vício observado na anulabilidade, face ao que dispõe o artigo 229º, n.º 1, a) do CCom.
Assim sendo, face à convalidação desse vício, no acto e posteriormente, quer pela própria sociedade, quer por qualquer dos accionistas, não se pode retirar daí qualquer outro efeito, seja em termos de ineficácia, seja em termos de arguição da ilegitimidade substantiva ora arvorada pela recorrente.
Neste particular aspecto, para além do que se vem dizendo, sempre seria de considerar que se os sócios presentes, não obstante as observações consignadas em acta sobre a participação daquele representante, o admitiram a votar, estaremos então perante uma situação de paralisação da impugnabilidade, na conceptualização de uma conjecturada modificação dos estatutos para esse efeito.8
Ou ainda sempre seria de desconsiderar o efeito invalidante decorrente desse vício, face à inocuidade dessa votação na deliberação tomada.9
Posto isto, considera-se que inexiste a apontada ilegitimidade substantiva das autoras na acção de anulação da deliberação da AG.

8. Passemos agora à questão da excepção relativa à falta de interesse em agir.
8.1. Está em causa o seguinte segmento do despacho do Mmo Juiz:
8.2. Basicamente o que a recorrente vem dizer é que a deliberação tomada traduz-se em matéria respeitante à competência da Administração, pelo que a pretendida anulação da deliberação não teria quaisquer efeitos práticos quanto à eliminação dos efeitos da cotação na Bolsa de Hong Kong, facto que não era condicionado por essa deliberação.

8.3. O que mais se evidencia, independentemente da questão relativa a uma eventual usurpação de competência, é que, em princípio, tal invasão suscita uma questão de validade ou vinculatividade dessas deliberações em matéria de gestão da sociedade, sem que tal lhe seja solicitado pelo órgão de administração.
Vem a recorrente invocar a irrelevância dessa deliberação para a acção empreendida, dizendo que essa acção cabia à Administração e pretende daí retirar uma falta de interesse de agir das autoras no desiderato e actuação judicial anulatória, por irrelevância do decidido.

8.4. Há aqui qualquer coisa que parece não soar bem; a recorrente aproveita-se das partes boas da deliberação que lhe convém e enjeita o que ela encerra de inconveniente, o que raia a violação do princípio ubi commoda ibi incommoda. Ou seja, a recorrente impugna o pedido de anulação da deliberação social que pretende sustentar nos autos, mas quando lhe interessa já desvaloriza essa deliberação, esgrimindo com a sua inocuidade, que essa deliberação para nada serviu, pois quem era competente para a prática desse acto de expansão da actividade era o órgão a quem incumbia a Administração.

8.5. Vamos então analisar qual a natureza desse acto e nada melhor do que servirmo-nos das próprias palavras da parte contra quem é pedida a anulação da deliberação, ou seja a ré contestante.
A generalidade da doutrina tem-se pronunciado no sentido de tais deliberações serem nulas, na medida em que o seu conteúdo não está sujeito a deliberação dos sócios.10
     Tratando-se de deliberação da AG tomada a pedido do órgão de gestão, como foi o caso, as coisas mudarão de figura e a questão da invalidade já não se coloca, passando o problema a colocar-se em termos da natureza vinculante ou não dessa deliberação, questão esta que passa a interferir naquela que vem colocada, qual seja a da inocuidade da deliberação da AG em relação aos efeitos do acto anulando, cujo objectivo final seria a participação em sociedade que permitisse a cotação em bolsa na vizinha RAEHK.
Na verdade, o art. 449º do C. Com prevê que “só a pedido do órgão de administração podem os accionistas deliberar sobre a matéria de gestão da sociedade.”
Por outro lado - art. 465º, n.º 1 do C.Com - ”Compete ao conselho de administração gerir as actividades da sociedade e representá-la, devendo subordinar-se às deliberações dos accionistas ou às intervenções do conselho fiscal ou do fiscal único, excepto nos domínios para os quais tenha competência específica.“
Resulta claramente da lei uma marcada divisão de poderes relativamente à gestão da sociedade.
Note-se que a lei, depois de definir as competências da Assembleia Geral por referência à que a lei lhe atribuir - art. 216º do C.Com. -, afasta imperativamente as matérias de gestão da sociedade e fulmina de nulidade o desrespeito por essa regra de competência - art. 228º, n.º 1, d) do C. Com.
Os accionistas só podem deliberar sobre matérias de gestão a pedido do órgão de administração, casos em que se afigura, na esteira da melhor doutrina, ser vinculante tal deliberação.11
Assim sendo, não se deixa de considerar que essa deliberação releva em termos de eficácia com repercussão na gestão da sociedade, em particular, no que se refere à constituição da F de forma a enquadrar a cotação da D na bolsa de Hong Kong.
    Improcede, assim, o recurso nesse segmento relativo à pretensa inexistência de interesse processual.
    
