Processo nº 506/2014 Data: 13.11.2014
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “exploração ilícita de jogo em local autorizado”.
Proibição de entrada nas salas de jogo.
SUMÁRIO
Apenas aos arguidos condenados pela prática do crime de “usura para jogo”, p. e p. pelo art. 13° da Lei n.° 8/96/M de 22.07 pode ser aplicada a pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo, (prevista no art. 15° deste mesmo diploma).
O relator,
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Processo nº 506/2014
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Em audiência no T.J.B. responderam A, B, C e D, (1°, 2°, 3a e 4°) arguidos, com os restantes sinais dos autos.
Realizada a audiência, o Tribunal decidiu:
- condenar os (1°, 2° e 3ª) arguidos A, B e C, pela prática , em co-autoria material e na forma consumada, de 1 crime de “exploração ilícita de jogo em local autorizado”, p. e p. pelo art. 7° da Lei n.° 8/96/M de 22.07, nas penas de 9 meses de prisão para o (1°) arguido A, e de 7 meses de prisão para os (2° e 3ª) arguidos B e C, todas suspensas na sua execução pelo período de 2 anos;
- condenar o (4°) arguido D, como autor material e na forma consumada de 1 crime de “prática ilícita de jogo em local autorizado”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da dita Lei n.° 8/96/M, na pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos; e,
- condenar os (1°, 2°, 3ª e 4°) arguidos A, B, C e D, na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo da R.A.E.M. pelo período de 2 anos; (cfr., fls. 413 a 418 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformados, os (1°, 2° e 3ª) arguidos A, B, C, recorreram.
Na sua motivação de recurso e suas conclusões, diz (apenas) o (1°) arguido A que a sua condenação na pena acessória de “proibição de entrada nas salas de jogo” é ilegal por violação ao princípio da legalidade; (cfr., fls. 438 a 441).
Por sua vez, em sede do seu recurso, considera o (2°) arguido B que a decisão recorrida padece de “erro notório na apreciação da prova” e “contradição insanável da fundamentação”, pedindo a renovação da prova e, imputando ainda àquela decisão o mesmo vício assacado pelo (1°) arguido A; (cfr., fls. 443 a 451-v).
E, no seu recurso, é a (3ª) arguida C de opinião que excessiva é a pena que lhe foi aplicada, incorrecta sendo também a sua condenação na pena acessória de “proibição de entrada nas salas de jogo”; (cfr., fls. 453 a 457-v).
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Respondendo, diz o Ministério Público e a assistente E, S.A. (E有限公司), que os recursos não merecem provimento; (cfr. fls. 465 a 570-v e 471 a 481).
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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Recurso de A
Cinge-se a alegação deste recorrente a suposta afronta da legalidade, dado entender ter sido atropelado o princípio, que enuncia, de "nullum crimen, nulla poena sine Iege", pelo facto de, a seu ver, ter o julgador errado ao aplicar-lhe, enquanto condenado pela prática do ilícito p.p. pelo art° 7° da Lei 8/96/M de 22/7, a pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogos da RAEM pelo período de 2 anos, medida aquela prevista, nos termos do art° 15° do mesmo diploma legal apenas para os condenados pela prática do crime de usura para jogo, p.p. pelo art° 13°, ainda do mesmo diploma.
Cremos assistir-lhe, neste específico, razão, bem como aos restantes recorrentes que também invocaram tal vício.
Sendo certo que a lei " ... pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ... "(art° 60°/2, C.P.), a verdade é que tem que existir lei para o efeito.
Não sendo o caso e não se antevendo a possibilidade de aplicação daquele tipo de penas acessórias por analogia, haverão que proceder todos os recursos, neste segmento.
B
Sustenta este recorrente, desde logo, a ocorrência de erro notório na apreciação da prova, por, a seu ver, não poder corresponder à realidade, melhor dizendo, não corresponder ao que claramente decorre das gravações de "video", a conclusão do tribunal "a quo" acerca da sua intervenção nos factos delituosos imputados, baseada em relato do investigador da PJ., E, o qual afirmou que ouvira a conversa, nesse sentido, dos três recorrentes, quando, a seu ver, se colhe de tal "video" que o visado não estaria presente na altura a que aquele se reporta.
