Processo n.º 450/2014
(Recurso Cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 16/Outubro/2014
ASSUNTOS:
- Marcas
- Imitação; diferenciação e semelhança de marcas
SUMÁRIO :
1. Não se verifica o fundamento de recusa entre as marcas(registada) e (registanda), pois não obstante um elemento comum, as dissemelhanças ganham relevo na análise do conjunto.
2. Pode haver semelhança da marca havendo risco de associação. O que é indispensável é que não exista risco de confusão.
3. A distintividade deve ser feita de forma a que “o risco de confusão de marcas seja aferido em função do registo de memorização do consumidor médio dos produtos a que elas se reportam, baseado na afinidade desses mesmos produtos e na semelhança gráfica, figurativa ou fonética dos elementos constituintes da marca em questão”.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 450/2014
(Recurso Civil)
Data : 16/Outubro/2014
Recorrente : Axxxxx (HK), Limited
Recorridas : - Direcção dos Serviços de Economia da RAEM
- Bxx Cxx Dxx Corp.
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
1. Vem o presente recurso jurisdicional da douta sentença proferida em 10 de Março de 2014, que negou provimento ao recurso judicial interposto pela AXXXXX (HK) , LIMITED, e, em consequência, manteve o despacho da Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia que recusou o registo das marcas n.ºs N/ZZ502 (para a classe 35.ª) e N/ZZ504 (para a classe 41.ª), por si requerido.
Para tanto, alega, em síntese:
1.ª A Recorrente, através do presente recurso, impugna a decisão de facto, no que respeita ao que foi vertido na sua petição de recurso judicial, qual seja, o de que a marca registanda não foi, apenas, requerida para assinalar serviços das classes 35.ª e 41.ª mas, também, para assinalar produtos das classes 9.ª e 16.ª e serviços das classes 38.ª e 42.ª
2.ª Assim, na matéria de facto dada por provada deviam ser integrados os seguintes factos: (1) "Em 27 de Fevereiro de 2012, a Recorrente apresentou o pedido de registo da marca mista, que consiste em, para assinalar produtos das classe 9.ª (N/ZZ500) e 16.ª (N/ZZ501) e serviços das classes 35.ª (N/ZZ502), 38.ª (N/ZZ503), 41.ª (N/ZZ504) e 42.ª (N/ZZ505)" e (2) "Por despachos da DSE, datados de 29 de Novembro de 2012, a mencionada marca foi concedida à Recorrente para assinalar produtos das classes 9.ª e 16.ª e serviços das classes 38.ª e 42.ª"
3.ª No caso, não se verifica o fundamento de recusa a que alude o art. 214.°, n.º 2, alínea b), com referência ao art. 215.°, alíneas a), b) e c), ambos do RJPI, porquanto falha o requisito da existência de "uma tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética que induza facilmente em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto".
4.ª As marcas mistas (registada) e (registanda) são marcas distintas, porquanto, pese o facto de a primeira conter um sinal muito específico no O da palavra inglesa EEE, qual seja, o @, é lida como se, apenas, se estivesse perante aquela palavra EEE, a verdade é que a marca registanda, para além de integrar a palavra EEE, tem um elemento figurativo muito peculiar, qual seja, o desenho de algo que faz lembrar um recipiente contendo um alimento, o que, por si só, a toma distinta da marca registada, sendo composta, também, por 3 caracteres chineses FFF, que romanizam FFF e corresponde à expressão portuguesa "fff".
5.ª O sinal EEE, enquanto marca, é um sinal fraco; marcas fracas são as que consistem em expressões de pouca originalidade e pouca actividade criativa, certo sendo que a Doutrina é unânime ao defender que uma expressão de pouco valor inventivo deve considerar-se uma marca fraca e, enquanto tal, basta conjugar-se com outra expressão para se tornar distinta e que as marcas fracas devem suportar a convivência com outros sinais, certo sendo que, por norma, têm um grau de protecção reduzido.
