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Processo nº 460/2014
(Reclamação para a conferência)

Data: 18/Dezembro/2014

Recorrente:
- B, representado pela mãe C

Entidade recorrida:
- Secretária para a Administração e Justiça

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B, representado pela mãe C, melhor identificado nos autos, notificado do despacho da Exmª Secretária para a Administração e Justiça de 29 de Maio de 2014, que lhe indeferiu o pedido de emissão do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, interpôs o presente recurso contencioso de anulação do acto.
Por despacho do Relator, foi rejeitado liminarmente o recurso com fundamento na sua irrecorribilidade.
Do despacho deduziu o recorrente reclamação para a conferência, por se entender que o recurso deveria ser admitido e, em consequência, ordenada a citação da entidade recorrida para contestar.
Notificado o Ministério Público, o mesmo pugnou pela manutenção do despacho liminar.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Dos elementos constantes dos autos resulta provada a seguinte matéria de facto pertinente para a apreciação da presente reclamação:
A 17.10.2013, C, mãe do recorrente B, requereu junto do Director dos Serviços de Identificação de Macau a emissão do certificado de confirmação do direito de residência a favor do recorrente, alegando ser o mesmo natural da RAEM.
Por despacho do Director dos Serviços de Identificação, de 24.3.2014, foi indeferido o pedido de emissão do BIRM a favor do recorrente.
A 1.4.2014, foi apresentada reclamação junto dos SIM, tendo a mesma sido indeferida por despacho de 11.4.2014.
Inconformado com a decisão da reclamação, apresentou recurso hierárquico para a Exmª Secretária para a Administração e Justiça, e por despacho de 29.5.2014, foi o mesmo indeferido.
*
O caso
O Relator entendeu que o acto da Exmª Secretária para a Administração e Justiça era um acto meramente confirmativo, por se ter limitado a confirmar o acto do Senhor Director dos Serviços de Identificação, o qual já era impugnável contenciosamente.
Razão pela qual foi rejeitado liminarmente o recurso contencioso, por se entender não ser o acto recorrido susceptível de recurso, ao abrigo do disposto no artigo 46º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Já o recorrente, ao contrário do que se referiu na sua petição do recurso, vem dizer agora que a norma do artigo 5º, nº 1 do Regulamento Administrativo nº 7/1999, que consagra a definitividade da decisão do Director dos Serviços de Identificação e o recurso contencioso directo para os tribunais, não tem aplicação no caso concreto por tal recurso contencioso directo estar apenas previsto para as situações reguladas nas alíneas 2), 3), 5) e 6) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999, ao passo que as situações contempladas na norma da alínea 1) do nº 1 da Lei nº 8/1999, na qual o recorrente fundou o pedido para a emissão do certificado do direito de residência, estão excluídas daquele Regulamento Administrativo.
Conclui, pedindo que se admita o recurso e se determine a citação da entidade recorrida para contestar.
Vejamos.
Efectivamente, está bom de ver que o acto da Exmª Secretária para a Administração e Justiça era um acto confirmativo, mas não um acto meramente confirmativo.
Como observa José Cândido de Pinho, “são três os requisitos de que depende uma tal qualificação: 1º - que o acto confirmado seja definitivo; 2º - que o acto confirmado tenha sido levado ao conhecimento do interessado a ponto de dele poder recorrer ou ter recorrido; 3º - que entre acto confirmado e confirmativo haja identidade de sujeitos, objecto e decisão”.1
Acrescentou Diogo Freitas do Amaral, “na verdade, se não houver identidade de sujeitos, de objecto e de decisão entre os dois actos, o segundo acto não será confirmativo mas sim um acto novo, modificativo do primeiro, e portanto definitivo”.2
De facto, segundo se refere o Digno Magistrado do Ministério Público no seu distinto parecer, e bem, o acto objecto do presente recurso contencioso foi praticado pela Exmª Secretária para a Administração e Justiça, que por sua vez, confirmou o despacho do Director dos Serviços de Identificação, pelo que, não se verificando a identidade de sujeitos no tocante ao autor dos actos, não podemos qualificar o acto recorrido como acto meramente confirmativo.
Entretanto, o que interessa é saber se o acto do Director estaria sujeito ao recurso hierárquico necessário ou já era definitivo e, portanto, contenciosamente recorrível, caso em que o presente recurso de anulação (do despacho da Exmª. Secretária) também deveria ser rejeitado.
No vertente caso, o recorrente, representado pela sua mãe, solicitou junto dos Serviços de Identificação de Macau a emissão do certificado de confirmação do direito de residência, com fundamento em que o mesmo é natural da RAEM.
Por despacho do Director dos Serviços de Identificação, foi-lhe indeferida a emissão do BIRM.
Dispõe o nº 1 do artigo 7º da Lei nº 8/1999 que:
“O estatuto de residente permanente da RAEM é confirmado mediante um dos seguintes documentos válidos:
1) Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM;
2) Passaporte da RAEM;
3) Certificado comprovativo do direito de residência emitido pela DSI;
4) Certificado comprovativo do estatuto de residente permanente emitido pela DSI, nos termos do artigo 9º”
Sendo assim, podemos concluir que Bilhete de Identidade de Residente e certificado de confirmação do direito de residência são dois tipos de documento completamente diferentes.
Em princípio, quando foi feito um pedido, a Administração deveria apreciar só esse pedido e não imiscuir-se em questões não colocadas pelo interessado.
Mas a lei admite alguma flexibilidade nesse princípio.
Estatui-se nos termos do artigo 59º do Código do Procedimento Administrativo que “os órgãos administrativos, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, podem proceder às diligências que considerem convenientes para a instrução, ainda que sobre matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados, e decidir coisa diferente ou mais ampla do que a pedida, quando o interesse público assim o exigir”.