No entanto, do escrutínio que nos é possível empreender sobre a matéria, não se divisa que, por qualquer forma, não ofereça credibilidade o depoimento da citada testemunha, investigador da PJ. e que dos restantes elementos probatórios carreados para os autos, quer documentais, quer testemunhais (onde avultarão as declarações prestadas pelo 4° arguido)), não decorra como lógica e congruente a conclusão do tribunal quanto ao grau de participação do visado nos factos delituosos, não se antevendo, também, que dessas declarações (prestadas por quem deteve o "domínio" da situação, na sua interacção com os restantes intervenientes e que claramente envolvem este recorrente no conluio) decorra qualquer contradição evidente como que, a propósito, foi declarado como provado pelo julgador "a quo".
O que se nos afigura pelo alegado à este propósito, é que, nitidamente, o recorrente pretende extrair da prova efectivamente produzida ilações pessoalíssimas destinadas a minimizar, ou mesmo ocultar a sua responsabilidade, quando não se divisa que, por alguma forma, tenham sido dados como provados factos incompatíveis entre si, ou que se tenham retirado de tais factos conclusões logicamente inaceitáveis, não competindo a este tribunal censurar o julgador por ter formado a sua convicção no sentido em que o fez, quando da decisão recorrida, confirmada pelo senso comum, nada contraria as conclusões alcançadas, não merecendo, pois, neste segmento, provimento o recurso e não se impondo, consequentemente, a renovação da prova almejada.
C
Insurge-se esta recorrente contra a medida concreta da pena que lhe foi aplicada, que considera excessiva, pretextando não terem sido devidamente valoradas as circunstâncias a si atinentes e que a poderiam beneficiar, designadamente o facto de ser primária, ter emprego e educação, com 3 irmãos mais novos a cargo, sendo que o montante envolvido no ilícito não é elevado e perdeu, aquando da produção dos factos, KKD 30.000,00.
Ora, afastando as considerações atinentes aos resultados efectivos do jogo em causa, questão a não deter qualquer relevância para efeitos do apuramento da responsabilidade da envolvida, o simples facto de lhe ter sido aplicada uma pena em medida quase equivalente a 1/6 do máximo da pena abstracta, suspendendo-se a execução respectiva, é a melhor prova da consideração devida dos elementos por aquela apontados, os quais não deixaram, aliás, de ser, quase "ipsis verbis" expressos no douto aresto sob escrutínio, como se pode verificar de fls 519 (tradução), pelo que não se percebe, francamente, atenta tão benévola punição, 'a razão de ser da esgrima neste concreto ...
Mas, batalha ainda esta recorrente com o facto de, não se tendo comprovado, na sua perspectiva, que as fichas que lhe foram apreendidas se destinariam à prática de jogo ilícito, não se justificar a determinação da perda das mesmas a favor da Região.
O problema aqui reside na errada premissa de que parte a interessada, tal seja a de que as fichas em questão se não destinariam a servir para a prática do crime, quando, de toda a narrativa dos factos pelo douto aresto resulta precisamente o contrário. Daí, ter-se tratado apenas do integral respeito do disposto no art° 101°, C.P.
Tudo razões por que se entende merecerem parcial provimento todos os recursos, no que tange à indevida aplicação das penas acessórias, havendo que manter o restante decidido”; (cfr., fls. 583 a 586).
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 414-v a 415-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem os (1°, 2° e 3ª) arguidos A, B, C recorrer da sentença que os condenou nos termos atrás referidos.
Com os seus recursos colocam questões que tanto dizem respeito à “decisão da matéria de facto” – “erro notório na apreciação da prova” e “contradição insanável da fundamentação” – como à “decisão de direito” “excesso de pena” (principal) e “erro na pena acessória e declaração de perdimento” – ínsitas na sentença objecto dos seus recursos.
–– Assim sendo, e como parece lógico, comecemos pelas relacionadas com a “decisão de facto”, (colocadas pelo 2° arguido B).
Pois bem, considera o (2°) arguido B que a dita sentença padece de “erro notório na apreciação da prova” e “contradição insanável da fundamentação”, pedindo também a “renovação da prova”.
Vejamos.
Como temos vindo a entender:
“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 03.07.2014, Proc. n.° 375/2014 do ora relator).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 03.07.2014, Proc. n.° 375/2014).
