Processo n.º 516/2014
(Recurso Cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 11/Dezembro/2014
ASSUNTOS:
- Registo de marca para actividade a desenvolver no futuro
- Marca enganosa
- Utilização indirecta de marca
-Sociedade de entrega de valores
SUMÁRIO :
Não é de conceder o registo da marca C para os serviços incluídos na classe 36º a uma SEV (Sociedade de Entrega de Valores) que não pode exercer actividade bancária, encontrando-se as actividades do seu objecto social muito limitadas e condicionadas por legislação especial, mesmo a pretexto de a poder utilizar no futuro, para além de tal marca assumir natureza enganosa sobre a actividade da sociedade perante o consumidor médio.
O Relator,
Processo n.º 516/2014
(Recurso Civil)
Data : 11/Dezembro/2014
Recorrente : A (Macau) Limitada
Recorrido : B Group
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A (Macau) Limitada, pretende, através do presente recurso jurisdicional, que ora interpõe para este Tribunal de Segunda Instância, que seja revogado o douto despacho saneador/sentença, que, embora por fundamentos diversos da DSE, lhe recusou a marca nominativa consistente em C, que tomou o n.º N/5XXX4 (para assinalar serviços da classe 36.ª), por ter o douto Tribunal a quo considerado existir, no caso, o fundamento absoluto de recusa previsto no art. 214.°, n.º 2, alínea a), do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI).
Para tanto, alega fundamentalmente e em síntese:
1. A Recorrente é parte legítima para intentar o presente recurso relativamente ao pedido de registo da marca N/5XXX4 apresentado na DSE;
2. As pessoas singulares ou colectivas podem apresentar pedidos de registo de marcas na DSE, sem que esta proceda a qualquer espécie de controlo no sentido de apurar se os requerentes estão ou não legalmente autorizados a prestar os serviços que constam na especificação das mesmas;
3. Nada obsta a que uma entidade possa requerer e obter o registo de uma marca não estando à data do pedido de registo autorizada a exercer os serviços que constam na especificação da sua marca;
4. O facto de a Recorrente estar a autorizada a exercer uma certa actividade concedida através de licença pela AMCM, não significa que lhe esteja vedado o registo de uma marca para assinalar outro tipo de serviços, porquanto tal recusa seria vista como uma violação do princípio do pedido de registo previsto no artigo 206º do RJPI;
5. A Recorrente, caso a marca lhe seja concedida e ainda que, enquanto SEV, lhe esteja vedado o exercício da actividade bancária, pode, no futuro, alterar a sua natureza jurídica por forma a poder utilizar a marca N/5XXX4 para serviços bancários;
6. A Recorrente tem um legítimo interesse em registar a marca C a que foi atribuído o número N/5XXX4 para assinalar serviços incluídos na classe 36, a saber: "Serviços bancários; assuntos/serviços financeiros; serviços monetários; serviços imobiliários, nomeadamente empréstimos ao consumidor para aquisição de imóveis e parcelas de terreno, fracções em condomínios, ou construção de casas, financiamento oferecido a compradores individuais para a aquisição de imóveis de vários projectos de acreditados promotores imobiliários ou os que já têm vínculos com o requerente, facilidades de crédito oferecidas a promotores clientes para suplementar os seus requisitos de liquidez e acelerar o desenvolvimento do projecto, empréstimos ao consumidor garantidos por imóveis para financiar investimentos, requisitos de liquidez, etc., gestão de bens, venda de bens hipotecados através de venda directa, leilões imobiliários, ou através de uma rede de corretagem e contratos de empresas mistas com promotores imobiliários e vendedores de imóveis de renome; serviços de seguros nomeadamente, serviços de contratação de seguros através da sua subsidiária, nomeadamente seguros sem ser de vida, particularmente seguros comerciais e industriais contra todos os riscos, incêndio e perigos associados a relâmpagos (residenciais e comerciais), interrupção de actividade comercial, responsabilidade pessoal e contra todos os riscos e produtos, empreiteiros contra todos os riscos, construção contra todos os riscos, avaria de maquinarias, equipamento electrónico, viaturas motorizadas, seguros de carga marítima e marítimos, e aviação, endosso de seguros de imóveis, obrigações com garantia, títulos de crédito e folhas de pagamento, garantias de fidelidade, títulos de hipoteca geral dados como garantia bancária, acidentes pessoais, individuais ou de grupo, acidentes pessoais de viagem, seguros de vida, particularmente grupos de vida, D, particularmente grupos de saúde, hospitalização, D e serviços de garantia bancária e serviços de investimento.";
7. O legítimo interesse não se afere única e exclusivamente com base nas alíneas do artigo 201º do RJPI;
8. A possibilidade legal prevista no artigo 12º do RJPI de a Recorrente fazer utilização indirecta do uso da marca número N/5XXX4 através da cessão de exploração a um terceiro, constitui de per se um fundamento para se considerar que a Recorrente tem legítimo interesse no registo da referida marca;
9. A Requerente tem interesse em registar a marca para ceder o uso ou exploração da marca a uma terceira entidade, uma subsidiária ou outra sociedade com relação comercial;
10. A utilização da marca C pela Recorrente não é enganosa, pois pode ser cedida no futuro a um terceiro que a venha a utilizar para serviços bancários, destina-se a identificar serviços afins à actividade bancária e não é composta exclusivamente pela palavra "bank";
11. A douta sentença recorrida, como se demonstrou ex abundanti, faz uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 11º, 12º, 201º, 206º, 216º e 214º n.º 2º, todos do RJPI.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo a sentença recorrida ser revogada e, em consequência e com natureza subsidiária:
