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Processo nº 313/2014
Data do Acórdão: 18DEZ2014


Assuntos:

Divórcio litigioso
Nulidade da decisão por oposição entre os fundamentos e a decisão
Propósito de não restabelecer a comunhão de vida


SUMÁRIO

1. Verifica-se este vício gerador da nulidade quando os fundamentos invocados pelo juiz conduzem logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.

2. Ficou provado que o propósito por parte da Autora de não restabelecer a comunhão de vida se formou no momento do início da separação que tem durado por mais de dois anos, é de decretar o divórcio com fundamento na separação de facto


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 313/2014


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção especial de divórcio litigioso, registada sob o nº FM1-12-0018-CDL, do Juízo de Família e de Menores do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:

I) RELATÓRIO
  A, casada, residente em Macau, no XX, Edf. XX, XX° andar XX, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau n.º 5XXXXX3(2), veio intentar a presente
  DIVÓRCIO LITIGIOSO contra
  B, casado, com domicílio profissional em Macau, na Avenida XX, Edifício XX, nºs XX, XXº andar, apartamento 801, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau n.º 5XXXXX5(3)
  com os fundamentos apresentados constantes da p.i., de fls. 2 a 5.
  Concluiu pedindo que seja decretado o divórcio entre A. e R., com fundamento na alínea a) do artigo 1637° e n.º 1 do artigo 1638°, todos do Código Civil de Macau.
***
  A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 15 a 18 dos autos.
  Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos da Autora.
***
  O Tribunal é competente em razão da matéria, de hierarquia e internacionalmente e o processo é próprio.
  As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
  Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
*
  Procede-se o julgamento com observância do devido formalismo.
***
II) FACTOS
  Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
  Da Matéria de Facto Assente:
- A A. e o R. contraíram casamento em Macau, no dia 1 de Dezembro de
2004. (alínea a) dos factos assentes)
  Da Base Instrutória:
- Desde finais de 2009, a A. e o R. deixaram de viver na mesma casa. (resposta ao quesito 2 da base instrutória)
- Não havendo, qualquer intenção, por parte da A. de restabelecer a vida em comum com o R. (resposta ao quesito 2° da base instrutória)
- Em 27 de Junho de 2011, por motivo de trabalho, à A. e o R. foram a Hong Kong e ficaram hospedados no mesmo quarto de hotel. (resposta ao quesito 4° da base instrutória)
***
III) FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
  Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
  Na presente acção, a Autora fundamentou o pedido de divórcio na separação de facto das partes desde finais de Novembro de 2009.
  Na contestação, veio o Ré a negar que houve separação de facto entre os cônjuges, impugnado pela improcedência do pedido da Autora.
  *
  Nos termos da alínea a) do art°1637° do C.C., “São fundamentos do divórcio
  litigioso: a) a separação de facto por 2 anos consecutivos; b) ... ; c) ....”
  Dispõe-se o nº do art°1638° do C.C., “Entende-se há separação de facto, para os efeitos da línea a) do artigo anterior, quando não exista comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer.”
  Resulta dos preceitos legais, a separação de facto exige-se o preenchimento de dois elementos, um elemento objectivo, que é a separação de comunhão de vida e um outro subjectivo, o propósito de não restabelecer a comunhão de vida, por ambos dos cônjuges ou apenas por um dos cônjuges.
  “Como causa de divórcio, a separação exige em primeiro lugar a separação de facto dos cônjuges, integrada por dois elementos, um objectivo e outro subjectivo. O elemento objectivo e a divisão do habitat, a falta de vida em comum dos cônjuges, que passam a ter residências diferentes... Ao elemento objectivo, que é matéria da separação de facto, há-de acrescer um elemento subjectivo, que anima essa matéria e lhe dáforma e sentido. Tal elemento subjectivo consiste numa disposição interior ou num propósito, da parte de ambos os cônjuges ou de um deles, de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial.” (Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito da Família, Vol I., 2ª edição, p.630)
  Segundo o acórdão do T.S.I., de 10 de Dezembro de 2009, processo nº74/2008, para os efeitos previstos no art°1637°, a) do C.C., não basta a separação por dois anos. O propósito de não restabelecer a vida em comum, referido no art°1638°, nºl do C.C., também tem que estar verificada há 2 anos.
  “一、根據澳門《民法典》第1638條第1款有關可成為該法典第1637條a項所指的訴訟離婚合法理由的「事實分居」的法律定義,祇有「夫妻雙方不共同生活,且雙方或一方具有不再共同生活之意圖時」,才可被視為事實分居。
  二、這是因為立法者僅把分居者純粹以不想與配偶再過共同婚姻生活的意圖而作出的與配偶實際分居行為所構成的連續分居期間,算入可導致合法離婚的1637條a項所指的「事實分居」期。總言之,祇有在夫妻感情破裂下的分居才算是真正的分居。”
  
