Processo nº 47/2014
(Autos de recurso civil)
Data: 20/Novembro/2014
Assuntos: Acção de regresso
Acção não contestada
Confissão de factos
SUMÁRIO
- Numa acção em que os Réus foram citados pessoalmente mas não ofereceram contestação, consideram-se confessados todos os factos articulados pela Autora na sua petição inicial.
- Na acção de regresso prevista na alínea c) do artigo 16º do Decreto-Lei nº 57/94/M, de 28/Nov, tendo os Réus confessado que a Autora, na qualidade de seguradora do veículo segurado, sofreu danos por ter efectuado o pagamento das despesas de reparação e exame dos veículos envolvidos no acidente, e que os tais prejuízos resultaram do acidente, o 2º Réu, ora condutor do veículo segurado, deve ser responsabilizado pelo reembolso dessas despesas à Autora.
- Sendo o 2º Réu empregado do 1º Réu, e que estando aquele a agir no interesse e sob as ordens deste na altura do acidente, sobre o 1º Réu também impendia a obrigação de reembolsar à Autora das despesas gastas em reparação e exame dos veículos envolvidos no acidente, dada a existência duma relação de comitente-comissário.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 47/2014
(Autos de recurso civil)
Data: 20/Novembro/2014
Recorrente:
- Companhia de Seguros A Limitada (Autora)
Recorridos:
- B e C (Réus)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Companhia de Seguros A Limitada (Autora), melhor identificada nos autos, intentou uma acção declarativa sob a forma ordinária junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM, pedindo a condenação de B e C (Réus) no pagamento da quantia de MOP$75.550,00, acrescida de juros de mora legais a contar de citação até integral pagamento.
Citados os Réus, não apresentaram contestação.
Em consequência, foram considerados confessados os factos articulados pela Autora, e conclusos os autos ao Juiz Presidente do Colectivo para prolação da sentença, foi a acção julgada improcedente.
Inconformada com a sentença, dela interpôs a Autora o presente recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. O artigo 16º do DL n.º 57/94/M de 28 de Novembro estipula que a seguradora tem direito de regresso contra o condutor se este tiver agido sob a influência do álcool.
2. A douta sentença considerou provada a existência do facto ilícito consubstanciado na violação do direito de propriedade por parte do 2º R. sem qualquer causa justificativa para tal e aceitou igualmente tratar-se de um facto culposo por parte do 2º R.
3. Todavia não considerou ter sido feita prova dos danos causados pelo acidente e de que o montante dispendido pela seguradora, ora recorrente, o tenha sido em virtude da reparação destes danos nos veículos.
4. A recorrente considera, pelo contrário que, tendo sido efectuadas inspecções e estudos de viabilidade de reparação por uma empresa especializada em investigação de acidentes, a qual analisou quais os danos sofridos nos veículos em consequência do acidente e qual o montante adequado para os reparar será de concluir que os danos cuja reparação foi custeada pela companhia de seguros, ora recorrente, foram apenas aqueles originados por este acidente de viação.
5. De facto, encontra-se provado que o embate ocorrido entre os dois veículos foi um embate de frente e violento, donde ser evidente concluir que esses veículos ficaram danificados.
6. Face à ausência de qualquer contestação por parte dos RR., quer quanto às circunstâncias em que ocorreu o acidente de viação, quer quanto à existência de danos nos veículos envolvidos, quer ainda quanto aos montantes pagos pela recorrente para os reparar, estes factos consideram-se, de acordo com o disposto no artigo 405º do C.P.C., reconhecidos por estes, pelo que não poderá agora, em sede de decisão final, a Meritíssima Juíza considerar que “não se consegue saber se os prejuízos alegados pela Autora eram para reparar as partes danificadas no acidente” e se verifica ou não nexo de causalidade entre as despesas indicadas pela recorrente como tendo sido efectuadas para reparar os danos do acidente e o facto ilícito praticado pelo 2º R.
7. Na verdade, com a ausência total de contestação todos os factos alegados pela recorrente (e dentro destes a alegação de que a A. pagou todos os prejuízos causados pelo acidente e o seu respectivo montante devidamente comprovado documentalmente) se consideram provados.
Conclui, pedindo que se julgue procedente o recurso, e condenando-se os Réus a reembolsar todas as despesas efectuadas pela Autora em consequência do acidente de viação, acrescidas dos respectivos juros.