6.ª A Recorrente, posteriormente, requereu o registo da marca nominativa que consiste em EEE FF, para várias classes, nomeadamente, para as classes 35.ª (N/YY258) e 41.ª (N/YY61), e a mesma foi-lhe concedida, o que é demonstrativo de que a marca EEE @ (aqui em confronto com a marca EEE FFF + elemento figurativo), pode conviver com a marca EEE FF.
7.ª Em termos objectivos, entre as marcas EEE @ (da empresa Bxx Cxx Dxx) e EEE FF (da Recorrente), há mais semelhanças do que entre as marcas EEE @ e EEE FFF + elemento figurativo.
8.ª Dada a afinidade entre os produtos e serviços integrados nas classes 9.ª e 16.ª, 38.ª e 42.ª, para os quais a marca mista foi concedida e já se encontra registada em nome da Recorrente e os serviços integrados nas classes 35.ª e 41.ª, a recusa da marca para estes serviços inviabiliza o uso da sua marca para produtos e serviços daquelas classes pois o seu uso pode criar uma situação complexa à Recorrente, enquanto empresa a operar no mercado internacional.
9.ª A Doutrina tem considerado que o público atribuirá a mesma origem a produtos e a serviços de natureza e utilidade próxima e que sejam habitualmente distribuídos através dos mesmos circuitos, sendo irrelevante, na emissão de tal juízo sobre a afinidade de produtos e de serviços, o número do reportório em que estejam inscritos ou a classe da tabela em que se integram, uma vez que a diferente inscrição ou classificação dos produtos não obsta, por si só, a que sejam considerados semelhantes (dado que a classificação por produtos ou serviços visa tão somente facilitar o processo de registo de marcas, e não restringir, por qualquer forma, os direitos dos titulares das marcas).
10.ª Ora, sem prejuízo das diferenças assinaláveis entre as marcas aqui em confronto, sempre se dirá que, considerando ainda o tipo de actividade desenvolvida pela ora Recorrente sob a marca, dúvidas não subsistem que os produtos e serviços assinalados com aquela marca serão distribuídos através de circuitos próprios, sendo dificilmente confundíveis com as marcas da Parte Contrária também por essa razão.
11.ª Os serviços integrados na classe 35.ª são necessários a qualquer empresário que ofereça variedade de produtos e de serviços pois, em tal classe, estão integrados serviços de administração e gestão, marketing e publicidade de qualquer marca; assim, por regra, os empresários a operar no mercado internacional, ao requerem o registo de uma determinada marca para produtos e serviços vários, requerem o registo da respectiva marca para a classe 35.ª
NESTES TERMOS, requer que seja considerado procedente o presente recurso jurisdicional e, consequentemente, seja revogada a douta sentença de 10 de Março de 2014, bem como revogados os despachos da DSE de 11 de Abril de 2013 e substituídos por outros que concedam à Recorrente, também, o registo da marca mista, para assinalar serviços que se integram nas classes 35.ª (N/ZZ502) e 41.ª (N/ZZ504), marca essa que se encontra registada em nome da recorrente para assinalar produtos das classes 9.ª (N/ZZ500) e 16.ª (N/ZZ501) e serviços das classes 38.ª (N/ZZ503) e 42.ª (N/ZZ505), não só porque se trata de uma marca distinta da marca prioritariamente registada em nome da "BXX CXX DXX CORPORATION" mas porque a sua recusa inviabiliza o uso da mesma marca para produtos das classes 9.ª e 16.ª e para as classes 38.ª e 42.ª, já concedidas pela DSE à, aqui, Recorrente, pois entre tais produtos e serviços existe uma manifesta afinidade, integrando-se todos eles na actividade que a Recorrente desenvolve na RAEM e noutras jurisdições.
