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Proc. nº 283/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, do sexo masculino, casado, de nacionalidade chinesa, titular do passaporte da China n.º G5XXXXX15, emitido no dia 13 de Dezembro de 2011 pelo Departamento de Migração do Ministério de Segurança Pública de Xangai da RPC, residente em XX n.º XX, XXº andar, Cidade de XX, Província de XX (XX省XX市XX區XX路XX號XX樓),
Recorreu do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, que indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência por investimento em imóveis, com fundamento em «…ao pedir a renovação de autorização de residência temporária, o requerente ocultou o facto de ter-se divorciado de B, prestou declaração falsa e dissimulou o estado civil, a fim de ajudar B a obter a autorização de residência temporária, o que constitui a existência de fortes indícios de crime previstos no art.º 9.º n.º 2 alínea 1) da Lei n.º 4/2003, subsidiariamente aplicada nos termos do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M, e resulta em inexistência de pressuposto de concessão de autorização de residência ao requerente.
(…) Pelo exposto, em face dos factos aludidos, o requerente é susceptível de prestar declaração falsa e dissimular o estado civil, a fim de ajudar outrem a obter a autorização de residência temporária, propõe-se que seja indeferido o pedido de renovação de autorização de residência do requerente A e dos membros do seu agregado familiar, nos termos do art.º 9.º n.º 2 alínea 1) e do art.º 4.º n.º 2 da Lei n.º 4/2003, subsidiariamente aplicada nos termos do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M.» (destaque nosso)
Face ao documento de fls. 64/65, tomou este tribunal conhecimento de que contra o recorrente foi deduzida acusação em processo-crime, pelo qual acabou, inclusive, por já ter sido julgado (cota de fls. 118, tendo da decisão respectiva por ele sido interposto recurso jurisdicional para o TSI).
Ora, face a esta matéria, o TSI decidiu suspender o andamento dos presentes autos, nos termos do despacho de fls. 86 vº, os quais aqui damos por integralmente reproduzidos.
Vem agora a entidade recorrida reclamar, considerando que, juridicamente, a situação do recorrente era a de divorciado quando formulou o pedido de renovação de residência e que, por isso, está indiciada a prática de crime de falsas declarações quando declarou, no respectivo requerimento, que era casado (cfr. fls. 93 a 95 dos autos; tradução a fls. 120-124 do apenso “traduções”).
A esta reclamação respondeu o recorrente, defendendo a suspensão dos autos de recurso contencioso.
O digno Magistrado do MP também se pronuncia pelo indeferimento da reclamação.
***
Apreciando.
O despacho reclamando tem o seguinte teor:
«Fls. 61-63: Faz todo o sentido que os presentes autos aguardem pelo resultado do processo-crime, face á eventualidade de uma decisão absolutória, com os efeitos plasmados no art. 579º do CPC e, consequentemente, com os reflexos que ela pode ter no âmbito do recurso contencioso, particularmente em relação ao erro sobre os pressupostos de facto.
Assim, determino a suspensão dos autos até que esteja findo, com decisão transitada em julgado, o processo-crime instaurado contra o ora recorrente, nos termos do art. 220º, nº1, al. d) e 223º do CPC.
Notifique”
.
Oficie ao TJB perguntando pelo estado actual do processo-crime em que é arguido o aqui recorrente».
*
Efectivamente, o recorrente A contraiu casamento no interior da República Popular da China com B no dia 15/12/1989, de quem se divorciou em 21/04/2007, perante a Conservatória de Registo de Casamento do Instituto para os Assuntos Cívicos da Nova Região de Pudong, em Shangai.
Verdade que no dia 3/02/2009 o recorrente pediu a concessão de residência temporária na RAEM, invocando ser titular de um documento da Gâmbia, com fundamento na aquisição de uma fracção em Macau no valor de HK$ 2.931.000,00, pedindo a extensão da residência à mulher de nome B (fls. 88-92, do apenso “traduções”).
Este requerimento foi apresentado por intermédio de procurador, de nome C.
Ora, ainda que de um certo ponto de vista possa não interessar se o requerente estava ou não incurso num crime de falsas declarações sobre identidade, tal como dele foi acusado, por outro lado pode este crime não vir a dar-se como provado (temos que admiti-lo). E então, não valerá a pena apelar ao critério do art. do nº 2, al. 3), do art. 4º da Lei e art. 9º, nº 2, al. 1), ambos da Lei nº 4/2003 (“antecedentes criminais” e “qualquer das circunstâncias referidas no art. 4º da citada lei”, especificamente a dos “fortes indícios” da prática de um crime ou da preparação para a sua prática), se não se vier a provar que não cometeu nenhum ilícito criminal, nem sequer se preparou para o cometer.
Pensamos que a existência de simples indícios poderá não ser eficaz e operativa se o tribunal competente apurar que os factos ocorridos não materializaram, efectivamente, a prática de um crime. E assim, se o processo-crime vier a registar uma decisão absolutória, tal constituirá presunção legal da inexistência dos factos (art. 579º, nº1, do CPC), ao passo que a decisão penal condenatória funcionará como presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição.
Quando o relator despachou a suspensão, fê-lo de maneira a que o processo pudesse estar dotado de todos os elementos necessários à boa decisão. A intenção foi garantir a solução mais acertada, no âmbito da ponderação que é necessário efectuar em presença do mais alargado leque de factos e segundo as várias soluções plausíveis de direito (cfr. 430º, nº1, do CPC).
Portanto, o que fez foi, por razões de prudência e bom senso, aguardar pelo resultado do processo-crime de maneira a, só então, extrair todas as consequências possíveis que a sentença crime pode desencadear no recurso contencioso no plano da decisão final. O relator não se pronunciou sobre o efeito necessário da sentença crime, nem podia fazê-lo, uma vez que o despacho foi meramente preventivo e cautelar. O juiz relator não se podia comprometer nesta fase com nenhuma solução. Tem que estar aberto a todas.
Saber se o resultado da sentença terá influência ou não – mesmo em caso de absolvição do arguido – é questão que só afinal poderá ser conhecida de meritis.
São, pois, estas razões de maior proximidade à certeza e segurança jurídicas que aconselham a suspensão dos autos, sendo até provável que, face ao recurso interposto já da sentença condenatória, o desfecho desse processo não esteja demorado.
Achámos preferível perder algum tempo na espera, que depois se ganhará com a obtenção de dados mais precisos acerca desta factualidade, para o que a sentença penal pode constituir um precioso auxílio, nomeadamente para nos inteirarmos acerca do vício do erro sobre os pressupostos de facto que, clara ou implicitamente, tenha sido invocado.
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Decidindo
Nos termos expostos, acordam em indeferir a reclamação e manter o despacho reclamado.
Sem custas
TSI, 20 de Novembro de 2014
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José Cândido de Pinho Vitor Manuel Carvalho Coelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)

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Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)




283/2013-Reclamação 7