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Notificados os Réus, não ofereceram contra-alegações.
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
A Autora exerce a indústria de seguros.
No exercício da sua actividade, a Autora celebrou com o 1º Réu, B, um contrato de seguro do ramo automóvel, referente ao veículo automóvel pesado para transporte de mercadorias de matrícula MN-46-XX, através do qual este, transferiu para a Autora a responsabilidade civil perante terceiros emergente da circulação daquele veículo até ao limite de MOP$1.500.000,00, contrato que foi titulado pela apólice nº 00073005.
No dia 7 de Abril de 2010, o 2º Réu conduzia o veículo automóvel de matrícula MN-46-XX, pela Estrada Nordeste da Taipa, ao serviço e sob o interesse do 1º Réu.
Em virtude da má condução que efectuava, devido ao excesso de álcool que possuía no sangue, que após exame próprio e adequado correspondeu a uma taxa de alcoolemia de 1,52g/l, o 2º Réu atravessou a faixa de rodagem onde circulava, passando para a faixa de rodagem de sentido oposto.
Embatendo de frente, violentamente, contra o veículo ligeiro de marca Honda com o número de matrícula MM-77-XX que circulava em sentido contrário, na faixa respectiva.
Provocando por consequência, o embate deste veículo de marca Honda com um terceiro veículo, de marca Toyota e matrícula MM-96-XX, que também vinha a circular em sentido contrário, na faixa de rodagem oposta à do veículo segurado.
Do sinistro, não resultaram feridos graves.
O acidente deveu-se, única e exclusivamente, à má condução do veículo segurado, o qual por actuar sob o efeito de álcool conduzia de forma inabilitada e desatenta, colocando em perigo todos os que circulavam na faixa de rodagem.
Foi transferida para a Autora a responsabilidade civil perante terceiros, emergente da circulação daquele veículo até ao limite de MOP$1.500.000,00.
A Autora pagou o montante total de MOP$75.550,00 que em seguida se discrimina:
* MOP$47.250,00 - o custo de reparação do veículo MM-77-XX;
* MOP$850,00 – o custo de exame de viabilidade de reparação do mesmo;
* MOP$26.800,00 – o custo de reparação do veículo MM-96-XX;
* MOP$650,00 – o custo de exame de viabilidade de reparação do mesmo.
O 2º Réu era empregado do 1º Réu e estava a agir no interesse e sob as ordens deste na altura do acidente.
A Autora já interpelou, por múltiplas vezes, sem qualquer resultado, os Réus para que estes efectuassem o ressarcimento do montante acima referido à Autora.
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Pretendia a Autora exercer contra os Réus o direito de regresso previsto na alínea c) do artigo 16º do Decreto-Lei nº 57/94/M, de 28/Nov.
Entendeu a primeira instância que não se encontravam preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, mais precisamente, não se conseguiu concluir que houve danos nem nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos, pelo que julgou a acção improcedente.
A recorrente insurge-se contra esta decisão.
Vejamos.
Está bom de ver que os Réus foram citados pessoalmente para a acção mas não ofereceram contestação, daí que se consideraram confessados todos os factos articulados pela Autora na sua petição inicial.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, no que se refere aos danos, muito embora não tenha a Autora discriminado de forma concreta e minuciosa quais foram as partes dos veículos atingidas no acidente, entendemos ser suficiente a mera alegação dos prejuízos sofridos pela Autora, ou seja, basta-nos elencar as quantias pecuniárias despendidas em reparações e exames dos veículos envolvidos no acidente.
Nestes termos, não se vislumbra ter havido falta de alegação de danos, pelo simples facto de que resulta da matéria provada que a Autora efectuou o pagamento do custo de reparação dos veículos envolvidos no acidente, que ascendeu a MOP$47.250,00 e MOP$26.800,00, e do custo de exame de viabilidade de reparação dos mesmos, que correspondeu a MOP$850,00 e MOP$650,00.
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Por outro lado, importa ainda saber se os referidos danos foram causados pelo facto ilícito praticado pelo condutor do veículo segurado ora 2º Réu, isto é, se houve nexo de causalidade entre o facto praticado por este Réu e os danos provocados.
