Processo nº 523/2014
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se:
– condenar A, (1°) arguido com os sinais dos autos, pela prática como autor material e em concurso real de,
- 1 crime de “corrupção passiva para acto ilícito”, p. e p. pelo art. 337°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 2 anos de prisão; e,
- 1 crime de “violação de segredo”, p. e p. pelo art. 348°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão;
- em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão;
– condenar B, C e D, (2°, 3° e 4ª) arguidos, pela prática como co-autores de 1 crime de “corrupção activa”, p. e p. pelo art. 339°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 1 ano de prisão, suspendendo-se a sua execução pelo período de 2 anos; (cfr., fls. 525 a 535 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido recorreram (todos) os (4) arguidos assim como o Ministério Público.
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O Ministério Público pugnando (apenas) pela não suspensão da execução das penas aplicadas aos (2°, 3° e 4a) arguidos B, C e D e; (cfr., fls. 556 a 559-v).
O (1°) arguido A, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova”, pugnando por uma “atenuação especial da pena” e pedindo a suspensão da execução da pena única que lhe foi decretada; (cfr., fls. 586 a 597).
Os (2°, 3° e 4ª) arguidos B, C e D , assacando à decisão recorrida os vícios de “falta de fundamentação”, “erro notório na apreciação da prova”, “erro no enquadramento jurídico da matéria de facto dada como provada” e “excesso de pena”, tendo também deduzido pedido de renovação da prova; (cfr., fls. 560 a 585).
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Admitidos os recursos com os efeitos e modos de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I..
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Recurso de B, C e D
Fundamentação
Se existe segmento do douto acórdão sob escrutínio que se poderá, em nosso critério, considerar, até, exemplar, é o da motivação da matéria de facto tida como relevante para a formação da convicção do tribunal, razão por que não evidencia qualquer consistência o alegado a tal propósito.
Com efeito, para além da enumeração exaustiva de todas as "fontes" dessa convicção (depoimentos testemunhais, provas documentais, designadamente a transcrição do conteúdo das gravações fonográficas provenientes da DSAL e de vídeo oriundas do hotel "XX" e imagens delas retiradas, bem como recibo de estabelecimento de comidas deste último), não se furtaram os julgadores a exprimir o que, em concreto "extraíram ", relativamente à matéria de facto dada como provada, de cada um daqueles meios, fazendo ainda questão de explicitar a forma como foram apreciadas, nos termos legais, através de transcrição, as gravações a que se aludiu e da possibilidade concedida às partes para, querendo, aquelas poderem ser expostas directamente em audiência, nas partes que houvessem por bem indicar, razão por que se não vê que tal motivação não corresponda às exigências previstas no n° 3 do art° 355°, CPP.
Matéria conclusiva, ou de direito
Parecem os recorrentes não absorver devidamente que o elemento subjectivo deve fazer e faz parte integrante da infracção penal, pelo que a respectiva integração efectuada nos termos do acórdão sob os n°s 22 a 24, reportada ao conhecimento, liberdade e vontade dos agentes no cometimento dos factos não se reporta, como pretendido, a pura matéria conclusiva ou de direito, antes tendo que assentar e assentando em factualidade comprovada e relevante para o efeito, absolutamente essencial para constatação do crime e punibilidade dos agentes, revelando-se, pois, as expressões externadas a esse propósito como consonantes com os requisitos legais exigíveis e inócua a argumentação nesse domínio expendida.
Erro notório na apreciação da prova
Nesta matéria, esgrimem, no essencial, os recorrentes com
- deficiências e irregularidades nas transcrições das gravações fonográficas e de vídeo e não exibição dessas gravações em audiência;
- atropelo das regras de experiência na apreciação probatória ;
- violação das regras sobre o valor da prova relativamente ao depoimento da testemunha, E e
- depoimentos testemunhais supostamente a contrariar o estabelecido nos pontos 9 a 17 do acórdão.
Tudo, cremos, sem qualquer consistência.
Desde logo, não se descortina que as transcrições e registos em causa não tenham sido efectuados por quem para tal se não encontrasse devidamente habilitado, ou que essas transcrições não correspondam, efectivamente, ao que se pretendeu reproduzir, nada indicando que, com base no transcrito, não pudesse o tribunal validamente alcançar a convicção que estabeleceu.
