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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ---------
--- Data: 18/11/2014 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 695/2014
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser absolvido da prática como autor material de 1 crime de (detenção de) “armas proibidas e substâncias explosivas”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do C.P.M. que lhe era imputado; (cfr., fls. 49 a 53 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público recorreu.
Imputa à decisão recorrida “erro na interpretação do art. 262° do C.P.M. e art. 6°, n.° 1, al. a) do D.L. n.° 77/99/M”; (cfr., fls. 59 a 65).

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Sem resposta, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Se bem analisamos o conteúdo do alegado pelo Exmo Colega junto do tribunal “a quo”, o seu inconformismo perante o decidido fixa-se, no essencial, no facto de entender que, aceitando que a munição apreendida, calibre 0,22 é de arma de defesa, não podendo, consequentemente, ser considerada como munição destinada a arma proibida, nos estritos termos do n° 2 do art° 262°, CP, no entanto, face à circunstância de, nos termos do RAM, se exigir, mesmo para o tipo de arma de defesa a que a munição se destinava, licença especial, autorização prévia e manifesto (que o arguido não deteria), se deveria, de todo o modo, ter como praticado aquele ilícito, já que, a seu ver, o dito regulamento não conterá “nenhuma punição penal”, havendo, consequentemente, que enveredar pela punição em questão, em sede do C.P.
Trata-se, no mínimo, de um equívoco.
A lei penal, diga-se o art° 262°, CP, é muito clara na previsão criminal quanto a detenção de munições, sendo estas destinadas a armas proibidas.
Não é, manifestamente, o caso.
Se, fora deste âmbito, de armas proibidas, o regulamento respectivo prevê ou não sanção para as faltas de autorização prévia, licença especial, ou manifesto (o que se não concede), é questão que aqui não cumpre delucidar, sendo certo, porém, que tais faltas nunca terão o condão de atropelar a exigência da tipificação em sede penal, não se podendo “estender” o conceito, nos termos em que o recorrente pretende, tornando-se, pois, inócuo tal tipo de argumentação.
Finalmente, no que tange a tal abordagem em termos do n° 3 do mesmo dispositivo, torna-se também claro não se divisar que, quem quer que detivesse a munição em questão, o fizesse com o intuito de com ela, sem mais perpetrar agressão contra com quer que fosse, ou que a mesma pudesse, em termos de normalidade e adequação, prestar-se a ser utilizada para tal fim, dada, desde logo, a sua diminuta dimensão e capacidade “ofensiva”, não superior, concerteza, a uma mera esferográfica…
Donde, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, sermos a entender ser de manter o decidido”; (cfr., fls. 112 e 113).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 50 a 50-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o Ministério Público recorrer do Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B. que absolveu o arguido da prática de um crime de “armas proibidas e substâncias explosivas”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do C.P.M. que lhe era imputado.

Diz que a decisão recorrida padece de erro de interpretação e aplicação do art. 262° do C.P.M. e do art. 6° do D.L. n.° 77/99/M.

Como já se deixou consignado, é para nós evidente que a pretensão apresentada não colhe, impondo-se a decisão que segue.

Alias, no seu douto Parecer sintetiza o Ilustre Procurador Adjunto correctamente a argumentação apresentada, dando-lhe cabal e cristalina “resposta”, pouco havendo a acrescentar.

Porém, seja como for, não se deixa de consignar o seguinte.

No caso dos autos, e em síntese, (para o que aqui releva), provado está que o arguido foi surpreendido trazendo consigo uma “bala com estrutura completa, incluindo projéctil, invólucro, pólvora e borda, com o calibre 0.22, não justificando a sua posse e agindo livre e conscientemente”.

E, embora concordando com o Colectivo a quo no sentido de que tal “factualidade” não se subsume ao preceituado no art. 262°, “n.° 1” do C.P.M., (como acusado estava), considera o Exmo. Recorrente que, (mesmo assim), se devia (tentar) integrar tal conduta no “n.° 2 ou n.° 3 do dito preceito legal”.

Independentemente do demais, e sem mais demoras, vejamos.