i) o processo administrativo apenso ser remetido à entidade recorrida a fim de se proceder ao exame substantivo a que se reporta o artigo 212º o RJPI para que seja proferida nova decisão sobre o pedido de registo da marca registanda que conceda a marca para os serviços da classe 36 para os quais requereu o respectivo registo "Serviços bancários; assuntos/serviços financeiros; serviços monetários; serviços imobiliários, nomeadamente empréstimos ao consumidor para aquisição de imóveis e parcelas de terreno, fracções em condomínios, ou construção de casas, financiamento oferecido a compradores individuais para a aquisição de imóveis de vários projectos de acreditados promotores imobiliários ou os que já têm vínculos com o Requerente, facilidades de crédito oferecidas a promotores clientes para suplementar os seus requisitos de liquidez e acelerar o desenvolvimento do projecto, empréstimos ao consumidor garantidos por imóveis para financiar investimentos, requisitos de liquidez, etc., gestão de bens, venda de bens hipotecados através de venda directa, leilões imobiliários, ou através de uma rede de corretagem e contratos de empresas mistas com promotores imobiliários e vendedores de imóveis de renome; serviços de seguros nomeadamente, serviços de contratação de seguros através da sua subsidiária, nomeadamente seguros sem ser de vida, particularmente seguros comerciais e industriais contra todos os riscos, incêndio e perigos associados a relâmpagos (residenciais e comerciais), interrupção de actividade comercial, responsabilidade pessoal e contra todos os riscos e produtos, empreiteiros contra todos os riscos, construção contra todos os riscos, avaria de maquinarias, equipamento electrónico, viaturas motorizadas, seguros de carga marítima e marítimos, e aviação, endosso de seguros de imóveis, obrigações com garantia, títulos de crédito e folhas de pagamento, garantias de fidelidade, títulos de hipoteca geral dados como garantia bancária, acidentes pessoais, individuais ou de grupo, acidentes pessoais de viagem, seguros de vida, particularmente grupos de vida, D, particularmente grupos de saúde, hospitalização, D e serviços de garantia bancária e serviços de investimento."; ou,
ii) caso assim não se entenda, o processo administrativo apenso ser remetido à entidade recorrida a fim de se proceder ao exame substantivo a que se reporta o artigo 212º o RJPI para que seja proferida nova decisão sobre o pedido de registo da marca registanda que conceda a marca parcialmente, limitada aos serviços da classe 36 que constituem o objecto social da requerente, aos que são necessários à prossecução do mesmo objecto social e, designadamente, negócios financeiros e monetários; ou,
iii) a marca registanda sob o N/5XXX4 não ser considerada marca enganosa, julgando-se procedente o presente recurso interposto e, em consequência, revogando-se o despacho da DSE de 24 de Outubro de 2012 e substituindo-o por outro que conceda o registo da marca nominativa que consiste em C, com o número de processo N/5XXX4, para assinalar serviços incluídos na classe 36; "Serviços bancários; assuntos/serviços financeiros; serviços monetários; serviços imobiliários, nomeadamente empréstimos ao consumidor para aquisição de imóveis e parcelas de terreno, fracções em condomínios, ou construção de casas, financiamento oferecido a compradores individuais para a aquisição de imóveis de vários projectos de acreditados promotores imobiliários ou os que já têm vínculos com o requerente, facilidades de crédito oferecidas a promotores clientes para suplementar os seus requisitos de liquidez e acelerar o desenvolvimento do projecto, empréstimos ao consumidor garantidos por imóveis para financiar investimentos, requisitos de liquidez, etc., gestão de bens, venda de bens hipotecados através de venda directa, leilões imobiliários, ou através de uma rede de corretagem e contratos de empresas mistas com promotores imobiliários e vendedores de imóveis de renome; serviços de seguros nomeadamente, serviços de contratação de seguros através da sua subsidiária, nomeadamente seguros sem ser de vida, particularmente seguros comerciais e industriais contra todos os riscos, incêndio e perigos associados a relâmpagos (residenciais e comerciais), interrupção de actividade comercial, responsabilidade pessoal e contra todos os riscos e produtos, empreiteiros contra todos os riscos, construção contra todos os riscos, avaria de maquinarias, equipamento electrónico, viaturas motorizadas, seguros de carga marítima e marítimos, e aviação, endosso de seguros de imóveis, obrigações com garantia, títulos de crédito e folhas de pagamento, garantias de fidelidade, títulos de hipoteca geral dados como garantia bancária, acidentes pessoais, individuais ou de grupo, acidentes pessoais de viagem, seguros de vida, particularmente grupos de vida, D, particularmente grupos de saúde, hospitalização, D e serviços de garantia bancária e serviços de investimento."; ou,
iv) caso assim não se entenda, a marca registanda sob o N/5XXX4 não ser considerada marca enganosa, ser a decisão de recusa da DSE revogada de forma parcial e substituída por outra que conceda a marca para os serviços que constam na especificação aos que constituem o objecto social da Recorrente bem como necessários à prossecução do mesmo, designadamente a "negócios financeiros e negócios monetários", nos termos do artigo 216º do RJPI, ou seja, a "Serviços bancários; assuntos/serviços financeiros; serviços monetários."; ou,
v) que a marca registanda sob o N/5XXX4 não seja considerada marca enganosa.