De resto, conforme expressamente se exarou no douto acórdão, foi disponibilizada às partes a faculdade de exibição directa de tais provas, nos segmentos julgados relevantes e, porventura, não esclarecidos pela transcrição, pelo que o agora alegado a tal propósito causa, inclusivé, alguma estranheza.
Certo é que as gravações em questão foram, como bem sublinha a Exma colega junto do tribunal "a quo" "obtidas e reproduzidas de acordo com a lei".
Depois, sendo certo ditarem as regras da experiência e, até, o senso comum, que, sabendo que estão a ser escutados, os agentes se inibirão da prática de ilícitos porventura alvo dessas escutas, a verdade é que, por um lado, não se vê como provado que tal conhecimento existisse, de facto, por banda dos prevaricadores, ignorando-se, por outra banda se, caso o soubessem ou disso suspeitassem, a desfaçatez ou, porventura, o sentido de impunidade os não, conduzissem ao cometimento dos factos, de resto dados como provados.
Quanto à testemunha E, o mero facto de os arguidos terem optado pelo silêncio em audiência de julgamento não implica que a mesma, tendo procedido à investigação/inquérito do caso, não pudesse relatar objectivamente sobre os factos, nada indicando que o mesmo, no decurso do seu depoimento, tenha expressamente aludido ou reproduzido declarações formalmente prestadas por qualquer dos visados ao longo dessa investigação, não se vislumbrando, pois, qualquer atropelo ao disposto no art° 337°, CPP.
Finalmente, o adiantado pelos recorrentes a propósito de várias testemunhas que, no seu critério, poriam em causa o estabelecido nos pontos 9 a 17 do acórdão, concretamente que o 1 ° arguido lhes tenha prestado indevido auxílio e informação, apenas se poderá dizer que se trata de apreciação "pessoalíssima" dos visados, destinada a minimizar ou ocultar a responsabilidade respectiva, quando não se divisa que, por alguma forma, tenham, a este nível, sido dados como provados factos incompatíveis entre si, ou que se tenham retirado desses factos conclusões logicamente inaceitáveis, não competindo a este tribunal, por respeito à livre apreciação da prova, censurar os julgadores por terem formado a sua convicção no sentido em que o fizeram, não merecendo, pois, também neste segmento provimento o recurso, não se impondo a renovação da prova almejada.
Erro na qualificação jurídica
Mesmo dando de barato o que, neste específico, os recorrentes alegam de substancial, isto é, que o 1 ° arguido, enquanto inspector da DSAL, teria sempre um papel de "auxiliar" na resolução dos conflitos laborais, não sendo da sua competência própria à fiscalização de situações de trabalho ilegal, existindo, no entender dos interessados "falta de relação funcional" entre as suas atribuições e a repressão do trabalho ilegal, a verdade é que nada disso obstaculizaria a ilícita actividade dos recorrentes no âmbito do crime de corrupção activa, conforme preceituado no art° 339°, CP, nos precisos termos em que o mesmo é imputado no caso, em que todos os intervenientes reconhecem, através da sua disposição e actuação, a qualidade e capacidade daquele arguido para os efeitos ilícitos que os mesmos almejaram.
Por outra banda, sendo certo que o montante de MOP 565,40 pago pela refeição em questão não se apresenta especialmente elevado, não deixa, contudo, de ser o que é: o indevido pagamento de vantagem patrimonial, como contrapartida de acto contrário aos deveres do cargo do 1 ° arguido.
Tanto basta para o efeito. Medida da pena
Mais uma vez, esgrimem os recorrentes com pretexta falta de fundamentação, desta feita atinente às conclusões obtidas em termos do grau de ilicitude e dos efeitos negativos causados à paz, ordem e tranquilidade sociais, ignorando-se as circunstâncias que deporiam a favor daqueles, designadamente o bom comportamento após a produção dos factos.
Ora, é óbvio que o grau de ilicitude e os efeitos nocivos anunciados resultarão directamente da factualidade comprovada, a qual, como já se viu, não deixa de validamente anunciar aquelas conclusões, sendo certo que não se vê que especiais circunstâncias atenuantes da responsabilidade dos visados possam ter deixado de ser equacionadas, apresentando-se, depois, como evidente, face ao senso comum a premente necessidade de prevenção de tal tipo de crimes.
