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Processo nº 46/2013
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 22 de Janeiro de 2015

ASSUNTO:
- Prescrição do procedimento disciplinar;
- Falta da fundamentação
- Excesso e desproporcionalidade da pena

SUMÁRIO :
- O que releva para efeito de prescrição do procedimento é a data da decisão final (04/05/2012), e não a da respectiva notificação (06/12/2012), pois nos termos do artº 99º do CPA, o procedimento extingue-se pela tomada da decisão final, bem como por qualquer dos outros factos legalmente previstos para o efeito.
- A notificação nunca foi, nem é, uma causa legal da extinção do procedimento e em si não faz parte integrante do acto administrativo, apenas dá conhecimento ao notificando a existência e a prática de um determinado acto administrativo, não podendo acrescentar nada ao acto a notificar, pelo que a data da notificação não é relevante para efeitos de prescrição do respectivo procedimento.
- Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
- E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
- O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
- A ideia central de princípio da proporcionalidade projecta-se em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa.
O Relator,




Processo nº 46/2013
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 22 de Janeiro de 2015
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Conselho Superior da Advocacia

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
A, melhor identificado nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o acórdão do Conselho Superior da Advocacia, de 04/05/2012, pela qual foi lhe aplicada a pena de censura, concluíndo que:
1. Versa o presente Recurso sobre a pena disciplinar de censura aplicada ao Recorrente, no âmbito do Processo Disciplinar n.º 16/09/CSA, que correu os seus trâmites no Conselho Superior da Advocacia de Macau.
2. O recurso é tempestivo.
3. A questão central prende-se em saber se a não comparência do arguido, ora Recorrente, enquanto testemunha a uma diligência marcada no âmbito de um Processo Disciplinar de Inquérito será suficiente para consubstanciar uma infracção ao n.º 1 do artigo 12.° e, bem assim, à al. a) do artigo 14.° do Código Deontológico dos Advogados e, em consequência, ser-lhe aplicada uma pena efectiva de censura, p. e p. na al. b) do n.º 1 do artigo 41.° do referido Código.
Ou melhor,
4. As questões em apreciação nos referidos autos reduzem-se em saber se o ora Recorrente, convocado para ser inquirido como testemunha num Processo de Inquérito, e não tendo estado presente, estaria obrigado a previamente dar a conhecer por escrito a impossibilidade da sua comparência; ou, posteriormente, justificar por escrito a sua falta, nos termos legalmente exigidos.
5. Não existindo no Código Disciplinar, ou no Código Deontológico dos Advogados uma qualquer referência à situação de um advogado ser chamado a depor como testemunha num processo disciplinar de inquérito, a situação deverá ser resolvida à luz do disposto no Direito Penal vigente e, bem assim, no Código de Processo Civil.
6. Ora, a Lei Processual e Civil e Penal de Macau não obriga a que uma testemunha tenha de justificar por escrito as faltas.
7. De onde se retira que o Recorrente não tinha o dever de transmitir por escrito ao Conselho a sua impossibilidade de comparência à segunda inquirição, nem tinha o dever de justificar por escrito a sua falta à diligência em causa.
8. Ademais, o Recorrente comunicou oralmente a impossibilidade em estar presente (mediante comunicação telefónica para a Sr.ª Secretária do Conselho - matéria que não foi devidamente tida em conta na Instrução), pelo que não lhe podem ser aplicadas quaisquer sanções.
9. Ao exigir que o Recorrente tivesse de comunicar por escrito a justificação da falta, a deliberação do Conselho Superior da Advocacia é nula, por manifesta carência de fundamento legal; pois, nem a Lei Processual e Civil, nem a Lei Processual Penal de Macau, obriga a que uma testemunha tenha de justificar por escrito a sua falta de comparência a uma inquirição.
Ao que acresce que,
10. Contrariamente ao que se encontra pressuposto na decisão de que se recorre, em caso algum o comportamento do Recorrente pode ser tido como prejudicial para a prossecução de quaisquer fins da Associação dos Advogados de Macau, ou a boa aplicação das leis, a rápida administração da justiça e o aperfeiçoamento das instituições.
11. Basta ver que as faltas dos advogados às inquirições nos tribunais para as quais são convocados como testemunhas nunca deram lugar a participação disciplinar, porque, precisamente, é entendimento unânime de todos os operadores jurídicos que aqueles, nessa qualidade, estão apenas sujeitos ao dever de colaboração prescrito no disposto no artigo 442.° do Código de Processo Civil, como qualquer outra pessoa.
12. Por outro lado, nos termos do n.º 4 do artigo 530.°, faltando a testemunha à inquirição sem justificação, pode o juiz ordenar, ou, neste caso, o instrutor, que a mesma compareça sob custódia, sem prejuízo da multa aplicável, que é logo fixada em acta.
13. De onde se retira que, a testemunha não pode ser obrigada a comparecer na inquirição sob custódia, nem tão pouco ser sujeita a uma multa, caso justifique a falta.
14. E, neste sentido, a falta do Recorrente à diligência marcada - mesmo que se entenda que a justificação não é válida por falta de forma - apenas estaria sujeita às sanções constantes da Lei Processual Civil e Processual Penal e, como tal, em caso algum poderia constituir uma infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 12.°, nem na alínea a) do artigo 14.° do Código Deontológico, diferentemente daquilo que foi concluído pelo Conselho Superior de Advocacia, pelo que a decisão do Conselho Superior da Advocacia é também por aqui nula por falta de fundamento legal.
Mas mesmo que assim se não entenda, sempre se dirá que:
15. Ao dar por provada a matéria constante da acusação - mesmo que aderindo à posição do Instrutor do Processo na parte respeitante à aplicação da pena de censura - não se deixa perceber como pôde o Conselho ter concluído que a falta de comparência do Recorrente a fim de ser inquirido, como testemunha, será suficiente para justificar a aplicação ao mesmo de uma efectiva pena disciplinar de censura.