B GROUP, parte contrária, contra-alega, pugnando, no essencial pela bondade do decidido, contrariando a douta argumentação expendida pela recorrente.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos:
1. Em 25 de Março de 2011 a sociedade Banco de E, Inc. requereu um registo de marca de serviços para a classe 36ª, que tomou o número N/5XXX4, assim reproduzida C.
2. O pedido de registo foi apresentado para a classe 36a, cobrindo "Serviços bancários; assuntos/serviços financeiros; serviços monetários; serviços imobiliários, nomeadamente empréstimos ao consumidor para aquisição de imóveis e parcelas de terreno, fracções em condomínios, ou construção de casas, financiamento oferecido a compradores individuais para a aquisição de imóveis de vários projectos de acreditados promotores imobiliários ou os que já têm vínculos com o requerente, facilidades de crédito oferecidas a promotores clientes para suplementar os seus requisitos de liquidez e acelerar o desenvolvimento do projecto, empréstimos ao consumidor garantidos por imóveis para financiar investimentos, requisitos de liquidez, etc., gestão de bens, venda de bens hipotecados através de venda directa, leilões imobiliários, ou através de uma rede de corretagem e contratos de empresas mistas com promotores imobiliários e vendedores de imóveis de renome; serviços de seguros nomeadamente, serviços de contratação de seguros através da sua subsidiária, nomeadamente seguros sem ser de vida, particularmente seguros comerciais e industriais contra todos os riscos, incêndio e perigos associados a relâmpagos (residenciais e comerciais), interrupção de actividade comercial, responsabilidade pessoal e contra todos os riscos e produtos, empreiteiros contra todos os riscos, construção contra todos os riscos, avaria de maquinarias, equipamento electrónico, viaturas motorizadas, seguros de carga marítima e marítimos, e aviação, endosso de seguros de imóveis, obrigações com garantia, títulos de crédito e folhas de pagamento, garantias de fidelidade, títulos de hipoteca geral dados como garantia bancária, acidentes pessoais, individuais ou de grupo, acidentes pessoais de viagem, seguros de vida, particularmente grupos de vida, D, particularmente grupos de saúde, hospitalização, D e serviços de garantia bancária e serviços de investimento."
3. A sociedade B, com sede em XX, XX XX, The Netherlands deduziu oposição à concessão da marca.
4. O registo foi recusado pelo Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia (DPI) através de Despacho publicado no Boletim Oficial n.º 47 do dia 21 de Novembro de 2012.
5. Por escritura pública outorgada em 02 de Janeiro de 2013 a sociedade registada nas Filipinas, Banco de E, Inc. cedeu à A (Macau) Limitada, sociedade registada em Macau, todos os seus direitos relativos à marca N/5XXX4 para C, na classe 36.
6. A A (Macau) Limitada tem como objecto social o exercício exclusivo da actividade de entrega rápida de valores em numerário no Território de Macau ou no exterior, por ordem de terceiros, após a entrega, por estes, da respectiva contrapartida, nos termos do Decreto-Lei n.º 15/97/M, de 05 de Maio.
III - FUNDAMENTOS
1. São as seguintes questões que importa conhecer:
- Legitimidade processual da recorrente
- Interesse no direito ao registo da marca
- Interesse em registar a marca para o futuro
- Utilização indirecta
- Do fundamento de recusa previsto no art. 214.°, N.º 2, a) do RJPI
- Pedidos alternativos
2. Pretende a recorrente inverter a decisão proferida em 1ª Instância que confirmou, ainda que com fundamentos diversos, o despacho de recusa proferido pela DSE, em relação à marca nominativa C que tomou o n.º N/5XXX4 para assinalar serviços da classe 36ª.
Como em boa parte os argumentos vertidos nas doutas alegações do recorrente se mostram respondidos na douta sentença recorrida, passamos a transcrevê-la:
“Cumpre decidir e são duas, basicamente, as questões a que haverá de dar resposta:
- tinha a recorrente interesse legítimo no registo da marca em questão?
- em caso afirmativo, deve o registo da marca a favor da recorrente ser recusado por induzir em erro o público?
A decisão administrativa tomada em 19 de Outubro de 2012, pela DSE, que recusou o registo da marca, fundamentou-se apenas na falta de interesse legítimo da requerente para a concessão do registo da marca, pelo facto de a ordem jurídica não permitir o uso da marca em serviços que não façam parte daquela que é a sua única actividade legalmente possível, isto no pressuposto de que a requerente do registo se tratava de uma sociedade de entrega rápida de valores em numerário (SEV) a quem só é permitido exercer a actividade prevista no seu objecto social.
Como bem salienta a parte contrária, a DSE laborou em erro relativamente à entidade que se encontrava a requerer o registo da marca N/5XXX4, C uma vez que considerou tratar-se da ora recorrente, quando esse registo foi requerido pelo cedente dos direitos sobre essa mesma marca, o Banco de E, Inc..
A verdade, porém, é que já não há qualquer interesse na avaliação das consequências jurídicas desse erro, uma vez que, neste momento, o requerente do registo é, afinal, uma sociedade de entrega rápida de valores em numerário (SEV) e, como tal, volta a ser pertinente analisar em que medida o seu objecto social justifica ou permite o registo de uma marca para todos os ramos de actividade previstos na classe 36.a, segundo a Classificação Internacional de Produtos e Serviços para efeitos de Registo de Marcas (CLASSIFICAÇÃO DE NICE)1
E neste ponto, para além da análise da lei, a referência deverá ser, de facto, a jurisprudência firmada no recente Acórdão do Tribunal de Última Instância2 citado pela recorrente, na medida em que, na nossa modesta opinião, esclarece decisivamente que pode ter interesse legítimo ao registo da marca também quem fizer dela uma utilização mediata, e define a particular situação das sociedades de entregas de valores, atentas as restrições legais a que a sua actividade está sujeita.
