打印全文
Processo nº 768/2014
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença de 07.10.2014 do Mmo Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar A, com os sinais dos autos, como autora material da prática de 2 crimes de “injúria” (agravada), p. e p. pelos art°s 175°, n.° 1, 178° e 129°, n° 2, al. h) do C.P.M., na pena de 2 meses de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 meses de prisão; (cfr., fls. 134 a 137-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para, em síntese, assacar à decisão recorrida o vício de “contradição insanável da fundamentação”; (cfr., fls. 155 a 157-v).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso merece provimento; (cfr., fls. 155 a 157-v).

*

Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na douta sentença recorrida (fls. 134 a 137 verso), o MM° Juiz a quo referiu o facto provado do antecedente criminal traduzido na prática dum crime de tráfico ilícito de droga, que tinha sido condenada no Processo n.° CR1-09-0179-PCC. Tal facto contradiz frontalmente com a afirmação de «o arguido é primário».
No primeiro parágrafo de fls. 6 dessa sentença, o MM° Juiz a quo asseverou peremptoriamente: o Tribunal acha que a pena não privativa da liberdade realiza, adequada e suficientemente, a finalidade da pena (法院認為非剝奪自由的形罰已適當及足以實現形罰的目的).
Ora, tal asseveração está na directa contradição com a enunciação de «本法院認為,對該事實作出譴責,及以監禁作出威嚇不足以及不適當地達至形罰的目的,故須實際執行上述刑罰。» (Entende o Tribunal que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não é suficiente nem adequada para realizar as finalidades da pena)
Salvo respeito pela melhor opinião em sentido contrário, afigura-se-nos insanável as apontadas duas contradições da fundamentação, nomeadamente a segunda, por não se mostrarem ultrapassável ou superável mediante a interpretação.
No dia 01/12/2014 terminará o cumprimento da pena imposta ao arguido/recorrente no mencionado n.° CR1-09-0179-PCC. A moldura pena conagrada nos arts. 175° e 178° do Código Penal de Macau não consente a aplicação in casu das medidas de coacção previstas nos arts. 183° a 186° do CPP. E é razoavelmente previsível que o arguido/recorrente precisará de pagar indemnização.
Assim, e por cautela, promove-se que se apliquem as medidas de coacção do TIR e a prestação da caução idónea ao arguido/recorrente.
Por todo o exposto supra, propendemos pelo provimento do recurso em apreço, e promovendo desde já a aplicação das medidas de coacção acima aludida”; (cfr., fls. 171 a 171-v).

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 134 a 135-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Como resulta do que se deixou relatado, vem a arguida dos autos recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que a condenou como autora material da prática de 2 crimes de “injúria” (agravada), p. e p. pelos art°s 175°, n.° 1, 178° e 129°, n° 2, al. h) do C.P.M., na pena de 2 meses de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 meses de prisão.

Diz, em síntese, que a mesma decisão padece do vício de “contradição insanável da fundamentação” do art. 400°, n.° 2, al. b) do C.P.P.M..

Vejamos.

Como repetidamente temos considerado, o vício de contradição insanável da fundamentação (apenas) existe quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 24.10.2013, Proc. n° 645/2013, e mais recentemente de 20.03.2014, Proc. n.° 67/2014).

No caso entende a recorrente que o dito vício existe por “dois motivos”.

O primeiro, porque não obstante ter o Tribunal a quo dado como provado que a arguida já tinha sofrido “anteriores condenações”, acabou por a considerar “primária”.

O segundo, dado que após considerar que “suficiente era uma pena não privativa da liberdade”, acaba por entender que esta “não era adequada”.

Ora, em parte, tem a recorrente razão.

Vejamos.

Pois bem, em relação aos “antecedentes criminais” da ora recorrente, é evidente que a mesma não é “primária”, pois que, neste momento, encontra-se a cumprir, no E.P.M., os últimos dias da pena de prisão aplicada pela prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, notando-se, assim que os crimes dos autos foram cometidos quando se encontrava em reclusão, tendo como ofendidos, duas guardas do referido E.P.M., sendo, desta forma, de se considerar tal referência como “lapso manifesto”, a cuja correcção agora se procede, (cfr., art. 361° do C.P.P.M.).

Quanto à “espécie da pena”, evidente é que o Mmo Juiz a quo entrou em “contradição”.

Porém, convém notar, tal “contradição” não é aquela a que diz respeito o art. 400°, n.° 2, al. b) do C.P.P.M., (“contradição insanável de fundamentação”), como alega a ora recorrente, já que este vício, como temos entendido, é um vício “próprio” da “decisão da matéria de facto”, não sendo o caso dos autos, visto que o mesmo ocorre em sede de ponderação para a aplicação da pena, constituindo assim, um “erro (de raciocínio na aplicação) de(o) direito”.

Dest’arte, e certo sendo que não obstante o que consignou, acabou o Tribunal a quo por decidir, aplicando à arguida as penas parcelares e única que atrás se deixaram explicitadas, que, seja como for, se nos apresentam em total sintonia com os critérios para a determinação das penas estatuídos nos art°s 40°, 65° e 71°, todos do C.P.M., (notando-se também que nem a recorrente sindica a medida das ditas penas), mostrando-se, desta forma, e atenta a moldura penal aplicável, de se confirmar o decidido.

Com efeito, a assacada “contradição” acaba por constituir um “defeito” da decisão recorrida que, dada a sua natureza e efeitos, e fixados estando todos os factos, (e não merecendo estes qualquer censura), viabiliza que este T.S.I. aprecie a decisão de mérito proferida.

Nesta conformidade, considerando que os crimes aqui em questão foram cometidos em pleno período de cumprimento da pena da ora recorrente, o que demonstra que fortes são as necessidades de prevenção especial, a justificar, quanto a nós, plenamente a opção pela “pena não privativa da liberdade” assim como na sua medida, censura não merece o assim decidido pelo Tribunal a quo.


–– Quanto às “medidas de coacção” propostas pelo Ilustre Procurador Adjunto.

Como se vê do expediente do T.J.B. que se acabou de juntar aos autos, a partir do dia 01.12.2014 passará a ora recorrente a estar à ordem do Proc. n.° CR1-14-0150-PCC, no qual já se lhe decretou a medida de coacção de prisão preventiva, sendo (também) assim, supervenientemente inútil a questão.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente o recurso, confirmando-se, com outros fundamentos, a decisão recorrida.

Pelo seu decaimento, pagará a arguida recorrente a taxa de justiça de 2 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Macau, aos 25 de Novembro de 2014

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

Proc. 768/2014 Pág. 10

Proc. 768/2014 Pág. 9