Por sua vez, e no que toca à imputada “contradição insanável da fundamentação”, firme tem sido o nosso entendimento no sentido de que a mesma apenas ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. o Acórdão deste T.S.I. de 24.10.2013, Proc. n° 645/2013, e mais recentemente de 20.03.2014, Proc. n.° 67/2014).
Dito isto, vejamos.
Quanto ao “erro” é evidente que o mesmo não existe.
De facto, com a sua alegação pretende o ora recorrente afastar o seu envolvimento no crime pelo qual foi condenado.
Porém, a factualidade dada como provada é clara no sentido de que os (1°, 2°, 3ª) arguidos, A, B e C, por conjugação de esforços, praticaram “jogo paralelo” – ou “apostas por fora”; (cfr., “exposição de motivos da Lei n.° 8/96/M”) – com o (4°) arguido D, (este como “jogador” e aqueles como “aceitadores das apostas”), nenhuma censura merecendo a convicção do Tribunal, aliás, como de uma mera leitura da decisão recorrida se constata.
No fundo, o que diz o ora recorrente é que não se podia dar como provado que ele “tomou parte no crime”, juntamente com os outros dois arguidos (o 1° e a 3ª).
Todavia, não se pode olvidar que ainda que os (1°, 2° e 3ª) arguidos A, B e C tenham exercido o seu (legítimo) “direito ao silêncio”, não prestando declarações, em audiência foram lidas as declarações para memória futura prestadas pelo (4°) arguido D, tendo também sido ouvida uma testemunha, (agente da P.J. que investigou o caso e relatou também o visionamento do vídeo que registou a actuação dos 4 arguidos), tendo-se igualmente procedido ao visionamento em audiência do mesmo vídeo, nenhuma censura merecendo assim a convicção do Tribunal, formada de acordo com o “princípio da livre apreciação da prova”; (art. 114° do C.P.P.M.).
No que tange à também alegada “contradição insanável da fundamentação”, a mesma é a solução.
Com efeito, fundamenta-a o ora recorrente considerando injusta a sua condenação em consequência da sua alegada “inocência”.
Ora, em face do que se deixou dito, mais não é preciso dizer, pois que a decisão recorrida é clara na sua fundamentação e lógica e coerente no seu sentido.
E, assim, aqui chegados, vejamos.
Em sede da questão da renovação da prova, ainda recentemente teve este T.S.I. oportunidade de afirmar que:
“O pedido de renovação da prova é objecto de decisão interlocutória, e a sua admissão depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- que tenha havido documentação das declarações prestadas oralmente perante o Tribunal recorrido;
- que o recurso tenha por fundamento os vícios referidos no nº 2 do artº 400º do C.P.P.M.;
- que o recorrente indique, (a seguir às conclusões), as provas a renovar, com menção relativamente a cada uma, dos factos a esclarecer e das razões justificativas da renovação; e
- que existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio do processo para novo julgamento, ou seja, que com a mesma, se consiga, no Tribunal de recurso, ampliar ou esclarecer os factos, eliminando os vícios imputados à decisão recorrida.
Não tendo o recorrente indicado as provas que entende deverem ser renovadas, referindo relativamente a cada uma delas, os factos que se destinam a esclarecer (…) é manifesta a improcedência da pretensão.
É que, não sendo a renovação de prova um “novo julgamento” – doutro modo, nada justificaria não reenviar o processo – obviamente, só ao recorrente caberá indicar quais as provas que pretende ver (re)-produzidas no Tribunal de recurso e, não o fazendo, fica de todo comprometida a sua pretensão; vd. neste sentido, os Ac. da Relação de Lisboa de 09.03.94, Proc. nº 0327503; de 21.03.95, Proc. nº 0081955 e de 25.05.99, Proc. nº 0079335, in “www.dgsi.pt”; (cfr., v.g., o Ac. de 23.10.2014, Proc. n.° 531/2014).
E, nesta conformidade, inexistindo qualquer “vício da matéria de facto”, manifesto é que se terá de indeferir o pedido de renovação de prova apresentado.
–– Passemos agora para a questão do “excesso da pena” (principal) (colocada pela (3ª) arguida C), e depois para a da “legalidade da pena acessória e declaração de perdimento”.
