Processo nº 776/2014/A
(Autos de suspensão de eficácia)
Data: 18/Dezembro/2014
Assuntos: Suspensão de eficácia de acto administrativo
Punição disciplinar
SUMÁRIO
- O pedido de suspensão de eficácia só é admissível quando o acto administrativo for um acto de conteúdo positivo ou, sendo de conteúdo negativo, apresentar uma vertente positiva.
- São três os requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso.
- O requisito sobre o prejuízo de difícil reparação previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias invocadas pela requerente.
- Contudo, por o acto em causa ter natureza de sanção disciplinar, ao abrigo do nº 3 do artigo 121º do CPAC, não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a).
- Uma vez que não houve contestação por parte da entidade requerida, nem foi alegado por qualquer forma de que a suspensão de eficácia do acto venha causar grave lesão do interesse público, para além de não se descortinar que a lesão seja manifestamente ostensiva ou notória, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 129º do CPAC, dá-se por verificado o requisito previsto na alínea b).
- Também dá-se por verificado o requisito previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 121º do CPAC, por não se vislumbrar que o recurso contencioso a interpor em sede própria possa estar enfermado de ilegalidade do ponto de vista processual.
- Face à verificação de todos os requisitos previstos no nº 1 do artigo 121º do CPAC, é deferido o pedido formulado pela requerente sobre a suspensão de eficácia do acto que a puniu disciplinarmente com uma pena de suspensão do exercício da profissão pelo período de seis meses.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 776/2014/A
(Autos de suspensão de eficácia)
Data: 18/Dezembro/2014
Requerente:
- A
Requerida:
- Secretário para a Economia e Finanças
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, residente da RAEM, melhor identificada nos autos, vem, nos termos do artigo 120º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a suspensão de eficácia do despacho do Exmº. Secretário para a Economia e Finanças, de 20.8.2014, que lhe aplicou uma pena de suspensão do exercício da profissão pelo período de 6 meses.
Invocou que o acto em causa lhe causa prejuízo de difícil reparação, que não existe grave lesão para o interesse público caso seja decretada a suspensão e que não há fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
Citada a entidade requerida para, querendo, contestar, ficou silente.
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O Digno Magistrado do Ministério Público opinou, em seu parecer, pela procedência do pedido de suspensão (cfr. fls. 69 e 70 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
Cumpre decidir.
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções e questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do presente apenso, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do procedimento:
A requerente é auditora de contas registada na Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas com o nº 275.
Por despacho do Exmº Secretário para a Economia e Finanças, de 20.8.2014, foi a requerente punida com a pena de suspensão do exercício da profissão pelo período de 6 meses, por entender estar provado o seguinte:
- No dia 30.6.2010, a arguida ora requerente assinou a declaração Modelo M/1, o quadro 16, reservado à declaração dos auditores/contabilistas/técnido de contas relativa ao imposto complementar de rendimentos (Grupo “A”) relativo ao exercício de 2009 da Companhia de B, Lda;
- A referida declaração foi recebida no Departamento de Auditoria Inspecção e Justiça Tributária, no Núcleo de Imposto Complementar (Grupo “A”) da Direcção dos Serviços de Finanças, em 31.7.2010.
- A arguida ora requerente declarou o seguinte: “Verifiquei/Verificámos os dados declarados nesta declaração de rendimentos, confirmando que estão conforme com os livros de escrituração da empresa, cujas “Demonstrações financeiras” foram elaboradas de acordo com as “Normas de Contabilidade” aprovadas pelo REGA nº 25/2005, não se tendo detectado qualquer violação às referidas Normas em todos os aspectos materiais.”;
- No entanto, o declarado na Declaração de Rendimentos do Imposto Complementar de Rendimentos e seus anexos, não coincide com os dados constantes da escrita do referido exercício;
- Mais precisamente, naquela declaração foi apresentado o montante de MOP$2.060.000,00 como aquisição de materiais à empresa de Cantão “C, Lda”, na “Discriminação dos fornecedores do Exercício de 2009”;
- Esse montante encontra-se incluído no total de MOP$223.527.182,00 constante do Relatório Técnico referente a materiais;
- No entanto, de acordo com a escrituração da Companhia de B, Lda, o montante de MOP$2.060.000,00 pago à “C., Lda” corresponde a despesa de consultadoria;
- Só que na Declaração de Rendimentos Modelo M/1 relativa ao exercício de 2009 ou nos documentos a ela anexados não consta qualquer referência a despesa de consultadoria;
- A verdadeira natureza da despesa de MOP$2.060.000,00 só foi apurada na sequência de exame à escrita em virtude do técnico encarregado da análise da declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2009 ter sido o mesmo que procedeu à análise da declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2008;
- A arguida ora requerente bem sabia que o montante de MOP$2.060.000,00 constava da escrita como despesa de consultadoria e que a mesma correspondia a consultadoria sobre aterros prestada pela “C., Lda” em Macau;
- E que a “C., Lda” era uma Companhia da China Continental sem estabelecimento estável em Macau;
- A arguida ora requerente decidiu, no entanto, colocar essa despesa como despesa de aquisição de materiais fazendo-a registar desse modo no relatório técnico e na relação de fornecedores anexos à Declaração de Rendimentos modelo M/1;
- Inserindo, assim, na declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2009 dados que sabia não corresponderem à realidade, alterando a natureza daquela despesa;
- Ao ocultar a verdadeira natureza da despesa como despesa de consultadoria, fez com que a Administração Fiscal não solicitou a prova do cumprimento do disposto no artigo 8º do Regulamento da Contribuição Industrial por parte da “C., Lda”, e desse modo não integrou no rendimento colectável o montante de MOP$2.060.000,00, daí que resultou para aquela um benefício ilegítimo.