2. A Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau, contra-alega, dizendo no essencial:
O que se discute neste litígio, é o confronto entre as marcas registandas da Recorrente n.ºs N/ZZ502 e N/ZZ504 - para assinalar serviços incluídos na classe 35 e 41 e as marcas registadas da BCDC N/XX055 e N/XX057, - para assinalar serviços incluídos nas mesmas classes 35 e 41.
2 - Inexistência do fundamento de recusa do artigo n.º 214, n.º 2 alínea b), da distinção entre marca forte e marca fraca.
Da formulação legal resulta desde logo que existe imitação quando, postas em confronto, as marcas se confundem. Há também imitação quando, tendo-se à vista apenas uma das marcas, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra que se tenha conhecimento .
A marca registanda da Recorrente n.º N/ZZ502 e N/ZZ504 Contem um elemento essencial das marcas registadas N/XX055 e N/XX057da BCDC, ou seja a expressão "E@E" nas marcas registadas e ''EEE'' na marca registanda, comporta um elevado risco de confusão com as marcas já registadas da BCDC, gerando ainda um maior risco de associação entre os sinais. Mesmo que, na marca registanda, existam outros elementos distintos dos elementos das marcas registadas, tal como o desenho e as letras de lado, não evita que o consumidor associe ambas as marcas, ou, seja levado a pensar que tal marca seja pertença à BCDC.
Dúvidas não subsistem que o terceiro requisito também se encontra preenchido.
Não tendo a Recorrente acrescentado facto novo ou fundamento legal que altere o despacho recorrido, deve, ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.
3. BXX CXX DXX CORP., na qualidade de parte contrária nos autos à margem referenciados, alega, em síntese:
A marca registada tem, além de outras funções, a função muito clara de distinção de produtos ou serviços de uma empresa dos produtos ou serviços de outras empresas (artigo 197.º, do RJPI), que garanta ao consumidor a origem desses mesmos produtos ou serviços.
Ora, é exactamente para tutela dessa função distintiva que se proíbe o registo de marca idêntica ou semelhante à marca já registada quando tenha por objecto os mesmos produtos ou serviços ou produtos ou serviços afins, pelo simples facto que pode gerar um risco de confusão no público consumidor, perdendo-se assim a função distintiva.
Portanto, se há imitação não há distinção.
No presente caso, ambas as marcas são mistas, contendo um elemento nominativo e um elemento figurativo. O elemento nominativo é a palavra EEE em ambas, bem como, na marca registanda, três caracteres chineses. Os elementos figurativos são o @, na marca registada, e um balde de fff na marca registanda.
O elemento nominativo é, portanto, composto em ambos os casos pela palavra EEE. Facto no qual ambas as partes concordam.
Note-se também que além do elemento nominativo ser semelhante, é idêntica também a fonética de ambas as marcas, sendo a fonética um dos elementos a ter em conta pelo artigo 215.º, n.º l, alínea c) do RJPI.
Assim, nada acrescenta o elemento figurativo, pois que não é suficiente para diferenciar as marcas, até porque, e seguindo a opinião tanto do Tribunal a quo como da doutrina, normalmente, o elemento nominativo é o elemento dominante da marca, pois que na hora de adquirir os produtos ou serviços, o consumidor, por ser o modo mais simples de designar o produto, guia-se pelo nome e não pelo elemento figurativo.
Em suma: na falta do consentimento disposto no artigo 219.º do RJPI, deverão aplicar-se os artigos 214.º, n.º 2, alínea b) e 215.º do RJPI, ficando assim demonstrada a imitação de marca (como proibição relativa) e consequente recusa de registo.
Em lado algum na lei se gradua o nível de protecção da marca ou se afere alguma consequência relacionada com a (inexistente) graduação.
Não se entende, portanto, a questão da Recorrente considerar a marca E@E como marca fraca e por esse facto entender que a dita marca tem que coexistir com outras marcas.
No que respeita à concessão, pela DSE, da marca EEE FF, nas categorias 35.ª e 41.ª, note-se que estamos perante um tipo de marca diferente: enquanto a marca E@E é uma marca mista, a marca EEE FF é uma marca nominativa.
