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Reclamação nº 8/2014

Companhia de A Limitada, uma das Rés nos autos acção ordinária nº CV2-12-0011-CAO, no âmbito desses autos interpôs recurso do despacho que admitiu o exame à escrituração mercantil da mesma.

Por douto despacho do Mmº Juiz a quo, foi admitido o recurso com subida diferida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

E porque o recurso lhe tivesse sido admitido com subida diferida, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:

RECLAMAÇÃO
da retenção desse recurso, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. O tribunal a quo proferiu o despacho de fls. 880 a 882v que admitiu o exame à escrituração mercantil da Ré, ora Reclamante, quanto aos factos vertidos nos autos em referência sob os quesitos 29.° a 38.°.
2. A Reclamante, não se conformando com o teor do mesmo despacho, interpôs recurso que foi admitido a fls. 893.
3. Nesse mesmo requerimento de interposição de recurso, a Reclamante pugnou pela (i) subida imediata deste, em separado, e (ii) atribuição do efeito suspensivo cfr. o n.º 3 do artigo 607.° do CPC.
4. A Reclamante considera que a fixação dum regime de subida diferida tornará o recurso absolutamente inútil porque implicará o imediato e efectivo exame à escrituração mercantil da Reclamante, precisamente o que o recurso pretende evitar.
5. Não é possível apagar da memória dos peritos o que eles tenham visto num exame à escrita da Reclamante e os peritos não estão sujeitos a sigilo perante as partes sobre aquilo que viram, além de que podem ser explícitos nas suas respostas aos quesitos e até juntar documentos da escrita da Reclamante para ilustrar essas respostas.
6. Por consequência, se, depois de realizado esse exame, o tribunal ad quem vier a julgar procedente o recurso, determinando que não se inspeccione a escrita da Reclamante, o mal já se terá consumado e não pode ser reparado,
7. o que torna o recurso absolutamente inútil.
8. Daí que o recurso deva subir imediatamente, ex vi o artigo 601.°, n.º 2, do CPC.
9. Agora quanto ao efeito do recurso, é facto que a Reclamante não esmiuçou no seu requerimento de fls. 891 por que razão a execução imediata do exame à sua escrita lhe acarretaria um prejuízo irreparável.
10. Contudo, o requerimento de fls. 891 não foi feito isoladamente, antes se integrando num processo onde a Reclamante já explicou por factos concretos com toda a clareza o prejuízo que sofrerá se a Recorrida ficar a conhecer a sua escrituração através do respectivo exame pericial.
11. Assim, com todo o respeito, afigura-se excessivamente severa a posição adoptada no despacho recorrido de indeferir o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso por falta de alegação - no requerimento de recurso, entenda-se - de factos concretos.
12. Se o Mmo. Juiz a quo entendesse que não devia considerar tacitamente incorporadas no requerimento do recurso as explicações que a Reclamante dera já no processo sobre o prejuízo irreparável que sofrerá com a revelação da sua escrituração à Recorrida, crê a Reclamante, sempre sem quebra do devido respeito, que o Mmo. Juiz deveria ter-lhe ordenado que precisasse os motivos que baseavam o pedido de efeito suspensivo, em vez de pura e simplesmente o indeferir, visto que o processo já fornece tais elementos, apenas o requerimento do recurso não os reproduziu.
13. Seja como for, a Reclamante repete agora o que já disse a este respeito: desvendar a escrituração mercantil da Reclamante é estar a munir a Recorrida de meios para se infiltrar no tipo de negócio daquela.
14. É verdade que, na perspectiva da Reclamante, o seu negócio e o da Recorrida não são concorrenciais, mas a Recorrida tem capacidade técnica e potencial comercial para iniciar um negócio que atenda às mesmas necessidades que são satisfeitas pela Reclamante.
15. De resto, exactamente porque os negócios não são concorrenciais, crê a Reclamante que a perícia a realizar sobre os objectos e equipamentos que vende aos seus clientes poderá ser suficiente para provar que têm características distintas dos objectos e equipamentos vendidos pela Recorrida e satisfazem necessidades também distintas, o que deitaria por terra o primeiro fundamento da acção, a saber, o de que a Reclamante e a Recorrida concorrem entre si no mercado.
16. Não se ignora que a presente reclamação, sendo feita designadamente ao abrigo do artigo 595.°, n.º 1, do CPC, não abrange o efeito do recurso, mas apenas a sua retenção.
17. Contudo, uma vez que a reclamação dá ao Mmo. Juiz a quo o ensejo de reparar o seu despacho na parte em que fixou a subida diferida, atenta a tramitação estabelecida pelo artigo 596.°, n.º 3, e acreditando-se que o Mmo. Juiz a quo vai reparar essa decisão, pois que é óbvia e flagrante a inutilidade do recurso se ele não tiver subida imediata, uma tal correcção do regime de subida recoloca a questão do efeito.
18. Na realidade, embora se desconheça lei expressa que proíba a associação da subida imediata com o efeito meramente devolutivo, o certo é que parece haver uma incongruência entre esses termos porque se o recurso não pode esperar pelo fim do processo ou por outro recurso, posterior, que deva subir imediatamente, então não se compreende que a decisão de que se recorre seja entretanto executada em paralelo, ou seja, ao mesmo tempo que o recurso sobe e é conhecido.
19. Por isso dizemos que a reparação da decisão sobre o regime de subida obriga à reapreciação do efeito do recurso. E, vista a uma nova luz (em resultado de que afinal o recurso não espera, sobe imediatamente), a questão do efeito do recurso deverá então ser decidida no sentido de se lhe atribuir o efeito suspensivo.
20. Poderíamos ser tentados por razões de economia processual a aproveitar a presente reclamação para formular logo esse pedido de reapreciação do efeito do recurso. No entanto, apesar de o Mmo. Juiz a quo ser o primeiro destinatário da reclamação porque é ele quem a recebe e despacha em primeira mão, aquela não deixa de ser um requerimento dirigido ao Presidente do Tribunal de Segunda Instância, donde parece resultar que, por respeito ao aspecto formal, o referido pedido de reapreciação deve ser apresentado em requerimento separado, endereçado ao juiz do processo, o que se fará de seguida.
Termos em que, sempre com douto suprimento, deverá ser dado provimento à presente reclamação e, em consequência, ser revogada a decisão reclamada e substituída por outra que defira a subida imediata em separado do recurso interposto pela Reclamante e admitido a fls. 893.
Requer, para instruir a reclamação, nos termos do artigo 596.°, n.º 2, a passagem de certidão do seu requerimento de interposição do recurso de fls. 891, do despacho de fls. 893 que o admitiu e do despacho de fls. 936 e 936v que lhe fixou subida diferida e efeito meramente devolutivo.