16. Em concreto, não é perceptível da decisão do Conselho o nexo de causalidade entre a ausência do Recorrente, enquanto testemunha, e a violação pelo mesmo do seu dever de “pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento das instituições”, constante do n.º 1 do artigo 12.º do Código Deontológico.
17. Do mesmo modo, não se percebe da decisão como extrair que da ausência do Recorrente, como testemunha, resulte uma violação aos seus deveres do Advogado e, em especial, do dever de “colaborar na prossecução dos fins da Associação dos Advogados e zelar pelo seu prestigio e pelo da profissão de advogado”, constante da al. a) do artigo 14.º do Código Deontológico.
18. Neste sentido, a referida decisão é nula por falta de fundamentação, porquanto a mesma não especifica de forma clara e suficiente quer os fundamentos de facto quer de direito que a justificam, na medida em que uma pessoa de diligência média consiga perceber o alcance da mesma e as respectivas razões justificativas que conduziram à aplicação de uma pena disciplinar efectiva de censura ao Recorrente, pelo que deve a mesma ser revogada.
Sem prescindir,
19. A decisão do Conselho Superior da Advocacia ora posta em crise, para além da apontada falta de fundamentação padece ainda de erro sobre os pressupostos de facto.
20. Com efeito, a decisão faz constar na factualidade dada por provada matéria que resulta duvidosa da prova produzida durante a instrução dos autos, considerando, erradamente, que certos factos consubstanciam a violação de deveres, ignorando todo um outro conjunto de factos e razões apontadas pelo Recorrente que não terão sido tomados em conta (v.g., o facto de o Recorrente ter oralmente comunicado ao Conselho a sua impossibilidade de comparência, ou o conteúdo do seu depoimento estar abrangido por segredo profissional) o que necessariamente conduz à sua ilegalidade.
21. O Recorrente não tem antecedentes disciplinares, sendo esta a 1.ª vez em que é acusado da prática de uma infracção disciplinar.
22. Por esta razão não se vê razão para o Conselho Superior da Advocacia ter optado pela aplicação de uma pena de censura, pena que é desproporcionada e manifestamente excessiva atenta a situação dos autos.
23. Nesta medida, a decisão recorrida violou o disposto no art.º 42.° do Código Disciplinar dos Advogados, que manda atender, na aplicação das penas, aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau de culpabilidade, às consequências da infracção e a todas as circunstâncias que rodearam os factos, pelo que deve a mesma ser revogada e o ora Recorrente absolvido de qualquer condenação.
Ao que acresce que,
24. Mesmo a ter-se por correcto o raciocínio vertido na decisão de que se recorre (isto é, de que a ausência de um advogado, enquanto testemunha, num processo disciplinar é passível de consubstanciar uma violação aos seus deveres profissionais), revela-se mais razoável aos presentes autos a aplicação de uma pena de advertência.
25. Com efeito, trata-se de uma pena que será suficiente para que o Recorrente não cometa infracções disciplinares no futuro, tendo em conta o bom nome e reputação que o mesmo goza perante os seus colegas e demais profissionais do foro em Macau.
26. De onde, quer atendendo à conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstância deste, deve a pena de censura aplicada ser substituída por uma pena de advertência, porquanto a mesma será quanto baste para satisfazer as necessidades de prevenção e reprovação da infracção em causa.
27. A não se entender assim, a concreta pena disciplinar determinada pelo Conselho Superior da Advocacia mostra-se, ela mesma, desproporcionada aos factos, porquanto deveria ter admitindo que a pena de advertência fosse adequada ao caso, porque suficiente em termos de alerta e prevenção geral e especial.
28. Por último, para a hipótese de se entender como sendo ajustada a pena determinada pelo Conselho Superior da Advocacia, ainda assim, as circunstâncias do caso sempre justificam a suspensão da execução da mesma, tal qual sugerido pelo Instrutor do processo e, nesta parte, não seguida pelo Conselho.
29. Com efeito, nada impede que a aplicação de uma pena disciplinar de censura possa ser objecto de suspensão, atendendo quer à personalidade do agente, quer à sua conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstância deste, por se concluir que a ameaça de uma pena daquele tipo bastará para satisfazer as necessidades de prevenção e reprovação da infracção, tal qual se retira da aplicação subsidiária dos preceitos processuais penais (que não os preceitos do ETAPM, sempre se concorda) aplicáveis aos presentes autos.
30. Neste sentido, requer-se que a pena disciplinar de censura seja suspensa, nos termos previstos no Direito Penal vigente, ex vi do artigo 65.º do Código Deontológico.
31. Em suma, mesmo sabido que na escolha da medida concreta da pena existe grande discricionariedade por parte do Conselho Superior da Advocacia, ainda assim, porque se acredita estar perante um erro manifesto ou grosseiro; isto é, perante uma situação em que se verifica uma notória injustiça ou desproporção manifesta entre a sanção aplicada e os factos apurados, tendo o Conselho Superior da Advocacia se distanciado dos princípios da justiça e da proporcionalidade que necessariamente devem presidir à sua actuação, justifica-se que o Tribunal intervenha na decisão tomada, porquanto não está verificada a correcta integração dos factos na cláusula geral punitiva e a proporção e justiça da medida aplicada, nos termos a que alude o artigo 42.º do Código Disciplinar dos Advogados.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 39 a 50 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Recorrente apresentou as alegações facultativas nos termos constantes a fls. 94 a 115 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, suscitando a prescrição do procedimento disciplinar, para além de manter a posição já tomada na petição inicial.
A Entidade Recorrida também apresentou as alegações facultativas constantes a fls. 118 a 123 dos autos, pugnando pela não verificação da prescrição do procedimento disciplinar e pelo não provimento do recurso.
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O Ministério Público é de parecer pela improcedência do recurso, a saber:
“Na petição inicial, o recorrente pretendeu a revogação do Acórdão em causa e, em alternativa, a suspensão da pena disciplinar de censura aplicada nesse Acórdão, ou a substituição da mesma pela pena de advertência.
   E, nas alegações de fls.94 a 115 dos autos, ele veio a pedir que tal pena aplicada no Acórdão recorrido seria julgada nula, ou suspensa ou substituída pela de advertência.
