Processo nº 409/2014
(Autos de recurso civil)
Data: 30/Outubro/2014
Assuntos: Marca
Capacidade distintiva
“XXXXX YYYY”
SUMÁRIO
- A marca é um sinal distintivo que tem por função distinguir produtos ou serviços.
- Não são susceptíveis de protecção os sinais descritivos e genéricos.
- A marca nominativa “XXXXX YYYY”, por conter elementos que indicam exclusivamente o local e os produtos e serviços ligados ao sector de conferências e exposições, é destituída de capacidade distintiva.
- Para além de não se descortinar tal sinal, analisado na sua imagem global, ter adquirido um “secondary meaning” que lhe confira eficácia distintiva, pelo que não pode ser protegido como marca.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 409/2014
(Autos de recurso civil)
Data: 30/Outubro/2014
Recorrente:
- B, S.A.
Entidade Recorrida:
- Direcção dos Serviços de Economia
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
B, S.A., sociedade com sede em Macau, melhor identificada nos autos, interpôs junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM recurso da decisão do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia, de 1.7.2013 e publicada no Boletim Oficial, de 7.8.2013, que indeferiu o registo das marcas N/4...... e N/4......, destinadas para assinalar serviços e produtos das classes 6ª, 9ª, 14ª, 18ª, 20ª, 21ª, 25ª, 28ª, 32ª, 33ª, 34ª, 35ª, 39ª, 41ª, 43ª, 44ª e 45ª.
Por sentença do Tribunal Judicial de Base proferida a 10 de Janeiro de 2014, foi julgado improcedente o recurso, tendo sido confirmada a decisão de indeferimento do registo das referidas marcas.
Inconformada com a decisão, recorreu a recorrente jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
a. A marca XXXXX YYYY, a que se reportam os pedidos de registo N/4...... a N/4......, é uma marca nominativa complexa.
b. Trata-se de uma marca alusiva a alguns dos serviços assinalados na classe 41ª mas não descritiva, sendo que impedimento nenhum legal existe ao registo de marcas sugestivas.
c. Quanto aos demais produtos e serviços, a marca XXXXX YYYY é uma marca arbitrária.
d. A marca XXXXX YYYY possui, assim, capacidade para distinguir, em função da origem, os produtos e serviços da Recorrente dos produtos e serviços de outras empresas.
e. Ao considerar que as marcas XXXXX YYYY é destituída de capacidade distintiva, a douta sentença recorrida procede a uma errada aplicação das normas contidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 199º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 9º do RJPI.
Conclui, pedindo a procedência do recurso, e em consequência, proferido acórdão que conceda o registo das marcas N/4...... e N/4.......
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Não houve contra-alegações.
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II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte matéria de facto:
a) Em 09/03/2010 a Recorrente requereu o registo das marcas N/4...... a N/4...... para as classes de produtos e serviços 6ª, 9ª, 14ª, 18ª, 20ª, 21ª, 25ª, 28ª, 32ª, 33ª, 34ª, 35ª, 39ª, 41ª, 43ª, 44ª, e 45ª, consistindo as marcas no seguinte:
“XXXXX YYYY”
b) Por despacho de 01/07/2013 proferido nos autos de Processo Administrativo apensos, foi recusado o registo das marcas referidas.
c) Tal despacho foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, n.º 1, II Série, de 07/08/2013.
d) Em 10/09/2013 foi apresentado neste tribunal o presente recurso.
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A questão que se coloca neste recurso consiste em saber se a marca nominativa constituída pelas palavras “XXXXX YYYY” está dotada de eficácia ou capacidade distintiva susceptível de protecção, só havendo necessidade de apreciar outros motivos de recusa se se concluir pela susceptibilidade de registo de tal como marcas.
Como sinal distintivo, a marca tem por função distinguir produtos ou serviços.
Ao abrigo do artigo 197º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, “só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”
É um sinal que serve para individualizar os produtos ou serviços, objecto do comércio do comerciante.1
Quanto à sua composição, a marca pode ser nominativa, figurativa ou mista, consoante seja constituída por palavras, ou tenha carácter plástico, tendo apresentação visual própria, ou composta por palavras e formas.2
Nestes termos, a marca goza, na sua composição, do chamado princípio da liberdade, salvo condicionalismos impostos por lei.
Consistindo um desses condicionalismos em a marca dever estar necessariamente dotada de eficácia ou capacidade distintiva suficiente, i.e., há-de ser apropriada para diferenciar de outros produtos idênticos ou semelhantes.
Com isto pretende a lei afastar do domínio da marca todos os elementos chamados genéricos ou descritivos.
Diz-se genérico quando o sinal, no seu significado originário e próprio, designa exclusivamente o nome do género de produtos ou serviços marcados ou, ainda, o sinal, bi ou tridimensional, que representa unicamente, a forma comum e ordinária do produto marcado.3
Enquanto descritivo aquele sinal que indica, exclusiva e directamente, a produção (espécie, lugar e tempo), qualidade, quantidade, destino, valor, ou qualquer outra característica do produto ou serviço.4
Assim, prevê-se nos termos do artigo 199º, nº 1, alínea b) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI) que não possuem eficácia distintiva as marcas compostas exclusivamente por “indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos...”.