    IV- Recurso do despacho de fls 620 a 621 na parte em que indeferiu a reclamação de fls 595 a 600.
    1. Tratava-se, tal como delimitado o objecto pelas AA., A e B, aqui recorrentes, da “decisão de indeferimento da reclamação apresentada pelas ora Recorrentes quanto à determinação e cálculo dos preparos para julgamento e despesas proferido no Proc. n.º CC1-06-0061-CAO, que corre termos pelo 1° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base."
    
    2. É do seguinte teor o despacho recorrido:
    
    “As Autoras A e B, notificadas para o pagamento dos preparos judiciais para julgamento, vêm reclamar e requerer que sejam dispensadas do seu pagamento por entender que o valor da acção deve ser de MOP1,0001,001,00.
    Manifestamente, é a sem razão das Autoras.
    A decisão de folhas 236 e 237 expôs detalhadamente como é calculado o valor do incidente sobre o valor da causa, tendo-o fixado em MOP11,599,575,000.00, correspondente ao valor da acção, ou seja, tanto o valor do incidente como o valor da acção é de MOP11,500,575,000.00.
    Com efeito,
    É com base nesse valor que foi emitida a guia de folhas 320 para pagamento do preparo inicial, que foi pago pelas Autoras.
    Pelo que, razão não há para suscitar de novo esta questão, cuja decisão já transitou em julgado.
    Nesta conformidade, vai indeferida a reclamação."
    3. O que desde logo ressalta é que as recorrentes interpuseram recurso da decisão que julgou improcedente a respectiva reclamação quanto à emissão de guias de preparos para julgamento e despesas e não da decisão que julgou procedente o incidente de verificação do valor da acção deduzido pela ora recorrida.
    Como se observa do despacho recorrido, o valor da causa fora decidido oportunamente em sede do incidente de verificação do valor da causa, não podendo as recorrente desculpar-se com o facto desse despacho estar dependente do incidente de reclamação, pois o que deviam ter feito logo na hora era recorrerem do despacho que fixou o valor à acção.
    4. Atentemos nos factos processuais relevantes para análise do mesmo:
    - Em 07 de Dezembro de 2006, a ora recorrida apresentou a respectiva contestação nos presentes autos tendo, nessa mesma circunstância, deduzido incidente de verificação de valor da causa nos termos e para o efeito do disposto nos Artigos 247º e seguintes do Código de Processo Civil;
    - Em 07 de Dezembro de 2006, a Secretaria do Tribunal Judicial de Base procedeu à emissão de guias sobre o valor de preparos, inicial e para julgamento, do incidente de verificação de valor, pelo montante de MOP2,814,380.00, para liquidação pela ora recorrida (fls 218), tendo esta procedido à respectiva liquidação no dia 18/12/2006;
    - No dia 08 de Janeiro de 2007, as ora recorrentes deduziram a respectiva oposição ao incidente de verificação de valor deduzido pela ora recorrida, tendo pugnado pela manutenção do valor pelas mesmas proposto para a acção no âmbito da p.i. de sua responsabilidade, pelo que a Secretaria do Tribunal Judicial de Base procedeu à emissão de guias sobre o valor dos preparos, inicial e para julgamento, do incidente de valor, pelo mesmo valor de MOP2.814.380,00, para liquidação pelas ora recorrentes;
    - As ora recorrentes não procederam à liquidação do valor titulados pelas guias de preparos no incidente;
    -No dia seguinte, as mesmas recorrentes vieram opor-se ao valor atribuído ao incidente de valor, requerer a suspensão do prazo para pagamento dos preparos naquele mesmo incidente e proceder à devolução dos originais das guias acima referidas (fls 231 v. e 232);