A este respeito, apenas uma breve nota no que concerne ao "silêncio" por que os recorrentes optaram em audiência: sendo certo que tal circunstância os não pode prejudicar de qualquer forma, apresenta-se algo questionável a menção da situação em termos de determinação da pena.
Trata-se, contudo, cremos, de mera excrescência, a não poder relevar nos termos preconizados, já que se não vislumbra que contra os interessados tenha operado como agravante, tratando-se antes, tudo o indica, de esclarecer da razão da escassez de outros elementos quanto aos visados, para determinação daquela medida.
Quanto a esta última, a ela nos reportaremos relativamente ao recurso apresentado pelo MP.
Recurso de A
Erro notório na apreciação da prova
Sendo certo que na tentativa de conciliação entre as partes, o empregador deve ser notificado do conteúdo da queixa, para o exercício do contraditório, o que se apresenta no caso é, contudo, algo diferente : é o facto de este recorrente, sem autorização do seu superior, ter, com o intuito de o beneficiar, comunicado ao empregador o conteúdo da queixa que a DSAL havia recebido quanto aos trabalhadores ilegais, informação, a esse nível, confidencial, violando o seu dever de sigilo e afectando a justiça social.
E, não se vê que, em termos de normalidade, tal não seja a conclusão a retirar logicamente do acervo probatório carreado e dado como provado no douto acórdão, revelando-se, pois, a asserção do visado, no sentido de que "tratou justa e imparcialmente o conflito laboral", como uma conclusão apenas sua, sem qualquer assentamento nos factos comprovados, referenciados e conexionados com os meios probatórios a que se fez alusão relativamente aos restantes recorrentes, neles se fundando a convicção probatória do Colectivo "a quo '', que, verdadeiramente, o recorrente não consegue validamente pôr em questão.
Relativamente à valoração do seu "silêncio" em audiência, remetesse para o sustentado, na matéria, relativamente aos restantes recorrentes.
Medida da pena
Insiste também este recorrente com o tempo já decorrido após a prática dos factos delituosos, sem conhecimento do cometimento de novos ilícitos, para sustentar a pretensão da atenuação especial a que alude a al d) do n° 2 do art° 66°, C.P.
Ora, não só não entendemos que o período (menos de 6 anos) que mediou entre a prática dos factos e a condenação não corresponde, em termos de normalidade, ao "item" legislativo do decurso de "muito tempo sobre a prática do crime", como, da conjugação das restantes circunstâncias a levar em conta designadamente a intensidade do dolo e falta de arrependimento) não resulta a necessária e acentuada diminuição da ilicitude do facto ou da culpa do agente, susceptíveis de sustentarem a almejada atenuação especial da pena.
Por outro lado, dada, sobretudo, a premente necessidade de prevenção do crime imputado e a nefasta influência do mesmo no tecido e paz sociais e, de todo o modo e uma vez mais, a falta de contrição pelo ocorrido, não vemos (aliás, como adiante se verá, relativamente aos restantes recorrentes) que a mera censura do facto e a ameaça de prisão possam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo, assim, de excluir a peticionada suspensão da execução da pena.
Donde, entender-se não merecer provimento qualquer dos recursos dos arguidos.
Recurso do M.P.
No que tange às razões de suspensão da execução das penas dos 2°, 3 ° e 4° arguidos, vê-se bem do teor do douto acórdão, terem-se as mesmas atido exclusivamente à enumeração, pela positiva, dos condicionalismos previstos no art° 48°, C.P.
Contudo, não se topa que, relativamente a qualquer dos envolvidos se haja considerado ou contemplado qualquer facto ou circunstância relevante que, por si analisada, possa validamente sustentar o concluído.
Somos, também, dos que entendemos que, em princípio, o cumprimento efectivo penas de prisão de curta duração se toma desaconselhável, dadas as perniciosas e nefastas consequências normalmente associadas ao "convívio" prisional.
Porém, no caso vertente, não deixamos de registar, relativamente aos 3 recorrentes em questão, razões algo similares às do 1°, acima apontadas (premente necessidade de prevenção deste tipo de crimes, nefastas consequências no tecido e paz sociais, falta de contrição) no sentido do não aconselhamento da suspensão da execução das penas respectivas.
