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Processo nº 757/2014
(Autos de recurso laboral)

Data: 22/Janeiro/2015

Recorrente:
- A (Autor)

Recorrida:
- B (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Ltd (Ré)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM a presente acção de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da Ré no pagamento do montante de MOP$80.760,00.
Realizado o julgamento, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$53.840,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
Inconformada com a sentença, dela vem o Autor interpor recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto no al. a) do n.º 6 do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral.
3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado.
4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário x n.º de dias de descanso não gozados x 2).
5. De onde, resultando que o Recorrente prestou trabalho durante todos os dias de descanso semanal durante toda a relação de trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$53,840.00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$26.920,00, correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento, devendo manter-se a restante condenação da Ré no pagamento da quantia devida a título de não gozo de dias de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal.
Conclui, pedindo a revogação da sentença que condenou a Ré a pagar ao Autor apenas o equivalente a um dia de trabalho em singelo, e substituída por outra que atenda ao pedido formulado pelo recorrente.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1) Entre 1 de Junho de 2004 a 30 de Julho de 2007, o Autor prestou para a Ré funções de “guarda de segurança”. (A)
2) A Ré sempre fixou o local (posto de trabalho), o período e o horário de trabalho do Autor de acordo com as necessidades. (B)
3) O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré, e sempre prestou trabalho nos locais (postos de trabalho) indicados pela Ré. (C)
4) Ao longo de toda a relação laboral a Ré sempre pagou ao Autor uma quantia fixa mensal, acrescida de uma quantia variável determinada em função do número de horas de trabalho extraordinário efectivamente prestadas pelo Autor. (D)
5) Durante a relação de trabalho o Autor auferiu da Ré a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. doc. 1, Certidão de Rendimentos – Imposto Profissional): (E)
Ano
Salário anual
Salário normal diário
2004
31993
152
2005
54760
152
2006
67779
188
2007
63698
177
6) Entre 1 de Junho de 2004 a 30 de Julho de 2007, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (F)
7) Entre 1 de Junho de 2004 a 30 de Julho de 2007, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (1.º)
8) A Ré nunca fixou ou conferiu ao Autor um outro dia de descanso compensatório, em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (2.º)
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões tecidas na petição dos recursos, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação é a de saber qual é o multiplicador para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal.

Tem razão o recorrente.

Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

Como, por um lado, a sentença recorrida adoptou o multiplicador X 1 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, em vez de o multiplicador X 2 que defendemos, e por outro lado não foram objecto da impugnação quer o número dos dias de descanso semanal em que trabalhou quer o quantitativo diário do salário, é de alterar a sentença recorrida e passar a aplicar nela o multiplicador X 2 para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado nos descansos semanais, o que nos leva a atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$53.840,00, correspondente ao dobro de MOP$26.920,00, quantia fixada na sentença recorrida.

Tudo visto resta decidir.

***
III) DECISÃO

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor A:

* revogando a sentença recorrida na parte que diz respeito à compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal;

* passando a atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$53.840,00; e

* mantendo a condenação da Ré no pagamento ao Autor a título da compensação pelo não gozo dos descansos compensatórios, assim como a forma de cálculo de juros.

Custas a cargo da Ré pelo decaimento da acção na parte tratada neste recurso – artº 376º do CPC e artº 2º/1-i) do RCT, a contrario.

Registe e notifique.

