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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ---------
--- Data: 11/12/2014 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------

Processo nº 795/2014
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. Em audiência colectiva respondeu A, com os restantes sinais dos autos, vindo a ser condenado como autor material da prática na forma consumada de 1 crime de “roubo”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 2 anos de prisão; (cfr., fls. 127 a 131 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.
Em sede das suas conclusões, e em síntese, diz que a decisão padece de “erro notório na apreciação da prova” e “erro na qualificação juídico-penal”; (cfr., fls. 145 a 152).

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Respondendo, diz o Ministério Público que nenhuma razão tem o recorrente, pugnando pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 161 a 163-v).

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Oportunamente juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Pretexta o recorrente, no essencial, a ocorrência de duas espécies de erro:
um, notório, na apreciação da prova, já que, em seu critério, não se encontra efectivamente demonstrado, sem margem para dúvidas, que o mesmo tenha sido o autor do ilícito imputado, já que, tendo o furto, por esticão, ocorrido pelas costas da ofendida, esta nunca poderia, de forma eficaz e convincente, identificar o prevaricador;
outro, de qualificação jurídica do evento, já que, tendo o visado sido detectado a remexer na bolsa da ofendida pouco tempo depois do ocorrido, não se teria chegado a consumar o roubo, tratando-se apenas de mera tentativa.
Sem qualquer razão, parece-nos, o oferecido.
Por um lado, é evidente que, pese embora o esticão e subtracção da bolsa tenha ocorrido nas costas da ofendida, quer o "torsão " daí adveniente, quer a própria reacção natural de qualquer ofendido em tais circunstâncias, permitiriam, como permitiram, à vítima, olhar de imediato, ver as roupas, a estatura, o "maneirismo" do perpetrador, por forma a, pouco tempo após o sucedido, poder eficaz e validamente identificá-lo, apresentando-se, pois, tal tipo de prova, associada ao facto de o visado, pouco tempo após o ocorrido, ter sido detectado a remexer, num beco, na bolsa da ofendida, como concludente, por forma a afastar qualquer dúvida razoável quanto à autoria dos factos delituosos.
Por outra banda, convirá referir que o recorrente não foi encontrado a remexer na bolsa em questão (nem tal se apresentaria como normal) em altura em que, porventura estivesse a ser perseguido, ou, pelo menos, sentisse tal como provável: quando foi detectado, o próprio sentia-se já "em paz", "protegido", pelo menos de forma a pensar que poderia verificar o conteúdo da bolsa que subtraíra, por forma a, porventura, escolher o que bem lhe conviesse. E, tal circunstância, faz toda a diferença quanto à consumação do ilícito que, obviamente, se não deixou de registar.
Donde, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, sermos a entender não merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 193 a 194).

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Em sede de exame preliminar, constatou-se da manifesta improcedência dos presentes recursos, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 128-v a 129-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.


Do direito

3. Como se deixou relatado, vem o arguido dos presentes autos recorrer do Acórdão prolatado pelo Colectivo do T.J.B. que o condenou como autor material da prática na forma consumada de 1 crime de “roubo”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 2 anos de prisão.

E, como (igualmente) resulta da sua motivação e conclusões de recurso, coloca a questão do “erro notório na apreciação da prova” e do “erro notório na qualificação jurídico-penal”.

Ora, como já se deixou adiantado, não se mostra de reconhecer razão ao ora recorrente, sendo o recurso de rejeitar, dada a sua manifesta improcedência, (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.), cabendo aqui notar que o Ilustre Procurador Adjunto, no seu douto Parecer, dá cabal e cristalina resposta às preocupações pelo recorrente manifestadas, pouco havendo a acrescentar.

Seja como for, sempre se dirá o seguinte.

–– Começando, como é lógico, pelo assacado “erro”.

Como repetidamente tem este T.S.I. afirmado:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 23.10.2014, Proc. n.° 531/2014).

No caso, em síntese, diz o recorrente que o “roubo” (por “esticão” dos autos) ocorreu quando a ofendida “estava de costas”, pelo que esta não pôde ver o seu autor, não se podendo assim dar valor ao seu depoimento e reconhecimento, e que o facto de provado estar que o recorrente foi encontrado com a carteira à ofendida pouco tempo antes subtraída não implica ter sido ele o autor (material) do seu “roubo”.

Pois bem, decididamente, não se acolhe o que alega o ora recorrente, que como se vê, limita-se a sindicar a livre apreciação da prova pelo T.J.B. efectuada.