Daí que, neste contexto específico, se nos afigure merecer provimento este recurso do M.P.”; (cfr., fls. 732 a 739).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 528-v a 531, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Cinco são os recursos trazidos à apreciação deste T.S.I.. Um, pelo Ministério Público, e os restantes quatro, pelos (4) arguidos.
Ponderando nas questões colocadas em sede dos interpostos recursos, afigura-se de começar pelos recursos dos arguidos, e, de entre estes, pelos recursos dos (2°, 3° e 4ª) arguidos B, C e D.
Nesta conformidade, vejamos.
–– Dos recursos dos (2°, 3° e 4ª) arguidos B, C e D.
Como se deixou relatado, e em síntese, são estes arguidos de opinião que o Acórdão recorrido padece de “falta de fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”, (inclusão de “matéria de direito” em sede de decisão da matéria de facto, valoração indevida de prova – declarações de E), “erro no enquadramento jurídico da matéria de facto dada como provada” e “excesso de pena” (valoração desfavorável do seu silêncio), pedindo a condenação em pena de multa.
Quid iuris?
–– Mostra-se de começar pela alegada “falta de fundamentação”.
Como “nota prévia”, cabe consignar que “in casu”, e em relação à matéria em questão, aplica-se a versão original do art. 355° do C.P.P.M., pois que, a data da audiência de julgamento no T.J.B. foi designada por despacho datado de 08.11.2013, (cfr., fls. 429-v), não sendo assim de se aplicar a redacção introduzida pela Lei n.° 9/2013, por força o estatuído no art. 6°, n.° 2, al. 1) desta mesma Lei.
Feito este esclarecimento importa ter em conta que nos termos do art. 355°, n.° 2 do C.P.P.M., (na sua versão original): “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
E, perante o assim estatuído, evidente se nos apresenta a conclusão que, na parte em questão, não podem os recursos obter provimento.
Com efeito, e como sem esforço se retira de uma mera leitura ao Acórdão recorrido, nele, não deixou o Colectivo do T.J.B. de elencar a factualidade que do julgamento resultou provada, identificando, da mesma forma, a que resultou não provada, expondo, também, de forma que se nos mostra adequada – face ao preceito em questão – as razões desta sua decisão, não sendo de se considerar assim que padece da imputada “falta de fundamentação”.
–– Passemos agora para o assacado vício de “erro notório na apreciação da prova”.
Pois bem, em relação a este vício, repetidamente tem este T.S.I. considerado que “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 23.10.2014, Proc. n.° 531/2014 do ora relator).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 23.10.2014, Proc. n.° 531/2014).
E, perante o que se deixou exposto, cremos que também aqui motivos não há para se reconhecer razão aos ora recorrentes, sendo antes de acompanhar o entendimento sobre a questão assumida pelo Ilustre Procurador Adjunto no seu Parecer que se deixou transcrito e que dá cabal e clara resposta ao pelos recorrentes alegado.
Seja como for, e ainda que de forma abreviada, não se deixa de dizer o que segue.
Quanto à “matéria conclusiva e/ou de direito” pelos recorrentes indicada e incluída nos pontos “22 a 24 da matéria de facto”, não se lhes pode reconhecer razão, pois que a mesma, para além de, em grande parte, já constar nos pontos anteriores (da mesma matéria de facto), limita-se a reflectir o “elemento subjectivo” do crime que lhes era imputado e pelo qual foram condenados.
Quanto às “transcrições da gravação sonora e dos vídeos”, não se pode olvidar que tais documentos foram elaborados por funcionários que tiveram intervenção em fases processuais para a qual possuíam competência, e que, na qualidade de testemunhas, prestaram depoimento em audiência de julgamento.
Por fim, e no que diz respeito ao “depoimento da testemunha E”, há que ter igualmente em conta que o mesmo, como investigador do CCAC, teve intervenção no Inquérito que aí correu termos, razoável e natural sendo a relevância do seu depoimento, nada dos autos indiciando que no mesmo tenham sido reproduzidas as declarações pelos arguidos prestadas naquela sede, (até porque, para assim se considerar, necessária seria que tal questão tivesse sido oportunamente – em audiência – suscitada, ficando registada em acta).
