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Processo n.º 792/2014 Data do acórdão: 2014-12-18 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– cúmulo jurídico
– pena de prisão por crime
– pena de prisão por contravenção
– art.o 71.o do Código Penal
– art.º 124.º, n.º 1, do Código Penal
S U M Á R I O

É possível, por força do art.º 124.º, n.º 1, do Código Penal, operar o cúmulo jurídico, nos termos do art.º 71.º, n.os 1 e 2, deste Código, de pena de prisão por crime com pena de prisão por contravenção, por se tratarem igualmente de penas de prisão, apesar de aplicadas em processos por ilícitos de natureza diferente.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 792/2014
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por despacho judicial exarado em 24 de Outubro de 2014 a fl. 124 a 125 do Processo Contravencional n.o CR3-13-0920-PCT do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) (subjacentes à presente lide recursória), foi determinada, ao contrário do peticionado pelo arguido A, a não feitura do cúmulo jurídico das duas penas de prisão por dois crimes de condução em estado de embriaguez (respectivamente condenados em dois processos penais anteriores) com a pena de prisão imposta nesses autos contravencionais.
Inconformado, veio recorrer o arguido para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando àquele despacho a incorrecta aplicação do regime contido no art.o 124.o, n.o 1, e no art.o 71.o, n.o 1, do Código Penal (CP), para pedir principalmente a determinação da feitura do cúmulo jurídico das suas três penas de prisão (cfr., em detalhes, o original da motivação de recurso, constante de fls. 129 a 142 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador (a fls. 144 a 146v), no sentido de improcedência do recurso, por opinar que sendo diferentes o sistema de punição do crime e o da contravenção, as penas aplicadas num e noutro não podem ser objecto de cúmulo jurídico, até porque a feitura desse cúmulo irá porventura ser mais desfavorável à pessoa infractora.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 158 a 159), pugnando pelo não provimento do recurso, por entender não ser possível fazer cúmulo jurídico de pena de prisão aplicada por crime com pena de prisão imposta por contravenção.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes elementos processuais, pertinentes à decisão:
1. Por sentença de 27 de Junho de 2013 (transitada em julgado em 19 de Fevereiro de 2014) do Processo Sumário n.º CR4-13-0115-PSM do 4.º Juízo Criminal do TJB, foi imposta ao arguido (ora recorrente) a pena de cinco meses de prisão (com inibição de condução por dois anos), pela comprovada prática, por ele, em 27 de Junho de 2013, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 90.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR).
2. Por sentença de 30 de Agosto de 2013 (transitada em julgado em 30 de Junho de 2014) do Processo Sumário n.º CR3-13-0154-PSM do 3.º Juízo Criminal do TJB, foi imposta ao arguido a pena de seis meses de prisão efectiva (com inibição de condução por dois anos), pela comprovada prática, por ele, em 29 de Agosto de 2013, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 90.º, n.º 1, da LTR.
3. Por sentença de 21 de Maio de 2014 (transitada em julgado em 11 de Agosto de 2014) do Processo Contravencional n.º CR3-13-0920-PCT do 3.º Juízo Criminal do TJB (subjacente à presente lide recursória), foi imposta ao arguido a pena de três meses de prisão, pela comprovada prática, por ele, em 24 de Novembro de 2013, de uma contravenção especial p. e p. pelo art.º 95.º, n.º 2, da LTR, consistente na reincidência da condução sem estar habilitado.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
No recente acórdão de 10 de Outubro de 2014 deste TSI no Processo n.o 533/2014, emergente do atrás referido Processo n.o CR3-13-0154-PSM, já opinou este Tribunal Colectivo que seria possível proceder ao cúmulo jurídico das três penas de prisão (acima identificadas em concreto) nos termos propriamente dos n.os 1 e 2 do art.o 71.o do CP, ex vi também do art.o 124.o, n.o 1, do CP (e sem prejuízo da aplicabilidade do n.o 4 desse art.o 71.o às penas acessórias de inibição de condução automóvel então aplicadas nos dois anteriores processos penais), em virtude de que a contravenção especial foi perpetrada antes do trânsito em julgado da decisão condenatória por qualquer dos dois crimes.
Sendo de manter este entendimento (pois não se vislumbra alguma razão forte para não se poder operar o cúmulo jurídico de pena de prisão por crime com pena de prisão por contravenção, por se tratarem igualmente de penas de prisão, apesar de aplicadas em processos por ilícitos de natureza diferente, sendo certo que pelas regras da operação de cúmulo jurídico das penas unicamente de prisão vertidas no art.o 71.o, n.o 2, do CP, a pena única de prisão a sair do cúmulo jurídico não irá, na pior das hipóteses, ter duração superior à soma matemática de todas as penas de prisão objecto do cúmulo jurídico, ao que acresce a consideração de que não é tão decisivo, para abonar a tese de impossibilidade legal da feitura do cúmulo jurídico das penas de prisão ora em causa, o critério da natureza do ilícito gerador dessas penas de prisão, porquanto até o art.º 124.º, n.º 1, do CP dispõe que “O facto ilícito denominado contravenção é considerado crime se lhe corresponder pena de prisão de limite máximo superior a 6 meses”, por aí se deduz que importa realmente a presença da pena de prisão), há que proceder o recurso no seu pedido respeitante à possibilidade de feitura do cúmulo jurídico das três penas de prisão em mira.
E não podendo esse cúmulo jurídico das penas ser feito directamente pelo presente Tribunal ad quem, sob pena da cassação, no caso concreto dos autos em desfavor do recorrente, de um grau de jurisdição relativamente à questão da justeza da pena única finalmente a sair da aplicação do art.o 71.o do CP (cfr. o art.o 390.o, n.o 1, alínea f), do Código de Processo Penal), é de ordenar ao Tribunal autor da decisão ora recorrida a feitura desse cúmulo.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar provido o recurso, revogando o despacho recorrido, e ordenando ao mesmo Tribunal a quo a feitura de cúmulo jurídico das três penas de prisão acima identificadas, nos termos do art.º 71.º do Código Penal.
Sem custas.
Comunique ao Tribunal a quo, ao Processo n.o CR3-13-0154-PSM (à ordem do qual está preso o recorrente) e ao Processo de execução da pena.
Macau, 18 de Dezembro de 2014.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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