Processo nº 509/2014 Data: 30.10.2014
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “condução em estado de embriaguez”.
Pena.
Teoria da margem da liberdade.
SUMÁRIO
1. Em matéria de determinação da medida da pena adoptou o Código Penal de Macau, (no seu art.º 65.º), a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.
2. Atentas as fortes razões de prevenção criminal, não se mostra de considerar excessiva a pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período (mínimo) de 1 ano aplicada pela prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, (cuja moldura penal é de 1 mês a 1 ano de prisão), e em que o arguido apresentava uma taxa de álcool de 1,75 g/l.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 509/2014
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, arguido com os sinais dos autos, respondeu em processo sumário no T.J.B., vindo a ser condenado como autor material de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano, e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano e 2 meses; (cfr., fls. 13 a 16-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu para, em síntese, dizer apenas que excessiva é a pena (principal) de prisão que lhe foi decretada, e que não se teve em devida conta todos os ingredientes do caso; (cfr., fls. 20 a 22-v).
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Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 24 a 26-v).
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Admitido o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a esta Instância.
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Em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Acompanham-se, no essencial e para o que aqui conta, as doutas considerações expendidas pelo Exmo colega junto do tribunal “a quo”, as quais demonstram, à saciedade, a falta de razão de ser do assacado pela recorrente à douta sentença sob escrutínio.
Na verdade, insurgindo-se este exclusivamente contra a pena que concretamente lhe foi aplicada, o mínimo que se pode dizer é que aquela, atenta a moldura penal abstracta prevista e os circunstancialismos apurados, designadamente, o grau de alcoolemia detetado, a extrema necessidade de prevenção geral relativamente a este tipo de ilícitos e a postura e comportamento concretamente adoptados pelo recorrente na situação, designadamente na aparente tentativa de se furtar ao controle pela operação “stop” montada pelas entidades policiais a merecer algum reparo, seria por excessiva benevolência.
De resto, as circunstâncias que apresenta como atenuantes da sua responsabilidade não deixaram de ser equacionadas e ponderadas, sendo que a confissão dos factos deterá, como é bom de ver, dadas as características do caso, valor insignificante.
Dest’arte, atenta a moldura abstracta da pena, por excessiva benevolência condicionalismos e necessidades a que se aludiu, justifica-se plenamente a adopção da pena de prisão “versus” multa, pelo que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos a pugnar pela manutenção do decidido”; (cfr., fls. 66 a 67).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão dados como provados os factos seguintes:
“Em 14 de Junho de 2014, por volta das 5h00, numa "operação stop", o guarda do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) pretendeu interceptar o motociclo conduzido pelo arguido (de matrícula ME-XX-XX) em frente ao Gabinete de Ligação do Governo Popular Central na RAEM na Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues, mas o arguido continuou sua marcha em direcção ao Túnel da Guia, o guarda moveu-lhe atrás dele e interceptou-o até à Rua da Fonte de Inveja, perto da Avenida de Sidónio Pais. Durante a investigação de documento, o guarda apercebeu-se do cheiro intenso de álcool do arguido, efectuou-lhe um exame de pesquisa de álcool no ar expirado, do qual resultou que a taxa de alcoolemia do arguido era de 1,71 g/l.
O arguido requereu a contraprova sobre o resultado supracitado, o guarda levou-o ao Centro Hospitalar Conde de São J anuário para fazer exame de álcool no sangue. Revelou o relatório do exame que a taxa de alcoolemia do arguido era de 1,75 g/l.
O arguido praticou consciente, livre e voluntariamente as condutas acima referidas, sabia perfeitamente que é proibido conduzir veículo na via pública depois de consumir bebidas alcoólicas, sob pena de sanções penais, e não obstante, veio conduzir dolosamente em estado de embriagues na via pública.
O arguido sabia bem que a sua conduta era proibida e punida por lei. Ao mesmo tempo, o arguido alegou as seguintes condições pessoais:
O arguido tem como habilitações literárias a licenciatura em arquitectura, é actualmente arquitecto, auferindo mensalmente o montante no valor de MOP$ 36.000,00, tem avó a seu cargo.