Passemos pois a apreciar a reclamação.

Ora, a única questão levantada pela reclamante é saber se o recurso em causa deve subir imediatamente.

O artº 601º do CPC dispõe:

1. Sobem imediatamente ao Tribunal de Segunda Instância os recursos interpostos:
a) Da decisão que ponha termo ao processo;
b) Do despacho que aprecie a competência do tribunal;
c) Dos despachos proferidos depois da decisão final.
2. Sobem também imediatamente os recursos cuja retenção os tornasse absolutamente inúteis.

Atendendo ao que foi alegado pela reclamante, a boa decisão da presente reclamação deve ser encontrada com a correcta interpretação do número dois do artigo acima citado, pois in casu obviamente não estamos perante qualquer das situações previstas nas alíneas do número um.

A redacção dessa norma do número dois é bem demonstrativa de que a inutilidade absoluta diz respeito ao recurso em si e não às outras considerações fora do processo, nomeadamente o alegado sigilo.

Considerando o objecto do recurso em causa, a eventual procedência do recurso implica a não valoração daquela prova pericial para a formação da convicção do tribunal e a repetição do julgamento da matéria de facto, o que é justamente a utilidade pretendida pela recorrente com a interposição do recurso e que, tendo em conta a tramitação e o fim de um processo de acção ordinária, dificilmente podemos configurar a eventual não valoração da prova pericial e a repetição do julgamento da matéria de facto como absolutamente impossíveis.

Daí, a retenção do recurso não conduzirá à inutilidade absoluta do recurso, pois isto só se verifica quando seja qual for a decisão que o tribunal de recurso lhe der, ele, o recurso, já é absolutamente inútil no seu reflexo sobre processo.

O que obviamente não é o caso em apreço.

Quanto aos efeitos suspensivos do recurso, pretendidos pela reclamante, só nos cabe dizer que a reclamação não é sede própria para a alteração dos efeitos entretanto atribuídos pelo Tribunal a quo.

Nestes termos expostos e sem necessidade de mais considerações, indefiro a reclamação confirmando o despacho reclamado que fixou a subida diferida.

Custas pela reclamante.

Fixo a taxa de justiça em 1/8.

Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC.

R.A.E.M., 28NOV2014


O presidente do TSI


Lai Kin Hong
Recl.8/2014-1