A marca só é efectivamente descritiva se for exclusiva e directamente descritiva. Uma marca pode ser distintiva se não for exclusivamente descritiva, ou seja, se, sendo composta por elementos descritivos e não descritivos, a combinação oferecer um conjunto distintivo e, ainda, se não for directamente descritiva, ou seja, se só se limitar a sugerir ou evocar por forma inabitual e invulgar uma característica do produto ou serviço designando-se, nesta última hipótese, por marca sugestiva, expressiva ou significativa.5
Na apreciação da marca, convém atender-se à sua imagem global e não na análise individualizada de cada um dos seus elementos.
No presente caso, as marcas nominativas em causa são constituídas pelas palavras “XXXXX YYYY”.
Entende a recorrente que a referida marca possui capacidade para distinguir, em função da origem, os produtos e serviços da recorrente dos produtos e serviços de outras empresas.
Vista a marca no seu conjunto, somos a entender que as palavras “XXXXX YYYY” fazem referência a um conceito de actividade ligada a convenções e exposições realizadas numa determinada faixa ou tira mais atraente situada entre as Ilhas da Taipa e de Coloane ― XXXXX.
Em boa verdade, dúvidas não restam de que a expressão “YYYY” se tornou usual no comércio para designar uma espécie de serviço ou actividade, como por exemplo, YYYY 98, YYYY 2010 SHANGHAI, etc…
Por serem meras designações genéricas e descritivas que indicam exclusivamente o local e os produtos e serviços ligados ao sector de conferências e exposições, há-de concluir que tais sinais não possuem capacidade distintiva susceptível de protecção, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 199º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
Cumpre salientar ainda que o nosso Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar sobre semelhante questão em vários casos análogos, vejam-se, a título exemplificativo, os Acórdãos nos Processos 128/2013, 358/2013, 359/2013, todos do TSI:
“Opor-se-á que, neste caso, a palavra YYYY seria o tal elemento diferenciador. Só que o não é, na medida em que YYYY é uma denominação genérica, aplicada a um conjunto de bens que nada têm a ver com o serviço para que a palavra inculca e, enquanto marca complexa, pretensamente formada por um conjunto autónomo, não é facilmente dissociável da sua composição atomística.
O público, na verdade, não deixaria de poder ficar confundido com a pertença de uma marca onde o elemento forte “XXXXX” impera, seja pela referência geográfica, seja pela repetição do vocábulo, e o elemento fraco “YYYY” não revela a actividade proposta, não deixando de ser genérico e comum a uma plêiade de serviços ali oferecidos por outras concorrentes.” - Acórdão do TSI, Processo 128/2013
“Estamos plenamente de acordo com o aresto citado. Realmente, a palavra “YYYY” é uma abreviatura usualmente utilizada para significar “Exposição”, portanto, para indicar genericamente uma determinada classe de produtos ou serviços ligada ao sector de conferência e Exposições. E nada disso se passa com os produtos que a interessada queria promover na classe 21. Ou seja, a pretendida marca nada tem que ver com feiras ou Exposições de produtos ou serviços da mais variada índole ou natureza, prestando-se a engano e confusão, induzindo em erro o público alvo. Consequentemente, é também sinal genérico, não tendo força distintiva para assinalar a origem dos produtos e serviços.” - Acórdão do TSI, Processo 358/2013
Finalmente, cabe dizer ainda que não se descortina ter a marca em causa, analisada na sua imagem global, adquirido um “secondary meaning” que lhe confira eficácia distintiva.
Consagra-se nos termos do artigo 214º, nº 3 do RJPI que “o facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo.”
Neste aspecto, será possível a concessão de registo da marca, apesar de todos os elementos serem descritivos, se a marca tiver já adquirido um “secondary meaning” que lhe confira eficácia distintiva, ou seja, quando a marca deixa de ser apreendida pelo público pelo seu sentido descritivo, mas sim por um outro sentido não descritivo ligado a determinada empresa, como por exemplo a marca “Apple”.
No caso em apreço, entendemos que, por um lado, sendo a marca composta exclusivamente por elementos genéricos ou descritivos, e por outro, não tendo a marca adquirido qualquer “secondary meaning”, a marca é desprovida de capacidade distintiva para distinguir bens e serviços, daí que somos a entender que andou bem o Tribunal a quo ao manter a decisão de indeferimento do registo das marcas N/4...... e N/4.......
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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Macau, 30 de Outubro de 2014
Tong Hio Fong (Relator)
Lai Kin Hong (Primeiro Juiz-Adjunto)
João A. G. Gil de Oliveira (Segundo Juiz-Adjunto)
1 Carlos Olavo, Manual D. Comercial, 1º, pág. 186
2 Prof. Oliveira Ascensão, Direito Comercial Vol. II
3 Luís M. Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, pág. 171
4 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 173
5 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 173
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Processo 409/2014 Página 9