   Ora, patente e certo é que devem ser liminarmente rejeitados os pedidos de suspensão da aludida pena disciplinar ou substituição da mesma pela pena de advertência, por não serem permitidos pelo preceituado nos arts.20° e 24° do CPAC.
   Em homenagem das boas doutrinas e jurisprudências, temos por certo que é manifestamente insubsistente o pedido de declarar a nulidade do Acórdão em crise, visto que os vícios invocados pelo recorrente, a provar, poderiam, quanto a mais, conduzir à anulabilidade.
   Deste modo, ao abrigo do princípio pro actione e do da economia processual, vamos ver se, no caso sub judice, se surgirem os vícios arrogados pelo recorrente.
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   Para devidos efeitos, importa ter presente que o recorrente arguiu na petição e reiterou nas alegações, as seguintes ilegalidades:
   1ª - a manifesta carência de fundamento legal traduzida em nenhuma disposição legal exigir justificação por escrito;
   2ª- a falta de fundamento legal por a sua não comparência nas duas inquirições não constituir infracção ao disposto no n.º1 do art.12° e na a) do art.14° do Código Deontológico;
   3°- a falta da fundamentação;
   4°- erro sobre os pressupostos de facto por não se tomar em conta todo um outro conjunto de factos e razões - os mencionados na conclusão 20 da petição; e,
   5º - a ofensa do princípio da proporcionalidade.
   Anote-se que o próprio recorrente reconheceu dois factos: de um lado, faltou dele, duas vezes, às inquirições do mesmo como testemunha marcadas em 19/05/2009 e 10/06/2009 e, de outro, ele não fizera prévia comunicação, oral ou por escrito, da sua falta ao instrutor ou à secretária de um processo disciplinar.
   Não se deve perder da vista que ao ser inquirida, a Sra. B, secretária da AAM, negou peremptoriamente ter recebido telefonema do recorrente para transmitir ao Sr. Instrutor do dito processo disciplinar a sua indisponibilidade para comparecer como testemunha nas diligências marcadas (cfr. fls.102 do P.A.).
   Perante as constadas duas faltas à inquirição marcada, o recorrente não alegou facto capaz de excluir a ilicitude ou a culpa, cabendo-lhe o ónus de prova para tal efeito.
   Tudo isto conduz necessariamente à conclusão de que tendo sido regularmente notificado, o recorrente não procedeu, de forma oral ou por escrito, nem à comunicação prévia nem a justificação posterior da aludia falta, cometendo duas vezes a inércia completa. Nesta medida, não podemos deixar de entender que não se verifica in casu a arguida «manifesta carência de fundamento legal».
   Salvo o elevado respeito pela opinião diferente, somos forçados à impressão de que a apontada "inércia completa" de duas vezes infringe os deveres consignados nos arts.12° n.º1 e 14°-a) do Código Deontológico, e constitui infracção disciplinar nos termos do disposto no n.° 1 do art.7° do Estatuto do Advogado.
   Tendo em consideração que a situação concreta do recorrente como destinatário - ilustre advogado com experiência, e atendendo ao teor da Acórdão recorrido, parece-nos incontroverso, sem necessidade de citar doutrina e jurisprudência, que não existe a dita falta de fundamentação.
   De acordo com o n.º1 do art.122° do CPP, o segredo profissional ao qual estão adstritos os advogados pode justificar a escusa de depor sobre os factos por si abrangidos, mas não possui a virtude de legitimar a falta à diligência sem prévia comunicação nem justificação posterior.
   Nesta linha de consideração, e tomando ainda em conta a referida declaração da Sra. B como testemunha (cfr. fls.102 do P.A. cujo teor se dá aqui por reproduzido na sua íntegra), não podemos deixar de entender que não existe, no caso sub judice, o «erro sobre os pressupostos de facto» arrogado na conclusão 20 da petição.
   No que concerne à «ofensa do princípio da proporcionalidade» invocada pelo recorrente, inculca de forma prudente o Venerando TUI (vide. Acórdão do Processo n.°27/2003): A pena disciplinar fixada deve corresponder ao grau do desvalor da conduta do infractor, tendo em conta todas as circunstâncias relacionadas com a prática da infracção. Daí que a pena deve ser proporcional à gravidade da conduta disciplinarmente ilícita.
   Importa ter na mente que a aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo como os da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. (Processos n.º27/2003, n.°8/2006 e n.º31/2006 do TUI)
   E, o Tribunal de Última Instância tem entendido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem. O que nos dão a conta os doutos Acórdãos decretados nos seus Processos n.º26/2003, n.º53/2010, n.º8/2012, n.º69/2012 e n.º23/2013. Com efeito, vale referir que a jurisprudência do Venerando TSI vem andando no mesmo sentido.
   Em esteira da jurisprudência consolidada no ordenamento jurídico da RAEM, e sopesando aquela pena disciplinar aplicada (censura) com as respectivas ilicitude e a culpa, temos por certeza que a aludida censura não é desproporcionada nem manifestamente excessiva, e o Acórdão em causa não é ofende o princípio da proporcionalidade
*
   Resta-nos apreciar a prescrição do procedimento invocada, pela 1ª vez, pelo recorrente na peça de fls.56 a 58 destes autos, alegando que a sua última falta à inquirição teve lugar em 10/06/2009, e a notificação do Acórdão em sindicância ocorreu em 06/12/2012.
   Antes de mais, é de realçar que dispõe o n.º2 do art.7° do Estatuto do Advogado: O procedimento disciplinar prescreve no prazo de três anos a contar da data da infracção. Por sua vez, o n.º1 do art.11° do Código Disciplinar dos Advogados reproduz ipso verbis tal determinação. Bem patente é que de todo em todo lado, nenhuma destas disposições refere à notificação.
   À luz do art.99° do CPA, a decisão final faz extinguir o correlativo procedimento tendente à formação e manifestação da vontade. Daí flui logicamente que a notificação da decisão final ocorre depois da extinção do procedimento conducente à tal decisão.