  Tendo em conta as considerações acima expostas e os preceitos legais, para que exista a separação de facto a que se refere o art°1637°, alínea a) do C.C., há que se verifique, simultaneamente, a ausência da vida em comum e a intenção de a não restabelecer.
  Ou seja, o prazo consecutivo de dois anos exige-se não só em relação a ruptura da vida em comum mas também quanto à vontade de não restabelecer a comunhão de vida por parte de um ou ambos dos cônjuges, sem os quais não estamos perante a separação de facto, fundamento objectivo do divórcio.
  No caso em apreço, está provado que a Autora e o Réu deixaram de viver na mesma casa a partir de finais de 2009.
  Pois, apesar de estar provado que não há por parte da autora o propósito de restabelecer a vida com comum, mas nada resulta dos factos assentes a partir da que data concreta é que h Autora formou essa vontade. O único elemento disponível é a data de 14 de Março de 2012, a data em que foi apresentada a p.i. em que a Autora inequivocamente manifestou a sua vontade de não restabelecer a comunhão de vida.
  Assim, não obstante estar provado que as partes não viveram na mesma habitação desde finais de 2009, o pedido de divórcio não pode proceder visto que só se pode considerar que a Autora formou a sua vontade de não restabelecer a vida em comum em 14 de Março de 2012.
***
IV) DECISÃO
  Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedente a acção por não provada e, em consequência, absolver o Réu, B do pedido de divórcio formulado pela Autora A.
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  Custas pelas partes pela Autora.
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  Registe e Notifique.
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  據上論結,本院裁定訴訟理由不能成立,裁定原告A提出的離婚請求不能成立,開釋被告B。
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  訴訟費用由原告負擔。
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  依法作出通知及登錄本判決。
***

Não se conformando com o decidido, veio a Autora recorrer da mesma concluindo que:

A) A douta sentença recorrida está ferida de nulidade, que ora se argúi, - por oposição entre a decisão e os fundamentos em que a mesma repousa (art.° 571.°, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, a qual só pode ser arguida nesta sede recursal, for força do disposto no n.º 3 do mesmo normativo).
B) Pois deu o Tribunal a quo por provado (em resposta aos quesitos da matéria de facto da base instrutória e na especificação dos respectivos fundamentos) que, quando da apresentação da p.i. (14 de Março de 2012), havia já mais de 2 (dois) anos (desde finais de 2009) que Autora e Réu viviam separados, sem contactos íntimos, sem que houvesse por parte da Autora o propósito de restabelecer a relação.
C) Portanto, não é logicamente admissível a conclusão da douta sentença recorrida de que nada resulta dos factos assentes a partir da que data concreta é que a Autora formou essa vontade.
D) A decisão recorrida está, ainda, inquinada por erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação da norma contida no n.º 1 do art.º 1638.° do Código Civil. Pois,
E) Na verdade, ainda que provado não estivesse que desde finais de 2009 a Autora mantém o propósito de não restabelecer a vida conjugal, outra decisão não seria consentida que não fosse o decretamento do divórcio com fundamento no facto da separação de facto por mais de dois anos, nos termos e ao abrigo do disposto nos artºs. 1637.°, al. a) e 1638.° n.º 1 do Código Civil.
F) Para o efeito, basta a verificação do requisito objectivo da separação de facto por dois anos (al. a) do art.º 1637.°). Pois o requisito subjectivo do propósito de não restabelecimento da comunhão de vida (art.° 1638.°, n.º 1) revela-se, no limite, com a proposição da acção de divórcio.
G) Impor, como o faz a sentença recorrida (para mais, recorde-se, em oposição com a matéria de facto provada....) que o prazo consecutivo de dois anos exige-se também quanto à vontade de não restabelecer a comunhão de vida é ir longe demais, alterando as regras do ónus da prova e gerando uma autêntica prova diabólica e processos de intenções .
H) Na verdade, estando Autora e Réu separados, mas querendo o Réu a manutenção do casamento, se a Autora assim quisesse, em qualquer momento teria propiciado a reconciliação.
I) Donde lógica e forçosamente se retira que, durante todo esse tempo, a todo o momento, a Autora não quis reatar a comunhão de vida! Ou seja, a Autora manteve sempre o propósito de não restabelecer a vida em comum, (assim cumprindo com o elemento subjectivo) exigido pelo n.º 1 do art.º 1638.º!
J) Portanto, o simples facto da separação prova por si mesmo o propósito do cônjuge em não restabelecer a vida em comum, nos casos em que o outro cônjuge quer a manutenção do casamento (nas situações, obviamente, em que a separação não é devida a outra ordem de razões, como sejam, exigências de natureza profissional, de saúde, acompanhamento de familiares, etc...).
K) O elemento subjectivo, - o propósito - exigido pela lei é uma disposição interior (de um ou de ambos os cônjuges) que existe desde o momento em que um ou os dois decidiram viver em casas separadas, deixando de coabitar. Casos há, como o dos autos, em que foi, aliás, o propósito de não viver em comum que levou à separação e, portanto, o elemento subjectivo (em casos como este) é apriorístico, determinando a separação e, assim, co-existindo desde esse momento, (tendo apenas de se lhe somar o elemento objectivo do decurso do período de dois anos). Só não assim naqueles casos em que a separação é determinada, não por este tipo de propósito, mas por outras razões.
L) Por aqui se entende que a jurisprudência de modo virtualmente unânime vibre pelo mesmo diapasão. Vejam-se os Acórdãos deste Venerando Tribunal, decididos por unanimidade, de 15 de Dezembro de 2011, (proferido no processo n.º 388/2010); de 17 de Novembro de 2011, (processo n.º 158/2011); e de 11 de Janeiro de 2007, (processo n.º 582/2006).
M) E é, igualmente, o sentido da generalidade da doutrina (de que se citam trechos supra, a título de exemplo).
N) A sentença recorrida é uma decisão surpresa com vocação normativa, pois criou norma nova, decidindo não só contra legem mas ultra legem, e, portanto, violando o princípio da separação de poderes, o princípio do dispositivo e, bem assim, o princípio do inquisitório.
O) Efectivamente, a decisão recorrida ultrapassou os limites autorizados por qualquer interpretação extensiva, violando a teleologia da norma e o pensamento do legislador, em contradição com o sentido lógico e prático inerente à previsão legal, (só de iure condendo podendo admitir-se e) decidindo como se fosse o seguinte o elemento literal do n.º 1 do art.º 1638.º do Código Civil:
1. Entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e houve da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer, durante todo o período da separação de facto.
P) É ainda caso para dizer, salvo o respeito devido, que a decisão recorrida é mais papista que o Papa, e porque a dificuldade aguça o engenho, a proceder, levaria a que de futuro os requerentes de divórcio litigioso por separação de facto passassem a introduzir sempre, por cautela, um pedido subsidiário: o de que falhando o pedido de decretamento por decurso do prazo da separação (acautelando dificuldades probatórias que necessariamente surgiriam a respeito do elemento subjectivo da separação de facto), pedissem o decretamento do divórcio por violação do dever de coabitação (isto, claro, sempre que o peticionante não fosse o causador, o culpado, da separação, sob pena de venire contra factum proprium).
Q) Por último, sempre se diga que estão perfeitos dois anos consecutivos de separação de facto pelo menos desde a data em que a Autora activamente se propôs divorciar-se e passou procuração forense para o efeito (i.e., como visto supra, desde 2 de Março de 2012).
R) Portanto, - em última instância, ainda que falhasse tudo o supra exposto, o que se concede por mera hipótese de raciocínio, argúi-se que - não existindo previsão legal que autorize distinguir entre o tempo decorrido antes da proposição da acção, do tempo decorrido na pendência da acção, e porque a Autora desta não desistiu - donde se deduz logicamente que manteve, até ao presente, o propósito de se divorciar (i.e., o propósito de não restabelecer a vida em comum com o Réu), - deve entender-se que está cumprido o período de tempo consecutivo de dois anos exigido por lei e exigido pelo singular entendimento do Tribunal a quo, pelo que, em qualquer caso, se revela inútil a presente instância, devendo ser decretado o divórcio entre Autora e Réu.
Termos em que, e nos melhores de Direito que Vxªs. doutamente suprirão, deve proceder o presente recurso e, consequentemente, ser revogada a douta sentença recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que decrete, por divórcio, a dissolução do casamento entre Autora e Réu, nos termos peticionados,
como é de
JUSTIÇA!