Pois bem, nos termos do art. 7° da Lei n.° 8/96/M:
“Quem, nos locais legalmente autorizados, explorar jogo de fortuna ou azar ou qualquer tipo de apostas que não obedeçam aos termos dos regulamentos dos jogos, designadamente aceitando apostas sem que para tal esteja devidamente autorizado, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
Entende a (3ª) arguida que excessiva é a pena que lhe foi aplicada, considerando que se lhe devia ser decretada uma pena de 5 meses de prisão, substituída por multa.
Ora, também aqui, cremos que o recurso não procede.
Com efeito, atenta a moldura penal prevista para o crime em questão, tendo a arguida ora recorrente agido com dolo directo e intenso, e ponderando na forma de cometimento do crime, em “comparticipação”, não vemos como considerar-se excessiva a pena de 7 meses de prisão, que nem sequer chega a “um quinto” do limite máximo da dita moldura penal que corresponde a 36 meses, (ou como nota o Ilustre Procurador Adjunto, constituindo “quase um sexto” deste limite), estando também a 6 meses do seu limite mínimo; (cfr., art. 41°, n.° 1 do C.P.M.).
Aliás, a recorrente alega apenas a sua “primo-delinquência” para justificar a pretendida redução da pena.
Porém, sendo nascida em 1989, (não tendo assim mais que 25 anos de idade), há que referir que tal “circunstância” tem pouco valor atenuativo.
Por sua vez, não se pode olvidar que a mesma era “relações públicas” de casino, portanto, no mínimo, com funções de “colaborar” com o casino, o que, leva a considerar que a sua conduta tem um mais acentuado grau de ilicitude.
Nesta conformidade, e certo sendo que não deixou o Tribunal a quo de lhe suspender a execução da mencionada pena, também aqui censura não merece o decidido.
–– Da “pena acessória”.
Nos termos do art. 15° da Lei n.° 8/96/M:
“Quem for condenado pelo crime previsto no artigo 13.º é punido com a pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogos, por um período de 2 a 10 anos”.
Considerando que não foram condenados pelo crime “previsto no art. 13°”, (“usura para jogo”), são os 3 arguidos ora recorrentes de opinião que não podiam ser condenados na pena acessória de “proibição de entrada nas salas de jogo”.
Pois bem, de uma leitura ao transcrito preceito, dúvidas não há que o agente que cometer o “crime do art. 13°” é – seja-nos permitida a expressão – “necessariamente” condenado na pena acessória em questão.
Porém a questão que agora importa resolver é a de saber se tal “pena acessória” pode também ser aplicada aos autores de outros “ilícitos relacionados com o jogo” punidos na mesma Lei n.° 8/96/M, como é o caso dos ora recorrentes.
Cremos que a resposta terá de ser (só pode ser) negativa.
Com efeito, e cingindo-nos à “redacção” do preceito em questão, cremos que o mesmo é claro na sua “única” referência “ao crime previsto no art. 13°”, (e até por isso), adequada não se nos mostra uma “interpretação extensiva” – sem o mínimo suporte na “letra da lei” – a outros ilícitos que não o do art. 13°.
Mas, (admitindo-se que o que se acaba de dizer não se apresente como decisivo para quem pugne por entendimento diverso, que, obviamente, se respeita), uma outra análise vale a pena encetar.
É a seguinte:
A lei n.° 8/96/M – também conhecida como a “Lei do Jogo Ilícito”, (e que revogou a anterior Lei n.° 9/77/M que regulava esta matéria), é composta por oito “capítulos”.
O “Capítulo I”, refere-se aos “Ilícitos de jogo”, o II às “Lotarias e apostas mútuas ilícitas”, o III à “Exploração de «mah-jong», o IV aos “Empréstimos ilícitos”, o V à “Perda de coisas relacionadas com o crime”, o VI aos “Ilícitos administrativos”, o VII ao “Ilícito disciplinar”, e o VIII, contendo as (habituais) “Disposições finais”.
O art. 15° que prevê a “pena acessória” agora em causa está inserido no “Capítulo IV”, (que trata como se viu) dos “Empréstimos ilícitos”, e) onde se encontram os art°s 13° a 16° com a redacção seguinte (e com sub. nosso).
Artigo 13.º:
“1. Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial para si ou para terceiro, facultar a uma pessoa dinheiro ou qualquer outro meio para jogar, é punido com pena correspondente à do crime de usura.
