打印全文
Processo nº 836/2014
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B., vindo, a final, a ser condenada pela prática como autora material e em concurso real de 1 crime de “denúncia caluniosa”, p. e p. pelo art. 329°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão, e 1 outro crime de “injúria”, p. e p. pelos art°s 175°, 176° e 178° do mesmo C.P.M., na pena de 3 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi a arguida condenada na pena úncia de 6 meses de prisão; (cfr., fls. 303 a 313-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformada, a arguida recorreu para em síntese afirmar que a sentença recorrida padece de “erro notório na apreciação da prova”, considerando também excessiva a pena decretada; (cfr., fls. 332 a 337).

*

Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 343 a 344-v).

*

Remetidos os autos a este T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.333 a 337 dos autos, a recorrente A invocou o erro notório na apreciação de prova por não haver provas suficientes para comprovarem quem praticasse os factos, e ainda o vício de violação do art.44° do Código Penal.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (efr. fls.343 a 344 verso), no sentido de não provimento do presente recurso na sua totalidade. E, com efeito, nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
*
No que diz respeito ao «o erro notório na apreciação de prova» consagrado na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada a seguinte jurisprudência (cfr. Acórdãos do Venerando TUI nos Processo n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°9/2013 e n.°4/2014):
O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
No caso sub iudice, o raciocínio da recorrente mostra que o «erro notório na apreciação de prova» consiste em não haver provas suficientes para comprovarem quem tivesse praticado os factos ilícitos. O que toma patente e líquido que o argumento da recorrente não integra em nenhuma das modalidades delineadas reiteradamente pelo TUI.
No que diz: respeito à escolha da pena aplicada - pena única de 6 meses de prisão efectiva, sufragamos a douta ponderação da MMa Juiz a quo:根據«澳門刑法典»第48條之規定,經考慮到嫌犯之人格,生活狀況,犯罪前後之行為及犯罪之情節,嫌犯在庭審過程中並沒有平息其怨恨,相信重犯的機會極高;因此,本院認為僅對事實作譴責並以監禁作威嚇已不能適當及不足以實現處罰之目的,基於此,須實際執行本案所判處的刑罰(«澳門刑法典»第48條)。
***
Por todo o exposto acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 354 a 354-v).

*

Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 306 a 308, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem a arguida recorrer do Acórdão que a condenou nos termos atrás explicitados.

Considera que a sentença recorrida padece de “erro notório na apreciação da prova”, considerando também “excessiva a pena decretada”.

–– Nesta conformidade, e inexistindo outras questões de conhecimento oficioso, comecemos pelo assacado “erro notório”.

Tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 23.10.2014, Proc. n.° 531/2014 do ora relator).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.

Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 23.10.2014, Proc. n.° 531/2014).

No caso dos autos, evidente é que inexiste qualquer “erro”.

Com efeito, claramente provado estando que a ora recorrente produziu “afirmações falsas” sobre a pessoa e honorabilidade de um advogado local, atingindo a sua honra e consideração, fazendo-as chegar por escrito a este T.S.I. e à Associação dos Advogados de Macau, assim como assente estando o seu dolo e consciência da ilicitude de tal conduta, mais não se torna necessário consignar, irrelevante sendo a insistência da ora recorrente na sua “versão dos factos” que não foi acolhida pelo T.J.B., certo sendo, igualmente, que na decisão proferida e ora recorrida não foram desrespeitaradas as regras sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência e legis artis.

–– Nesta conformidade, (e não discutindo a recorrente a “qualificação jurídico-penal” da sua conduta, que também não merece censura), vejamos então das “penas”.

Ao crime de “denúncia caluniosa”, p. e p. pelo art. 329°, n.° 2 do C.P.M., cabe a pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias.

Por sua vez, ao crime de “injúria (agravada)”, p. e p. pelos art°s 175°, n.° 1, 176° e 178° do C.P.M. cabe a pena de prisão até 4 meses e 15 dias ou pena de multa até 180 dias.

No caso, com se viu, entendeu o Tribunal a quo aplicar a pena de 5 meses de prisão para o primeiro crime, e a de 3 meses de prisão para o segundo.

E também aqui, censura não merece o decidido.

Com efeito, tendo em conta os tipos de crime em questão, o bem jurídico com os mesmos tutelado e a “gravidade das condutas” pela arguida ora recorrente (falsamente) imputadas ao ofendido, razoável se nos apresenta a conclusão no sentido de que adequada não é a opção por penas não privativas da liberdade, (cfr., art.64° do C.P.M., pois que não asseguram, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição).

Por sua vez, atenta a elevada intensidade do dolo – directo – da arguida, (em atingir a honra e consideração do ofendido assim como de o prejudicar), os (inevitáveis) efeitos causados com a sua conduta, e atentos agora os critérios dos art°s 40° e 65° do C.P.M., cremos outrossim que nenhum reparo merece o decidido no que toca à “medida das penas”, que respeitam as suas respectivas molduras, não se mostrando assim de considerar inflacionadas, o mesmo sucedendo com a pena única que, igualmente, se apresenta em total consonância com o estatuído no art. 71° do mesmo C.P.M..

–– Por fim, considera a recorrente que não se lhe devia decretar uma “pena de prisão efectiva”.

Compreende-se a sua angústia.

Todavia, também aqui, motivos não temos para alterar o decidido.

Com efeito, certo sendo que a opção (perante as “penas alternativas” previstas para os crimes pela recorrente cometidos) por penas privativas da liberdade não exclui a possibilidade de se decidir, a final, pela suspensão da sua execução, verifica-se, porém que inviável é tal pretensão, pois que, no caso, nada permite dar por verificados os seus pressupostos (materiais), previstos no art. 48° do C.P.M..

Com efeito, temos entendido que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 24.07.2014, Proc. n° 428/2014).

E, no caso, condenada que já foi a ora recorrente pela prática de um crime de “burla agravada”, (envolvendo uma quantia superior a MOP$1.000.000,00), na pena de 4 anos de prisão, que cumpre, e tendo em conta a conduta que desenvolveu e que nestes autos foi dada como provada, cabe dizer que verificados não estão quaisquer dos pressupostos materiais para se decretar a peticionada suspensão da execução da pena.

Dest’arte, há que julgar (totalmente) improcedente o presente recurso.

Decisão

4. Em face do que se expôs, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará a recorrente a taxa de justiça de 5 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.500,00.

Macau, aos 15 de Janeiro de 2015
________________________
José Maria Dias Azedo

_________________________
Chan Kuong Seng

_________________________
Tam Hio Wa


Proc. 836/2014 Pág. 12

Proc. 836/2014 Pág. 13