    - No dia 11 de Janeiro de 2007 (fls 236 e segs), o Tribunal não acolhe os pedidos deduzidos no requerimento a que se alude anteriormente, condenou as ora recorrentes no pagamento das custas respectivas e ordenou que as mesmas procedessem à liquidação do valor dos preparos inicial e para julgamento relativos ao incidente de valor deduzido pela ora recorrida, tendo expressamente declarado que o valor da acção era o valor atribuído ao incidente de valor.
    - No dia 19 de Janeiro de 2007 (fls 320), a Secretaria do Tribunal Judicial de Base procedeu, de novo, à emissão de guias sobre o valor dos preparos, inicial e para julgamento, do incidente de valor, de novo e pelo mesmo valor de MOP2,814,380.00, para liquidação pelas ora recorrentes que o liquidaram no dia 1 de Fevereiro de 2007;
    - No dia 5 de Maio de 2008, tendo os autos sido conclusos ao Meritíssimo Juiz titular, foi designada data para realização da audiência de discussão e julgamento; na sequência do que no dia 7 de Maio de 2008, a Secretaria do Tribunal Judicial de Base procedeu à emissão de guias sobre o valor de preparos para julgamento e para despesas, pelo valor de MOP5,754,750.00, para liquidação pelas ora recorrentes, por um lado e, por outro, pela ora recorrida, só esta tendo procedido à respectiva liquidação;
    - Tendo as mesmas ora Recorrentes, antes, no dia 19 de Maio de 2008, apresentado o que designaram como uma Reclamação, (sic) "ao abrigo do disposto no n.º 5 do Artigo 111º do Código de Processo Civil", do acto de emissão da guia de preparos para julgamento e despesas tendo, como antes, procedido à devolução ao Tribunal do original daquela guia;
    - No dia 27 de Maio de 2008 (fls 620), foi indeferida a reclamação antes mencionada, mais tendo sido consignado que (sic) "(...) tanto o valor do incidente como o valor da acção é de MOP11,500,575,000.00" - Trata-se do despacho de presente recurso;
    - Em 15 de Julho de 2008, foi expedida carta de notificação das AA., ora recorrentes, do despacho que indeferiu a respectiva reclamação, sendo que em 28 de Julho de 2008, as mesmas ora recorrentes vieram do mesmo a interpor o presente recurso. - Trata-se, este, do recurso em que foram apresentadas as Alegações a que ora se dá resposta;
    - Em 02 de Setembro de 2008 (fls 625), foi o presente recurso admitido, tendo ao mesmo sido fixado efeito meramente devolutivo, com subida conjunta e diferida;
    - No dia 03 de Setembro de 2008, as ora recorrentes foram notificadas pela Secretaria do Tribunal Judicial de Base da emissão, nesse mesmo dia, de novas guias de preparo para julgamento da causa e para despesas, pelo valor de MOP5,754,250.00 - as mesmas guias, pelo mesmo valor, cujo pagamento se mostrava devido pelas mesmas desde 07 de Maio de 2008, guias estas que não foram pagas;
    - Tendo antes, em 12 de Setembro de 2008, dirigido um requerimento ao Tribunal em que pedem, a final, que este (sic) "(…) se digne autorizar que os preparos para julgamento e despesas a cargo das Autoras possam efectuar-se por meio de garantia bancária de idêntico montante, ou seja, MOP5,754,250.00, tendo ainda, nessa mesma data, procedido, mais uma vez, à devolução da guias de preparos para julgamento e para despesas;
    - Requerimento este que, em 22 de Setembro de 2008 foi deferido, por despacho lavrado a folhas 633;
    - No dia 23 de Setembro de 2008, as ora recorrentes foram notificadas para que, no prazo de 10 dias, procedessem à liquidação do valor daqueles preparos por meio de garantia bancária e, mais uma vez, as ora recorrentes não procederam à liquidação do valor de preparos para julgamento da causa e para despesas;
    - Em vez disso, no dia 03 de Outubro de 2008, as mesmas Recorrentes vieram, perante o Tribunal Judicial de Base, requerer que o mesmo tomasse em consideração alegados factos supervenientes que justificariam a revisão do valor da causa para MOP1,236,000,000.00 e a consequente redução do valor da garantia.
    