Ao recurso respondeu o Réu pugnando pelo não provimento do recurso.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Tendo em conta o alegado e concluído na petição do recurso, são as seguintes questões que constituem objecto da nossa apreciação:

1. Da nulidade da sentença; e

2. Do momento da formação da vontade de não restabelecer a vida em comum.

Apreciemos.

1. Da nulidade da sentença

Dispõe o artº 571º/1-c) do CPC que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

Verifica-se este vício gerador da nulidade quando os fundamentos invocados pelo juiz conduzem logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto – Alberto dos Reis, in CPC anotado, vol. V, 141.

Imputando a nulidade à sentença recorrida, alega a recorrente que:

“Pois deu o Tribunal a quo por provado (em resposta aos quesitos da matéria de facto da base instrutória e na especificação dos respectivos fundamentos) que, quando da apresentação da p.i. (14 de Março de 2012), havia já mais de 2 (dois) anos (desde finais de 2009) que Autora e Réu viviam separados, sem contactos íntimos, sem que houvesse por parte da Autora o propósito de restabelecer a relação.

Portanto, não é logicamente admissível a conclusão da douta sentença recorrida de que nada resulta dos factos assentes a partir da que data concreta é que a Autora formou essa vontade.”

Ora, ficou provado que:
  
Desde finais de 2009, a A. e o R. deixaram de viver na mesma casa. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
Não havendo, qualquer intenção, por parte da A. de restabelecer a vida em comum com o R. (resposta ao quesito 2° da base instrutória)
Em 27 de Junho de 2011, por motivo de trabalho, à A. e o R. foram a Hong Kong e ficaram hospedados no mesmo quarto de hotel. (resposta ao quesito 4° da base instrutória)

Esta matéria levada à base instrutória tem origem nos seguintes factos alegados na petição inicial:

3º.
Após sucessivos desentendimentos entre ambos, em finais de Novembro de 2009, A. e R. deixaram de coabitar e de ter quaisquer contactos entre si;
4º.
deixando, também, de cumprir com os deveres conjugais a que se encontravam vinculados por via do casamento.
Factos estes que,
5º.
Impedem definitivamente a vida em comum e inviabilizam a manutenção do casamento;
6º.
não havendo qualquer intenção, pelo menos por parte da A., de restabelecer a vida conjugal com o R..
Ademais,

Para o Tribunal a quo, a matéria não diz, de per si, a partir de quê momento a Autora formou a vontade de não restabelecer a vida em comum, apesar de ter como assente o facto de ambas as partes se separarem desde há mais de dois anos.