De qualquer maneira, essa questão não constitui objecto do recurso.
A Classificação de Nice baseia-se nas duas vertentes da marca: na vertente dos produtos, visando a sua função e o seu destino (tendo como critérios complementares o material com que estão feitos ou ainda o modo de funcionamento); na vertente dos serviços, segundo os ramos de actividade.
Ainda que a inserção de determinados produtos ou serviços numa determinada classe não seja determinante para se concluir pela existência de imitação de marca, tal não quer dizer que esse elemento não seja tomado em conta.
Pelo contrário, vai ser tomado em conta a par de outros dois requisitos:
a) A natureza dos produtos/serviços; e
b) Os circuitos de comercialização dos produtos/serviços.
Assim, se a natureza ou finalidade dos produtos ou serviços é a mesma, parecida ou relacionada ou ainda se servem para satisfazer as mesmas necessidades, então estaremos perante uma imitação de marca já registada é o que acontece no presente caso.
Nestes termos entende dever o recurso apresentado ser julgado improcedente, confirmando-se na íntegra a sentença recorrida.
4. Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
- A ora recorrente requereu, em 27 de Fevereiro de 2012, o registo as marcas N/ZZ502 (para a classe 35ª) e N/ZZ504 (para a classe 41ª), junto da Direcção dos Serviços de Economia, e que consistem no seguinte :
- A DSE recusou o registo das referidas marcas com fundamento na circunstância de se entender que não têm eficácia distintiva em relação à marcas já registada em nome da Bxx Cxx Dxx, com o N/XX055 (classe 35ª) e N/XX057 (classe 41ª), e materializadas no seguinte :
- A decisão de recusa foi publicada no BO, II, Série, nº 18/2013, de 2 de Maio.
III - FUNDAMENTOS
1.Objecto do recurso
Basicamente o que está em causa é saber se as marcas (registada) e são confundíveis ou têm suficiente capacidade distintiva entre si, ou não, tal como considerado pela DSE, entendimento acolhido na sentença ora recorrida, o que motivou a recusa da marca para serviços das classes 35.ª e 41.ª, inviabilizando o uso da mesma marca, por parte da recorrente, para produtos das classes 9.ª e 16.ª e serviços das classes 38.ª e 42.ª, concedida pela DSE.
Não deixa ainda de ter alguma importância saber se o facto que foi desconsiderado na douta sentença se verificou ou não, qual seja o de que a recorrente pediu o registo da mesma marca para produtos das classes 9.ª e 16.ª e serviços das classes 38.ª e 42.ª, isto é, da marca , que tomou os n.ºs N/ZZ500, N/ZZ501, N/ZZ503 e N/ZZ505, tendo-lhe sido concedida.
2. Da recusa com fundamento na al. b) do n.º 2 do art. 214.° do RJPI
Estabelece o art. 214º do Regime Jurídico da propriedade Industrial:
“1. O registo de marca é recusado quando:
a) Se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa da concessão de direitos de propriedade industrial previstos no n.º 1 do artigo 9.º;
b) A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória;
c) A marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, constitua reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, e sempre que a utilização da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los.
2. O pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha:
a) Sinais que sejam susceptíveis de induzir em erro o público, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina;
b) Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
c) Medalhas de fantasia ou desenhos susceptíveis de confusão com as condecorações oficiais ou com as medalhas e recompensas concedidas em concursos e exposições oficiais;
d) Brasões ou insígnias heráldicas, medalhas, condecorações, apelidos, títulos e distinções honoríficas a que o requerente não tenha direito, ou, quando o tenha, se daí resultar o desrespeito e o desprestígio de semelhante sinal;
e) A firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente ou que o mesmo não esteja autorizado a utilizar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão;
f) Sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial.