No caso vertente, foi pedida a emissão do certificado de confirmação do direito de residência, mas a Administração acabou por indeferir a emissão do BIRM a favor do recorrente.
Terá aqui algum interesse público quando a Administração decidiu uma coisa que não foi requerida pelo interessado?
Em nossa opinião, depende do caso, mas no nosso, julgamos que sim.
No presente caso, salvo o devido respeito, entendemos que a Administração não está inibida de dar uma resposta ligeiramente diferente daquela que foi solicitada, considerando que tanto o certificado de confirmação do direito de residência como o Bilhete de Identidade de Residente se destinam a conceder ao interessado o estatuto de residente permanente da RAEM, sendo assim, ao apreciar uma questão relacionada com autorização de residência na RAEM, não podemos deixar de assinalar que a Administração ainda está a actuar de acordo com o interesse público.
Entende o recorrente que a norma do artigo 5º, nº 1 do Regulamento Administrativo nº 7/1999, em que estabelece a recorribilidade contenciosa da decisão do Director dos Serviços de Identificação, não tem aplicação no caso concreto por tal recurso contencioso directo estar apenas previsto para as situações reguladas nas alíneas 2), 3), 5) e 6) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999, ao passo que as situações contempladas na norma da alínea 1) do nº 1 da Lei nº 8/1999, na qual o recorrente fundou o pedido de emissão do certificado do direito de residência, estão excluídas daquele Regulamento Administrativo.
Vejamos.
Contempla-se no nº 1 do artigo 1º do Regulamento Administrativo nº 7/1999 que “os indivíduos que declarem ter o direito de residência na Região Administrativa Especial de Macau, doravante designada por RAEM, nos termos das alíneas 2), 3), 5) e 6) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999 da Região Administrativa Especial de Macau e não sendo titulares do Bilhete de Identidade de Residente de Macau válido ou do documento de identificação da RAEM válido, devem requerer o certificado de confirmação do direito de residência na Direcção dos Serviços de Identificação da RAEM, doravante designada por DSI, com excepção dos indivíduos referidos no nº 2 do presente artigo” – sublinhado nosso.
Mais se estatui no nº 1 do artigo 5º que “O pedido é apreciado pelo director da DSI ou seu delegado, que toma a decisão no prazo de 30 dias úteis a contar da data de entrega de todos os documentos referidos no artigo 4º. A decisão da DSI é definitiva, da qual cabe recurso contencioso.” sublinhado nosso
É verdade que, de acordo com o nº 1 do artigo 1º do Regulamento Administrativo 7/1999, só os indivíduos indicados nas alíneas 2), 3), 5) e 6) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999, que declarem ter o direito de residência na RAEM e não sejam titulares do Bilhete de Identidade de Residente de Macau válido ou do documento de identificação da RAEM válido, devem requerer a emissão do certificado de confirmação do direito de residência junto da Direcção dos Serviços de Identificação.
Em relação aos outros indivíduos referidos nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999, a lei já não prevê a necessidade de pedir a emissão do tal certificado, bastando-se com a formulação do pedido de emissão do Bilhete de Identidade de Residente junto dos Serviços de Identificação.
No caso vertente, apesar de o recorrente vir alegar que não está integrado naquele grupo de indivíduos indicados nas alíneas 2), 3), 5) e 6) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999, isso significa que não está obrigado a pedir previamente a emissão do certificado de confirmação do direito de residência, mas acabou por formular o tal pedido junto dos Serviços de Identificação de Macau.
De facto, o Regulamento Administrativo nº 7/1999 visa regular as condições e o procedimento de emissão do certificado de confirmação do direito de residência, e independentemente de o recorrente pertencer ou não a tal grupo de indivíduos indicados nas alíneas 2), 3), 5) e 6) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999, o certo é que foi no âmbito daquele diploma legal (RA nº 7/1999) que o recorrente veio formular o seu pedido, traduzido na emissão do certificado de confirmação do direito de residência.
Aqui chegados, já que a matéria relacionada com a emissão do certificado de confirmação do direito de residência está regulada pelo Regulamento Administrativo nº 7/1999, aliás foi dentro desse âmbito que o recorrente veio formular o seu pedido, somos a entender que, independentemente da bondade da decisão, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 5º desse mesmo Regulamento, da decisão do Director dos Serviços de Identificação cabe recurso contencioso directo para o Tribunal Administrativo, isso significa que o recurso hierárquico apresentado à Exmª Secretária assume natureza meramente facultativa e não necessária.
Nesta conformidade, podemos concluir que a decisão da Exmª. Secretária para a Administração e Justiça não é contenciosamente recorrível, impondo-se, portanto, a sua rejeição.
Tudo para apontar a manutenção da decisão reclamada.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em indeferir a reclamação, confirmando a decisão reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 U.C.
Notifique.
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Macau, 18 de Dezembro de 2014

(Relator)
Tong Hio Fong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto)
João A. G. Gil de Oliveira

Fui presente
Mai Man Ieng


1 José Cândido de Pinho, in Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ, 2013, página 100
2 Diogo Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, Volume III, Lisboa, 1989, página 233
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