Nos termos do referido art. 262° do C.P.M.:

“1. Quem importar, fabricar, guardar, comprar, vender, ceder ou adquirir a qualquer título, transportar, distribuir, detiver, usar ou trouxer consigo arma proibida ou engenho ou substância explosivos, ou capazes de produzir explosão nuclear, radioactivos ou próprios para fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2. Se as condutas referidas no número anterior disserem respeito
a) a engenho destinado a projectar substâncias tóxicas, asfixiantes ou corrosivas, ou
b) a mecanismo de propulsão, câmara, tambor ou cano de qualquer arma proibida, silenciador ou outro aparelho de fim análogo, mira telescópica ou munições, destinados a serem montados nessas armas ou por elas descarregadas, se desacompanhados destas, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos.
3. Quem detiver ou trouxer consigo arma branca ou outro instrumento, com o fim de serem usados como arma de agressão ou que possam ser utilizados para tal fim, não justificando a sua posse, é punido com pena de prisão até 2 anos”.

Nesta conformidade, (sem olvidar o prescrito no n.° 2, al. b), e provado não estando que o “objecto” em questão – a bala” (ou “cartucho”) pelo arguido detida(o) – era uma “arma branca” que, (por si só), pudesse “ser utilizada como arma de agressão” ou que pudesse “ser utilizada para tal fim”, (sob pena de um “chaveiro” também poder ser considerado uma “arma de arremesso”), terá que se ter, necessariamente, como afastada a pretendida qualificação como a prática do crime p. e p. pelo “n.° 3” do art. 262° do C.P.M..

E que dizer em relação ao “n.° 2”?

Entende o Exmo. Recorrente que a “bala” em questão nos autos pode ser considerado um “mecanismo de propulsão” ou integrar o conceito de “munições” previsto na al. b) deste número.

Pois bem, uma coisa parece certa.

Deve haver equívoco.

Com efeito, a dita “bala”, será certamente uma “munição” e não um “mecanismo de propulsão”, (a que como exemplo se poderia dar o de uma espingarda, revólver ou pistola). (Aliás, também não cremos que o legislador se tivesse repetido, ou que tivesse sido sua intenção incluir no preceito em questão “dois conceitos diferentes” para se referir à “mesma realidade”).

De facto, “munição”, (ou “cartucho”) é o conjunto do “projéctil” e dos componentes necessários para lançá-lo, no disparo.

Contém um tubo oco, vulgarmente designado de “cápsula”, (“estojo” ou “invólucro”), geralmente de metal, (podendo ser de plástico ou cartão, como normalmente sucede no caso de ser utilizado em armas de caça), com um “propelente” no seu interior, (usualmente, pólvora negra), sendo que na sua parte aberta fica preso o “projéctil”, (assim possibilitando que todos os componentes necessários ao disparo fiquem unidos em peça única), e, sendo também que na sua base encontra-se o elemento de iniciação (ou “espoleta”).

Porém, será que a (simples) detenção de uma qualquer “munição” integra o ilícito da al. b) do n.° 2 do art. 262° do C.P.M.?

Entendeu o Colectivo a quo que, dado o “calibre da munição” em questão, negativa devia ser a resposta.

Há assim que chamar à colacção o D.L. n.° 77/99/M que aprovou o “Regulamento de Armas e Munições”, (R.A.M.).

Pois bem, nos termos do seu art. 1°:

“1. Para efeitos do presente regulamento, considera-se arma todo o instrumento ou engenho como tal classificado nos artigos subsequentes, designadamente:
a) Qualquer arma de fogo, considerando-se como tal toda aquela que utiliza a pólvora como meio propulsor do projéctil;
b) Espingarda, revólver ou pistola, de pressão de ar, que possa descarregar qualquer projéctil com uma força superior a 2 j.;
c) Qualquer engenho que descarregue líquidos nocivos, gás, pó ou substâncias similares, incluindo pulverizadores de gás intoxicante ou paralizante, e não se destine ao combate a incêndios;
d) Qualquer instrumento que possa afectar física ou psiquicamente alguém por meio de descarga eléctrica;
e) Armas com disfarce, brancas ou de fogo, boxes e choupas;
f) Instrumentos perfurantes ou contundentes e facas com lâmina superior a 10 cm de comprimento, susceptíveis de serem usados como instrumento de agressão física, e desde que o portador não justifique a respectiva posse;
g) Granadas de mão ou outros artifícios explosivos ou incendiários providos de dispositivo de inflamação próprio.
2. Considera-se, ainda, arma, tudo aquilo que tenha características similares às dos instrumentos, engenhos mecânicos ou outros objectos como tal usados pelas corporações policiais e demais serviços de segurança, mesmo que de tipologia diferente”.