3. O facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo.
4. O interessado na recusa do registo da marca a que se refere a alínea b) do n.º 1 só pode intervir no respectivo processo quando prove já ter requerido em Macau o respectivo registo ou o faça simultaneamente com o pedido de recusa.
5. O interessado na recusa do registo da marca a que se refere a alínea c) do n.º 1 só pode intervir no respectivo processo quando prove já ter requerido em Macau o respectivo registo para os produtos ou serviços que lhe deram grande prestígio, ou o faça simultaneamente com a reclamação.”
O artigo 215º dispõe:
“1. A marca registada considera-se reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
2. Considera-se reprodução ou imitação parcial de marca, a utilização de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada, ou somente do aspecto exterior do pacote ou invólucro com as respectivas cores e disposição de dizeres, medalhas e recompensas, de modo que pessoas analfabetas os não possam distinguir de outras adoptadas por possuidor de marcas legitimamente utilizadas.”
Quanto à pretensa imitação da marca, dúvidas não se levantam quanto aos dois primeiros requisitos: o da prioridade da marca registada e o da afinidade de serviços para os quais se destinam as marcas registada e registanda, certo sendo que, relativamente a este requisito tem-se como base da identidade e/ou afinidade dos serviços pela inclusão nas respectivas classes da Classificação de Nice, ou seja, para as classes 35º e 41ª.
Vejamos os respectivos conteúdos.
“Classe 35º: Publicidade;
gestão de negócios comerciais;
administração comercial;
trabalhos de escritório.
Nota Explicativa
A Classe 35 inclui essencialmente os serviços prestados por pessoas ou por organizações cujo objectivo principal é:
1. auxiliar na exploração ou na gestão de uma empresa comercial, ou
2. auxiliar na gestão dos negócios ou das funções comerciais de uma empresa industrial ou comercial,
bem como os serviços prestados por agências de publicidade que se encarregam essencialmente de comunicações ao público, de declarações ou de anúncios através de todos os meios de difusão e relativos a todas as espécies de produtos ou serviços.
Esta classe inclui nomeadamente:
— o agrupamento, para o benefício de terceiros, de uma variedade de produtos (excluindo o seu transporte), permitindo ao consumidor vê-los e comprá-los comodamente; tais serviços podem ser assegurados por lojas de venda a retalho, por grossistas, através de vendas por catálogo, por correio ou via electrónica, por exemplo, via sites na Internet ou tele-compras;
— serviços que consistem no registo, transcrição, composição, compilação ou sistematização de comunicações escritas e de registos, e também a compilação de dados matemáticos ou estatísticos;
— serviços prestados por agências de publicidade e serviços tais como a distribuição de prospectos, directamente ou pelo correio, ou a distribuição de amostras. Esta classe pode referir publicidade relativa a outros serviços tais como os que dizem respeito a empréstimos bancários ou a publicidade pela rádio.
Esta classe não inclui nomeadamente:
— serviços tais como as avaliações e relatórios de engenheiros que não têm uma relação directa com a exploração ou a gestão de negócios numa empresa comercial ou industrial (consultar a Lista Alfabética dos Serviços).”
“Classe 41º: Educação;
formação;
entretenimento;
actividades desportivas e culturais.
Nota Explicativa
A Classe 41 inclui essencialmente serviços prestados por pessoas ou por instituições para o desenvolvimento das faculdades mentais de pessoas ou de animais, assim como os serviços destinados a entreter ou a ocupar a atenção.
Esta classe inclui nomeadamente:
- serviços de educação de pessoas ou de animais sob todas as formas;
- serviços cujo objectivo essencial é o entretenimento, o divertimento ou a recreação de pessoas;
- apresentação ao público de obras de arte visual ou de literatura com fins culturais ou educativos.”
(Fonte: Aviso do Chefe do Executivo n.º 10/2009, publicado no BO, em 22/5/2009).
No que se refere ao terceiro requisito - existência de tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética que induza facilmente em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto -, somos a considerar que esse risco não existe.