Com efeito, conforme se pode ler na fundamentação do citado acórdão "no que respeita à utilização da marca, estabelece expressamente o art. o 223. o que a utilização da marca é facultativa, salvo quanto aos produtos ou serviços em que a utilização de marca registada seja declarada obrigatória por disposição legal e sem prejuízo do disposto quanto à caducidade do direito à marca. " E acrescenta ser possível a ''formulação de um pedido de marca destinada a ser usada no futuro, desde que, sob pena de caducidade, o diferimento do uso não seja superior a um período de cinco anos, após o registo." Para se concluir ainda no douto aresto que "seria contraditório, do ponto de vista da coerência do sistema normativo, que o nosso direito de marca estatuísse a falta de legítimo interesse a todo aquele que, exercendo já uma actividade económica, pretendesse registar uma marca para uso não imediato".
Relativamente às SEV o citado acórdão também é claro e cremos ser a jurisprudência a adoptar. Com efeito, não se poderá olvidar que a recorrente está sujeita à imposição legal de manter o seu objecto social e está proibida de exercer qualquer actividade diferente do seu objecto social3, pelo que, também como se concluiu no citado acórdão, julgamos que relativamente às actividades que não fazem parte desse objecto social, nem são necessárias à prossecução do mesmo, a recorrente carece de interesse legítimo para ver registada a marca em questão, restando-lhe, pois, a possibilidade do registo parcial da marca para as identificadas actividades de "assuntos/serviços financeiros e serviços monetários".
Esta conclusão não é, no entanto, suficiente para a decisão deste recurso uma vez que importa ainda dar resposta à segunda questão enunciada - pode a recorrente ser titular de uma marca que contenha a expressão "Unibank"?
A parte contrária defende que a marca também não é susceptível de protecção por violar o princípio da verdade, definido na al. a) do n.º 2 do artigo 214.° do RIPI, na medida em que se trata de um sinal evocativo de um serviço bancário que a recorrente não pode prestar.
Vejamos.
A lei impõe, de facto, limites à protecção da propriedade industrial, referindo no artigo 199.°, n.º 1, b) do RIPI que não são susceptíveis de protecção os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade (...) da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos; sendo certo que quando esses elementos genéricos entram na composição de uma marca não serão considerados de utilização exclusiva do requerente - novamente se cita o n.º 2 do citado preceito legal.
Por sua vez, estatui a al. a) do n.º 2 do artigo 214.° do RJPI que o pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha:
a) Sinais que sejam susceptíveis de induzir em erro o público, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina;
Américo da Silva Carvalho4 faz notar que a lei se contenta com a possibilidade ou susceptibilidade do público ser enganado não exigindo o engano efectivo. Por outro lado, a marca poderá considerar-se enganosa mesmo que seja parcialmente verídica e parcialmente inexacta uma vez que nestes casos deverá considerar-se enganosa in totem e está vedado o seu registo.
Torna-se, assim, necessário realizar duas operações sucessivas para se apurar se um sinal é susceptível de induzir o público em erro5
- relacionar a correspondente denominação ou sinal com os produtos ou serviços para os quais se solicita a marca, devendo considerar-se enganoso quando proporcione informação errónea relativamente à natureza e características do correspondente produto ou serviço;
- ajuizar-se numa base subjectiva se a denominação ou sinal tem caracter enganoso.
Esta base subjectiva tem que ver com a confundibilidade no espírito do destinatário da marca, o homem médio, o cidadão comum eventualmente interessado no bem ou no serviço.
Como se infere da fundamentação do douto Acórdão do TSI de 25/04/20136, estaremos perante uma manifestação antitética do princípio da verdade, contemplado no artigo 214°, n.º 2, al. a), do RJPI sempre que a marca incluir um elemento que, por assinalar um produto que não corresponde ao da actividade da requerente, é susceptível de induzir em erro o público sobre a natureza e utilidade desse serviço.
Como é sabido, a marca não garante, directamente, a qualidade dos produtos ou serviços marcados, mas garante indirectamente essa qualidade por referência dos produtos ou serviços a uma origem não enganosa.
Ora, a inclusão do elemento "Unibank" na marca registanda é evocativa da prestação de serviços bancários que, como supra concluímos, não se incluem no âmbito de actividade da recorrente e pela mesma nunca poderão ser prestados, atenta a sua natureza de SEV, pelo que, caso a marca fosse registada a seu favor, naturalmente que o público a iria associar a um serviço diferente do prestado e assim se poderia gerar o engano nos consumidores7.
Defende a recorrente, também relativamente a esta questão, que apesar de não prestar serviços bancários poderá ceder o uso ou exploração da marca a uma terceira entidade que exerça essa actividade bancária e, como tal, continuará a ter interesse no seu registo.
Sucede que, conforme supra se consignou, a recorrente só tem interesse legitimo em registar uma marca que se insira no seu objecto social e que seja necessária à prossecução dessa actividade social, de onde se terá necessariamente de concluir que, estando a sua área de negócio limitada, a recorrente não dispõe de interesse legítimo para registar uma marca que assinale a prestação de serviços que lhe estão vedados, tanto mais porque se trata de uma marca que evoca um serviço que a mesma nunca poderá prestar enquanto SEV.