    5. Deste acervo fáctico evidencia-se uma postura de incumprimento em relação ao pagamento de preparos que eram devidos em função de um despacho que fixou o valor da acção, desde o longínquo dia 11 de Janeiro de 2007.
    Somos, pois, a considerar que o despacho que fixou o valor à acção há muito havia transitado, pelo que não faz sentido virem agora as recorrentes dizer que houve uma omissão de pronúncia e que o despacho recorrido não conheceu da questão relativa ao valor da acção.
    As ora recorrentes impugnam tão-somente o despacho que indeferiu a reclamação pelas mesmas apresentada do acto de emissão das guias de preparo para julgamento da causa e para despesas.
    No fundo, o que está em causa é um acto da secretaria que emite guias dentro dos parâmetros que já se mostravam fixados e que as recorrentes pretendem por essa via alterar, não obstante se invocar expressamente, para fundar o seu direito de reclamar, o que estatui o n.º 5 do Artigo 111º dó Código de Processo Civil: “As secções de processos das secretarias dependem funcionalmente do juiz do processo, sendo sempre admissível reclamação para este dos actos dos funcionários daquelas."
    Ou seja, o despacho ora recorrido limitou-se a ordenar o legal andamento dos autos, que obriga a que as partes cumpram as respectivas obrigações de preparar para que o processo possa prosseguir para julgamento. Antes do despacho recorrido, as ora recorrentes estavam obrigadas a preparar a quantia de MOP2,814,380.00. Depois do despacho recorrido, as ora recorrentes continuaram obrigadas a preparar a quantia de MOP2,814,380.00.
    
    6. Embora se acompanhe o entendimento da recorrida, no sentido de que estamos perante um despacho de mero expediente insusceptível de recurso, face ao disposto no artigo 584º do Código de Processo Civil, sendo tal despacho proferido dentro do enquadramento que se situa sobre a marcha ou andamento do processo, sendo uma decorrência da emissão de guias emitidas sobre um valor que anteriormente havia sido fixado, dentro dos seus termos legais ou previamente estabelecidos, em nada modificando a situação jurídico-processual das partes que estava anteriormente definida e balizada, não deixamos de referir que esta discussão se mostra despicienda para a dilucidação da questão.
     É por esta razão que não se acolhe o pedido da recorrida no sentido de que nos termos do disposto no n.º 4 do Artigo 594º do Código de Processo Civil, se ordene a revogação do despacho que admitiu o presente recurso e o seguimento dos respectivos e demais termos até final, em vista da inocuidade dessa pronúncia e dos efeitos daí derivados.
    
    7. No entendimento das ora recorrentes, quanto à verificação do valor da causa, o Tribunal a quo ter-se-ia quedado por uma violação da proibição de non liquet.
    A descrição da factualidade supra referida é bem demonstrativa da sem razão das recorrentes que não podiam deixar de ter tomado conhecimento do despacho que fixou tal valor e de enquadrar o procedimento da secretaria que emitiu guias com base naquele valor.
    As ora recorrentes jamais interpuseram requerimento de recurso da decisão de verificação do valor da causa. Antes, e sem razão, começaram por reclamar do valor das guias emitidas pela secção para preparo de julgamento e despesas tendo, depois, recorrido do despacho que julgou improcedente tal reclamação e cuja prolação deu origem à emissão de novas guias de preparos pelo mesmo valor.
    Como se frisou a decisão de que resultou a fixação do valor da causa pelo Tribunal a quo foi proferida em 11 de Janeiro de 2007, decisão essa há muito transitada em julgado.
    Nos termos do disposto no artigo 582°, do Código de Processo Civil a decisão considera-se transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário, ou de reclamação nos termos dos artigos 571 ° e 572°.
    