   E é de todo interesse anotar-se que os TSI e TUI vêm consolidando a jurisprudência de que como acto integrativo da eficácia, a notificação não afecta (não tem a ver com) a validade do acto administrativo a notificar. Significa isto que não faz parte do procedimento constitutivo.
   Nestes termos, sufragamos a brilhante tese sustentada pelo STA no Acórdão de 15/11/2012 no Processo n.º0450/09, no sentido de que para efeitos de apurar se houver a prescrição do procedimento, o terminus ad quem é a data da decisão final, e não a da respectiva notificação.
   No caso vertente, sucede que apesar de a notificação ser realizada em 06/12/2012, o Acórdão impugnado foi tomado pelo ilustre Conselho Superior da Advocacia na sua reunião de 04/05/2012 - que fica dentro do prazo de três anos contado a partir da aludida última falta do recorrente em 10/06/2009. O que toma indiscutível que não se verifica in casu a arguida prescrição do procedimento disciplinar.
   Deste modo, dispensemo-nos de analisar a forte extemporaneidade do argumento da prescrição do procedimento disciplinar, dado a qual não ter sido aduzida na petição inicial, nem se fundar no facto novo ou do conhecimento superveniente - o que permite, a nosso ver, a aplicação mutatis mutantis, no caso sub iudice, a jurisprudência extraída pelo TUI nos Processos n.º1/2004, n.º3/2005 e n.º24/2009.
***
   Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso”.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, fica assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
- No âmbito do processo disciplinar n.º 01/09/CSA, o Recorrente foi regularmente notificado pelo Exm.º Instrutor, o Ilustre Advogado Sr. Dr. C, para comparecer no Conselho Superior de Advocacia, a fim de ser inquirido, como testemunha no dia 19 de Maio de 2009.
- À hora designada para o efeito, e havendo-se procedido à chamada, constatou-se que o Recorrente ali não compareceu, sem que tenha oferecido qualquer justificação prévia para o efeito e sem que, posteriormente, tenha apresentado qualquer justificação para a sua falta.
- O Instrutor designou, então, nova data para a pretendida inquirição, o dia 10 de Junho de 2009, pelas 11 horas, havendo notificado regularmente o Recorrente para o efeito.
- No mencionado dia, o Recorrente voltou a não comparecer no Conselho, sem que, mais uma vez, tenha, previamente, dado a conhecer a sua impossibilidade, nem justificando a falta, posteriormente.
- Em 22/10/2009, o Conselho Superior da Advocacia deliberou instaurar processo disciplinar contra o Recorrente.
- Em 17/06/2010, o instrutor do processo deduziu acusação contra o Recorrente.
- O Recorrente foi notificado da acusação por carta registada de 17/06/2010 para, querendo, apresentar a defesa por escrito no prazo de 10 dias.
- Em 21/06/2010, a Recorrente requereu a confiança do processo disciplinar, o que foi deferido.
- Em 28/06/2010, a Recorrente apresentou defesa a por escrito, requerendo a inquirição de 2 testemunhas arroladas.
- Em 16/07/2010, foram inquiridas as testemunhas arroladas.
- Em 16/11/2010, o instrutor do processo disciplinar elaborou o relatório final, submetendo-o à aprovação do Conselho Superior da Advocacia.
- Em 04/05/2012, o mesmo Conselho deliberou por unanimidade o seguinte acórdão:
 “Acórdão
Acordam os membros do Conselho Superior de Advocacia no Processo disciplinar comum n.º 16/09/CSA em que é arguido Dr. A, Advogado, com escritório em Macau, na Av. XX, n.º XX, Edifício XX, XX.º andar XX, Macau.
I
Instrução
O presente processo teve origem por impulso do Ilustre Advogado, Sr. Dr. C, na qualidade de Exmo. Instrutor do Processo Disciplinar n.º 01/09/CSA do Conselho Superior da Advocacia, por o arguido ter faltado 2 vezes, e sem qualquer aviso prévio, nem justificação, à inquirição como testemunha nos dias 19/5/2009 e 10/6/2009.
Analisada a participação que lhe foi dirigida, deliberou este Conselho instaurar processo de inquérito, nos termos do artigo 51.º do Código Disciplinar.
Oportunamente deu o Exmo, Senhor Instrutor Dr. D cumprimento ao disposto no artigo 21.º do Código Disciplinar dos Advogados. (fls. 8 e ss.)
Notificado para se pronunciar, a fls. 14 a 16, sobre a matéria dos autos, o participado apresentou a sua resposta a fls. 30 e ss ..
Finda a instrução, o Exmo. Senhor Instrutor emitiu o PARECER a fls. 32 e ss., no sentido da dedução de acusação, o qual mereceu acolhimento por parte deste Conselho, como resulta de fls. 37 e ss.
II
Acusação
Em cumprimento do deliberado por este Conselho, foi proferido o despacho de acusação, de fls, 41 e ss.:
Em processo disciplinar, sob aforma comum, deduzo a presente acusação contra:
Dr. A, advogado, com escritório na RAEM, na Avenida XX, n.º XX, Edificio XX, XX.º andar XX, Macau, porquanto:
1. No âmbito do processo disciplinar n.º 01/09/CSA, o arguido foi regularmente notificado pelo Exm.º Instrutor, o Ilustre Advogado Sr. Dr. C, para comparecer no Conselho Superior de Advocacia, a fim de ser inquirido, como testemunha no dia 19 de Maio de 2009.
2. À hora designada para o efeito, e havendo-se procedido à chamada, constatou-se que o arguido ali não compareceu, sem que tenha oferecidc qualquer justificação prévia para o efeito e sem que, posteriormente, tenha apresentado qualquer justificação para a sua falta.
3. O Instrutor designou, então, nova data para a pretendida inquirição, o dia 10 de Junho de 2009, pelas 11 horas, havendo notificado regularmente o arguido para o efeito.
4. No mencionado dia, o arguido voltou a não comparecer no Conselho, sem que, mais uma vez, tenha previamente dado a conhecer a sua impossibilidade, nem justificando a falta, posteriormente, nos termos legalmente exigidos.