Pelos fundamentos supra expostos, julgamos que deve ser recusado o registo da marca em questão, uma vez que existe, no vertente caso, um fundamento absoluto de recusa, previsto no artigo 214.°, n.º 2 a) do RJPI.”
3. Da legitimidade processual da recorrente
Trata-se de questão que não foi apreciada desfavoravelmente em relação à ora recorrente, antes pelo contrário, houve pronúncia expressa a seu favor na sentença recorrida, pelo que não interessa apreciar a questão, não vindo posta em causa a ilegitimidade processual da recorrente.
4. Do interesse no direito ao registo da marca
4.1. Sustenta a recorrente ter efectivo interesse em registar a marca C, a que foi atribuído o número N/5XXX4 para todos os serviços incluídos na classe 36ª, a saber: "Serviços bancários; assuntos/serviços financeiros; serviços monetários; serviços imobiliários, nomeadamente empréstimos ao consumidor para aquisição de imóveis e parcelas de terreno, fracções em condomínios, ou construção de casas, financiamento oferecido a compradores individuais para a aquisição de imóveis de vários projectos de acreditados promotores imobiliários ou os que já têm vínculos com o requerente, facilidades de crédito oferecidas a promotores clientes para suplementar os seus requisitos de liquidez e acelerar o desenvolvimento do projecto, empréstimos ao consumidor garantidos por imóveis para financiar investimentos, requisitos de liquidez, etc., gestão de bens, venda de bens hipotecados através de venda directa, leilões imobiliários, ou através de uma rede de corretagem e contratos de empresas mistas com promotores imobiliários e vendedores de imóveis de renome; serviços de seguros nomeadamente, serviços de contratação de seguros através da sua subsidiária, nomeadamente seguros sem ser de vida, particularmente seguros comerciais e industriais contra todos os riscos, incêndio e perigos associados a relâmpagos (residenciais e comerciais), interrupção de actividade comercial, responsabilidade pessoal e contra todos os riscos e produtos, empreiteiros contra todos os riscos, construção contra todos os riscos, avaria de maquinarias, equipamento electrónico, viaturas motorizadas, seguros de carga marítima e marítimos, e aviação, endosso de seguros de imóveis, obrigações com garantia, títulos de crédito e folhas de pagamento, garantias de fidelidade, títulos de hipoteca geral dados como garantia bancária, acidentes pessoais, individuais ou de grupo, acidentes pessoais de viagem, seguros de vida, particularmente grupos de vida, D, particularmente grupos de saúde, hospitalização, D e serviços de garantia bancária e serviços de investimento.", pois, não obstante exercer em exclusivo a actividade de entrega rápida de valores em numerário no território de Macau ou no exterior, por ordem de terceiros, após a entrega, por estes, da respectiva contrapartida, nos termos do Decreto-Lei n°. 15/97/M de 5 de Maio, conforme consta no seu objecto social, defende o entendimento que vai no sentido de ter legítimo interesse para requerer o registo da marca registanda para todos os serviços da classe 36ª, para os quais solicitou o respectivo registo.
Em relação ao facto de ter obtido o registo das marcas números N/4XXX5, N/4XXX6, N/4XXX7, concedidas no dia 24 de Julho de 2009 para
registar as marcas F, G e , para assinalar exactamente os mesmos serviços incluídos na classe 36ª que aqui estão em questão, tal não pode ser, como está bem de ver, que agora lhe seja deferido o registo, não só porque se trata de pedidos diferentes, como a eventual incorrecção de uma decisão não pode justificar que se perpetue o erro.
A recorrente insiste que, não obstante a limitação respeitante ao seu objecto social - decorrente do facto de se tratar de uma SEV -, a lei confere-lhe, ainda assim, a possibilidade de ceder a marca a um terceiro ou de a utilizar em momento posterior e por não poder, no presente, exercer a actividade bancária, não significa que no futuro não a venha a exercer, servindo a marca, até essa altura, apenas para assinalar os serviços respeitantes às sociedades de entrega de valores, importando distinguir, para a boa compreensão da causa, o i) pedido de registo da marca do ii) uso indirecto dessa marca.
4.2. Esta questão foi já apreciada superiormente pelo V. º TUI8, colhendo-se do decidido a seguinte doutrina:
“1. Nos termos do art.º 201.º do Regime Jurídico de Propriedade Industrial, é reconhecido, desde logo, o interesse legítimo no registo da marca a quem que se encontre a exercer uma das actividades económicas nele elencadas.
2. É, porém, legalmente possível o pedido de registo de marca para a sua utilização mediata, já que a falta de uso futuro não constitui um problema de ilegitimidade para fazer o pedido de registo, e consequentemente, de invalidade, mas apenas de caducidade por não uso da marca.
3. Sendo uma empresa que se dedica à entrega rápida de valores em numerário, a sua constituição e as actividades estão sujeitas à regulamentação e ao controlo do Decreto-Lei n.º 15/97/M, de 5 de Maio, que define especialmente o regime aplicável às sociedades deste tipo (legalmente designadas por SEV).
4. A lei delimita claramente o objecto social das SEV bem como as actividades que podem ser exercidas, que ficam estritamente circunscritas às operações permitidas no referido diploma.