As diferenças são patentes e mesmo na parte onde se mostra alguma semelhança as diferenças não se deixam de notar, mesmo que se quisesse assumir que a palavra EEE em língua inglesa é a mesma, não se deixam de verificar diferenças no tipo e forma das letras, sendo que numa delas se insere a @ dento do O.
As duas marcas não podem ser vistas como se estivéssemos apenas perante a palavra EEE que não pode ser lida isoladamente e abstraindo do conjunto onde se insere.
Na verdade a marca rgistanda tem um elemento figurativo muito peculiar - o desenho de algo que faz lembrar um recipiente contendo um alimento -, o que, por si só, a torna distinta da marca registada, sendo composta, também, por 3 caracteres chinesesFFF, que romanizam FFF e corresponde à expressão portuguesa "fff".
Afigura-se, pois que as marcas mistas (registada) e (registanda) são marcas distintas, realçando-se o requisito que, não obstante, de entre os elementos fonético, nominativo, gráfico, figurativo e conceptual, a jurisprudência dar relevância ao primeiro,1 o certo é que “o risco de associação não constitui alternativa ao risco confusão. Dito de outro modo: pode haver semelhança da marca havendo risco de associação. O que é indispensável é que não exista risco de confusão”.2
Ora, um consumidor minimamente atento não deixa de ver as diferenças que se impõem pelos olhos dentro.
3. Elemento comum enquanto sinal fraco
Como se disse já o elemento comum será apenas o elemento fonético integrado pela palavra EEE, elemento este que deve ceder perante o conjunto que compõe uma e outra marca em comparação, sendo a registanda uma marca mista e a pretensamente imitada composta ainda por uma composição gráfica disposta singularmente pela aposição da “arroba” dentro do “o”.
As marcas fracas são as que consistem em expressões de pouca originalidade e pouca actividade criativa, certo sendo que a Doutrina é unânime ao defender que uma expressão de pouco valor inventivo deve considerar-se uma marca fraca e, enquanto tal, basta conjugar-se com outra expressão para se tomar distinta. Como assinala Couto Gonçalves “Sinal fraco é o sinal, em si mesmo, de uma tal simplicidade e vulgaridade que, normalmente, não reveste qualquer possibilidade de, isoladamente, distinguir uma espécie de produtos ou serviços”3, sendo que “(…) a conversão de um sinal originariamente privado de capacidade distintiva num sinal distintivo de produtos ou serviços, reconhecido como tal, no tráfico económico, através do significado secundário, por consequência do uso e de mutações semânticas ou simbólicas”.4
Nestes casos esses sinais não devem ser apreciados analiticamente, mas integrados no conjunto onde se inserem e a distintividade deve ser feita de forma a que “o risco de confusão de marcas seja aferido em função do registo de memorização do consumidor médio dos produtos a que elas se reportam, baseado na afinidade desses mesmos produtos e na semelhança gráfica, figurativa ou fonética dos elementos constituintes da marca em questão”.5
As marcas fracas devem suportar a convivência com outros sinais, certo sendo que, por norma, têm um grau de protecção reduzido e “por integrarem elementos com pouca capacidade distintiva, insusceptíveis de apropriação, pode bastar uma pequena variação para afastar o juízo de confundibilidade, enquanto nas marcas «fortes» o grau de exigência é maior, sendo necessária uma diferença de tipo para afastar esse juízo.”6
É verdade que marcas conceptualmente fracas podem tomar-se em marcas comercialmente fortes, se forem muito conhecidas no mercado em consequência do muito uso e de abundante publicidade, da mesma forma que uma marca conceptualmente forte pode apresentar-se comercialmente fraca, porque, sendo pouco usada e escassamente publicitada, é pouco conhecida no tráfico.
No caso, o sinal EEE deve ser considerado um sinal fraco (marca fraca), pelo que se entende poder ser usado em marcas distintas se for conjugado com outros elementos.