5. Notificado no âmbito dos presentes autos para se pronunciar sobre a matéria do processo, veio o arguido, através do requerimento de fls. 30/31, que aqui se dá por reproduzido, reconhecer ter sido convocado, no âmbito do aludido processo disciplinar de inquérito n.º 01/09/CSA para depor no dia 19 de Maio de 2009, não tendo comparecido por «puro esquecimento» e admitido ter sido convocado, uma segunda vez, para prestar depoimento no âmbito do mesmo processo disciplinar de inquérito, no dia 10 de Junho de 2009, acto a que voltou a não comparecer, desta vez com a invocação de ocupação «com inúmeras escrituras» que, segundo afirma, «não poderiam de forma alguma ser adiadas face ao número de pessoas e instituições envolvidas».
6. Da conjugação dos elementos juntos à participação e da pronúncia do participado decorre um comportamento negligente do mesmo pois, tendo faltado, apesar de regularmente notificado, «por puro esquecimento» (conforme explicou) à primeira diligência, não teve, na segunda, o cuidado não só de transmitir por escrito, antes do acto, a sua impossibilidade de comparência como de justificar por escrito a sua falta, após o acto a que não compareceu.
7. Trata-se de comportamento revelador da pouca atenção que lhe mereceram as notificações de que foi objecto e consubstancia actuação negligente no cumprimento das suas obrigações, quando se sabe que, de entre os seus deveres profissionais, o advogado deve pugnar pela rápida administração da justiça e colaborar na prossecução dos fins da AAM, deveres previstos nos art.°s 12, n.º 1 e 14.º, alínea a) do Código Deontológico dos Advogados, em cuja violação o arguido incorreu, revelando uma clara má conformação dos invocados deveres profissionais.
Notifique o arguido por carta registada com aviso de recepção - assim como um dos seus advogados constituídos (cfr. fls. 18) -, com indicação de que pode, querendo, oferecer a sua defesa no prazo de dez dias (art.º 29.º, n.º 1 do Código Disciplinar dos Advogados), assim como do direito que lhe assiste de, durante o mencionado prazo, consultar o processo na secretaria do Conselho, onde está disponível para o efeito.
Junte aos autos extracto do registo disciplinar do arguido (art.º 26.º, n.º 2 do citado código).
Macau, aos 17 de Junho de 2010.
O Instrutor,
III
Defesa
Notificado da acusação, o arguido veio a defender-se, nos termos artigo 29.º constantes de fls. 73 e ss., que se dão por reproduzidas.
IV
Relatório Final
Tendo a acusação sido notificada ao arguido, como resulta de fls. 58 e 59, este apresentou a defesa de fls. 73 e ss..
Não havendo mais diligências a realizar, o Exmo. Senhor Instrutor elaborou o seguinte Relatório Final de fls. 114 e ss.:
No presente processo disciplinar, após a resposta do arguido (fls. 30/31), elaborado o Parecer previsto no art.º 52.º do CDA (fls. 32/33) e proferida a Deliberação do Conselho de fls. 38, deduzida acusação (fls. 41/43) e apresentada a Defesa escrita, foram realizadas as seguintes diligências de prova requeridas pelo arguido:
1. Inquirição da testemunha Sr. Dr. E (fls. 95/96); e
2. Inquirição da testemunha Sr. Dr. F (fls. 97/98).
Após tal inquirição, e atenta a afirmação da 1.ª das indicadas testemunhas, no sentido de que, não tendo o arguido lograr contactar o Instrutor do processo disciplinar de inquérito com a numeração 01/09/CSA, no qual fora determinada a sua inquirição, primeiramente para o dia 19 de Maio de 2009 e, depois, para o dia 10 de Junho de 2009, o arguido, por ocasião da segunda convocatória, contactou a funcionária do CSA Sr.ª B, Secretária da AAM, a quem deu a conhecer essa indisponibilidade, tendo deduzido que o Instrutor tivesse sido informado (dessa indisponibilidade), foi determinada a realização de uma diligência complementar de prova, ao abrigo do art.º 33.º, n.º 1, qual seja, a inquirição da testemunha Sr.ª B, a qual teve lugar, na sede do Conselho, no dia 25 de Outubro de 2010, no decurso da qual afirmou não ter recebido qualquer telefonema do arguido, nomeadamente no dia 10 de Junho de 2009 e nos dias antecedentes, no sentido de transmitir ao Sr. Dr. C a sua indisponibilidade para comparecer na sede do Conselho Superior da Advocacia, no dia 10 de Junho de 2009, para depor como testemunha no âmbito do processo disciplinar de inquérito n.º 0l/09/CSA nem para transmitir ao referido advogado, instrutor do processo acabado de identificar, o propósito do arguido de que viesse a ser designada outra data para o efeito.
Finda a produção da prova consideramos provados os seguintes factos:
1. No âmbito do processo disciplinar n.° 01/09/CSA, o arguido foi regularmente notificado pelo Exm. o Instrutor, o Ilustre Advogado Sr. Dr. C, para comparecer no Conselho Superior de Advocacia, a fim de ser inquirido, como testemunha no dia 19 de Maio de 2009.
2. À hora designada para o efeito, e havendo-se procedido à chamada, constatou-se que o arguido ali não compareceu, sem que tenha oferecido qualquer justificação prévia para o efeito e sem que, posteriormente, tenha apresentado qualquer justificação para a sua falta.
3. O Instrutor designou, então, nova data para a pretendida inquirição, o dia 10 de Junho de 2009, pelas 11 horas, havendo notificado regularmente o arguido para o efeito.
4. No mencionado dia, o arguido voltou a não comparecer no Conselho, sem que, mais uma vez, tenha, previamente, dado a conhecer a sua impossibilidade, nem justificando a falta, posteriormente, nos termos legalmente exigidos.