A requerente recorreu contenciosamente desse despacho punitivo para este Tribunal de Segunda Instância.
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O caso
Sendo a requerente auditora de contas registada na Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas, foi punida com a pena de suspensão do exercício da profissão pelo período de 6 meses, por despacho do Exmº Secretário para a Economia e Finanças, de 20.8.2014.
Vem pedir agora a suspensão de eficácia do referido despacho.
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Acto de conteúdo positivo
Em regra, a interposição de recurso contencioso de acto administrativo visando a declaração da sua invalidade não tem efeito suspensivo, ao abrigo do artigo 22º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Mas há situações em que a imediata execução do acto administrativo pode trazer efeitos desfavoráveis ao requerente.
Precisamente para evitar a produção de tais resultados ou efeitos, foi criada pelo legislador a possibilidade de suspensão de eficácia do acto.
Nos termos do artigo 120º do Código do Processo Administrativo Contencioso, dispõe-se que há lugar a suspensão de eficácia “quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
Para Diogo Freitas do Amaral, são actos positivos “aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica”, enquanto actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”.1
Assim, o pedido de suspensão de eficácia só é admissível quando o acto administrativo for um acto de conteúdo positivo ou, sendo de conteúdo negativo, apresentar uma vertente positiva.
No caso vertente, é de verificar que o acto administrativo em causa consiste na aplicação de uma pena disciplinar, sendo assim, consubstancia um acto de conteúdo positivo cuja eficácia é susceptível de ser suspensa em sede de procedimento cautelar, desde que sejam verificados os respectivos requisitos legais.
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Do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Analisaremos, em seguida, se estão verificados os requisitos para a concessão da providência requerida pela requerente.
Estatui o artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
No fundo, para ser concedida a suspensão de eficácia do acto, não importa apreciar o mérito da questão, traduzido nos eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, mas limita-se a saber se estão verificados cumulativamente os três requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso, atendendo aos elementos carreados ao processo.
Bastará a falta de algum deles para que a providência requerida seja indeferida.
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Em primeiro lugar, por o acto em causa ter natureza de sanção disciplinar, ao abrigo do nº 3 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso, não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do nº 1 do mesmo artigo.
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No que respeita ao segundo requisito - inexistência de grave lesão do interesse público pelo facto da suspensão de eficácia do acto -, trata-se de um requisito negativo que deve ter em conta as circunstâncias do caso concreto e o interesse público envolvido nele. Deve apreciar-se até que ponto a suspensão agride o interesse público em causa, por exemplo, da saúde, da segurança, da ordem pública, etc.2
Toda a actividade administrativa visa prosseguir o interesse público, por isso só pode ser deferida a suspensão de eficácia do acto se não se verificar lesão grave do interesse público prosseguido pelo acto.
Refere o Acórdão deste TSI, no Processo 84/2014/A, que “a expressão «grave lesão do interesse público» constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso”.
No vertente caso, não houve contestação por parte da entidade requerida, nem foi alegado por qualquer forma de que a suspensão de eficácia do acto venha causar grave lesão do interesse público, para além de não se descortinar que a lesão seja manifestamente ostensiva ou notória.
Nesta conformidade, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 129º do Código de Processo Administrativo Contencioso, dá-se por verificado o requisito previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 121º do mesmo Código.
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Por último, é necessário ainda que não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
Conforme se decidiu no Acórdão deste TSI, no Processo 92/2002, “Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não já quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência”.
No caso vertente, não se nos afigura, pelo menos nesta fase processual, que o recurso contencioso a interpor em sede própria possa estar enfermado de ilegalidade do ponto de vista processual, assim consideramos verificado o requisito negativo previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Aqui chegados, impõe-se o atendimento do pedido.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em deferir o pedido formulado pela requerente sobre a suspensão de eficácia do acto integrado pelo despacho do Exmº. Secretário para a Economia e Finanças, de 20.8.2014, que a puniu disciplinarmente com uma pena de suspensão do exercício da profissão pelo período de seis meses.
Sem custas.
Registe e notifique.
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Macau, 18 de Dezembro de 2014
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Tong Hio Fong Mai Man Ieng
(Fui presente)
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Lai Kin Hong
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
1 Diogo Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, vol III, Lisboa, 1989, pág 155
2 José Cândido de Pinho, in Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ, 2013, pág 299
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Processo 776/2014/A Página 12