5. E não pode ser livremente alterado o objecto social, salvo se deixar de ter natureza de SEV.
6. Daí que a recorrente, enquanto se mantendo o estatuto da SEV, cujo objecto social consiste no exercício exclusivo da actividade de entrega rápida de valores em numerário, é proibida mudar do seu objecto social e exercer qualquer outra actividade comercial que não constitua o seu objecto social nem esteja estritamente necessária à prossecução do mesmo objecto social.
7. São muito amplos as actividades e os serviços abrangidos na classe 36.ª, em que os serviços que a recorrente presta (entrega rápida de valores em numerário) se englobam.
8. Se é verdade que é legalmente admissível o registo de maca para utilização indirecta e diferida, certo é que, no caso da ora recorrente, enquanto SEV, tal utilização nem sequer é possível para outras actividades, embora incluídas na classe 36.ª, mas for a do objecto social da recorrente, uma vez que lhe é vedado o exercício de tais actividades, que constitui um obstáculo inultrapassável, face à norma imperativa legal.
9. Ainda que é possível pedir o registo de marca com vista a ceder o seu uso, através de uma concessão de licença de exploração, certo é que é discutível o registo de marca com a exclusiva finalidade de ser licenciada (concedida licença de exploração a terceiro).
10. Afigura-se-nos que, relativamente às actividades que não constituem o seu objecto social nem necessárias à prossecução do mesmo, a recorrente carece de interesse legítimo para ver registada a marca pretendida.
11. Finalmente, e em relação aos serviços que a recorrente presta, teria sempre de ter sido admitido o registo de marca pretendido pela recorrente, já que, de acordo com o art.º 216.º do Regime Jurídico de Propriedade Industrial, quando existam fundamentos para recusa do registo de uma marca apenas no que respeita a alguns dos produtos ou serviços para que este foi pedido, a recusa do registo restringe-se apenas a esses produtos ou serviços.”
4.3. Quanto à questão do legítimo interesse no direito ao registo de uma marca por parte de uma sociedade de entrega de valores, não há razões que justifiquem um entendimento diferente do acima enunciado.
Esta posição, no essencial, fora já acolhida no TSI.9
5. Da questão do interesse em registar a marca para o futuro
5.1. A Classificação Internacional de Produtos e Serviços para efeitos de Registo de Marcas (Classificação de Nice - 9ª Edição) em vigor também em Macau desde o sobredito dia 22 de Maio de 2009, prevê que à classe 36ª pertencem, entre outros, uma variedade de serviços, para além dos cometidos no objecto social da recorrente, negócios financeiros e, negócios monetários..
5.2. Alega a recorrente que existe a possibilidade legal (art. 12º do RJPI) de fazer utilização indirecta do uso da marca N/5XXX4, através da cessão de exploração a um terceiro e que a requerente da marca, ora recorrente, tem interesse em registar a marca para ceder o uso ou exploração da marca a uma terceira entidade, uma subsidiária ou outra sociedade com relação comercial, alegando, ainda, que pode pedir a marca para uso futuro.
5.3. A questão que aqui se coloca é a seguinte: Pode ou não a sociedade em causa, sociedade de entrega de valores, ter interesse legítimo em solicitar o registo de uma marca para um certo conjunto de actividades de uma dada classe, no caso específico a classe 36ª?
Será que a lei - artº 201º do RJPI - considera que só há interesse legítimo quando o requerente destine a marca a uma actividade económica concreta que exista ao tempo do pedido? Pode requerê-la para uma actividade ainda não desenvolvida, tem que haver alguma indiciação ou preparação do desenvolvimento da actividade, ou tem de haver alguma relação com a actividade já desenvolvida?
Tudo questões que a lei não resolve expressamente.
5.4. Esta questão já foi abordada por nós em processo em que nos passamos a louvar.10
Socorramo-nos, então da Doutrina.11
Tem legítimo interesse o requerente que desempenhe, por regra, em moldes empresariais, uma das categorias da actividade económica (primária, secundária e terciária), à qual se ligam os produtos ou serviços a assinalar. A lei confere, expressamente, legitimidade em razão da actividade económica do interessado, independentemente da respectiva natureza jurídica (pessoa singular ou colectiva, de direito privado ou público).
Há legítimo interesse sempre que o interessado destine a marca a uma actividade económica concreta que exista ao tempo do pedido. O requisito exigido é o da ligação da marca a uma actividade directamente exercida pelo interessado. Não sendo a enumeração legal taxativa, isso significa que no conceito de legítimo interesse podem caber outras situações. Desde logo, resulta da lei a possibilidade de formulação de um pedido de marca destinada a ser usada no futuro, desde que, sob pena de caducidade, o diferimento do uso não seja superior a um período de cinco anos, após o registo. Assim, seria contraditório, do ponto de vista da coerência do sistema normativo, que o nosso direito de marcas estatuísse a falta de legítimo interesse a todo aquele que, exercendo já uma actividade económica, pretendesse registar uma marca para uso não imediato.
Há, portanto, situações, frequentes na prática, em que o requerente solicita o registo da marca para ser usada, imediatamente, em novos produtos ou serviços, ligados ao alargamento da(s) sua(s) actividade(s). Se o requerente, no momento do pedido, for um industrial, comerciante, agricultor, artesão ou prestador de serviços tem, pois, legitimidade para pedir uma marca, destinada a ser usada, directamente, na sua actividade (ou actividades), de modo imediato ou mediato (diferido).
Na hipótese do uso diferido ou mediato, a eventual falta de uso futuro não constituirá um problema de (i)legitimidade e, consequentemente, de possível invalidade, mas um problema de caducidade por não uso da marca.