A sentença recorrida decidiu que houve falta do nexo de causalidade, uma vez que considerou que a afirmação “A Autora pagou todos os prejuízos resultantes do acidente” é conclusiva, entendendo que a Autora deveria alegar as circunstâncias em que os dois veículos envolvidos no acidente ficaram danificados, quais foram as partes atingidas, que tipo de reparação foi necessário, etc.
Salvo o devido respeito por diferente opinião, não perfilhamos o mesmo entendimento, por se nos afigurar que a tal afirmação é um facto e não uma mera conclusão.
Como acima se aludiu, está provado que a Autora, na qualidade de seguradora do veículo segurado, sofreu danos por ter efectuado o pagamento das despesas de reparação e exame dos veículos envolvidos no acidente.
E segundo alega a Autora, os tais prejuízos resultaram do acidente.
Para já, é um facto confessado pelos Réus por não ter sido impugnado pelos mesmos.
Por outro lado, resulta dos factos provados que o acidente aconteceu da seguinte forma:
- Em virtude da má condução que efectuava, devido ao excesso de álcool que possuía no sangue, que após exame próprio e adequado correspondeu a uma taxa de alcoolemia de 1,52g/l, o 2º Réu atravessou a faixa de rodagem onde circulava, passando para a faixa de rodagem de sentido oposto.
- Embatendo de frente, violentamente, contra o veículo ligeiro de marca Honda com o número de matrícula MM-77-XX que circulava em sentido contrário, na faixa respectiva.
- Provocando por consequência, o embate deste veículo de marca Honda com um terceiro veículo, de marca Toyota e matrícula MM-96-XX, que também vinha a circular em sentido contrário, na faixa de rodagem oposta à do veículo segurado.
A nosso ver, atentas as circunstâncias em que ocorreu acidente, de certo modo podemos inferir que os prejuízos alegados e comprovados pela Autora foram causados pelo acidente.
Finalmente, não podemos ainda deixar de assinalar que, de acordo com as regras de experiência comum, era pouco provável que as companhias de seguros estariam dispostos a efectuar o pagamento de danos causados nos veículos em consequência de acidentes de viação se não se reunissem elementos probatórios suficientes para os mesmos efeitos, mais precisamente, os danos sofridos nos veículos normalmente só seriam pagos pelas companhias de seguros se tivessem sido efectuadas devida e oportunamente inspecções e estudos de viabilidade de reparação por alguma empresa especializada em investigação de acidentes, a qual analisaria quais os danos sofridos nos veículos em consequência do acidente e qual o montante adequado para os reparar.
Aqui chegados, entendemos que, estando preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual, não podemos deixar de concluir que o 2º Réu deve ser responsabilizado pelo reembolso à Autora das despesas despendidas em reparação e exame dos veículos envolvidos no respectivo acidente de viação, no montante global de MOP$75.550,00.
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Apurada a responsabilidade do condutor do veículo segurado ora 2º Réu pelo reembolso da quantia peticionada, vamos agora apreciar se o 1º Réu também terá que assumir alguma responsabilidade para com a Autora.
No vertente caso, provado está que o 2º Réu era empregado do 1º Réu, e que aquele estava a agir no interesse e sob as ordens deste na altura do acidente.
Preceitua-se nos termos do artigo 493º, nº 1 do Código Civil que “aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar”.
Por sua vez, dispõe o nº 1 do artigo 500º do mesmo Código que “se a responsabilidade pelo risco recair sobre várias pessoas, todas respondem solidariamente pelos danos, mesmo que haja culpa de alguma ou algumas”.
De acordo com os factos provados e as disposições legais acabadas de citar, não se vislumbra margem para dúvidas que sobre o 1º Réu também impendia a obrigação de reembolsar à Autora das despesas gastas em reparação e exame dos veículos envolvidos no acidente, dada a existência duma relação de comitente-comissário.
Tudo para apontar que os Réus devem responder solidariamente pelo reembolso à Autora da quantia paga, no valor de MOP$75.550,00.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pela recorrente Companhia de Seguros A Limitada (Autora), revogando a sentença recorrida e, em consequência, condenando B e C (Réus) a pagar solidariamente à Autora a quantia de MOP$75.550,00, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar de citação até efectivo e integral pagamento.
Custas pelos Réus, em ambas as instâncias.
Registe e notifique.
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Macau, 20 de Novembro de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Processo 47/2014 Página 11