2. Presume-se concedido para jogo de fortuna ou azar a usura ou mútuo efectuado nos casinos, entendendo-se como tais para este efeito, todas as dependências especialmente destinadas à exploração de jogos de fortuna ou azar, bem como outras adjacentes onde se exerçam actividades de carácter artístico, cultural, recreativo, comercial ou ligadas à indústria hoteleira.
3. A conduta do mutuário não é punível”.
Artigo 14.º
“Se o crime previsto no artigo anterior for praticado com aceitação ou exigência dos respectivos devedores de documento de identificação nos termos da alínea c) do artigo 243.º do Código Penal de Macau, para servir de garantia, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos”.
Artigo 15.º:
“Quem for condenado pelo crime previsto no artigo 13.º é punido com a pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogos, por um período de 2 a 10 anos”.
Artigo 16.º:
“Nas infracções descritas neste capítulo a tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado”.
Atenta a redacção dos art°s 14°, 15° e 16°, afigura-se-nos que se pode concluir que todos eles se referem – tão só – à matéria da “usura para jogo”, (embora a redacção do art. 16° dê a entender que no art. 14° se puna uma “infracção autónoma”, em alguma contradição com o aí estatuído – que mais nos parece uma “circunstância agravante modificativa” – mas que para a questão a tratar não se mostra relevante).
Daí, não se olvidando que nos art°s 17° e 18° desta mesma Lei n.° 8/96/M, com as epígrafes de “apreensão de material de jogo” e “apreensão de dinheiro ou valores” se estatui que tal apreensão deva ocorrer “quando sejam cometidos crimes previstos nesta lei”, (voltando-se a referir a “todos os ilícitos” e não apenas ao de “usura para jogo”), e tendo em atenção o consagrado no art. 60° do C.P.M. – onde se consagram os “princípios gerais” das penas acessórias, e em que no n.° 1 se estatui que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”, e no n.° 2 que “a lei pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou profissões” – adequada nos parece a solução a que se chegou; (que, aliás, se mostra – em total – em sintonia com a opção legislativa já assumida na anterior Lei 9/77/M, onde no seu art. 18°, n.° 1, se prescreve que “serão proibidos de entrar nos casinos os indivíduos condenados judicialmente pelos crimes previstos nos artigos 14.º e 15.º”, sendo que nestes art°s 14° e 15° se regulava a matéria do então chamado “mútuo oneroso para jogo”).
Nesta conformidade, e sendo – como nos parece – de concluir que a pena acessória em questão não é aplicável aos arguidos ora recorrentes, condenados pelo crime do art. 7° da Lei n.° 8/96/M, nesta parte, impõe-se a revogação da sentença proferida, assim procedendo parcialmente os (3) recursos interpostos.
–– Passemos agora para a “declaração de perdimento”.
Em causa estão dois conjuntos de “fichas de jogo”, no valor de HKD$155.000,00 e HKD$14.9000,00.
Diz a (3a) arguida C que motivos não havia para que fossem tais fichas declaradas perdidas, alegando que o assim decidido viola o art. 101° do C.P.M..
Vejamos.
Nos termos do art. 101° do C.P.M.:
“1. São declarados perdidos a favor do Território os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas ou a moral ou ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
2. O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa possa ser punida pelo facto.
3. Se a lei não fixar destino especial aos objectos declarados perdidos nos termos dos números anteriores, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio”.
Percorrendo a sentença, constata-se que, invocando o transcrito art. 101°¸decidiu o Tribunal a quo declarar perdidos a favor da R.A.E.M. todos os “instrumentos ou produto do crime que foram apreendidos…”.
E, o certo é que as mencionadas “fichas de jogo” foram objecto de apreensão, dado que, com se pode constatar da matéria de facto dada como provada, estavam a ser utilizadas no “jogo praticado” e pelo qual foram todos os arguidos condenados.
Dest’arte, censura não merece o decidido.
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–– Uma última questão, merece (uma breve) reflexão.
Que fazer à “pena acessória” (incorrectamente) aplicada ao 4° arguido D, condenado pelo crime do art. 8° da mesma Lei n.° 8/96/M e que não recorreu?
Ora, como é sabido, nos termos do art. 392° do C.P.P.M.:
“1. Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão.
2. Salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto:
a) Por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes;
b) Pelo arguido, aproveita ao responsável civil;
c) Pelo responsável civil, aproveita ao arguido, mesmo para efeitos penais.
3. Em caso de comparticipação, o recurso interposto contra um dos arguidos não prejudica os demais; (sub., nosso).
Atento o consagrado no n.° 2, al. a) do transcrito comando legal, (e ainda que em causa não esteja o estatuído no “artigo seguinte”; cfr., n.° 1), visto que os (1°, 2° e 3ª) arguidos ora recorrentes foram condenados pelo crime do “art. 7°”, e este pelo do “art. 8°”, razoável não nos parece a “extensão” do que neste aresto se decidiu em relação à pena acessória a este (4°) arguido D aplicada, (aliás, como considera P. Madeira, não é uma mera circunstância de haver comparticipação que legitima a extensão do recurso. Importa que a comparticipação se reporte àquele crime que é objecto do recurso e não outro ou outros diversos porventura existentes, mas não objecto de recurso; in “C.P.P. Comentado”, 2014, Almedina, pág. 1304).
Decisão
4. Em face do exposto, julga-se procedente o recurso do (1°) arguido A e concede-se parcial provimento aos recursos interpostos pelos (2° e 3ª) arguidos B e C, revogando-se a decisão recorrida na parte que aplicou aos 3 referidos arguidos a pena acessória de proibição de entrada nos casinos, mantendo-se, no demais, o decidido.
Pelo seu decaimento, pagarão os 2° e 3ª arguidos (B e C), a taxa de 4 UCs, suportando também a assistente (S.J.M.) a taxa de 3 UCs, (uma vez que pugnou pela total improcedência dos recursos).
Macau, aos 13 de Novembro de 2014
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José Maria Dias Azedo
(Relator)
[Não obstante ter relatado o acórdão que antecede, outra era a solução que dava à questão da “declaração de perdimento das fichas de jogo”. Em síntese, (e como tenho vindo a entender, cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 21.11.2002, Proc. n.° 182/2002, e as declarações de voto anexas ao Ac. de 17.07.2003, Proc. n.° 119/2003 e de 25.07.2013, Proc. n.° 439/2013), pelos motivos seguintes:
Em conformidade com o preceituado no n.° 1 do art. 101° do C.P.M. (no aresto transcrito), para que se decida por tal “declaração de perdimento” não basta que o “objecto em questão” (1) “sirva (ou que esteja destinado a servir) para a prática de um facto ilícito” ou que seja “produzido por um facto ilícito”, necessário sendo também que (2) “pela sua natureza ou circunstâncias do caso ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou ordem pública” ou que “ofereçam sérios riscos de serem utilizados para o cometimento de novos crimes”.
No caso dos autos, não me parece que verificado esteja o 2° dos enunciados “requisitos”.
Com efeito, (para além de não se ter requerido a “perda das fichas” na acusação pública deduzida, e onde bom era que se expusessem as suas razões de facto e de direito de forma a se viabilizar o contraditório; neste sentido, cfr., v.g., o Ac. do S.T.J. de 02.05.2002, P. 611/02 in SASTJ, n.° 61, pág. 68), não se vislumbra como considerar que as mesmas “fichas” – especialmente numa cidade como a de Macau, com várias dezenas de casinos e que a receita pública depende em grande parte do “imposto sobre o jogo” – sejam “atentatórias da segurança das pessoas ou da moral ou ordem pública”, o mesmo sucedendo quanto à verificação do referido “sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos crimes”, sendo ainda que, neste caso, como nos parece evidente, se deve (no mínimo) exigir um “juízo (objectivo) de probabilidade” e não de “(mera) possibilidade”, sem nenhum suporte na factualidade dada como provada.
Doutra forma, certamente que outra seria a redacção do preceito em questão, aí não se prescrevendo a necessidade de o “risco” em questão ser “sério”, o que, como é óbvio, implica, não uma mera consideração da sua (eventual) possibilidade, mas, uma constatação, factualmente fundamentada, da sua grande probabilidade de vir (efectivamente) a ocorrer, o que, (até pela pena aplicada aos arguidos, “suspensa na sua execução”), não se nos mostra ser o caso].
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
Proc. 506/2014 Pág. 30
Proc. 506/2014 Pág. 29