Processo nº 477/2014
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. Por sentença do Mmo Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar a “COMPANHIA DE RESTAURAÇÃO A LIMITADA”, (A餐飲有限公司), como autora da prática de uma contravenção – por “falta de pagamento de trabalho extraordinário” – p. e p. pelo art. 20° da Lei n.° 21/2009, (Lei da contratação de trabalhadores não residentes), e art. 37°, n.° 1 e art. 85°, n.° 3, alínea 2) da Lei n.° 7/2008, (Lei das relações de trabalho), na multa de MOP$6.000,00 e no pagamento de uma indemnização no montante de MOP$26.058,30 a B; (cfr., fls. 171 a 173-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para, a final, produzir as suas conclusões, imputando à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “violação do princípio in dubio pro reo”, manifestando também a sua discordância quanto à indemnização arbitrada; (cfr., fls. 176 a 184).
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Respondendo, pugna o Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 186 a 189).
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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., e em sede de vista, oportunamente juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Vê-se bem que a recorrente, ao invocar erro notório na apreciação da prova, pretendendo não se ter esta efectuado no que respeita à prestação de trabalho extraordinário por parte da ofendida, não lhe sendo, consequentemente, devida qualquer indemnização, se limita, pura e simplesmente, a efectuar leitura pessoalíssima do que pretende ter sido a prova produzida em julgamento, atendo-se, bem vistas as coisas, a mero depoimento de uma testemunha indicada pela própria defesa, quando, em boa verdade, do douto acórdão recorrido, no qual se apontam especificadamente as provas em que se sustentou a decisão - documentais, declarações da ofendida, depoimentos testemunhais - não se colhe que, no escrutínio probatório efectuado e conclusão alcançada, tenha existido, como bem sustenta o Exmo Colega na sua Resposta "erro, ilogicidade ou contradição", ou tenham sido atropeladas regras da experiência ou do senso comum.
E, tendo-se comprovado, no âmbito do legalmente preconizado princípio da livre apreciação da prova (que, no caso, para além da devida motivação, não deixou de acentuar que, ao invés do que a recorrente pretenderia, a sua versão, essa sim, atropelaria as ditas regras) que todos os dias a trabalhadora ofendida trabalhava no período compreendido entre as 10.30 e as 21.30 horas, durante o qual tinha uma hora, no total, para descanso, não lhe tendo a recorrente pago qualquer compensação do trabalho extraordinário, resulta evidente a prática da contravenção imputada e a indemnização devida.
Quanto a esta, subscreve-se, também, o doutamente aduzido pelo M.P. em 1ª instância, matéria à qual nada de relevante temos a acrescentar, afigurando-se-nos, assim, não merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 244 a 245).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 171-v e 172, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem a arguida recorrer da sentença prolatada pelo Mmo Juiz do T.J.B. que a condenou como autora da prática de uma contravenção – por “falta de pagamento do trabalho extraordinário” – p. e p. pelo art. 20° da Lei n.° 21/2009, (Lei da contratação de trabalhadores não residentes), e art. 37°, n.° 1 e art. 85°, n.° 3, alínea 2) da Lei n.° 7/2008, (Lei das relações de trabalho), na multa de MOP$6.000,00, e no pagamento de uma indemnização no montante de MOP$26.058,30.
Ponderando nas questões pela ora recorrente colocadas, e visto que começa por suscitar o vício do “erro notório na apreciação da prova” e “in dubio pro reo”, sem demoras se passa a decidir.
Vejamos.
–– Tem este T.S.I. entendido que:
“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 23.10.2014, Proc. n.° 531/2014 do ora relator).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 23.10.2014, Proc. n.° 531/2014).
Dito isto, e como já se deixou adiantado, evidente se nos mostra que inexiste o assacado “erro notório”, pois que a questão coloca-se em relação às “horas de trabalho e descanso” do referido trabalhador, e, como é bom de ver, (e assim resulta dos autos), nesta matéria, procedeu o Tribunal a quo à apreciação da prova em conformidade com o princípio da livre apreciação da prova, não tendo violado qualquer “regra sobre o valor da prova tarifada” – que, no caso, não existe – “regra de experiência” ou legis artis, sendo aqui de se subscrever, na íntegra, o entendimento pelo Ministério Público assumido na sua Resposta e posterior Parecer, mais não se mostrando de acrescentar.
O mesmo se dirá em relação à pela recorrente alegada “declaração – de quitação – da trabalhadora, a fls. 68”.
A mesma “declaração” (e seus efeitos) não foram (oportunamente) invocados pela ora recorrente, nomeadamente, em sede de contestação, (que não produziu), e, estando corporizada em mera “fotocópia”, não implica que se tivesse de dar a mesma como provada, estando pois, como sucedeu com os outros elementos de prova dos autos, sujeito ao princípio da sua livre apreciação, (cfr., art. 114° do C.P.P.M.), nenhum reparo merecendo o decidido na parte em questão.
–– Passemos, agora, para a alegada violação do princípio “in dubio pro reo”.
Sobre este princípio, já teve este T.S.I. oportunidade de considerar que o mesmo “identifica-se com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dubio pro reo”, decidir pela sua absolvição”; (cfr., v.g. o Ac. de 06.04.2000, Proc. n.° 44/2000, e mais recentemente, de 19.09.2013, Proc. n.° 157/2013).
Por sua vez, e como entende a doutrina, segundo o princípio “in dubio pro reo” «a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido»; (cfr., Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, pág. 215).
Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito - tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo - quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda, segundo uma terminologia mais actualizada, tipos justificadores, quer ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena.
Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”; (cfr., Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano”, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615) .
Por isso, para a sua violação exige-se a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido; (neste sentido, cfr. v.g., o Ac. do STJ de 29-4-2003, proc. n.º 3566/03, in “www.dgsi.pt”).
Nesta conformidade, e não nos parecendo que em momento algum teve o Tribunal a quo dúvidas, e tenha, mesmo assim, decidido contra a arguida, manifesto é que violado não foi o princípio em questão.
–– Aqui chegados, vejamos da questão pelo recorrente colocada quanto à “indemnização”.
Antes de mais, cabe dizer que quanto à “recorribilidade” do segmento decisório em questão, e atento o quantum em causa, afigura-se-nos que nada impede a interposição e subsequente conhecimento do recurso, (isto sem prejuízo de outro entendimento que sobre a mesma questão existe, e que, como é óbvio, se respeita); (cfr., v.g., o recente Acórdão deste T.S.I. de 04.12.2014, Proc. n.° 650/2014).
Todavia, “próxima” acaba por ser a solução.
É que o (único) fundamento pela recorrente apresentado é a sua afirmação no sentido de que “nada deve à trabalhadora dos autos”, (porque, como se viu, entende que mal julgada foi a matéria de facto).
Ora, resultando da matéria de facto dada como provada – e, que como se deixou consignado, não padece de vícios – que não foi a trabalhadora da ora recorrente compensada do trabalho extraordinário que prestou, também aqui se vê que inexistem motivos para se alterar o decidido.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.
Pagará a recorrente a taxa de justiça que se fixa em 5 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Registe e notifique.
Macau, aos 13 de Janeiro de 2015
José Maria Dias Azedo
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