Processo nº 853/2014 Data: 15.01.2015
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
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Processo nº 853/2014
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no artº 56º do C.P.M.; (cfr., fls. 82 a 84-v que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso; (cfr., fls. 86 a 86-v).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, considerando também que o recurso merecia provimento; (cfr., fls. 93).
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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.J.B. de 07.03.2014, foi, A, ora recorrente, condenado como autor da prática de 1 crime de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 1 ano e 9 meses de prisão;
– o mesmo recorrente deu entrada no E.P.M. em 12.09.2013, e em 11.11.2014, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 11.06.2015;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar à sua terra natal, Henan (R.P.C.), tencionando voltar a dedicar-se à agricultura.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Vejamos.
— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).
“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 12.09.2013, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2013, Proc. nº 177/2013, de 25.04.2013, Proc. nº 213/2013 e o de 20.06.2013, Proc. n.° 350/2013).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Cremos que de deve decidir em sentido favorável ao recorrente.
De facto, o ora recorrente era primário antes da condenação na pena que agora cumpre, e apresenta-se (profundamente) arrependimento da sua conduta, mostrando-se de admitir que, em liberdade, levará vida honesta, vivendo do seu trabalho.
Por sua vez, e quanto à alínea b) do n.° 1 do art. 56° do C.P.M., ponderando no tipo de crime em questão, na pena aplicada, no período que já cumpriu, e no que falta cumprir, (cerca de 5 meses), afigura-se-nos que condicionando-se a pretendida liberdade condicional com a proibição do regresso a Macau do ora recorrente pelo período de tempo que permanecerá em liberdade condicional se poderá assegurar a sua verificação.
Assim, em face das expostas considerações, e verificados estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que revogar a decisão recorrida, concedendo-se a pretendida liberdade condicional.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso.
Sem custas.
Passem-se os competentes mandados de soltura.
Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.500,00.
Oportunamente, envie cópia ao C.P.S.P..
Macau, aos 15 de Janeiro de 2015
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa
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