Processo n.º 376/2014 Data do acórdão: 2014-12-18 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
– art.o 114.o do Código de Processo Penal
– art.º 109.o da Lei do Trânsito Rodoviário
S U M Á R I O
1. Como após examinados todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da decisão condenatória recorrida, não se mostra patente a violação, por parte do tribunal a quo, de quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal das provas, ou de qualquer regra da experiência humana na vida quotidiana, ou ainda de quaisquer legis artis vigentes no campo de julgamento da matéria de facto, sendo, pois, razoável e lógico o resultado a que chegou esse tribunal a nível da formação da sua livre convicção sobre os factos sob a égide do art.o 114.o do Código de Processo Penal, não pode ocorrer o vício de erro notório na apreciação da prova apontado pelo arguido à decisão condenatória, com citação do art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do mesmo Código.
2. É inivável a suspensão da execução da pena de inibição de condução à luz do art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, se desde logo o arguido assim punido não é um motorista profissional com rendimentos exclusivamente dependentes da actividade de condução automóvel.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 376/2014
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 234 a 240 do Processo Comum Colectivo n.o CR3-13-0167-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material de um crime consumado de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 90.º, n.º 1, da Lei n.º 3/2007, de 7 de Maio (isto é, Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR), na pena de quatro meses de prisão, com inibição de condução por um ano, e também como autor material de um crime consumado de ofensa simples qualificada à integridade física, p. e p. conjugadamente pelos art.o 140.o, n.os 1 e 2, art.o 137.o e art.o 129.o, n.o 2, alínea h), do Código Penal (CP), na pena de sete meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de nove meses de prisão (suspensa entretanto na sua execução por um ano e seis meses), para além da pena acessória de inibição efectiva de condução por um ano, e ficou condenado ainda no pagamento de oito mil patacas a favor do ofendido B, com juros legais contados a partir da data desse acórdão até integral e efectivo pagamento.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando à decisão condenatória o vício de erro notório na apreciação da prova (no respeitante aos factos constitutivos do referido tipo legal de ofensa à integridade física) e a violação do art.o 109.o da LTR, para pedir a sua absolvição, em prol do princípio de in dubio pro reo, do crime de ofensa à integridade física, e a suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução (cfr. com mais detalhes, e mormente, o teor da motivação de recurso de fls. 265 a 270 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 282 a 284 dos autos) a Digna Delegada do Procurador, no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 294 a 295v), pugnando também pela improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. Segundo a factualidade descrita como provada no texto do acórdão recorrido (cfr. o teor das suas páginas 4 e 5, a fls. 235v a 236 dos autos), e na sua parte que ora interessa à solução do recurso:
– em 11 de Agosto de 2008, cerca das duas horas e quinze minutos da madrugada, e em operação de STOP levada a cabo numa via pública em Macau, o guarda C (1.o ofendido) do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) descobriu que o arguido, na altura em condução do veículo automóvel n.o MM-52-30, estava a usar telemóvel;
– o 1.o ofendido e um outro guarda do CPSP chamado B (2.o ofendido) mandaram parar o arguido;
– no meio da investigação, o arguido descontrolou-se emocionalmente, e esmurraçou o 2.o ofendido;
– a conduta acima referida do arguido fez com que o 2.o ofendido tenha tido fractura óssea na mão direita, a qual veio necessitar de trinta dias para convalescença, com provocação da perda da capacidade de trabalho nos primeiros sete dias (cfr. o teor do parecer médico-legal a fl. 47 dos autos);
– foi subsequentemente detectada hospitalarmente ao arguido a alcoolemia de 2,01 gramas por litro de sangue;
– o arguido, de modo consciente e voluntário, conduziu veículo automóvel em via pública depois de estar bêbado;
– o arguido, de modo consciente e voluntário, executou acto de ofender o corpo do funcionário público, por estar insatisfeito com o acto de exercício de funções deste;
– o arguido sabia que a sua conduta era proibida por lei e susceptível de ser sancionada por lei;
– o arguido não tem antecedentes criminais;
– o arguido declarou ser comerciante, com quarenta mil patacas de rendimento mensal, com os pais e uma filha a seu cargo, e com instrução primária da 6.a classe.
2. Da fundamentação probatória tecida no texto da decisão recorrida (cfr. o teor das suas páginas 6 e 7, a fls. 236v a 237 dos autos), consta inclusivamente o seguinte:
– o arguido prestou declarações na audiência de julgamento, confessando a condução em estado de bêbado, mas negando a execução de outros factos acusados;
– o 2.o ofendido prestou declarações na audiência de julgamento, falando objectivamente sobre o decurso das coisas;
– o 2.o ofendido declarou que tinha sido esmurraçado pelo arguido;
– o relatório de exame médico do 2.o ofendido e o parecer médico-legal juntos aos autos confirmam a lesão do 2.o ofendido;
– após a análise objectiva e global das declarações do arguido e da testemunha na audiência de julgamento, em conjugação com o exame, na audiência de julgamento, dos documentos e de outros meios de prova constantes dos autos, o Tribunal considerou como provados os factos acima referidos.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, vê-se que o recorrente começou por sindicar, através da invocação do disposto no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), do resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo, alegando sobretudo que da prova então produzida na audiência, não se poderia dar por provado o seu dolo na prática do crime de ofensa à integridade física do 2.o ofendido.
Entretanto, para o presente Tribunal ad quem, depois de examinados todos os elementos probatórios já referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se pode dar por patentemente verificada a violação, por parte do Tribunal recorrido, de quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal das provas, ou de qualquer regra da experiência humana na vida quotidiana, ou ainda de quaisquer legis artis vigentes no campo de julgamento da matéria de facto, sendo, pois, razoável e lógico o resultado a que chegou o Tribunal recorrido a nível da formação da sua livre convicção sobre os factos sob a égide do art.o 114.o do CPP, pelo que há que cair por terra o vício de erro notório na apreciação da prova invocado pelo arguido, sem mais indagação por ociosa.
Realmente, da matéria de facto provada em primeira instância (e já acima referenciada na parte II do presente acórdão de recurso), resulta nítido que por causa directa e adequada de o arguido ter esmurraçado de modo consciente e voluntário (e com conhecimento da proibição legal e punibilidade dessa conduta) o 2.o ofendido, este sofreu fractura óssea na mão direita. Daí que sem margem para qualquer dúvida, o arguido agiu com dolo directo na prática da ofensa corporal contra o 2.o ofendido.
E agora no tangente à pretensão do arguido de suspensão da execução da sua pena acessória de inibição de condução: é efectivamente inivável esse pedido, porquanto, desde logo e com abstracção da consideração do demais, não sendo ele um motorista profissional com rendimentos exclusivamente dependentes da actividade de condução automóvel, é a priori inconcebível, a favor do arguido, qualquer motivo ponderoso a relevar eventualmente do estatuído no art.o 109.o, n.o 1, da LTR.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com oito UC de taxa de justiça.
Comunique ao guarda policial ofendido B.
O presente acórdão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Macau, 18 de Dezembro de 2014.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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