Para a recorrente, esta matéria deve ser interpretada no sentido de que já se formou a vontade de não restabelecer a vida em comum desde o início da separação. Portanto ao entender, na fundamentação de facto, que nada resulta dos factos assentes a partir de que data concreta é que a Autora formou essa vontade, a decisão recorrida padece da nulidade consistente na oposição entre os fundamentos e a decisão.

Melhor analisada esta matéria inicialmente alegada pela Autora, depois quesitada e dada por provada pelo Tribunal, verificamos que, sob ponto de vista no aspecto da sintaxe, a oração principal é “Desde finais de 2009, a A. e o R. deixaram de viver na mesma casa.” e o complemento circunstancial de modo é “Não havendo, qualquer intenção, por parte da A. de restabelecer a vida em comum com o R”.

Tendo o completamento circunstancial de modo por função a integração ou limitação do sentido da oração principal, a matéria em causa deve ser interpretada no sentido de que a vontade de não restabelecer a vida em comum por parte da Autora nasceu ab initio e permanece ao longo de todo o período de tempo que dura a separação de facto.

Há assim efectivamente discrepância entre a interpretação da matéria de facto a que agora procedemos e a interpretação em que se apoiou o Tribunal a quo na prolação da decisão recorrida.

Nesta conformidade, a Autora tem razão, a sentença não se pode manter e este Tribunal de recurso deve substituir-se ao Tribunal a quo conhecendo o pedido da acção de acordo com a matéria de facto assente e o sentido que sufragamos, por força do princípio da substituição, consagrado no artº 630º do CPC.

É de portanto declarar a nulidade da sentença recorrida por oposição entre o fundamento de facto e a decisão de direito, a que se alude o artº 571º/1-c) do CPC.

Passemos então a apreciar o pedido da acção.

Foi ao abrigo do disposto nos artºs 1637º/-a) e 1638º/1 do CC e com fundamento na separação de facto e na falta de vontade de restabelecer a vida em comum, que a Autora pede o decretamento do divórcio.

A lei exige como causa de divórcio litigioso a verificação de qualquer das várias situações.

Entre as quais temos a separação de facto – artº 1637/-a) do CC.

In casu, não está posta em causa a verificação do elemento, considerado pela doutrina, como objectivo, que consiste na falta de vida em comum da Autora e do Réu por mais de 2 anos.

Todavia, a lei vai mais longe, concretizando o que se deve entender por separação de facto – artº 1638º/2 do CC.

Diz este normativo que “há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer.”.

Isto é, ao elemento objectivo, que é a falta de vida em comum dos cônjuges, a lei acresce a exigência da verificação de um elemento subjectivo, que dá um sentido de foro afectivo à falta da comunhão de vida.

Ou seja, para além da separação objectiva, é ainda preciso que seja demonstrada uma disposição interior, um propósito, de foro afectivo, por parte de um ou de ambos os cônjuges, de não restabelecer a comunhão de vida.

Tendo em conta a matéria de facto assente no sentido que sufragamos, é de considerar verificado o tal elemento subjectivo.

Assim, demonstrados os elementos objectivo e subjectivo da separação de facto, deve ser decretado o divórcio.

Não há lugar à declaração da culpa, dado que isto não foi pedido nem resulta da matéria de facto assente a existência da culpa por parte de qualquer dos cônjuges.

2. Do momento da formação da vontade de não restabelecer a vida em comum

Face ao decidido em relação à primeira questão, fica prejudicado o conhecimento desta segunda questão, pois independentemente da opção, ou pela doutrina que defendeu o Tribunal a quo, ou pela doutrina que a recorrente invocou, procederá sempre a presente acção de divórcio com fundamento na separação de facto uma vez que é in casu tido como assente o propósito de não restabelecer a comunhão de vida se ter formado no momento do início da separação e ter durado por mais de dois anos.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam:

1. Julgar procedente o recurso interposto pela Autora;

2. Declarar a nula sentença recorrida; e

3. Julgar procedente a acção decretando o divórcio entre a Autora e o Réu.

Custas pelo Réu.

Registe e notifique.

RAEM, 18DEZ2014
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Lai Kin Hong
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
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Ho Wai Neng
Ac. 313/2014-16