Processo nº 379/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 23 de Outubro de 2014
Recorrentes: - B (Autor)
- C (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. (Ré)
Recorridos: Os mesmos
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
Por sentença de 11/03/2014, julgou-se a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou-se a Ré C (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. a pagar ao Autor B a quantia de MOP$172,061.26, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão final vêm recorrer o Autor e a Ré, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
O Autor, B:
a) Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Autor, ora Recorrente, a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
b) Salvo melhor opinião, a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto aos montantes da "retribuição normal" e à concreta forma de cálculo a ter em conta no apuramento da quantia devida ao Recorrente pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e, neste sentido, se mostra em violação ao disposto no artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
c) Com efeito, resultando do ponto 25 da matéria de facto provada os salariais (anuais) auferidos pelo Recorrente ao longo da relação de trabalho com a Recorrida, a determinação da quantia devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal deveria ter sido determinada tendo em conta os valores relativos à "retribuição normal" concretamente auferida pelo Recorrente, e não apenas ao valor mínimo do salário constante do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Recorrente prestou trabalho para a Recorrida.
d) De onde, tendo em conta os valores relativos à "retribuição normal" efectivamente auferida pelo Recorrente, segundo a fórmula: (retribuição normal) x (n.º de dias de descanso semanal devidos e não gozados) x 2, a Recorrida deverá ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$96.944,00.
e) Ao não entender assim, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto no art. 17.°, n.º 6, al. a) do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, porquanto não teve em conta o valor da "retribuição normal" efectivamente auferida pelo Recorrente, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Recorrida em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral.
Ao que acresce que,
f) Resultando do art. 17.º, n.º 6, al. a) do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, tal significa que o Recorrente deverá receber da recorrida o correspondente a duas vezes a "retribuição normal" por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal.
g) Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (remuneração normal diária x n.º de dias de descanso semanal devidos e não gozados x 2).
h) De onde, ao proceder ao desconto do valor pago em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto no art. 17.°, n.º 6, al. a) do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, a decisão proferida pelo Tribunal a quo deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Recorrida em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral.
A Ré, C (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda.:
a) O julgamento que incidiu sobre o ponto 21) da matéria de facto escorou-se no depoimento da testemunha C, gravado sob os ficheiros denominados "Recorded on 25-Feb-2014 at 10.33.02 (1$PD#A0W05811270).WAV" e seguintes;
b) No respeitante à matéria do ponto 21) da matéria de facto, a instâncias do Ilustre Mandatário do A, a testemunha C (a 5m24s do ficheiro "Recorded on 25-Feb-2014 at 10.35.39 (1$PD(V9W05811270).WAV") fez uma descrição do procedimento geral implementado na R. para a autorização de faltas dos seus funcionários;
c) Quando questionado directamente sobre se o A. teria feito pedidos para faltar no âmbito de tal procedimento, a testemunha afirmou não o saber (a 5m23s da mesma gravação), resposta que repetiu quando perguntado sobre se o A. teria faltado sem o consentimento da R. (a 6m25s da mesma gravação);
d) Levando a que se considere errado o julgamento que o Tribunal a quo proferiu sobre o ponto 21) da matéria de facto;
e) Face a todo o exposto, pela reapreciação da prova constante dos autos, nomeadamente do depoimento prestado pela testemunha C, gravado nos ficheiros acima identificados, deverá ser alterada a resposta ao facto contido no ponto 21) da matéria de facto provada, julgando-se aquele não provado, com as devidas consequências quanto aos pedidos formulados pelo A.;
f) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
g) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
h) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
i) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
j) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
k) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3° e 9°;
l) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
m) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
n) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaramnos como "contratos de prestação de serviços";
o) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.;
p) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
q) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
r) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contra prestação de obrigações;
s) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
t) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
u) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
v) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
w) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
x) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400°/2 do Código Civil (princípio res inter alias acta, aliis neque nacet neque prodest);
y) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
z) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
aa) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
bb) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
cc) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400°/2 e 437º do Código Civil;
dd) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initia ao A. para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
ee) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
ff) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário;
gg) Por outra lado, quanto ao regime previsto nos Contratos para o cálculo da remuneração do trabalho extraordinário, deverá entender-se que o mesmo remete para o art. 11°/2 do Decreto-Lei n° 24/89/M, em cujo art. 11°/2, o qual deixa ao critério das partes o ajuste, em sede de contrato individual de trabalho, dos termos dessa remuneração;
hh) Cabia pois ao A. alegar os termos desse ajuste contratual, o que não fez;
ii) Como tal, conclui-se que o A. não demonstrou ser-lhe devida qualquer quantia adicional às que, como ficou provado nos pontos 18) e 20), lhe foram oportunamente pagas pela R. como remuneração do trabalho extraordinário prestado;
jj) Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal recorrido violou o art. 228°/1 do Código Civil;
kk) Do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
ll) Por outro lado, como se viu supra, considera a R. que o A. não provou jamais ter faltado ao trabalho sem justificação ou autorização;
mm) E ainda que o tivesse feito, tal prova não seria de molde a demonstrar o número de dias de trabalho efectivo que prestou;
nn) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade;
oo) Assim sucederá também pela procedência da reapreciação requerida quanto ao ponto 21) da matéria de facto, por falta de suporte factual susceptível de integrar o direito do A. a perceber tal subsídio;
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O Autor respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 586 a 596, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (A)
2. Desde 1994, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)
3. Desde 1994, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviços»; n.º 02/94, em 03/01/1994; n.º 29/94, em 11/05/1994; n.º 45/94, em 27/12/1994. (C)
4. Os «contratos de prestação de serviço» referidos na alínea C) dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de «recrutamento e cedência de trabalhadores»; de «despesas relativas à admissão dos trabalhadores»; à «remuneração dos trabalhadores»; ao «horário de trabalho e alojamento»; aos deveres de «assistência»; aos «deveres dos trabalhadores»; às «causas de cessação do contrato e repatriamento»; a «outras obrigações da Ré»; à «provisoriedade»; ao «repatriamento»; ao «prazo do contrato» e às «disposições finais», dos trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente cedidos à Ré. (D)
5. Entre 01/06/1994 e 31/05/2002, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de "guarda de segurança". (E)
6. Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (F)
7. Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (G)
8. Durante todo o período de tempo referido em E), foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (H)
9. O Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. ao abrigo do Contrato de prestação de serviços n.º 29/94. (I)
10. Ao abrigo do Contrato de prestação de serviços n.º 29/94, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, teria o direito a auferir, no mínimo, Mop$90.00 diárias, acrescidas de Mop$15.00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade "igual ao salário de quatro dias", sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (J)
11. A relação de trabalho entre a Ré e o Autor cessou em 31 de Maio de 2002, por iniciativa da Ré. (K)
12. Na sequência do facto mencionado na alínea I) dos Factos Assentes, o Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré. (1º)
13. Entre Junho de 1995 e Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a quantia mensal de Mop$1,500.00. (2º)
14. Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia mensal de Mop$l,700.00. (3º)
15. Entre Julho de 1997 e Março 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia mensal de Mop$1,800.00. (4º)
16. Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2002, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia mensal de Mop$2,000.00. (5º)
17. Entre 01 de Junho de 1995 e 30 de Junho de 1997, o Autor fez 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (6º)
18. Durante aquele período de tempo, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de Mop$8.00, por hora. (7º)
19. Entre 01 de Julho de 1997 e 31 de Maio de 2002, o Autor fez 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (8º)
20. Durante aquele período de tempo, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de Mop$9.30, por hora. (9º)
21. Durante toda a relação entre a Ré e o Autor, nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho. (10º)
22. Durante toda a relação entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio de alimentação». (11º)
23. Durante toda a relação entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade». (12º)
24. Durante toda a relação mantida com a Ré, o Autor nunca gozou qualquer dia de descanso semanal. (13º)
25. O Autor auferiu da Ré a título de salário as quantias que abaixo se descriminam: (14º)
- MOP$9,968.00 em 1995;
- MOP$42,082.00 em 1996;
- MOP$49,054.00 em 1997;
- MOP$57,387.00 em 1998;
- MOP$54,369.00 em 1999;
- MOP$57,695.00 em 2000;
- MOP$55,277.00 em 2001;
- MOP$24,890.00 em 2002.