4. Concede-se razão à recorrente, ao dizer que se fosse de considerar que a marca goza de um carácter distintivo peculiar no mercado de Macau, então, não seria permitido o registo da marca , para produtos das classes 9.ª, 16.ª e serviços das classes 38.ª e 42.ª, reconhecendo-se alguma afinidade entre elas.
Na verdade a classe 9º corresponde a produtos:
“Aparelhos e instrumentos científicos, náuticos, geodésicos, fotográficos, cinematográficos, ópticos, de pesagem, de medida, de sinalização, de controlo (inspecção), de socorro (salvamento) e de ensino;
aparelhos e instrumentos para a condução, distribuição, transformação, acumulação, regulação ou controlo da corrente eléctrica;
aparelhos para o registo, a transmissão, a reprodução de som ou de imagens;
suportes de registo magnético, discos acústicos;
distribuidores automáticos e mecanismos para aparelhos de pré-pagamento;
caixas registadoras, máquinas de calcular, equipamentos para o tratamento de informação e computadores;
extintores.
Nota Explicativa
Esta classe inclui nomeadamente:
— aparelhos e instrumentos de investigação científica para laboratórios;
— aparelhos e instrumentos utilizados para o comando de um navio, tais como aparelhos e instrumentos de medida e de transmissão de ordens;
— os aparelhos e instrumentos eléctricos seguintes:
a) certas ferramentas e aparelhos electrotérmicos, tais como os ferros de soldar eléctricos, os ferros de engomar eléctricos, que, se não fossem eléctricos, pertenceriam à Classe 8;
b) aparelhos e dispositivos que, se não fossem eléctricos, pertenceriam a classes diferentes tais como vestuário aquecido electricamente, isqueiros para automóveis;
— transferidores;
— máquinas de escritório de cartões perfurados;
— aparelhos de divertimento adaptados para serem utilizados apenas com um ecrã externo independente ou um monitor;
— todos os programas informáticos e de software independentemente do seu suporte de gravação ou de difusão, ou seja, software gravado em suporte magnético ou gravado a partir de uma rede informática externa.
Esta classe não inclui nomeadamente:
— os aparelhos e instrumentos eléctricos seguintes:
a) aparelhos electromecânicos para a cozinha (trituradores e misturadores de alimentos, espremedores de fruta, moinhos de café eléctricos, etc.) e outros aparelhos e instrumentos accionados por um motor eléctrico, incluindo-se todos na Classe 7;
b) máquinas de barbear eléctricas e corta-unhas (instrumentos manuais) Cl. 8);
c) escovas de dentes e pentes eléctricos (Cl. 21);
d) aparelhos eléctricos para o aquecimento de espaços ou para o aquecimento de líquidos, para culinária, para ventilação, etc. (Cl. 11);
— relojoaria e outros instrumentos cronométricos (Cl. 14);
— relógios de controlo (Cl. 14).”
E a classe 16ª a:
“Papel, cartão e produtos nestas matérias, não incluídos noutras classes;
produtos de impressão;
artigos para encadernação;
fotografias;
papelaria;
adesivos (matérias colantes) para papelaria ou para uso doméstico;
material para artistas;
pincéis;
máquinas de escrever e artigos de escritório (com excepção de mobília);
material de instrução e de ensino (com excepção de aparelhos);
matérias plásticas para embalagem (não incluídas noutras classes);
caracteres de impressão;
clichés (estereótipos).
Nota Explicativa
A Classe 16 inclui essencialmente papel, produtos em papel e artigos de escritório.
Esta classe inclui nomeadamente:
— corta-papéis;
— duplicadores;
— folhas, sacos e saquetas em matérias plásticas, para embalagem.
Esta classe não inclui nomeadamente:
— certos produtos em papel ou em cartão (consultar a Lista Alfabética dos Produtos);
— cores (Cl. 2);
— ferramentas manuais para artistas (por exemplo, espátulas, cinzéis de escultor) (Cl. 8).
