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Reclamação nº 7/2014


I – Relatório

No âmbito dos autos do processo contravencional laboral, registado sob o nº LB1-13-0104-LCT, que correm os seus termos no Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, de que é transgressora/demandada civil A Industries (Macau) Limitada e Demandante Civil B, foi, por despacho datado de 12JUN2014 do Exmº Juiz titular do processo, declarado extinto por prescrição o procedimento contravencional movido pelo Ministério Público contra a transgressora e determinada a notificação da demandada civil do pedido de indemnização civil para a contestação*.

Desse despacho o demandante civil interpôs o recurso ordinário para esta 2ª instância.

Por despacho da Exmª Juiz a quo, não foi admitido o recurso com fundamento na falta de legitimidade.

Notificado do despacho que não admitiu o recurso por ele interposto, vem, nos termos dos artºs 395º do CPP, ex vi do artº 115º/2 do CPT, formular a presente reclamação dizendo que:

I. Do OBJECTO DO RECURSO
1. O recurso interposto do despacho a fls. 666-669, que declarou extinta por prescrição a contravenção imputada à transgressora e mandou que se procedesse à sua notificação para, querendo, contestar o pedido de indemnização civil, està delimitado pelas seguintes conclusões:
«I. Nem a procuração outorgada pela ora Transgressora em 14 de Dezembro de 2011, nem aquela outra que outorgou em 12 de Janeiro de 2012, nem tão pouco o substabelecimento feito por um Ilustre Advogado em 27 de Julho de 2012 noutro Causídico, conferem poderes a algum dos mandatários judiciais ali constantes para representar a Transgressora nos presentes autos;
II. Assim sendo, a notificação da data para julgamento da transgressão laboral, que foi efectuada na pessoa da Ilustre Defensora Oficiosa nomeada nos presentes autos, é válida e interrompe a prescrição da transgressão laboral;
III. Não há lugar a nova notificação da Transgressora, para contestação do pedido cível, se o mesmo foi já contestado pela Defensora Oficiosa nomeada, tanto mais quando os notificandos não têm poderes para representar a Transgressora.»
2. Decorre das referidas conclusões que o objecto imediato do referido recurso é a regularidade/legalidade do mandato constante das procurações outorgadas pela Transgressora em 14 de Dezembro de 2011 e 12 de Janeiro de 2012, bem como a validade e alcance do substabelecimento de 27 de Julho de 2012.
3. Ou seja, a questão em análise não se encerra com (e na) lide contravencional laboral, produzindo também os seus efeitos no processo civil do trabalho, nomeadamente no pedido cível deduzido pelo Lesado, ora Reclamante.
4. Com efeito e salvo o devido respeito, ao contrário do que vem defendido pelo Ministério Público, a decisão recorrida não diz apenas respeito «à declaração de prescrição da contravenção», pois a mesma não só pugnou pela bondade das procurações juntas aos autos e declarou a nulidade da nomeação do defensor oficioso, como determinou mesmo nova notificação da transgressora para os termos do pedido cível, considerando assim de nenhum efeito a contestação oportunamente apresentada.
5. Crê o ora Reclamante, por conseguinte, que a referida decisão - e o recurso que dela vem interposto - respeita igualmente à parte cível e produz manifestamente efeitos no pedido cível, já que dá como bom o mandato outorgado e considera os mandatários da Transgressora devidamente constituídos.
II. DA LEGITIMIDADE DO RECLAMANTE
6. Produzindo a decisão recorrida efeitos, também, no âmbito do pedido cível deduzido pelo Lesado, já se vê que este tem interesse em agir e legitimidade para dela recorrer, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 391.° do Código do Processo Penal de Macau, que confere legitimidade à parte civil para recorrer das decisões contra ela proferidas.
7. E, que a decisão recorrida foi proferida contra os interesses do Lesado, parece não haver dúvida, pois a conclusão de que a Transgressora está/estava devidamente representada importa que se tenha por inválida a contestação tempestivamente apresentada e que esta seja novamente notificada para apresentar a sua defesa relativamente ao pedido cível.
Termos em que, ao abrigo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 395.° do CPPM, deverá a presente reclamação ser instruída com: i. as procurações e substabelecimento juntos aos autos pela Transgressora; ii. despacho de fls. 627; iii. documentos a fls. 629, 630 e 634-637; iv. decisão-sentença de fls. 666-669; v. requerimento de recurso a fls. 672 e ss.; vi. promoção-resposta do Ministério Público; e, ainda, despacho de fls. 699, requerendo-se muito respeitosamente a V. Exa. se digne admitir o recurso apresentado a fls. 672 e ss., mais revogando o despacho reclamado, com o que se fará JUSTIÇA.