Por sua vez, o preceitua o art. 6° que:

“1. Consideram-se armas proibidas:
a) As armas não abrangidas no disposto nos artigos 2.º a 5.º;
b) As armas a que se referem as alíneas c) a f) do artigo 1.º;
c) Todas as armas de defesa que tenham sido objecto de qualquer tipo de alteração ou transformação.
2. Consideram-se munições proibidas todas as classificadas como especiais, de qualquer calibre, para uso exclusivo das Forças de Segurança de Macau e apenas importadas para tal fim.
3. É aplicável às munições referidas no número anterior o regime sancionatório previsto na lei penal e relativo a armas proibidas”.

Face ao estatuído no transcrito art. 6°, n.° 2 e 3, cabe então apurar se a “munição” dos autos deve ser considerada uma “munição proibida”, para o qual se terá de saber se é classificada de “especial, (independentemente do seu calibre), destinada a uso exclusivo das Forças de Segurança de Macau e apenas importada para tal fim”.

Ora, o art. 7° do mesmo “R.A.M.” dispõe que:

“1. As munições destinadas às armas a que se refere o presente regulamento têm a classificação correspondente às armas a que se destinam.
2. São apenas permitidos, nas armas de defesa, os tipos de munições designados internacionalmente por «Full Metal Jacket» e «Lead Round Nose».
3. Nas competições podem ser utilizadas munições do tipo internacional «Wad Cutter»”.

Face ao estatuído no n.° 1 (do transcrito art. 7°), e cotejando o seu teor com o preceituado no art. 6°, legítimo mostra-se de concluir que a munição será “proibida” se se destinar a uma “arma proibida”.

Sendo estas – “armas proibidas” – as “não abrangidas no disposto nos art°s 2° a 5°”, (que se referem a “armas de defesa de calibre não superior a 7.65 mm (0.32) e cujo cano não exceda os 10 cm”, as “armas de competição”, as “armas de ornamentação” e as “armas de valor estimativo”), as “que se referem as alíneas c) a f) do art. 1°” e as que “tenham sido objecto de qualquer tipo de alteração ou transformação”, quid iuris?

No caso dos autos, sabe-se que a munição é de “calibre 0.22”.

E, nesta conformidade, evidente nos parece que censura não merece a decisão recorrida.

Com efeito, para além de provado não estar que a munição em questão era destinada a qualquer “arma proibida”, ou que seja classificada de “especial”, “de uso e exclusivo das F.S.M. e apenas importada para tal fim”, verifica-se, pelo contrário, que a mesma pode ser objecto de importação e comercialização, (obviamente, controlada), como resulta, à evidência, do previsto dos art°s 8° a 10 do mencionado R.A.M. quanto às “operações de comércio externo” e dos seguintes art°s 11° e 14° quanto ao “comércio de armas e munições”.

Sendo ainda de notar que nos termos do art. 27° deste mesmo diploma pode ser concedida licença de uso e porte de “arma de defesa” a particulares que reúnam certos requisitos, de concluir se mostra que estas mesmas “armas de defesa” são “legais”, (não sendo “proibidas”, pelo menos quando detidas por quem tenha a respectiva licença), o mesmo sucedendo com as suas respectivas “munições”.

Assim, certo sendo que estas “armas de defesa” tem um calibre não superior a 7.65 mm (0.32), (cfr., art. 2° do mesmo R.A.M.), terão, natural e necessariamente, que utilizar munições com as mesmas características, (calibre), e, tendo a munição em causa o “calibre 0.22”, (“não superior a 7.65 mm) (0.32), é pois munição que pode ser utilizada por uma “arma de defesa”, o que afasta, de forma clara, qualquer consideração no sentido de a considerar “proibida”, para efeitos de poder integrar o conceito ínsito do art. 262°, (n.° 2, al. b) do C.P.M..

Outra questão não havendo, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, confirma-se a decisão recorrida, rejeitando-se o recurso interposto.

Sem tributação, (dada a isenção do Exmo. Recorrente).

Registe e notifique.

Macau, aos 18 de Novembro de 2014
José Maria Dias Azedo
Proc. 695/2014 Pág. 14

Proc. 695/2014 Pág. 15