Outra situação subsumível, ao conceito de legítimo interesse, por decorrer, coerentemente, da ratio legis, é a do requerente que, não exercendo ainda nenhuma actividade económica, esteja em condições de demonstrar, no momento do pedido, se para tal for instado, encontrar-se numa fase preliminar ou preparatória de organização empresarial e destine a marca a produtos ou serviços da sua actividade.
Há legítimo interesse sempre que o requerente possa demonstrar destinar a marca a produtos ou serviços relacionados com uma actividade económica em vias de ser iniciada pelo próprio.
O conteúdo do conceito de legítimo interesse, por referência à ligação imediata ou mediata da marca a uma actividade do titular, implica que não tem legítimo interesse todo aquele que não exerça, nem demonstre vir a exercer, qualquer actividade económica e apenas tenha a intenção de se servir do registo com finalidade exclusivamente especulativa.
Donde, enuncia o autor que vimos citando, o seguinte critério-síntese de legitimidade: “o requerente tem legitimidade quando, no momento do pedido, independentemente da sua natureza jurídica, exerça ou demonstre poder vir a exercer, por via de regra, empresarialmente, qualquer das actividades económicas indicadas nas várias alíneas do art. [168.°], e destine a marca, imediata ou diferidamente, a produtos ou serviços relacionados com essas actividades”.12
Desta posição doutrinária, acima extractada, podemos concluir que não se exclui a possibilidade de alguém ter interesse em segurar uma dada marca para uma actividade que vai desenvolver no futuro.
No mesmo sentido, a Jurisprudência Comparada.13
No caso presente é verdade que pode haver alguma relacionação entre a actividade desenvolvida actualmente e aquelas que se visam no futuro. Só que não se vê como pode ser ultrapassado o obstáculo, doutamente vislumbrado na sentença, pois que se é certo que nada impede que a sociedade proceda a uma alteração do objecto social, encerrando a actividade que está neste momento a desenvolver, não é menos certo que a legislação que regula uma actividade de uma SEV a interdita de outros exercícios.
E, poder-se-ia, acrescentar no reforço da tese da recorrente que no caso de não usar a marca durante um determinado período é a própria lei que prevê a caducidade do registo findo o prazo previsto no artigo 231º, n. 1, b) do RJPI.
Então como conciliar a possibilidade de se requerer uma marca para o futuro e uma ilegitimidade nesse pedido, por, respeitando ao futuro, nada existir neste momento?
Pensamos que a resposta há-de passar por uma aferição da relação entre o titular e o interesse no momento em que se formula a pretensão. Com isto estamos a circunscrever e a relacionar os termos de uma legitimidade substantiva - enquanto relação entre o sujeito e o conteúdo do acto 14- para a necessidade de essa relação que se pretende encabeçar ter de ser efectivada através de um procedimento de registo de marcas junto da DSE, assumindo este natureza constitutiva, donde relevar então uma legitimidade procedimental que se há-de determinar pelo momento em que se inicia esse procedimento.
Ora, dentro deste quadro, no momento em que se vai aferir do interesse para o pedido da apontada marca, o certo é que a requerente, aqui recorrida, não se pode dedicar àquelas actividades.
E daí emerge necessariamente um sem interesse ou não interesse nesse pedido, pois que não está em condições de exercer a actividade para a qual formulou o pedido.
5.5. Tanto basta para termos as razões avançadas pela recorrida e recepcionadas na sentença recorrida como mui válidas e pertinentes.
6. Da utilização indirecta
Assim se conclui, tal como na douta sentença que, por sua vez, se louva no citado acórdão do V.º TUI, para decidir no sentido de que não é possível o registo de uma marca para utilização futura em todos os casos, pois, a recorrente, enquanto sociedade de entrega de valores, estando vinculada a essa actividade exclusiva, terá, sempre, que ser destinada a assinalar serviços / "negócios financeiros" e "negócios monetários", não podendo colher a alegação de que poderá vir a usar a marca para outros serviços, nomeadamente, para serviços bancários e afins, no futuro.
Acresce que naquele douto aresto (TUI 45/2012, de 7/11/2012) não deixa de se observar pronúncia sobre questão da utilização indirecta da marca, nos seguintes termos: "(...) Se é verdade que é legalmente admissível o registo de marca para utilização indirecta e diferida, certo é que, no caso da ora recorrente, enquanto SEV, tal utilização nem sequer é possível para outras actividades, embora incluídas na classe 36.ª mas fora do objecto social da recorrente, uma vez que lhe é vedado o exercício de tais actividades, que constitui um obstáculo inultrapassável, face à norma imperativa legal".
Acrescentando: "(…) Ainda que é possível pedir o registo de marca com vista a ceder o seu uso, através de uma concessão de licença de exploração, certo é que é discutível o registo de marca com a exclusiva finalidade de ser licenciada (concedida licença de exploração a terceiro). Afigura-se-nos que relativamente às actividades que não constituem o seu objecto social nem necessárias à prossecução do mesmo a recorrente carece de interesse legítimo para ver registada a marca pretendida"
Donde decorreria sempre uma limitação da marca pretendida apenas a algumas das actividades inseridas na classe 36ª, caso fosse possível essa dissociação.
7. Do fundamento de recusa previsto no art. 214.°, N.º 2, a) do RJPI
Insurge-se a recorrente contra o facto do douto Tribunal recorrido ter dado por preenchido o fundamento absoluto de recusa previsto no art. 214.°, n.º 2, alínea a), do RJPI.