Com efeito, não se pode esquecer que após o roubo, a ofendida contactou as autoridades policiais, que se deslocaram ao local, que momentos depois, num beco próximo do local do roubo foi o ora recorrente surpreendido a vasculhar a carteira da ofendida antes “roubada”, que o mesmo ao ver a polícia deita a carteira ao chão e tenta a fuga vindo a ser interceptado, e que, pelo seu vestuário, estatura, porte, aparência física e estilo, (corte de cabelo, etc.), foi (pela ofendida) reconhecido como a pessoa “autor do crime” dos autos.

Perante isto, evidente se nos apresenta que, de acordo com o dito princípio da livre apreciação da prova e em conformidade com as naturais regras de experiência, censura não merece a decisão proferida no que toca à “matéria de facto”, patente sendo assim a improcedência do recurso no que tange ao assacado “erro notório na apreciação da prova”, pois que não se vislumbra onde, como ou em que termos tenha o Tribunal a quo violado uma regra sobre o valor das provas tarifadas, regras de experiência ou legis artis.

–– Quanto ao também imputado “erro na qualificação jurídico-penal”, igualmente, pouco há a dizer.

Vejamos.

Como se viu, foi o ora recorrente condenado como autor material da prática, na “forma consumada” de 1 crime de “roubo”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 2 anos de prisão.

Diz porém o ora recorrente, invocando o recente Ac. do Vdo T.U.I. de 30.09.2014, Proc. n.° 67/2014, que se devia considerar que a sua conduta integra apenas o crime de roubo na “forma tentada”.

Ora, também aqui, e como é evidente, patente é a improcedência do recurso, pois que embora se nos mostre de subscrever, na íntegra, o douto Acórdão do T.U.I. pelo recorrente citado – e que, se bem ajuizamos, vai no sentido do entendimento que temos vindo a assumir, cfr., v.g., Ac. deste T.S.I. de 21.11.2013, Proc. n.° 656/2013 e de 23.01.2014, Proc. n.° 767/2013, – há que ver que a situação dos autos é (bastante) distinta da existente no aludido Proc. n.° 67/2014 do T.U.I..

Com efeito, no caso tratado pelo douto Ac. do T.U.I., o arguido (autor do crime de “roubo”), após cometer o crime não teve “um só minuto de sossego”: foi imediatamente perseguido, (logo após se apoderar dos bens da ofendida), de forma permanente e contínua, até vir a ser interceptado.

Daí que se tenha entendido que:

“1. Nos crimes de furto e de roubo, a subtracção traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção.
2. A subtracção só se efectiva quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima.
3. No caso dos autos, a factualidade apurada revela que os recorrentes não conseguiram manter os bens subtraídos na sua posse com uma estabilidade relativa, pois o seu domínio sobre os bens subtraídos estava sempre sujeito aos riscos imediatos de reacção do ofendido e dos agentes policiais que os perseguiram e interceptaram, tendo os bens do ofendido sido recuperados pouco tempo depois do roubo, pelo que é de considerar que não se consumou a subtracção”.

Porém, na situação dos presentes autos, outra é a factualidade provada.

In casu, o crime ocorreu numa avenida, e o arguido ora recorrente fugiu – conseguiu fugir – após o seu cometimento, só vindo a ser detectado (mais tarde), depois de a ofendida denunciar o crime à P.S.P. e de esta destacar agentes ao local para o investigar, vindo a ser (posteriormente) encontrado no âmbito das buscas entretanto efectuadas na zona, num beco, a vasculhar a carteira da ofendida.

Como se vê, e – bem – nota o Ilustre Procurador Adjunto, o próprio recorrente terá considerado que se encontrava em “segurança” para decidir ser o momento adequado para – em vez de prosseguir na sua fuga – ver o que tinha conseguido lucrar com a sua conduta, pois pensava que tinha “despistado” eventuais perseguidores e que (já) estava fora de risco e “safo”.

E, como é igualmente evidente, o facto de o arguido ora recorrente se ter enganado, não converte (certamente) o crime cometido (na forma consumada) para a forma “tentada”.

Na verdade, para a consumação do crime em questão, basta (também) que “a coisa entre no domínio de facto do agente com «tendencial estabilidade», por ter sido transferida para fora da esfera do domínio do seu possuidor, como tal podendo considerar-se aquela que consegue ultrapassar os riscos imediatos de reacção por parte do próprio ofendido, das autoridades ou de outras pessoas agindo em defesa do ofendido”; (cfr., o citado Ac. deste T.S.I. de 23.01.2014, Proc. n.° 767/2013).

Posto isto, mostrando-se-nos de concluir que verificada estava a referida “tendencial estabilidade”, e que afastados estavam os aludidos “riscos imediatos de reacção”, resta decidir em conformidade.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.500,00.

Registe e notifique.

Macau, aos 11 de Dezembro de 2014
José Maria Dias Azedo
Proc.795/2014 Pág. 12

Proc. 795/2014 Pág. 13