26. Em 24/05/2001 a Ré celebrou com a Sociedade o contrato de prestação de serviços n.º 14/1, aprovado pelo Despacho n.º 1118/IMO/SEF/2001, com efeito a partir de 07 de Junho de 2001, cujo teor consta de fls. 391 e ss. (16º)
27. Por celebração dos contratos referidos em 26), a Ré e a Sociedade decidiram não mais renovar os contratos de prestação mencionado na alínea C) dos Factos Assentes. (17º)
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III – FUNDAMENTOS
A- Recurso da Ré
1. Da impugnação da matéria de facto
Foi considerado como provado o quesito 10º da Base Instrutória (facto nº 21 da sentença recorrida) nos seguintes termos:
“Durante toda a relação entre a Ré e o Autor, nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho?”
Na óptica da Ré, não existe prova suficiente para o efeito, uma vez que a testemunha inquirida limitou-se a fazer uma descrição do procedimento geral implementado na sociedade para a autorização de falta dos seus funcionários, sem conhecimento directo da situação concreta do Autor.
Ouvida novamente a gravação da audiência de julgamento, não cremos que a Ré tenha razão.
Em primeiro lugar, a testemunha ouvida foi colega do Autor, que chegou a trabalhar nas mesmas condições daquele, daí que os seus depoimentos não deixarão de ser credíveis.
Em segundo lugar, não obstante cada caso ser um caso autónomo, já temos vários processos congéneres, pelo que o Tribunal já não está alheio quanto à política interna da Ré respeitante à forma de prestação de trabalho dos seus guardas de segurança ao longo dos anos anteriores.
A posição da Ré não deixa de ser um “ataque” infundado à livre convicção do julgador.
Improcede, portanto, esta parte do recurso.
2. Da imperatividade do Despacho nº 12/GM/88 e da natureza dos Contratos de Prestação de Serviço
Sobre as questões em causa, este Tribunal já se pronunciou de forma reiterada e unânime em vários processos do mesmo género (a título exemplificativo: cfr. Procs. nºs 722/2010, 876/2010, 805/2010, 837/2010, 574/2010, 774/2010, 838/2010, 396/2012 e 322/2013, de 07/07/2011, 02/06/2011, 30/06/2011, 16/06/2011, 12/05/2011, 19/05/2011, 16/06/2011, 13/09/2012 e 25/07/2013, respectivamente), tendo concluído pela improcedência dos referidos argumentos do recurso.
Com a devida vénia e a propósito de situações iguais às que ora nos ocupam, consideramos aqui por reproduzidos os fundamentos já exarados nos arestos acima referidos, dispensando-se da respectiva transcrição, por ser uma jurisprudência já bem conhecida, especialmente por parte da Ré.
3. Das diferenças salariais e do trabalho extraordinário
Com a improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto e dos argumentos do recurso referidos no ponto 2, não temos qualquer margem de dúvida em afirmar que o Autor tem direito a receber da Ré as quantias condenadas àqueles títulos.
4. Do subsídio de alimentação
Para além de invocar a ineficácia do Despacho nº 12/GM/88 e dos Contratos de Prestação de Serviço para atribuir ao Autor o direito a este subsídio (matéria esta que já foi julgada improcedente nos termos anteriores), invoca ainda a Ré que o referido subsídio carece de uma efectividade de serviço, pelo que não estando provados os dias em que o trabalho foi efectivamente prestado, não podia a sentença tê-la condenado no pagamento de todos os dias por que durou a relação laboral.
Sobre esta questão, este Tribunal tem entendido em processos congéneres no sentido de que a atribuição do referido subsídio depende da prestação efectiva do serviço (cfr. Ac. do TSI, de 25/07/2013, Proc. nº 322/2013).
No caso em apreço, não se sabe o número de dias de trabalho efectivo, mas isto não determina a absolvição da Ré tal como é pretendida, uma vez que não temos qualquer dúvida de que a Ré tem a obrigação de pagar, só que não sabemos, por falta de elementos nos autos, qual a sua quantia exacta.
Nesta conformidade e tendo em conta o disposto do nº 2 do artº 564º do CPCM, ex vi do artº 1º do CPT, a Ré deve ser condenada no que se liquidar em execução da sentença.
5. Do subsídio de efectividade
Entende a Ré que o Tribunal a quo não a podia ter condenado no pagamento do mesmo pelas seguintes razões:
- ineficácia do Despacho nº 12/GM/88 e dos Contratos de Prestação de Serviço para atribuir ao Autor o direito a este subsídio;
- falta de suporte factual susceptível de integrar o direito do Autor a perceber tal subsídio, como consequência da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto; e
- por o Autor ter dado faltas, ainda que justificadas e autorizadas.