II – Fundamentação

Passemos então a apreciar a reclamação.

O despacho reclamado não admitiu o recurso nos termos seguintes:

Por falta da legitimidade, pelas razões aduzidas pelo Dignº Magistrado do M. P. (que aqui demos por integralmente reproduzidas), não admitimos o recurso interposto a fls. 672 e s.s..

E as razões expostas pelo Ministério Público acolhidas pelo Exmº Juiz a quo para não admitir o recurso são o seguinte:

  Legitimidade do recorrente.
  A tramitação dos recursos em processo de trabalho está prevista nos artigos 110.° e seguintes do Código de Processo de Trabalho(CPT). Ali nenhuma norma específica existe a definir quem tem legitimidade para interpor recurso.
  Assim, nos termos do artigo 1.° do CPT teremos de recorrer, neste caso, às normas do CPPM, uma vez que está em causa um processo contravencional.
  De facto, o despacho recorrido julgou extinta, por prescrição, a contravenção imputada à transgressora, pelo que o recurso às correspondentes normas do processo penal é o adequado.
  Ora o CPPM, na parte relativa à questão da legitimidade prevê, no artigo 391.° que, além do MP, sempre, do arguido e do assistente, de decisões contra eles proferidos, têm legitimidade “a parte civil, da parte das decisões contra ela proferidas”.
  A decisão recorrida diz apenas respeito à declaração de prescrição da contravenção proferida após prévia promoção, nesse mesmo sentido, do MP.
  E não é uma decisão proferida contra o lesado, uma vez que os seus interesses continuam acautelados, pois o mesmo despacho ordenou o prosseguimento dos autos, para apreciação do pedido cível do lesado, ao ordenar a notificação da transgressora para, querendo, contestar o referido “pedido de indemnização civil”.
  Não tem assim, salvo melhor opinião, o lesado legitimidade para interpor recurso, por manifesta falta de interesse em agir, pelo que o mesmo não deve ser admitido.

Então vejamos.

Como vimos supra, a Exmª Juiz não admitiu o recurso com fundamento na falta de legitimidade para recorrer por manifesta falta de interesse em agir, uma vez que o despacho recorrido não é uma decisão contra o lesado proferida e os seus interesses continuam acautelados com o prosseguimento dos autos para a apreciação do pedido civil.

Por sua vez, a ora reclamante entende que a decisão recorrida foi proferida contra os seus interesses.

Na óptica da reclamante, sendo irregular o mandato constante das procurações juntas pela transgressora, e portanto legal a nomeação do defensor oficioso, o procedimento contravencional permanece não prescrito dada a notificação válida do defensor oficioso da data para a realização da audiência de julgamento que tem por efeito a interrupção da prescrição, e por outro lado é também válida a contestação entretanto apresentada pelo defensor oficioso, o que implica a desnecessidade da nova notificação da transgressora para a contestação e a não prescrição do procedimento contravencional.

E neste raciocínio, o demandante civil entende que o despacho recorrido, na parte que ordenou a nova notificação da transgressora para contestar de novo, foi proferido contra os seus interesses.

Para nós, o reclamante tem razão, pelo menos, neste aspecto.

Pois, se for, tal como defende o reclamante, efectivamente regular a nomeação do defensor oficioso para a representação da transgressora, nomeadamente para a contestação, a nova notificação da transgressora para apresentar de novo a contestação representa sempre um certo prejuízo para o demandante civil, uma vez que implica mais uma oportunidade para que a transgressora possa “melhorar”, “completar” ou “aperfeiçoar” a contestação entretanto apresentada e que ao demandante civil sempre causa a demora do procedimento contravencional no qual pretende ver o ressarcimento dos danos por ele sofrido com o alegado incumprimento da lei laboral por parte da transgressora.