RAEM, 22JAN2015

Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira

Votei vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
Entende o Autor ora recorrente que, nos termos da alínea a) do nº 6 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, para além do singelo já recebido e do dia de descanso compensatório.
Trata-se de uma questão de interpretação da norma, urgindo, no fundo, saber se a expressão “pelo dobro da retribuição normal” incluiria ou não o próprio salário diário em singelo.
Vejamos.
Provado está que durante todo o período em que vigorou a relação laboral entre o Autor e a Ré, aquele não gozou dias de descanso semanal.
Ademais, provado que depois de ter prestado trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré apenas com o valor de um dia de salário em singelo, e não gozou o respectivo dia de descanso compensatório.
Segundo se dispõe na alínea a) do nº 6 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago aos trabalhadores que auferem salário mensal pelo dobro da retribuição normal.
Em termos de interpretação, entendo eu que esse “dobro” abrangeria o salário diário pago em singelo, mais o direito a auferir o equivalente a 100% da mesma retribuição.
Já em relação à compensação do trabalho prestado em dias de feriado obrigatório, o legislador utilizou uma redacção diferente - “dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal” (artigo 20º, nº 1 do Decreto-Lei nº 24/89/M). Salvo o devido respeito, ali sim, o trabalhador que presta trabalho no dia de feriado obrigatório, para além do próprio salário normal em singelo, terá ainda direito a um acréscimo correspondente ao dobro da retribuição normal, no total 3 dias de salário.
É patente a diferença de redacção. A meu ver, para o trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, como não há lugar a dia de descanso compensatório, o trabalhador terá direito a um acréscimo de dois dias de salário, e somando o singelo, ganha o triplo da retribuição. Mas para o trabalho prestado em dia de descanso semanal, como o trabalhador já tem direito a um dia de descanso compensatório, então é-lhe pago o dobro da retribuição, sendo este “dobro” constituído por um dia de salário e um dia de acréscimo, isso significa que o trabalhador aufere igualmente o tripo da retribuição (salário singelo + 1 dia de acréscimo salarial + 1 dia compensatório).
Observa 丁雅勤1 o seguinte:“法令第17條第4款及第6款規定了在周假內提供服務的工作者應獲之補償,首先工作者可在提供服務後的30天期內,獲享受補假一天;其次按其工資制度不同而獲不同的金錢補償,按同一條文第6款的規定,分別如下:
1. 月薪工作者:可獲相當於平常報酬的雙倍補償。舉例來說,一名月薪4500元的工作者在其中一個周假提供服務,則按上述第4款規定,可在30天期內享受假期一天,並在該月收取4650元薪金,其中150元是作為周假補償(當天周假工資已包括在月薪薪金之中,因此周假服務當天實際上是獲300元報酬)。
2. 按日、按時、按件等計薪之工作者:可獲支付由勞資雙方訂定的附加金額;舉例說,工作者收取日薪100元工資,除按上述第4款規定獲補假一天外,還可獲與雇主協商的金額(按第26條第2款之規定,周假工資已包括在日薪工資內)。”
Traduzindo para o português2, significa: “Os nºs 4 e 6 do artigo 17º do Decreto-Lei estipulam a compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal. Em primeiro lugar, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho; depois, consoante o respectivo regime salarial, o trabalhador vai receber diferentes compensações, estatuindo-se no nº 6 do mesmo artigo o seguinte:
1. Os trabalhadores que auferem salário mensal recebem o dobro da retribuição normal, por exemplo: um trabalhador que aufere mensalmente MOP$4500, prestou um dia de descanso semanal, de acordo com o supra nº 4, tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e receber o salário no montante de MOP$4650 nesse mês, sendo MOP$150 o valor da compensação do trabalho prestado em um dia de descanso semanal (uma vez que o salário diário desse dia de descanso semanal já está incluído no salário mensal, no fundo, no dia de descanso semanal em que prestou trabalho, o trabalhador recebeu uma remuneração de MOP$300).
2. Os trabalhadores que auferem salário determinado em função do número de dias, horas ou quantidades, recebem o montante acordado com o empregador, por exemplo, um trabalhador que aufere MOP$100 por dia, para além do dia de descanso compensatório previsto no nº 4 supra, tem direito ainda a quantias acordadas com o seu empregador (segundo o nº 2 do artigo 26º, o próprio salário do dia de descanso semanal já está incluído no salário diário).”
Aqui chegados, entendo eu que, auferindo o Autor o dobro da retribuição normal se trabalhar em dias de descanso semanal, mas provado que durante toda a relação laboral o Autor já recebeu da Ré o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, teremos que deduzir esse montante pago em singelo, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, estar o Autor a ser pago pelo quádruplo, situação essa que, na minha modesta opinião, não corresponderia à intenção do legislador tal como estaria longe da expectativa da comunidade.
Razão pela qual, com todo o respeito, não posso acompanhar o douto Acórdão, devendo assim negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente A (Autor), confirmando a sentença recorrida.
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Macau, 22 de Janeiro de 2015
Tong Hio Fong



1 澳門法律新論中冊,澳門基金會,第248頁
2 Traduzido pelo signatário
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