Notificado no âmbito dos presentes autos para se pronunciar sobre a matéria do processo, veio o arguido, através do requerimento de fls. 30/31, que aqui se dá por reproduzido, reconhecer ter sido convocado, no âmbito do aludido processo disciplinar de inquérito n.º 01/09/CSA, para depor no dia 19 de Maio de 2009, não tendo comparecido por «puro esquecimento» e admitido ter sido convocado, uma segunda vez, para prestar depoimento no âmbito do mesmo processo disciplinar de inquérito, no dia 10 de Junho de 2009, acto a que voltou a não comparecer, desta vez com a invocação de ocupação «com inúmeras escrituras» que, segundo afirma, «não poderiam de forma alguma ser adiadas face ao número de pessoas e instituições envolvidas».
Na sua defesa escrita, considerou o arguido, em primeira linha, que «a lei não obriga a justificar as faltas por escrito» e que, no caso, «transmitiu, antecipadamente, por telefone, à Secretária do Conselho, a sua impossibilidade de comparência» e, em segunda linha, «que a falta injustificada à segunda inquirição não implica a violação dos deveres em causa», invocando, ainda, que o objecto do seu pretendido depoimento no âmbito do processo n.º 01/09/CSA, estava coberto pelo segredo profissional e não prejudicou a prossecução de quaisquer fins da AAM mas apenas um aumento de trabalho do Instrutor daquele processo.
A testemunha Dr. E, no seu depoimento, confirmou que o arguido tentou contactar, sem êxito porém, a Secretária do Conselho, Sr.ª D. B, a quem deu a conhecer a sua indisponibilidade; trata-se, porém, de uma informação que não resultou da sua apreensão directa; mais deu a conhecer a referida testemunha que o arguido, nos meses em que ocorreram as suas notificações, se encontrava extremamente ocupado profissionalmente.
Ouvida nos autos, a referida Secretária da AAM, a qual presta apoio ao Conselho Superior de Advocacia, afirmou, porém, que nunca recebeu o invocado telefonema do arguido a manifestar a sua indisponibilidade para a segunda inquirição no âmbito daquele outro processo.
Independentemente, porém, de tal telefonema ter, ou não, acontecido, entende-se que ele não consubstancia, de qualquer modo, um meio idóneo para transmissão de tal indisponibilidade.
Da conjugação dos elementos recolhidos nos autos decorre, em consequência, um comportamento negligente do arguido pois, tendo faltado, apesar de regularmente notificado, «por puro esquecimento» (conforme explicou) à primeira diligência, não teve, na segunda, o cuidado não só de transmitir por escrito, antes do acto, a sua impossibilidade de comparência como de justificar por escrito a sua falta, após o acto a que não comparecera.
Trata-se de comportamento revelador da pouca atenção que lhe mereceram as notificações de que foi objecto e consubstancia actuação negligente no cumprimento das suas obrigações, quando se sabe que, de entre os seus deveres profissionais, o advogado deve pugnar pela rápida administração da justiça e colaborar na prossecução dos fins da AAM, deveres previstos nos art.ºs 12, n.° 1 e 14.º, alínea a) do Código Deontológico dos Advogados, em cuja violação o arguido incorreu, revelando, ínclusivcmente na sua defesa escrita, uma má conformação dos invocados deveres profissionais.
Do extracto do registo disciplinar do arguido (f1s. 112) consta que ele não tem antecedentes disciplinares.
Tudo ponderado propõe-se a aplicação ao arguido da pena disciplinar de Censura, prevista na alínea b) do n.° 1 do art.° 41.° do CDA.
Tendo em consideração a natureza da infracção, a conduta anterior do arguido (sem antecedentes disciplinares), a expectativa de que o arguido venha a saber retirar da punição -- sendc esse o superior entendimento do CSA - a reflexão devida, propõe-se a suspensão da pena aplicada nos termos permitidos pelo art.º 317.º do ETAPM, que constitui o estatuto disciplinar padrão e se tem por aplicável subsidiariamente.
É quanto se me oferece dizer.
À superior consideração do Conselho.
Macau, aos 25 de Janeiro de 2011
O Instrutor,
V
Factos Provados
1. No âmbito do processo disciplinar n.º 01/09/CSA, o arguido foi regularmente notificado pelo Exm.º Instrutor, o Ilustre Advogado Sr. Dr. C, para comparecer no Conselho Superior de Advocacia, a fim de ser inquirido, como testemunha no dia 19 de Maio de 2009.
2. À hora designada para o efeito, e havendo-se procedido à chamada, constatou-se que o arguido ali não compareceu, sem que tenha oferecido qualquer justificação prévia para o efeito e sem que, posteriormente, tenha apresentado qualquer justificação para a sua falta.
3. O Instrutor designou, então, nova data para a pretendida inquirição, o dia 10 de Junho de 2009, pelas 11 horas, havendo notificado regularmente o arguido para o efeito.
4. No mencionado dia, o arguido voltou a não comparecer no Conselho, sem que, mais uma vez, tenha, previamente, dado a conhecer a sua impossibilidade, nem justificando a falta, posteriormente, nos termos legalmente exigidos.
VI
Decisão
Tudo analisado e ponderado, este Conselho delibera dar por provada a acusação, aderindo na douta posição do Ilustre Instrutor na parte respeitante à aplicação da pena de censura previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do Código Disciplinar dos Advogados, e salvo o devido respeito, não acolher a parte respeitante à suspensão da execução da pena, por força ao princípio da legalidade, uma vez que as penas são as previstas taxativamente no Código e não se prevê tal regime de suspensão na respectiva legislação, nomeadamente no referido artigo 41°, bem corno não se prevê a aplicação subsidiária do ETAPM ao Código Disciplinar dos Advogados nos termos do artigo 65.º do mesmo diploma, embora a bondade do Instrutor seja totalmente compreensível.
Registe-se e notifique-se, nos termos do artigo 40.º do Código Disciplinar dos Advogados.
Macau, 4 de Maio de 2012”
*
III – Fundamentação:
Como fundamentos do presente recurso, o Recorrente invocou o seguinte:
1. Erro sobre os pressupostos de facto;
2. Carência da norma legal para a sua punição;
3. Prescrição do procedimento disciplinar;
4. Falta da fundamentação
5. Excesso e desproporcionalidade da pena de censura.
Vamos analisar se lhe assiste razão.