Segundo o CRC, o arguido é delinquente primário”.
Do direito
3. Insurge-se o arguido contra a sentença que o condenou como autor de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano, e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano e 2 meses, afirmando que excessiva é a pena (principal), e que o Tribunal não teve em devida conta todos os ingredientes do caso.
Cremos porém que não se lhe pode reconhecer razão, sendo de se acompanhar, na íntegra, o explanado no douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto que dá cabal resposta à pretensão do ora recorrente, e que, por uma questão de economia processual, se dá aqui como reproduzido.
Seja como for, não se deixa de dizer o que segue.
Vejamos.
Nos termos do art. 90° da Lei n.° 3/2007:
“1. Quem conduzir veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gramas por litro, é punido com pena de prisão até 1 ano e inibição de condução pelo período de 1 a 3 anos, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.
2. Na mesma pena incorre quem conduzir veículo na via pública sob influência de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas cujo consumo seja considerado crime nos termos da lei.
3. A negligência é punida”.
É sabido que estatuindo sobre os fins das penas prevê o art. 40° do C.P.M. que:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Por sua vez, dúvidas não há que na determinação da medida concreta da pena se deve ter em conta o preceituado no art. 65° do mesmo C.P.M., em relação ao qual tem este T.S.I. entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 03.04.2014, Proc. n° 178/2014).
No caso, entendeu o Tribunal a quo que adequada era a pena de 4 meses de prisão, (que depois suspendeu na sua execução).
E, em nossa opinião, censura não merece o decidido.
Certo sendo que o mínimo legal da pena era de 1 mês, (cfr., art. 41° do C.P.M.), impõe-se referir que a pena aplicada ainda se encontra próxima deste seu limite mínimo, (a 3 meses), situando-se a 8 meses do seu máximo, (que, como se viu, é de 1 ano).
Não se pode igualmente olvidar que no caso, a taxa de álcool foi de 1,75 g/l, (sendo o limite legal de 1,2 g/l), e que a conduta do ora recorrente de “não parar” na “operação stop” também não abona a seu favor.
Por sua vez, há também que ter em conta que o “tipo de crime” em questão causa (uma certa) preocupação e repulsa social, fortes sendo as razões de prevenção criminal.
Na verdade, e como sabido é, tem-se registado em Macau um aumento da sinistralidade rodoviária relacionada com o consumo de álcool, o que não pode deixar de levar a que tal “realidade” seja tida em conta na determinação da medida da pena, que assim se confirma.
Aqui chegados, importa ver ainda que nos termos do art. 44 do C.P.M.:
“1. A pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses é substituída por igual número de dias de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte.
2. Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 47.º”.
E, invocando este preceito diz o arguido que a dita pena de 4 meses de prisão “devia ser substituída por multa”.
Ora, o transcrito comando legal viabiliza a pretendida “substituição por igual número de dias de multa” ou “por outra pena não privativa da liberdade”.
No caso, ponderando os factos provados, e “atendendo à personalidade do arguido e à natureza do crime”, entendeu o Mmo Juiz a quo que inadequada era a substituição da pena de 4 meses de prisão por pena de multa, decidindo, porém, suspender a sua execução (pelo período mínimo de 1 ano), acabando assim por aplicar uma “pena não privativa da liberdade”.
E, por nós, também aqui reparo não merece a decisão recorrida.
É certo que a “pena de multa” fica “resolvida” com o seu pagamento, o que não sucede com uma “pena de prisão suspensa na sua execução”, que pode vir a ser revogada se verificados os seus pressupostos; (cfr., art. 54° do C.P.M.).
Porém, e tendo em (especial) atenção o “tipo de crime” cometido, afigura-se-nos que a decretada suspensão da execução da pena de 4 meses de prisão aplicada ao recorrente mostra-se mais consentânea com as necessidades da sua prevenção criminal.
Posto isto, e tudo visto, improcede o recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.800,00.
Macau, aos 30 de Outubro de 2014
José Maria Dias Azedo
(Relator)
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz -Adjunto)
Tam Hio Wa
(Segunda Juíz -Adjunta)
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