    8. Da superveniência de factos tendentes à alteração do valor da causa
    Alegam as recorrentes que “ Se, porém, se entender estarmos perante 1tacitamente, salvo se o juiz, findos os articulados, entender que o acordo está em flagrante oposição com a realidade, porque neste caso fixa à causa o valor que considere adequado.
    2. Se o juiz não tiver usado deste poder, o valor considera-se definitivamente fixado na quantia acordada, logo que seja proferido despacho saneado.
    3. Nos casos a que se refere o n.º 4 do artigo 250°, e naquele em que não haja lugar a despacho saneador, o valor da causa considera-se definitivamente fixado logo que seja proferida sentença."
    Continua a não lhes assistir qualquer razão.
    Por um lado continuam em incumprimento quanto ao pagamento de custas que há muito eram devidas.
    Por outro, não faz sentido que se invoquem factos posteriores para fazer inverter um despacho que, por natureza, não os podia ter em consideração no momento da sua prolação.
    Acresce que a invocação de uma superveniência de factos tendentes a alterar o valor fixado nos autos é o reconhecimento de que ele foi efectivamente fixado.
    Por último, no momento em que as ora recorrentes vieram invocar os alegados factos supervenientes de relevo para a alteração do valor da causa, a respectiva oportunidade processual já se mostrava esgotada, na medida em que invocam a ocorrência de factos supervenientes que, segundo o seu próprio relato, teriam ocorrido em Julho de 2008, e a sua invocação não respeitou o prazo de 15 dias considerado no artigo 425º, n.º 3 do CPC.
    Sendo assim, ainda neste segmento, o recurso não deixará de improceder.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em:
    - conceder provimento ao recurso I, interposto pela Ré C, do despacho que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente provimento ao recurso, e, revogando, o despacho recorrido, devem os autos prosseguir os seus termos; Sem custas por não serem devidas.
    - negar provimento ao recurso II, este interposto pela Ré C, do despacho saneador, nos termos acima vistos, julgando improcedentes as excepções aduzidas; custas deste recurso pela ré recorrente.
    - negar provimento ao recurso III, interposto pelas AA., A e B, da decisão de indeferimento da reclamação por elas apresentada quanto à determinação e cálculo dos preparos para julgamento e despesas que devem ser satisfeitos nos termos em que foram liquidados; Custas deste recurso palas AA. recorrentes.
Macau, 13 de Novembro de 2014,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Castro Mendes, citando Carnelutti, Dto Proc Civil, I, Reimp. AAFDL, 1994, 55
2 Neste sentido, Armindo Ribeiro Mendes, Lex, 2º ed. 1994, 163; Miguel Teixeira de Sousa, estudos sobre o Novo Proc. Civil, Lex, 1997, 495 e 490; Amâncio Ferreira, almedina, 5ª ed., 131

3 - Lebre de Freitas e outros, CPC Anot., 1999, 1º Vol., 512
4 - Vd. ac. do STJ, de 7/5/1992, BM J 417, 795.
5 - Galvão Telles, Ma. Dos Contratos em Geral, 331
6 - Marta Coelho Lança, Impedimento de Voto do Administrador –Accionista na Deliberação com Justa Causa, Universidade Católica Portuguesa, 2011, 20
7 - Vd. Menezes Cordeiro, Manual de Dto das Sociedades, I, Almedina, 2004, 637
8 - Menezes Cordeiro, ob. cit, 658
9 - Vd. ainda autor e ob. cit., 656
10 - José Vasques, Estrutura e Conflitos de Poderes nas Sociedades Anónimas, Coimbra Editora,2007, 85, Raúl Ventura, Estudos Vários, Almedina, 1992, 557 e Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, Com. CSC, Almedina, 1993,319.
11 - Neste sentido, cfr. José Vasques, ob. cit. 85; Pedro Maia, Função e Funcionamento do Conselho de Administração das Sociedades Anónimas, Coimbra Editora, 2002, 140 e 146; Raúl Ventura e Brito Correia, Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Anónimas e dos Gerentes das Sociedades por Quotas, BMJ, 192 a 195, Separata, 74
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