1. Erro sobre os pressupostos de facto:
Na óptica do Recorrente, a decisão ora recorrida “faz constar na factualidade dada por provada matéria que resulta duvidosa da prova produzida durante a instrução dos autos, considerando, erradamente, que certos factos consubstanciam a violação de deveres - o que já se deixou dito não corresponder à verdade -, ignorando todo um outro conjunto de factos e razões apontadas pelo Recorrente que não terão sido tomados em conta (v.g., o facto de o Recorrente ter oralmente comunicado ao Conselho a sua impossibilidade de comparência, ou o conteúdo do seu depoimento estar abrangido por segredo profissional)...”.
Quid iuris?
O Recorrente admitiu ter faltado, por duas vezes, para a diligência marcada para os dias 19/05/2009 e 10/06/2009.
Em relação à primeira falta, o Recorrente confessou que a mesma se deveu por esquecimento, ou seja, aceitou que a falta foi dada por negligência sua.
No que respeita à segunda falta, explicou o Recorrente no âmbito do procedimento disciplinar que no dia marcado para a diligência de inquirição, encontrava-se ocupado com inúmeras escrituras, pelo que informou, por via telefónica, à Srª Secretária do Conselho, a sua impossibilidade de comparência.
Sobre este facto de comunicação telefónica, a Srª. B negou peremptoriamente ter recebido qualquer chamada telefónica do Recorrente tanto no próprio dia 10/06/2009 como em dias anteriores no sentido de transmitir ao Sr. Instrutor a impossibilidade de comparência (fls. 102 do PA).
O Recorrente apenas disse que tinha feito tal chamada telefónica sem que, no entanto, identificasse a data, muito menos a hora, dessa chamada.
Apenas uma das testemunhas de defesa arroladas (Dr. E) disse ter tido conhecimento daquele facto. Esta testemunha, quando foi inquirida no âmbito do processo disciplinar do Recorrente, declarou que o Recorrente “contactou a funcionária do CSA, Srª. D, a quem deu conhecer essa indisponibilidade …” (fls. 95 do PA). No entanto, quando foi inquirida no âmbito dos presentes autos no dia 11/09/2013, declarou que ele, a pedido do Recorrente, tentou contactar com o Dr. G para lhe comunicar/justificar a impossibilidade de comparência do Recorrente, e como não conseguiu estabelecer o contacto com o mesmo, é que telefonou à referida Srª. B para o efeito. (gravação da inquirição)
Repare-se, o Recorrente nunca alegou, tanto no âmbito do seu processo disciplinar como nos presentes autos, que pediu a outrem para efectuar tal comunicação/justificação da falta.
Face à negação peremptória da Srª. B e às divergências do depoimento da testemunha em causa, este Tribunal não está convicto de que o Recorrente tinha efectivamente comunicado por via telefónica a sua impossibilidade de comparência para a diligência marcada para o dia 10/06/2009.
Note-se que, após as faltas de comparência, o Recorrente nunca justificou, por sua iniciativa, tanto por escrito como verbalmente, as suas faltas no Processo Disciplinar nº 01/09/CSA, pois, só o fez no âmbito do seu Processo Disciplinar nº 16/09/CSA.
Nesta conformidade, não se verifica qualquer erro no pressuposto de facto no acto recorrido ao afirmar que o Recorrente faltou duas vezes à diligência marcada sem ter comunicado/justificado prévia ou posteriormente as suas faltas.
Quanto ao alegado facto de que o conteúdo do seu depoimento está abrangido por segredo profissional, cumpre-nos dizer que mesmo que assim seja, tal facto, como bem notou o Dignº Magistrado do Mº Pº junto deste Tribunal, apenas “pode justificar a escusa de depor sobre os factos por si abrangidos, mas não possui a virtude de legitimar a falta à diligência sem prévia comunicação nem justificação posterior”.
2. Carência da norma legal para a sua punição:
Para o Recorrente, as faltas de comparência à diligência marcada não constituem infracção disciplinar ao abrigo do nº 1 do artº 12º e da al. a) do artº 14º do Código Deontológico dos Advogados, já que a falta de testemunha na diligência marcada apenas implica a aplicação da multa nos termos do nº 4 do artº 530º do CPCM, ex vi do artº 65º do Código Disciplinar dos Advogados.
Além disso, defende que não há norma legal que exige que a comunicação da impossibilidade de comparência tem de ser feita por escrito, pelo que não pode ser punido disciplinarmente com base no facto de que não ter feito a comunicação por escrito, uma vez que já o tinha feito verbalmente.
Antes de mais, cumpre-nos dizer que não foi provado o facto de que o Recorrente tinha telefonado para comunicar/justificar a sua impossibilidade de comparência pelas razões acima já expostas.
Assim, torna-se inútil apreciar a questão de saber se a comunicação/justificação da não comparência pode ou não ser feita verbalmente, uma vez que tal facto não ficou provado.
Resta apenas analisar se as faltas injustificadas do Recorrente constituem ou não infracção disciplinar nos termos do nº 1 do artº 12º e da al. a) do artº 14º do Código Deontológico dos Advogados.
   Estabelece o nº 1 do artº 12º do Código Deontológico dos Advogados que “o advogado deve pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento das instituições”.
Por sua vez, a al. a) do artº 14º do mesmo Código prevê que os advogados têm o dever de “colaborar na prossecução dos fins da Associação dos Advogados e zelar pelo seu prestígio e pelo da profissão de advogado”.
A Entidade Recorrida é um órgão disciplinador dos Advogados da RAEM, daí que o Recorrente, como advogado, tem o dever de colaborar com a mesma na prossecução dos seus fins, especialmente no âmbito da matéria disciplinar dos advogados.
Nesta conformidade, afigura-se-nos que a conduta do Recorrente, isto é, faltou injustificadamente duas vezes à diligência de inquirição marcada, constitui infracção disciplinar nos termos dos preceitos legais acima transcritos.