Essa norma é do seguinte teor:
(…) O pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha:
a) Sinais que sejam susceptíveis de induzir em erro o público, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina; (…)
A recorrente adquiriu os direitos relativos ao registo da dita marca, C, que tomou o n.º N/5XXX4, para assinalar serviços integrados na classe 36.ª, da sociedade "Banco de E, Inc." para serviços bancários e afins, tendo promovido o respectivo registo.
A marca referida inculca no desenvolvimento de uma actividade bancária e o certo é que a recorrente desenvolve a sua actividade na RAEM como sociedade de entrega de valores (SEV), actividade essa estrita e condicionada ao não desenvolvimento de outra actividade, sendo pacífico o entendimento de que o desenvolvimento da actividade relativa aos negócios financeiros e negócios monetários não pode abranger a actividade bancária.
A permitir-se o registo daquela marca à recorrente, induzir-se-ia o público em erro quanto às actividades permitidas ou facultadas àquela, sufragando-se ainda aqui o que ficou exarado na douta sentença, concluindo-se igualmente pela natureza enganosa da marca, o que não deixa de constituir uma proibição de recusa de registo da marca.
Quanto aos pedidos alternativos apresentados pela recorrente
Ainda aqui não lhe assiste razão.
Os dois primeiros pedidos suscitam uma reapreciação do processo nos termos do artigo 212º do RJPI.
Prevê este artigo:
1. Decorrido o prazo para a apresentação de reclamações e, se for o caso, mostrando-se finda a discussão, a DSE procede ao exame e estudo do processo.
2. O exame consiste na apreciação do alegado pelas partes e, principal e obrigatoriamente, no exame da marca requerida e sua comparação com a marca ou marcas registadas para o mesmo produto ou serviço, ou para produtos ou serviços idênticos ou afins, depois do que é elaborado relatório do processo e submetido a despacho, que pode ser de concessão ou de recusa.
3. O exame da marca deve sempre atender, no tocante aos elementos nominativos que a compõem, à possível confundibilidade dos caracteres e sons portugueses, chineses, ingleses ou outros, separadamente ou entre si.
A reapreciação pretendida é manifestamente extemporânea, sob pena de ter se reabrir a cada passo um processo, cujo recurso visa pôr um ponto final na decisão. Tal só seria admissível se se tivesse comprovado algum deficit de instrução, o que não é, seguramente, o caso.
Por outro lado, como anota a recorrida, a natureza dos recursos judiciais de marca são de ampla jurisdição e não de mera legalidade, o que não se compadece com o reenvio dos processos à DSE, antes prevendo-se a requisição de técnicos (art. 280.° do RJPI), por parte do Tribunal para prestar esclarecimentos de que necessitar para decidir, certo sendo que os tribunais podem conceder ou recusar direitos de propriedade industrial, designadamente marcas, invocando fundamentos diversos da DSE.
Os pedidos seguintes não podem ser de algum modo atendidos, pois passam por uma questão que foi já analisada e se prende com a pretensão em não se ter a marca por enganosa.
Depois de dizermos que a marca pretendida nas concretas circunstâncias que são dadas como assente, é evidente que não se pode agora contradizer o que acima foi dito. Na verdade, repete-se, a natureza da marca C, quando pretendida pela recorrente, uma sociedade de entrega de valores, cujo objecto social é muito restrito por imposição legal, o que determina que apenas possa registar marcas para assinalar serviços ou actividades consistentes em negócios financeiros e negócios monetários, não deixa de fazer incorrer o consumidor médio que está perante uma sociedade autorizada a desenvolver actividade bancária.
O pedido que pretende restringir a concessão do registo da marca às actividades autorizadas da recorrente não resistiria àquela carga enganosa.
Nos termos e fundamentos expostos, o recurso não deixará de se julgar improcedente.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Macau, 11 de Dezembro de 2014,
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
1 Vigente em Macau pelo Aviso do Chefe do Executivo n.º 10/2009
2 De 07.11.2012, proferido no processo 45/2012
3 Conforme resulta dos arts. 2º a 4º do Decreto-Lei n.º 15/97/M, de 5 de Maio
4 In Direito de Marcas, Coimbra Editora, Janeiro de 2004, pág. 283 a 287.
5 Segundo o ensinamento de Fernández N6voa citado por Luís M. Couto Gonçalves, in Direito de Marcas, 2.ª Ed. Almedina, pág. 112/113.
6 Processo n.º 127/2013 disponível in http://www.court.gov.mo/p/pdefault.htm.
7 Com interesse vide os exemplos de marcas consideradas enganosas na jurisprudência portuguesa, identificados por Luís M. Couto Gonçalves, in Direito de Marcas, 2ª Ed. Almedina pág. 113, nota. 245.
8 - Proc. 45/2012, de 7/11/2012
9 - Processos n.º 122/2011, de 23/2/2011 e 106/2011, de 16/2/201212272011, de 23/2/2011
10 - Ac. TSI n.º 122/2011, posição igualmente sufragada no Proc. n.º 106/2011, também já citado.
11 - Couto Gonçalves, in Função Distintiva da Marca, Almedina, 1999, 157 e 161
12 - Couto Gonçalves, Função Distintiva da Marca, Almedina, 1999, 157 e 161
13 - Ac. RL de 30/9/2008, proc. 3546/3008-1
14 - Mota Pinto, , TGDC, 3ª ed., 255
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516/2014 30/30