Por outro lado, a extinção do procedimento também implica um certo prejuízo para o demandante civil, pois por força do princípio da investigação consagrado no artº 321º do CPP, ex vi do artº 380º do mesmo e do artº 89º do CPT, e se o ilícito imputado à transgressora continuar a ser julgado no processo contravencional, o demandante civil pode sempre beneficiar do poder-dever que ao tribunal incumbe de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições dos sujeitos processuais, o facto sujeito a julgamento.

Isto é, o demandante civil pode aproveitar a “boleia” para ver provados os factos que lhe são favoráveis, mesmo que não tenha cumprido devidamente o seu ónus de prova.

Assim, tem interesse em agir o ora reclamante e é de lhe reconhecer a legitimidade para recorrer do despacho que declarou extinto o procedimento contravencional e ordenou a notificação da transgressora para a contestação..

III – Decisão

Nestes termos e sem necessidade de mais considerações, ordeno que, se outro motivo não impedir, seja admitido o recurso interposto pelo ora reclamante B, por requerimento datado de 30JUN2014, a fls. 672 e s.s. dos autos principais de processo nº LB1-13-0104-LCT.

Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC:

RAEM, 28NOV2014


O presidente do TSI



Lai Kin Hong


*O despacho recorrido tem o seguinte teor:
A transgressora, a fls. 572 e ss., veio arguir a nulidade da nomeação do defensor oficioso, com o conteúdo que aqui damos por integralmente reproduzido, mas, em síntese, invocando que não havia justificação para ter sido nomeado defensor oficioso nos presentes autos, dado que havia nos autos uma procuração a favor dos seus advogados, pelo que estes deviam ter sido notificados da pendência dos presentes autos em juízo e, não o tendo sido, foi praticada assim uma nulidade, o que se declara, o que invalida igualmente a contestação apresentada a fls. 549 e ss.
  Mas invoca a transgressora a prescrição do procedimento contravencional, nos termos do disposto no art. 94.º do CPT, dado decorreram mais de dois anos entre o momento em que ocorreu a resolução do contrato de trabalho do queixoso e a correcta notificação do despacho que designa dia para a audiência.
  O Ministério Público, a fls. 601 e ss., com o fundamentos que aqui damos por integralmente reproduzidos, vem declarar assistir razão à transgressora, pois a transgressora não foi notificada de molde a permitir a interrupção do procedimento contravencional.
  O trabalhador queixoso, a fls. 612 e ss., veio opor-se à invocada prescrição do procedimento contravencional, pelas razões que aqui damos por reproduzidas, muito embora a esse respeito seja muito discutível a sua legitimidade para o efeito, pois o titular da acção contravencional é o Ministério Público, cabendo-lhe a si a vertente civil dos presentes autos, muito embora tivesse fornecido argumentos que levaram a uma indagação por parte do tribunal, de modo a aferir com rigor toda a tramitação dos presentes autos (cf. despacho de fls. 627 e a junção aos autos dos documentos de fls. 629 e 630).
  Cumpre apreciar.
  Analisados os presentes autos, constata-se que, efectivamente, a transgressora, perante a DSAL havia junto procuração a favor de ilustres advogados, com os poderes bastantes, dado o seu teor, para que a pudessem representar em juízo, pelo que a não notificação destes advogados se revelou assim um modo incorrecto de proceder, tendo a subsequente nomeação da defensor oficioso sido atingida por um vício processual, que redunda na sua nulidade.
  Assim sendo, tendo ocorrido mais de dois anos desde a prática da contravenção imputada nos presentes autos, inexistindo quaisquer causas de suspensão ou interrupção, declaro, tal como promovido, extinta por prescrição a contravenção imputada à transgressora, declarando-se extinto o respectivo procedimento, o que se faz ao abrigo do art. 110.°, n.º 1, al. e) do Código Penal de Macau, ex vi art. 1.° do CPT.
  Notifique.
*
  Nos termos do disposto nos arts. 103.°, n.º 3 e 104.° do CPT deve a transgressora, agora correctamente, ser notificada do pedido de indemnização civil deduzido contra si para, querendo, contestar no prazo legal.
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Recl. 7/2014-8