Dest’arte, e constatando-se que inexiste o assacado “erro notório”, evidente é também que motivos não há para se proceder à peticionada “renovação da prova”; (cfr., v.g., o Ac. de 29.03.2001, Proc. n° 32/2001-I, e mais recentemente, de 31.05.2012, Proc. n° 49/2012 e de 07.02.2013, Proc. n.° 54/2013).
–– Vejamos agora da “qualificação jurídica”.
Como se viu, foram os (2°, 3° e 4ª) arguidos ora recorrentes condenados como co-autores de um crime de “corrupção activa” (para acto ilícito), p. e p. pelo art. 339°, n.° 1 do C.P.M..
Nos termos deste preceito:
“1. Quem, por si ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que ao funcionário não seja devida, com o fim indicado no artigo 337.º, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
(…)”.
Ora, face ao que consta da matéria de facto dada como provada, evidente é que a mesma, em relação aos ora recorrentes, se subsume ao estatuído no n.° 1 do transcrito comando.
Basta recordar que provado está que os mesmos recorrentes proporcionaram “vantagem patrimonial” ao (1°) arguido A, (inspector da D.S.A.L.), pagando as despesas de uma rejeição deste e sua família a troco de informações que este, em violação dos seus deveres profissionais, lhes prestou e prometeu prestar acerca de “queixas de trabalho ilegal” imputado à entidade patronal para a qual trabalhavam.
Nesta conformidade, mais não é preciso dizer sobre a questão.
–– Quanto às “penas”, evidente sendo que motivos não existem para considerar que fundamentado não está o decidido, dado que o Tribunal a quo não deixou de justificar a sua opção pela pena de prisão em detrimento da de multa, tendo-se expressamente invocado os art°s 64, 40° e 65° do C.P.M., (na sua escolha e determinação), vejamos se são excessivas.
E também aqui se nos mostra que não merecem censura.
Com efeito, e, antes de mais, adequada se nos mostra a opção por uma pena privativa da liberdade, já que, atenta a “natureza” do crime, necessária é uma certa “dureza” na “reacção penal”, o que não parece alcançável com uma pena de multa (pecuniária).
Quanto à sua medida, estando as penas decretadas a 1/3 do seu limite máximo, (e a 2 anos deste), há que dizer que motivos não há para se considerar a mesma inflacionada ou desproporcionada.
Posto isto, improcedem os recursos dos (2°, 3° e 4ª) arguidos B, C e D.
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–– Do recurso do (1°) arguido A.
Como se disse, no seu recurso coloca o ora recorrente três questões: considera que o Acórdão recorrido padece de “erro notório na apreciação da prova”, que devia beneficiar de uma “atenuação especial da pena” e que se devia “suspender a execução da pena” decretada.
–– Quanto ao assacado “erro”, e atento o que se deixou exposto sobre esta questão aquando da apreciação dos recursos dos (2°, 3° e 4ª) arguidos B, C e D, evidente é que, também aqui, inexiste tal vício, ocioso sendo fazer-se qualquer acrescento.
–– Quanto à pretendida “atenuação especial da pena” cabe dizer que, esta, como – repetidamente – temos vindo a entender, só deve ter lugar “em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 22.05.2014, Proc. n° 284/2014), não nos parecendo ser o caso dos autos, já que, o (mero) decurso de cerca de 6 anos sobre a data da prática dos factos, e tendo (especialmente) em conta a sua “natureza”, não tornam a situação “extraordinária ou excepcional” para que se pudesse accionar o art. 66° e 67° do C.P.M..
Por sua vez, verificando-se que as penas (parcelares e única) fixadas se encontram dentro das suas respectivas molduras, próximas dos seus respectivos limites mínimos, e observados estando os condicionalismos dos art°s 40°, 65° e 71° do C.P.M., evidente se mostra que motivos não há para se proceder à sua alteração.
–– Em relação à pretendida “suspensão da execução da pena” (única).
Nos termos do art. 48° do C.P.M.:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.
E, sobre idêntica questão já teve este T.S.I. oportunidade de consignar que:
“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 24.07.2014, Proc. n° 428/2014).