Pois, imagine-se que todos os advogados não colaboravam com o CSA, faltando injustificadamente às diligências de inquirição marcadas no âmbito dos processos disciplinares contra advogados, como é que aquele órgão poderia prosseguir os seus fins, exercendo devidamente o poder disciplinar legalmente conferido? Se assim for, pergunta-se então onde está a administração da justiça? Como é que a Associação dos Advogados pode ter prestígio se os próprios advogados não colaborem com o seu próprio órgão disciplinador na administração da justiça?
Face ao expendido, é de julgar improcedente este argumento do recurso.
3. Prescrição do procedimento disciplinar:
Entende Recorrente que, tendo em conta a data da notificação da decisão da sua punição (06/12/2012) e as datas da prática dos factos susceptíveis de incorrer em infracção disciplinar (19/05/2009 e 10/06/2009), já se verifica a prescrição do procedimento disciplinar, que é de 3 anos, a contar a partir da data da prática da infracção, nos termos do nº 1 do artº 11º do Código Disciplinar dos Advogados.
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão.
Em primeiro lugar, o que releva para efeito de prescrição do procedimento é a data da decisão final (04/05/2012), e não a da respectiva notificação (06/12/2012), pois nos termos do artº 99º do CPA, o procedimento extingue-se pela tomada da decisão final, bem como por qualquer dos outros factos legalmente previstos para o efeito.
A notificação nunca foi, nem é, uma causa legal da extinção do procedimento.
Como é sabido, a notificação em si não faz parte integrante do acto administrativo, apenas dá conhecimento ao notificando a existência e a prática de um determinado acto administrativo, não podendo acrescentar nada ao acto a notificar, pelo que a data da notificação não é relevante para efeitos de prescrição do respectivo procedimento.
No mesmo sentido e a título do Direito Comparado, veja-se o Ac. do STA, de 15/11/2012, proferido no Proc. nº 0450/09.
Pelo exposto e sem necessidade de demais delongas, é de concluir pela improcedência deste fundamento do recurso, na medida em que à data da decisão punitiva (04/05/2012) ainda não se verificou a prescrição do procedimento disciplinar, tanto para a falta de comparência de 19/05/2009 como a de 10/06/2009.
4. Falta da fundamentação:
Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base à decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
Contudo, não se deve confundir fundamentação com fundamentos, a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
Assim, o dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados” .
No mesmo sentido, veja-se Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, anotação do artº 106º, pág. 619 a 621.
Voltando ao caso concreto, será que um destinatário de diligência normal não consegue compreender quais os pressupostos e motivos que estiveram na base da decisão ora recorrida?
Ora, face ao teor do acto recorrido e do parecer integrante, na nossa opinião, o mesmo não só é suficientemente claro no seu texto para dar a conhecer o discurso justificativo da decisão tomada como tem capacidade para esclarecer as razões determinantes do acto, é ainda congruente e suficiente. Dele resulta que foi aplicada a pena disciplinar de censura nos termos artº 41º, nº 1, al. b) do Código Disciplinar dos Advogados ao ora Recorrente por o mesmo ter violado os deveres profissionais previstos nos artºs 12º, nº 1 e 14º, al. a) do Código Deontológico dos Advogados.
A questão de saber se os fundamentos do acto recorrido estão correctos ou não, já é uma questão de fundo que diz respeito ao outro vício alegado pelo recorrente.
Conclui-se assim pela improcedência do vício da forma, por falta de fundamentação.
5. Excesso e desproporcionalidade da pena de censura:
Alega a Recorrente que ainda que a sua conduta seja passível de constituir uma infracção disciplinar, a pena de censura é manifestamente excessiva e desproporcional, na medida em que é primário, sem qualquer antecedente disciplinar.
Nesta conformidade, entende que a pena adequada seria a pena de advertência, ou a pena de censura, com suspensão de execução da pena, pelo que pediu, a título alternativo, que este Tribunal alterasse a pena disciplinar aplicada.
Nos termos do nº 2 do artº 5º do CPC, “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
É este o chamado princípio da proporcionalidade.
A ideia central deste princípio projecta-se em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa.1
Nos termos do nº 1 do artº 41º do Código Disciplinar dos Advogados, as penas disciplinares são as seguintes:
a) Advertência;
b) Censura;
c) Multa até cem mil patacas;
d) Suspensão de dez dias a cento e oitenta dias;
e) Suspensão de seis meses a cinco anos; e
f) Suspensão de cinco anos a quinze anos.
E na aplicação das penas deve atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau de culpabilidade, às consequências da infracção e a todas as circunstâncias agravantes ou atenuantes – artº 42º do mesmo Código.
Dentro do critério legal, a Entidade Recorrida goza uma certa margem de liberdade na determinação da pena concreta disciplinar, a qual só se sujeita ao controlo judicial nos casos de desvio do poder, do erro manifesto ou da total desrazoabilidade no seu exercício.
No caso em apreço, o Recorrente faltou injustificadamente duas vezes à diligência agendada. Não confessou os factos, nem se mostra arrependido, pois, sempre defendeu da não verificação de qualquer infracção disciplinar.
Nesta conformidade, não se nos afigura que a aplicação da pena de censura seja manifestamente excessiva ou desproporcional e que é passível do controlo judicial.
Improcede, portanto, este argumento do recurso.
Quanto ao pedido “alternativo” da substituição da pena de censura para a de advertência ou a suspensão da execução da pena de censura por este Tribunal, fica desde já indeferido por não ser legalmente admissível tendo em conta o princípio da separação de poderes, bem como a natureza e a finalidade do recurso contencioso, que é de mera legalidade e com finalidade de anular os actos recorridos ou declarar a sua nulidade ou inexistência jurídica - artº 20º do CPAC.
Tudo visto, cumpre decidir.
*
IV – Decisão:
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam negar provimento ao recurso interposto, mantendo o acto recorrido.
*
Custas pelo Recorrente com 8UC de taxa de justiça.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 22 de Janeiro de 2015.
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Ho Wai Neng Mai Man Ieng
(Fui presente)
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
1 Cfr. David Duarte, Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para Uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa como Parâmetro Decisório, Almedina, Coimbra, 1996,, 319 a 325.
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46/2013