Para os primeiros dois argumentos, decidimos já que os mesmos são improcedentes nos termos invocados anteriormente.
Em relação ao último fundamento, é já jurisprudência assente ao nível deste TSI, no sentido de que a sua atribuição não está excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho.
Pois, “se o patrão autoriza uma falta seria forçado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade.” (cfr. Ac. do TSI, de 25/07/2013, Proc. nº 322/2013)
Ora, tendo sido dado como provado que o Autor nunca, sem conhecimento e autorização prévia da Ré, deu qualquer falta ao trabalho, andou bem o Tribunal a quo em reconhecer a sua atribuição.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.
B- Recurso do Autor
O Autor, com recurso à jurisprudência unânime deste Tribunal, defende que tem o direito de receber o dobro da quantia condenada para além do singelo já recebido.
Quanto a esta questão, considerando que se trata de matéria mais do que analisada e decidida por este TSI, vamo-nos remeter para a Jurisprudência unânime deste Tribunal no sentido de que o trabalhador tem o direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da remuneração correspondente, para além do singelo já recebido.
O Autor peticionou para o efeito a quantia de MOP$96,944.00, com base no cálculo do salário diário resultante da média do salário anual de cada ano, que difere do cálculo utilizado na sentença recorrida, o qual foi feito com base no salário diário de MOP$90 patacas para o período entre Junho de 1994 e 6 de Junho de 2001, e MOP$66.66 para o período entre 7 de Junho de 2001 a Maio de 2002.
Não ignoramos foi provado que o Autor auferiu da Ré a título de salário as quantias que abaixo se descriminam:
- MOP$9,968.00 em 1995;
- MOP$42,082.00 em 1996;
- MOP$49,054.00 em 1997;
- MOP$57,387.00 em 1998;
- MOP$54,369.00 em 1999;
- MOP$57,695.00 em 2000;
- MOP$55,277.00 em 2001;
- MOP$24,890.00 em 2002.
Contudo, não entendemos que o seu salário diário deveria resultar da média do rendimento anual.
Vejamos a sua razão de ser.
Em primeiro lugar, ficou provado que antes de 06/06/2001, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços nº 29/94, o Autor tinha o direito a auferir o salário diário MOP$90.00 (facto nº 10 da sentença recorrida) e a partir daquela data, ou seja, 07/06/2001, o seu salário diário era de MOP$66.66 (MOP$2,000.00/30) nos termos do Contrato de Prestação de Serviços nº 14/1 (facto nº 26 da sentença recorrida)
Aliás, as quantias peticionadas pelo próprio Autor a título de diferenças salariais também foram calculadas com base no salário diário de MOP$90.00 (cfr. artºs 55º a 69 da petição inicial).
Por outro lado, a sentença recorrida entendeu que “nenhuma diferença salarial há a reclamar” a partir de 06/06/2001, em virtude de que já auferia o salário previsto no Contrato de Prestação de Serviços nº 14/1.
O Autor não impugnou a sentença a quo nesta parte, ou seja, conformou-se que o seu salário diário até 06/06/2001 era de MOP$90.00 e entre 07/06/2001 e 31/05/2002 era de MOP$66.66.
Nesta conformidade, devem utilizados os referidos valores para o cálculo da compensação do não gozo dos dias de descanso semanal.
Assim, o Autor tem o direito de receber a quantia de MOP$63,139.32, não a de MOP$96,944.00.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- conceder parcial provimento ao recurso da Ré, revogando a sentença na parte em que condenou a recorrente a pagar ao autor a quantia de MOP$32,970.00, a título de subsídio de alimentação, passando a condenar a Ré a pagar ao Autor o montante que vier a liquidar-se em execução de sentença;
- conceder provimento parcial ao recurso do Autor, revogando a sentença recorrida na parte correspondente, e, em consequência, fica a Ré condenada a pagar ao Autor, a título da compensação da prestação do trabalho nos dias de descanso semanal, a quantia de MOP$63,139.32, com juros de mora a partir da data do presente aresto; e
- confirmar a sentença na parte restante.
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Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido ao Autor.
Notifique e D.N.
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RAEM, aos 23 de Outubro de 2014.
(Relator)
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
Vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, conforme as declarações de voto vencido dadas anteriormente em processos congéneres.
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379/2014