Os serviços da classe 38º:
Telecomunicações.
Nota Explicativa
A Classe 38 inclui, essencialmente os serviços que possibilitam a, pelo menos, uma pessoa comunicar com outra através de um meio sensorial. Nestes serviços incluem-se os que:
1. permitem a uma pessoa falar com outra;
2. transmitem mensagens de uma pessoa para outra e
3. colocam uma pessoa em comunicação oral ou visual com outra (rádio e televisão).
Esta classe inclui nomeadamente:
— serviços que consistem essencialmente na difusão de programas de rádio e televisão.
Esta classe não inclui nomeadamente:
— serviços de publicidade pela rádio (Cl. 35).
Traduzindo-se os serviços da classe 42º em:
Serviços científicos e tecnológicos bem como serviços de investigação e de concepção a eles relativos;
serviços de análises e de pesquisas industriais;
concepção e desenvolvimento de computadores e de programas para computadores;
Nota Explicativa
A Classe 42 inclui essencialmente os serviços prestados por pessoas, a título individual ou colectivo, relacionados com os aspectos teóricos e práticos de domínios complexos de actividades; serviços esses que são prestados por representantes de profissões tais como químicos, físicos, engenheiros, programadores de computador, etc.
Esta classe inclui nomeadamente:
— serviços prestados por engenheiros encarregados de avaliações, estimativas, pesquisas e relatórios, nos domínios científico e tecnológico;
— serviços de investigação científica para fins médicos.
Esta classe não inclui nomeadamente:
— pesquisas e avaliações em negócios comerciais (Cl. 35);
— serviços de processamento de texto e de gestão de ficheiros informáticos (Cl. 35);
— avaliações em matéria financeira e fiscal (Cl. 36);
— serviços de extracção mineira e petrolífera (Cl. 37);
— serviços de instalação e reparação de computadores (Cl. 37);
— serviços prestados por representantes de profissões tais como médicos, veterinários, psicanalistas (Cl. 44);
— serviços de tratamentos médicos (Cl. 44);
— concepção de jardins (Cl. 44).
— Serviços jurídicos (Cl. 45).”
5. Nem se compreenderia, também como a recorrente alega que se tenha concedido à recorrente a marca nominativa que consiste em EEE FF, para várias classes, nomeadamente, para as classes 35.ª (N/YY258) e 41.ª (N/YY261), não se tendo aí levantado as dificuldades resultantes da utilização do elemento “EEE”, tido como pertencente à recorrida.
5. Nesta conformidade, por não verificados os pressupostos de imitação de marca registada e vista uma notória diferenciação entre as aludidas marcas, não tendo sido ainda o elemento comum impeditivo de uma distinção do produto a registar, como o não foi na apreciação do registo da mesma marca para a requerente, ainda que para outros produtos e serviços que ainda podem ter alguma conexão com aqueloutros para que se pediu o registo, o recurso não deixará de proceder.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, e, revogando a decisão recorrida, bem como o despacho de recusa da Exma Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Industrial da DSE Serviços, publicado no BO, II, n.º 18/2013, de 2 de Maio, devendo ser substituídos por decisão favorável à concessão dos pedidos das marcas N/ZZ502 (para a classe 35º) e a N/6ZZ504 (para a classe 41ª).
Custas pela ora recorrida, estando isenta a entidade administrativa recorrida.
Macau, 16 de Outubro de 2014,
(Relator)
João A. G. Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho
1 - Américo Silva Carvalho, Direito de Marcas, Coimbra Editora,2004, 299
2 - Autor e ob. citados, 323
3 - Manual de Direito Industrial, Almedina, 2ª edição, 143
4 - Autor e ob. cit., 250
5 - Ac. do STJ, proc. 04B541, de 22/4/2004, citando Abílio Vasconcelos de Carvalho
6 - A. da RL, Proc. n.º 33/06.3TYLSB.L1-6, de 26/11/2009
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