Perante isto, “quid iuris”?
Ponderando na matéria de facto dada como provada e na conduta do ora recorrente, e, em especial, nos tipos de crime e valores com os mesmos tutelados, entende-se – por maioria – que fortes são as necessidades de prevenção criminal, inviabilizada ficando desta forma a pretendida suspensão da execução da pena (única) aplicada ao (1°) arguido ora recorrente.
Improcedente sendo também assim o recurso do (1°) arguido A, continuemos.
–– Do “recurso do Ministério Público”.
Aqui, a única questão a decidir está em saber se bem andou o Tribunal a quo ao suspender a execução da pena dos (2°, 3° e 4ª) arguidos.
E, em nossa opinião, cremos que se justifica um “ajustamento”.
Com efeito, e ainda que se nos mostre que adequada é a suspensão da execução das penas aplicadas aos (2°, 3° e 4ª) arguidos, isto, especialmente, atento o facto de serem “primários” e com vida económica-social e familiar estabilizada, afigura-se-nos que deve a mesma ser subordinada ao cumprimento do dever de pagamento de uma contribuição monetária à R.A.E.M.”; (cfr., art. 49°, n.° 1, al. c) do C.P.M.), de forma a (melhor) se satisfazer as razões de prevenção geral.
Nesta conformidade, e tendo em conta o que provado está, nomeadamente, o “prejuízo causado”, as respectivas responsabilidades profissionais dos arguidos e as suas condições económico-financeiras, decide-se condicionar a decretada suspensão da execução das penas em questão ao pagamento à R.A.E.M., no prazo de 2 meses, das quantias de MOP$120.000,00, para o (2°) arguido B, e de MOP$60.000,00 para cada um dos (3° e 4ª), arguidos, C e D, assim se concedendo parcial provimento ao recurso do Ministério Público.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam conceder parcial provimento ao recurso do Ministério Público, negando-se provimento aos recursos dos 1°, 2° , 3° e 4ª arguidos A, B, C e D.
Custas, pelos arguidos, com taxa de justiça que se fixa em 7UCs para o (1°) arguido A, e 10 UCs para os (2°, 3° e 4ª) arguidos B, C e D.
Macau, aos 15 de Janeiro de 2015
________________________
José Maria Dias Azedo [Não obstante ter relatado o acórdão que antecede, admitia outra solução para a questão da peticionada “suspensão da execução da pena fixada ao (1°) arguido A”.
Essencialmente, pelos motivos seguintes: sendo o arguido uma pessoa com quase 50 anos e primário, tendo já sido demitido das suas funções, (na administração pública), não resultando da matéria de facto dada como provada que com a sua conduta tenha causado “efectivo prejuízo”, (já que é aquela totalmente omissa quanto ao facto de os 2°, 3° e 4ª arguidos terem tido “trabalhadores ilegais” ou cometido qualquer outro ilícito, constatando-se assim da veracidade da queixa, ou que com a “informação” colhida “remediaram” tal situação sem que tenham sido responsabilizados ou que tenham obtido qualquer outro benefício), e visto também que a (única) “vantagem” que (realmente) obteve o arguido foi uma “refeição grátis”, (um buffet pago) para 4 pessoas, (o arguido, sua esposa e 2 filhos), no montante (total) de MOP$565,40, (onde nem sequer foram consumidas bebidas), …
Dest’arte, afigura-se-me pois algo excessiva a opção por uma “pena de prisão efectiva”.
Como é óbvio, não se quer com isto dizer que a sua conduta, (dada a sua natureza), não merece “censura penal”, a reflectir adequadamente o seu grau de culpa e necessidades de prevenção criminal, nomeadamente, geral.
Porém, ponderando no que se consignou, não me repugnaria uma suspensão da execução da pena única fixada por um período mais longo, (quiçá, 4 ou 5 anos), subordinada ao pagamento de uma quantia monetária, desta forma nos parecendo que se podia também assegurar as ditas necessidades de prevenção criminal].
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Tam Hio Wa
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Chan Kuong Seng
(vencido parcialmente na decisão, porquanto entendo que os 2.º, 3.º e 4.º arguidos não merecem suspensão da execução da pena de prisão, tal como pugna o Ministério Público na motivação do recurso).
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